quinta-feira, 7 de julho de 2011

INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS GEOGRÁFICOS

  Ao longo da história os grupos humanos gradativamente foram transformando a natureza com o objetivo de garantir sua subsistência. Com isso, o espaço geográfico foi ficando cada vez mais artificializado.
Pré-História
  De um meio natural o homem avançou para um meio cada vez mais técnico: expandiram-se as áreas agrícolas, desenvolveram-se as cidades e as indústrias, construíram-se estradas, portos, hidrelétricas etc.
Revolução Industrial - período da História em que a natureza começa mais a ser modificada
  Poucas áreas da superfície terrestre ainda não sofreram transformações. E mesmo aquelas intocadas, como muitas no interior da Floresta Amazônica ou do continente Antártico, o território está delimitado e sob o controle político - sujeito a soberania nacional ou a acordos internacionais. Sobre esses territórios atuam interesses de diferentes grupos, que buscam sua preservação ou que desejam explorá-los de forma predatória. Em um meio natural, aparentemente intocado, existem relações políticas, econômicas, culturais e ambientais que nem sempre são visíveis na paisagem.
Base científica espanhola na Antártica
  De acordo com o geógrafo brasileiro Milton Santos (1926-2001), paisagem é somente a aparência da realidade, aquilo que nossa percepção, especialmente a visual, capta. Embora as paisagens materializem relações sociais, econômicas e políticas travadas entre os homens, essas relações não são facilmente percebidas. Desvendá-las requer observação, estudo e pesquisa, sendo esse o caminho para que o espaço seja apreendido em sua essência.
Paisagem - é tudo aquilo que a nossa visão alcança
  A paisagem pode ser natural e cultural, humanizada ou geográfica. Paisagem natural é àquela em que prevalecem os aspectos naturais, como uma floresta, uma cachoeira, dentre outros.
Exemplo de paisagem natural
  A paisagem cultural, também chamada de humanizada ou geográfica é àquela em  os aspectos artificiais, ou seja, aquela que sofreu ou sofre a interferência humana, prevalecem, como uma lavoura, uma cidade, uma ponte, dentre outros.
Zona urbana de Patos de Minas - MG. Exemplo de uma paisagem humanizada
  O espaço geográfico é formado pela associação entre a sociedade e a paisagem. O espaço contém todos os objetos naturais e humanizados, mais as relações humanas que se desenvolvem na vida em sociedade.
  Para compreender o espaço geográfico, precisamos entender as relações sociais e as marcas deixadas pelos grupos humanos na paisagem no decorrer da história, ou seja, entender as relações próprias da sociedade e, de forma integrada, as relações entre sociedade e natureza. É a isso que a Geografia, enquanto ciência, estuda hoje.
Inscrições rupestres em Carnaúba dos Dantas - RN. Marcas deixadas pelos grupos humanos pré-históricos na natureza.
  A origem da geografia é antiga. Desde a Antiguidade muitos pensadores elaboraram estudos considerados geográficos, embora o conhecimento fosse disperso e desarticulado, vinculado à filosofia, à matemática e às ciências da natureza. Na Grécia Antiga, Heródoto (484-420 a.C), Eratóstenes (275-194 a.C) e Estrabão (63a.C-entre 21 e 25 d.C), entre outros, nalisaram a dinâmica dos fenômenos naturais, elaboraram descrições de paisagens e estudaram a relação homem-natureza.
Estátua dedicada à Heródoto em Bodrum - Grécia
  Mesmo durante o período em que estiveram sob o domínio romano, os gregos continuaram desenvolvendo seus estudos teóricos. Nas obras de Cláudio Ptolomeu, como a que se intitula Geografia, há importantes registros geográficos, cartográficos e astronômicos. Ele viveu em Alexandria aproximadamente entre os anos 100 e 180 de nossa era, período em que o Egito fazia parte do Império Romano, mas seus estudos só foram descobertos no século XV.
Representação medieval de Ptolomeu
  Os conhecimentos legados por Ptolomeu, como o de um sistema de projeção e coordenadas, ajudaram na produção de mapas mais precisos, fundamentais para a expansão marítima europeia do século XVI.
  No século XVIII diversos filósofos contribuíram para o desenvolvimento da geografia, com destaque para o alemão Immanuel Kant (1724-1804), um dos primeiros a se preocupar com a sistematização do conhecimento geográfico.
Immanuel Kant
  Kant influenciou fortemente seus compatriotas fundadores da geografia como ciência: alexander von Humboldt (1769-1859) e Karl Ritter (1779-1859).
Karl Ritter
  Em meados do século XIX, os dois cientistas alemães gradativamente sistematizaram o arcabouço teórico-metodológico da geografia, que se transformou em disciplina acadêmica, passando a ser pesquisada e ensinada nas universidades. Humboldt foi um importante explorador, fez viagens pela América e, em Cosmos, sua obra maior, sintetizou anos de estudos geográficos.
Alexander von Humboldt
  No final do século XIX, outro importante pesquisador alemão - Friedrich Ratzel (1844-1904) - definiu a geografia como ciência humana, embora na prática a tenha tratado como ciência natural. Ratzel considerou a influência que as condições naturais exercem sobre a humanidade como objeto de estudo da disciplina. Seus discípulos radicalizaram suas ideias, dando origem ao "determinismo geográfico". Além disso, Ratzel foi um dos principais formuladores da geopolítica.
Friedrich Ratzel
