quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

O USO DA VIOLÊNCIA NA DIVULGAÇÃO DE NOTÍCIAS

  Nos últimos anos, a discussão sobre as consequências graves de notícias espalhadas por diversos meios se acentuou. O termo fake news passou a integrar o cotidiano de muita gente e integrou debates políticos de variados países.

  Notícias falsas, ou fake news, em inglês, são uma forma de imprensa marrom (veículos de comunicação sensacionalistas), que consiste na distribuição deliberada de desinformação ou boatos via jornal impresso, televisão, rádio, ou ainda online, como nas mídias sociais. Este tipo de notícia é escrito e publicado com a intenção de enganar, a fim de se obter ganhos financeiros ou políticos, muitas vezes com manchetes sensacionalistas, exageradas ou evidentemente falsas para chamar a atenção. Uma fala, um texto, uma reportagem que divulga informação mentirosa sobre algo ou alguém, são chamadas de fake news. Por essa lógica, as fake news existem desde quando os seres humanos começaram a se comunicar entre si. Mentir para alguém pode ser considerado falar uma fake news.

  No entanto, não usamos o termo fake news para apontar toda e qualquer mentira ou informação errada. As fake news são, primeiramente, ligadas à imprensa. Mas o termo se popularizou na era da internet, com notícias propagadas por jornais, emissoras, grupos e movimentos políticos, que atingem grande número de pessoas.

  Um jornal pode dizer uma data errada em reportagem. Quando isso acontece, é possível que o veículo publique uma errata corrigindo o equívoco. Já a fake news não é uma notícia que contém uma informação equivocada. Ao contrário, várias fake news são histórias completamente inventadas. Fake news, portanto:

  • são divulgadas para grande número de pessoas, sobretudo por meio da internet;
  • não são uma notícia verdadeira que contêm pequeno erro, mas notícias cujo conteúdo é inteiramente falso.

Repórteres com várias formas de "notícias falsas", de uma ilustração de 1894, por Frederick Burr Opper

Os usos das fake news

  Em alguns casos, chamamos de fake news notícias que têm informação falsa no título. Nesse caso, nem sempre a matéria conta alguma mentira, o título falso é apenas uma estratégia de click bait - manchete de notícia sensacionalista ou falsa que visa chamar a atenção para aumentar o número de clicks em uma matéria ou página para aumentar as receitas de publicidade online.

  Existem muitos usos possíveis das fake news. Um candidato político em campanha pode inventar uma história sobre seu adversário para ganhar uma eleição. Um grupo religioso pode divulgar informações falsas sobre outra religião, a fim de atacar uma crença diferente da sua. No mundo comercial e empresarial, as fake news pode ter a função de derrubar um adversário. Uma empresa pode mentir sobre sua concorrente a fim de ganhar novos consumidores. Por fim, alguém pode inventar uma fake news afim de propagar o ódio. Por exemplo, uma pessoa racista pode fabricar uma fake news contra um negro, ou uma pessoa que quer se vingar de outra espalha mentiras a seu respeito.

  Se é verdade que as notícias falsas propagadas pela imprensa existem bem antes da internet, também é verdade que, com a internet e as diversas redes sociais, começou uma prática nova de fake news. Em diversas campanhas políticas do mundo todo, há empresas que trabalham unicamente para divulgar informações erradas e mentirosas.

  A lógica da internet favorece o rápido compartilhamento de uma mentira. Um exemplo é a televisão: se alguém vê uma notícia falsa, pode acreditar nela e comentar com seus amigos próximos. Mas se alguém recebe uma notícia falsa, pode acreditar nela e pelo celular, bastam alguns cliques para que muitas pessoas recebam essa notícia. A internet permite a viralização e faz com que leitores crédulos trabalhem para os propagadores das fake news.

  Muitas vezes as pessoas envolvidas em uma fake news são atacadas. Os ataques podem ser virtuais ou não. Alguém acusado falsamente de cometer um crime pode receber e-mails ameaçadores, mas pode ser atacado fisicamente. Depois de muitos casos de pessoas atacadas e prejudicadas por causa das fake news, diversos países começaram a discutir leis que punissem a prática dessas notícias.

Como combater uma fake news

  Não existe uma forma rápida de acabar com as fake news, pois suas forças estão tanto nos seus criadores quanto nas pessoas que as divulgam. Na maior parte das vezes, é difícil identificar os seus criadores e isso dificulta muito a luta contra elas, porém, diversos especialistas apontam caminhos para que as pessoas comuns deixem de ser um instrumento de propagação das fake news.

  Os especialistas apontam que a principal arma contra as fake news é o senso crítico, ou seja, a nossa capacidade de receber informações, refletir sobre elas e saber agir em caso de dúvidas. Para isso, recomenda-se seguir alguns passos quando recebemos ou lemos uma notícia:

1º passo: se a notícia for uma matéria de um jornal ou de um site, não leia apenas o título, pois muitas vezes os títulos são criados para chamar a atenção do leitor e podem distorcer a informação.

2º passo: tenha cuidado com notícias sensacionalistas, pois esse é um recurso utilizado pelos criadores de fake news para mexer com as emoções do leitor, induzindo-o a aceitar de forma acrítica as informações.

3º passo: verifique se a notícia tem algum autor. Em caso positivo, se for alguém que você não conhece, pesquise sobre ele.

4º passo: se a notícia for de algum site que você não conhece, navegue pela página para descobrir mais sobre ele e verificar sua credibilidade. Normalmente, os sites têm uma aba chamada "Quem somos", onde é possível verificar os responsáveis, saber se há e-mail ou telefone de contato etc.

5º passo: sempre verifique a data de publicação das notícias e a localidade onde as situações ocorreram. É muito comum recebermos imagens ou notícias em que a data, o local ou as pessoas retratadas não se referem ao fato noticiado.

6º passo: tenha sempre mais de uma fonte de informação, não se restrinja aos mesmos sites ou noticiários. Ter referências variadas ajuda a conferir a veracidade das informações. E ouvir mais de um ponto de vista contribui para a formação do senso crítico.

7º passo: antes de repassar qualquer informação, procure saber se ela é verdadeira.

Cartaz sobre fake news

quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

O ANTIGO REGIME NA FRANÇA

  O Antigo Regime refere-se originalmente ao sistema social e político aristocrático que foi estabelecido na França. Trata-se principalmente de um regime centralizado e absolutista, em que o poder era concentrado nas mãos do rei.

  Também se atribui o termo ao modo de viver característico das populações europeias durante os séculos XV, XVI, XVII e XVIII, isto é, desde as descobertas marítimas até as revoluções liberais. Coincidiu politicamente com as monarquias absolutistas, economicamente com o capitalismo social, e socialmente com a sociedade de ordens. As estruturas sociais e administrativas do Antigo Regime foram resultado de anos de "construção" estatal, atos legislativos, conflitos e guerras internas, mas tais circunstâncias permaneceram como uma mistura confusa de privilégios locais e disparidades históricas, até que a Revolução Francesa pôs fim ao regime.

   No fim do século XVIII, o Reino da França possuía cerca de 28 milhões de habitantes e era um país marcado pela desigualdade.

A França em 1435

Sociedade

  A sociedade francesa estava dividida em três ordens ou estados: o Primeiro Estado (o clero); o Segundo Estado (a nobreza); e o Terceiro Estado (camponeses, burguesia e trabalhadores das cidades).

  O Primeiro Estado - o Clero - era composto de cerca de 280 mil pessoas. A riqueza vinha, sobretudo, das terras que o clero possuía, mas ele também cobrava dízimo, imposto nacional e taxas sobre batismo, casamento e sepultamento. Os cardeais, bispos, arcebispos e abades compunham o alto clero e tinham, geralmente, origem nobre. O baixo clero -padres, frades e monges - era de origem pobre e vivia insatisfeito com os privilégios e os desmandos do alto clero e da nobreza.

  O Segundo Estado - a nobreza - era composto de cerca de 840 mil indivíduos, cuja função principal era "defender a nação"; por isso, só os nobres portavam espada. A nobreza era composta de três grupos principais: nobreza cortesã (sustentada pela realeza, vivia em torno do Palácio de Versalhes, a residência do rei), nobreza provincial (estabelecida no interior da França, vivia das rendas das terras onde os camponeses trabalhavam) e nobreza de toga (burgueses que tinham comprado títulos e cargos públicos vendidos pela realeza). A nobreza como um todo vivia à sombra da Corte e/ou do trabalho dos camponeses.