  A relação entre o Estado e o espaço é central em sua obra mais importante - Antropogeografia. Segundo ele, a partir do momento em que uma sociedade se organiza para defender um território, transforma-se em Estado. Através disso, surgiu o conceito de território, que é o espaço geográfico sob o controle de um poder instituído.
  No início do século XX, um geógrafo francês - Paul Vidal de la Blache (1845-1918) - passou a criticar o método puramente descritivo e a defender que a geografia se preocupasse com a relação homem-meio, posicionando os seres humanos como agentes que sofrem influência da natureza, mas que também agem sobre ela, transformando-a. Ele inaugurava, uma contraposição ao "determinismo", uma corrente teórica conhecida como "possibilismo", ambas posteriormente rotuladas como "geografia tradicional".
Vidal de la Blache
  A geografia lablachiana, embora tenha avançado em relação à visão naturalista de Ratzel, não rompeu totalmente com ela: a disciplina continuava sendo uma ciência dos lugares, não dos homens.
  Até meados do século XX a grande maioria dos geógrafos se limitava a descrever as características físicas, humanas e econômicas das diversas formações socioespaciais, procurando estabelecer comparações e diferenciações entre elas. Nesse período desenvolveu-se a geografia regional, fortemente influenciada pela escola francesa, e o conceito de região ganhou importância na análise geográfica.
  A região pode ser conceituada como uma determinada área da superfície terrestre, com extensão variável, que apresenta características próprias e particulares que a diferencia das demais. Desde então região ficou associada à noção de particularidade e pode ser definida por diversos critérios. Pode ser natural, quando o critério de distinção é a paisagem natural, ou geográfica, se a diferenciação for econômica, social ou cultural.
Região Amazônica - exemplo de região natural
  Embora tenha um importante papel no desenvolvimento da geografia como ciência, a geografia tradicional nos legou um ensino escolar centrado na memorização de lugares, dados estatísticos sobre população e economia, características físicas de relevo, clima, vegetação e hidrografia. Essa estrutura perdurou até a segunda metade do século XX, quando a descrição das paisagens, com seus fenômenos naturais e sociais, passou a ser realizada de forma mais atraente e eficiente pela televisão. A partir daí, os geógrafos foram obrigados a buscar novos objetos de estudo que permitissem à geografia sobreviver como disciplina escolar no ensino básico e como ramificação das ciências humanas em nível universitário.
Templo budista na cordilheira do Himalaia em Butão
  O processo de mudança do objeto de estudo da disciplina teve seu divisor de águas na década de 1970, quando a geografia passou por uma efervescente renovação em suas bases teórico-metodológicas. Esse processo teve como um dos pioneiros o geógrafo francês Yves Lacoste (1929), que em 1976 publicou A geografia: isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra.
Yves Lacoste
  Essa obra balançou as estruturas da geografia tradicional ao denunciá-la como instrumento ideológico a serviço de interesses políticos e econômicos dominantes. Mas, ao mesmo tempo, indicou caminhos para a renovação crítica da disciplina.
Livro de Lacoste
  Lacoste denunciou a existência da "geografia dos Estados maiores" - a serviço do Estado e do capital, ou seja, a geopolítica - e da "geografia dos professores" - ensinada nas salas de aula e materializada nos livros didáticos. Segundo ele, a última acabava cumprindo a função de mascarar o papel da geopolítica e seus vínculos com os interesses dominantes.
  No Brasil um dos pioneiros nesse processo de renovação foi o geógrafo Milton Santos, com a obra Por uma geografia nova, de 1978.
Milton Santos
  Enquanto a renovação na França e no Brasil teve forte influência do pensamento de esquerda, sobretudo do marxismo, nos Estados Unidos a contraposição à corrente tradicional foi a geografia quantitativa ou pragmática. Essa vertente da renovação condenava o atraso tecnológico da geografia tradicional e passou a utilizar sistemas matemáticos e computacionais na interpretação do espaço geográfico.
  Essa corrente tecnicista e utilitarista, que mascarava os conflitos e as contradições sociais denunciados pelos geógrafos críticos, era uma perspectiva conservadora, a serviço do status quo.
  O fim do socialismo real reduziu a influência do marxismo nas ciências humanas, o que abriu caminho para a difusão de outras correntes teórico-metodológicas na geografia crítica, como a fenomenologia e o existencialismo, ao mesmo tempo em que as correntes críticas passaram a valorizar as novas tecnologias.
Sputnik I - os satélites são uma das tecnologias utilizadas pelos geógrafos
  Atualmente, depois de mais de três décadas de renovação e com o avanço da globalização, consolida-se a certeza de que a geografia é uma disciplina fundamental para a compreensão do mundo contemporâneo e de seus problemas - a produção e o consumo, a questão ambiental, o caos urbano, as crises financeiras, entre tantos outros - em diferentes escalas geográficas.
Fonte: SENE, Eustáquio de. Geografia geral e do Brasil, volume 1: espaço geográfico e globalização: ensino médio/ Eustáquio de Sene, João Carlos Moreira. - São Paulo: Scipione, 2010.

Um comentário:

Anônimo disse...

foi legal achei interesante

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