  O Terceiro Estado - camponeses, trabalhadores urbanos e burguesia - era compost0 de 26 milhões e 880 mil pessoas. Os camponeses constituíam cerca de 80% da população francesa e pagavam impostos à Monarquia e a seus senhores diretos. Entre os trabalhadores urbanos havia artesãos, operários, cocheiros, carregadores de lenha, entre outros; muitos viviam em Paris e eram conhecidos como sans-cullotes ("sem culote". Culote era uma calça justa que terminava um pouco abaixo do joelho, usada pelos nobres).

  A burguesia francesa era formada pela alta e média burguesia (fabricantes, grandes comerciantes, banqueiros, agiotas e armadores) e pela pequena burguesia (profissionais liberais - advogados, médicos, escritores -, funcionários públicos e lojistas); a pequena burguesia era mais influente politicamente.

  Os membros do Terceiro Estado produziam riquezas e eram obrigados a pagar quase todos os impostos; não possuíam qualquer privilégio. O Primeiro e o Segundo Estado não produziam riquezas, eram isentos de quase todos os impostos, ocupavam altos cargos e recebiam ricas pensões.

Sociedade no Antigo Regime

A economia e a política

  Na França, desde o século XV, o capitalismo vinha se desenvolvendo a passos largos. A burguesia ganhava importância social e prosperava por meio da indústria, do empréstimo de dinheiro a juros e do comércio com o Oriente, a América e a África. Mas o Estado absolutista francês representava um obstáculo aos negócios da burguesia, pois a carga de impostos encarecia o preço das mercadorias; as práticas mercantilistas impediam a livre concorrência (a produção de seda, por exemplo, era monopólio de um pequeno grupo); os diferentes sistemas de pesos e medidas dificultavam o comércio interno. Com o tempo, essa situação se agravou e muitas empresas faliram gerando desemprego e fome nas cidades.

  No campo, a falta de trabalho também atingia os mais pobres; pois os grandes proprietários vinham introduzindo a agricultura capitalista: cercavam as terras de uso comum (campos, matas e pastos) para produzir cereais em larga escala e, consequentemente, os camponeses que delas sobreviviam ficavam sem terra e sem trabalho. Em virtude da concentração de terras e dos pesados impostos cobrados no campo, a oferta de alimentos era pequena e seus preços, elevados. Com as inundações e secas, frequentes na década de 1780, os preços dos alimentos disparavam, e, como "estômagos famintos não têm ouvidos" - ditado popular da época da Revolução Francesa -, explodiram as famosas jacqueries (revoltas camponesas).

A crise econômica provocou a revolta dos camponeses e dos trabalhadores urbanos

  Enquanto isso, a dívida do governo do rei Luís XVI aumentava sob o peso dos gastos com a Corte e com as guerras movidas ou apoiadas pela monarquia francesa.  Callone, ministro de Luís XVI, chegou a propor que o clero e a nobreza passassem a pagar impostos, mas sua proposta foi rejeitada.

  Diante da gravidade da situação, Luís XVI convocou os Estados Gerais - assembleia que reunia os três estados, o clero, a nobreza e o Terceiro Estado, e que não era consultado há 175 anos.

  Nessa assembleia, o voto era "por estado", ou seja, cada estado tinha direito a um voto. Assim, a nobreza e o clero, que eram os grupos dos privilegiados, somavam dois votos contra apenas um do Terceiro Estado. Nessa assembleia dos Estados Gerais, o Terceiro Estado conseguiu eleger mais deputados do que o clero e a nobreza juntos (578 X 561) e lançou então uma campanha em defesa do voto por cabeça.

Os três estados do Antigo Regime: o clero, a nobreza e a burguesia

A Revolução em marcha

  Em 5 de maio de 1789, na sessão de abertura da Assembleia dos Estados Gerais, o rei, com o apoio do clero e da nobreza, declarou que a reunião deveria ser restrita ao exame dos problemas financeiros, omitindo, assim, o debate se o voto seria "por cabeça" ou "por estado". Assim, a votação continuaria sendo por estado.

  Os deputados do Terceiro Estado reagiram a essa decisão do rei declarando em Assembleia Nacional o objetivo de escrever e aprovar uma constituição. Luís XVI, por sua vez, mandou fechar a sala em que os deputados se reuniam. Eles, então, invadiram a sala do Jogo da Pela (jogo semelhante ao jogo de tênis em quadra coberta, praticado pelos nobres e clérigos) e lá juraram não se separar enquanto não tivessem elaborado uma Constituição para a França.

Sessão de abertura dos Estados Gerais em 5 de maio de 1789

Fases da Revolução Francesa

  • A Assembleia Nacional Constituinte

  A tensão entre a Assembleia e o rei aumentou; em 14 de julho de 1789, o povo de Paris invadiu e tomou a Bastilha, a prisão símbolo do absolutismo francês. Sob intensa pressão popular, a Assembleia Nacional Constituinte aboliu a servidão, os dízimos, o direito de mão-morta (pagamento feito pelo servo quando seu pai morria, para manter o direito de utilizar a terra) e a justiça senhorial (todos passavam a obedecer às mesmas leis). Em 26 de agosto de 1789 a Assembleia Nacional aprovou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Esse documento estabelecia o direito à liberdade, à propriedade privada, à segurança, resistência à opressão e o direito à livre comunicação dos pensamentos e das opiniões. Além disso, a Assembleia confiscou os bens da Igreja, colocou-os à venda, e aprovou a Constituição Civil do Clero, que transformou os membros do clero em funcionários públicos, obrigando-os a jurar fidelidade à Nação. Os que aceitaram essa decisão foram chamados de clero juramentado; os que discordaram dela foram denominados clero refratário. O clero refratário se uniu aos milhares de nobres que haviam fugido da França com dinheiro e joias e, no exterior, aliaram-se a monarcas absolutistas para combater a Revolução Francesa.

Queda da Bastilha, em 14 de julho de 1789

  • A monarquia constitucional

  Em setembro de 1791, foi aprovada a primeira Constituição francesa, que: limitou o poder do rei, transformando a França em uma monarquia constitucional; liquidou o absolutismo francês, dando à Assembleia o poder de fazer e aprovar leis; confirmou a perda dos privilégios do clero e da nobreza e criou privilégios de outro tipo, como o voto censitário: os franceses foram divididos em cidadãos "ativos" (os que possuíam a renda exigida para votar e ser votado) e "passivos", ou não votantes (quase 85% da população; pobres, mulheres e não brancos foram excluídos do direito ao voto); proibiu os sindicatos e as greves.

  A Constituição desagradou profundamente o rei da França e aos seus aliados internos (a alta nobreza e o alto clero) e externos (o governo da Áustria e da Prússia); unificadas, essas forças montaram um exército e invadiram a França. A Assembleia Nacional francesa reagiu declarando "a pátria em perigo"; o povo de Paris, por sua vez, marchou sobre o Palácio das Tulherias e prendeu o rei e sua família. Com a ajuda de milhares de voluntários, o exército francês revolucionário venceu o exército estrangeiro na Batalha de Valmy, em 20 de setembro de 1792.

O assalto ao Palácio das Tulherias, em 10 de agosto de 1792

  • A Convenção Nacional

  Vencido o exército invasor, elegeu-se uma nova Assembleia Nacional, denominada Convenção, que imediatamente extinguiu a Monarquia e proclamou a República. Abriu-se, então, intensa disputa entre os 750 deputados que compunham a Convenção e que se encontravam divididos em quatro grandes grupos políticos.

  Os girondinos, que representavam a burguesia industrial e comercial, defendiam o voto censitário, o direito à propriedade privada e eram contrários à participação política de populares na Convenção.

  Os jacobinos, a exemplo de Robespierre, defendiam um governo central forte, o voto universal e a participação popular na direção do processo revolucionário.

  Os cordeliers, liderados por Marat e Danton, abraçavam propostas radicais como o fim da propriedade privada e a reforma agrária. Cordeliers e jacobinos sentavam-se nos bancos mais altos do plenário, por isso, esses dois grupos políticos eram conhecidos como montanheses.

  A planície, que era composta por deputados que agiam conforme seus interesses imediatos, ora apoiava os jacobinos, ora os girondinos. Sentavam-se ao centro, nos lugares mais baixos do plenário; daí o nome de "planície".

Sala do Manège das Tulherias, local de reunião da Convenção até 9 de maio de 1793

  O rei foi levado a julgamento pela Convenção, fato que dividiu os deputados: os girondinos propunham um solução conciliatória; já os jacobinos desejavam a execução do rei. A descoberta, no cofre real, do acordo que o rei fizera com monarcas estrangeiros em favor da invasão da França precipitou os acontecimentos; após intensos debates, 683 dos 721 deputados presentes (cerca de 95%) declararam Luís XVI culpado. Em janeiro de 1793, diante de uma multidão de cerca de 20 mil pessoas, o rei foi guilhotinado e sua cabeça exibida ao povo.

  A execução do rei desencadeou uma série de reações internas e externas.

  Externamente, várias monarquias europeias, como Áustria, Prússia, Holanda, Espanha e Inglaterra, uniram-se e formaram a Primeira Coligação contra a França revolucionária. Internamente, em meio à grave crise econômica, grupos de sans-culottes armados cercaram a Assembleia Nacional, depuseram os deputados girondinos e colocaram os jacobinos no poder, em junho de 1793.

Execução de Luís XVI. A cabeça do rei é exibida ao povo, como se costumava fazer com todos os executados

  • O governo jacobino

  Os jacobinos organizaram um governo fortemente centralizado, dirigido por Robespierre e composto de uma série de órgãos especiais; o principal deles, o Comitê de Salvação Pública, concentrava enorme poder. Subordinado a esse órgão, havia o Tribunal Revolucionário, que julgava sumariamente os indivíduos considerados contrarrevolucionários.

  Para enfrentar a situação caótica em que a França se encontrava e a ameaça externa, o Comitê de Salvação Pública adotou as seguintes medidas: decretou o alistamento em massa de todos os jovens de 18 a 25 anos - solteiros ou viúvos, foram recrutados para a luta contra os inimigos externos (Segunda Coligação); tabelou os gêneros de primeira necessidade e elevou os salários; dividiu as terras dos nobres emigrados em pequenos lotes e as vendeu ou doou aos camponeses; aboliu a escravidão nas colônias francesas; instituiu a escola primária pública e obrigatória, como um direito fundamental de todos os franceses, o que permitiu o acesso dos pobres à educação formal.

Tribunal Revolucionário

  Na esfera política, as lutas entre os  jacobinos e girondinos se acirraram e, nesse contexto Jean-Paul Marat, ídolo dos sans-culottes, foi assassinado pela girondina Charlotte Corday (1768-1793).

  O governo jacobino reagiu aumentando a repressão e baixando a Lei dos Suspeitos, que suspendia os direitos individuais dos cidadãos, inclusive o direito de defesa, e intensificando o uso da guilhotina. Até Danton, um líder popular da Revolução, foi executado a mando de Robespierre. Iniciava-se assim o Período do Terror (de setembro de 1793 a julho de 1794): milhares de pessoas acusadas de serem inimigas de revolução foram condenadas e guilhotinadas em praça pública.

  Enquanto isso, o exército francês, liderado por Napoleão Bonaparte (1769-1821) e fortalecido pelo ingresso de jovens e de sans-culottes, libertou o porto de Toulon das mãos inglesas e retomou a região da Vendeia, vencendo os contrarrevolucionários.

  Conforme os jacobinos intensificavam o uso da violência, foram perdendo o apoio popular e dos deputados aliados ao seu governo. Aproveitando-se do enfraquecimento dos jacobinos, os deputados da planície e os girondinos desfecharam um golpe em julho de 1794 (9 Termidor pelo novo calendário) e retomaram o poder. Robespierre, Saint-Just (1767-1794) e outros líderes jacobinos foram presos e guilhotinados sem julgamento.

  Encerrava-se, assim, a fase mais popular e radical da revolução, e a burguesia retomava o poder.

Execução de Maximilien Robespierre (1758-1794) durante o Terror

  • O Diretório

  Ao assumir o poder, em 1794, o novo governo liberou os preços dos alimentos e dos aluguéis e restabeleceu a escravidão nas colônias francesas. Além disso, estimulou o crescimento da indústria do algodão, da metalurgia e da mineração, intensificando o desenvolvimento do capitalismo francês. Em 1795, aprovou uma nova Constituição que restabeleceu o voto censitário (que excluía a maioria da população do direito ao voto) e confiou o poder Executivo a um Diretório, formado por cinco deputados escolhidos por sorteio.

  O Diretório combateu duramente seus dois principais adversários: os realistas, empenhados na volta à monarquia, e os novos jacobinos, apoiados pelos sans-culottes. Os monarquistas, ajudados pela Inglaterra, promoviam levantes para levar ao poder o conde de Artois, irmão de Luís XVI; os novos jacobinos faziam oposição ao governo por meio de seus clubes e jornais. Nesse contexto, um jornalista de nome Graco Babeuf (1760-1797) encabeçou um movimento popular - a Conspiração dos Iguais - que propunha o fim da propriedade privada e a distribuição equitativa da pobreza.

  O Diretório reagiu decretando uma lei que condenava à morte todos os que eram favoráveis à reforma agrária ou à volta da monarquia (Babeuf e seu grupo foram presos e executados). A seguir, ordenou a ocupação militar de Paris, anulou as eleições e fechou a imprensa oposicionista. Apesar desse esforço para manter a ordem, o Diretório encontrava-se desmoralizado, pois vários de seus membros estavam envolvidos em atos de corrupção. Nesse cenário de violência, instabilidade política e falta de ética os militares ganharam proeminência. Napoleão Bonaparte, conhecido pelo excelente desempenho no combate aos exércitos estrangeiros, passou a ser visto por muitos franceses como "salvador da pátria", ou seja, o homem que poria fim ao descalabro em que a França vivia. Em 10 de novembro de 1799 (18 Brumário pelo calendário republicano), Napoleão Bonaparte desfechou um golpe de Estado, e, apoiado por um grupo político-militar, tomou o poder.

Napoleão Bonaparte cercado por membros do Conselho dos Quinhentos durante o Golpe de 18 Brumário, por François Bouchot

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

HOBSBAWM, E. Era das Revoluções. São Paulo: Paz e Terra, 1978.

ROSSI, P. A ciência e a filosofia dos modernos aspectos da Revolução Científica. São Paulo: EDUnesp, 1992.

MATTOSO, K. de Q. Textos e documentos para o estudo de história contemporânea. São Paulo: Edusp; Hucitec, 1977.

HUNT, L. Revolução Francesa e Vida Privada. in: PERROT, M. (Org). História da Vida Privada: da Revolução Francesa à Primeira Guerra. Vol. 4. São Paulo: Companhia das Letras, 1991 (adaptado).

segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

O MURO DE BERLIM

  O Muro de Berlim, oficialmente Muro de Proteção Antifascista, foi uma barreira física construída pela Alemanha Oriental durante a Guerra Fria, que circundava toda Berlim Ocidental. Era parte da fronteira interna alemã. Além de dividir a cidade de Berlim ao meio, o muro simbolizava o mundo em dois blocos ou partes: República Federal da Alemanha (RFA), também conhecida como Alemanha Ocidental, capitalista e aliada dos Estados Unidos; e a República Democrática Alemã (RDA), também conhecida como Alemanha Oriental, socialista e aliada da antiga União Soviética.

  O Muro de Berlim foi construído na madrugada de 13 de agosto de 1961, com uma extensão de 66,5 quilômetros de gradeamento metálico, 302 torres de observação, 127 redes metálicas eletrificadas com alarme e 255 pistas de corrida para ferozes cães de guarda. Era patrulhado por militares da Alemanha Oriental, que tinha como objetivo evitar a fuga de alemães orientais para o lado ocidental da Alemanha. Esse muro simbolizava a chamada "cortina de ferro", que separava a Europa Ocidental da Europa Oriental ou Leste Europeu.

Mapa do traçado do Muro de Berlim

Origem do Muro de Berlim

  A construção do Muro de Berlim está ligada diretamente à Guerra Fria. Após a Segunda Guerra Mundial, o que restou da Alemanha nazista a oeste da linha Oder-Neisse, de acordo com o Acordo de Potsdam, foi dividido em quatro zonas de ocupação, cada um controlado por uma das quatro potências aliadas vencedoras da guerra: Estados Unidos, Reino Unido, França e União Soviética. A capital, Berlim, que era a sede do Conselho de Controle Aliado, foi igualmente dividida em quatro setores, apesar da cidade estar situada no interior da zona soviética.

Zonas de ocupação aliadas em Berlim

  Em dois anos, ocorreram divisões entre os soviéticos e as outras potências de ocupação, incluindo a recusa dos soviéticos aos planos de reconstrução de uma Alemanha pós-guerra autossuficiente e de uma contabilidade detalhada das instalações industriais e infraestrutura já removidas pelos soviéticos. Reino Unido, França, Estados Unidos e os países do Benelux (Bélgica, Holanda e Luxemburgo) se reuniram para mais tarde transformar as zonas não-soviéticas do país em zonas de reconstrução e aprovar a ampliação do Plano Marshall para a reconstrução da Europa e da Alemanha.

  Em 1945, Joseph Stalin, líder soviético, construiu um cinturão protetor da União Soviética nas nações controladas em sua fronteira ocidental, criando, assim, o Bloco do Leste socialista, que até então incluía a Polônia, Hungria e a então Tchecoslováquia. Stalin revelou aos líderes alemães socialistas que tinha como principal objetivo enfraquecer a posição britânica em sua zona de ocupação, e que em breve os Estados Unidos iriam se retirar de Berlim, unificando a cidade sob o controle socialista dentro da órbita soviética. A grande tarefa do Partido Comunista na zona soviética alemã era abafar as ordens soviéticas através do aparelho administrativo e fingir para as outras zonas de ocupação que se tratavam de iniciativas próprias.

  Em 1948, após desentendimentos sobre a reconstrução de Berlim e uma nova moeda alemã, Stalin instituiu o Bloqueio de Berlim, um cerco "pacífico que impedia a chegada de suprimentos à Berlim Ocidental. Os Estados Unidos e seus aliados fizeram uma "ponte aérea", fornecendo alimentos e outros suprimentos à Berlim Ocidental. Em 1949, Stalin acabou com o bloqueio, permitindo a retomada dos embarques do Ocidente para Berlim.

  No dia 23 de maio de 1949, os aliados capitalistas criaram a República Federal Alemã (Alemanha Ocidental), impedindo que Stalin se apoderasse de todo o território alemão. Em resposta, no dia 7 de outubro desse mesmo ano, a União Soviética decretou a criação da República Democrática Alemã (Alemanha Oriental.

Berlinenses assistindo a aterrisagem de um C-54 no Aeroporto de Tempelhof, em 1948, durante o Bloqueio de Berlim

A construção do Muro de Berlim

  Os planos da construção do muro era um segredo do governo da Alemanha Oriental. Os governos ocidentais receberam informações sobre os planos socialistas de bloquear as fronteiras de Berlim Ocidental, incluindo a interrupção de todas as linhas de transporte público.

  Depois de uma conferência realizada com os membros do Pacto de Varsóvia (aliança militar formada pelos países socialistas do Leste Europeu e a União Soviética), anunciou-se que os membros dessa aliança deveriam inibir atos de perturbação na fronteira de Berlim Ocidental e propuseram a implementação de uma guarda de controle efetivo. No dia 11 de agosto de 1961, a Volkskammer (órgão legislativo da República Democrática Alemã) autorizou o Conselho de Ministros a tomar as medidas necessárias. O conselho decidiu no dia 12 de agosto usar as forças armadas para ocupar a fronteira e instalar gradeamentos fronteiriços.

  Na madrugada de 13 de agosto de 1961, as forças armadas bloquearam as conexões de trânsito a Berlim Ocidental. Eram apoiadas por forças soviéticas, preparadas para a luta, nos pontos fronteiriços dos setores ocidentais.

Imagens aéreas filmadas pela CIA (Agência Central de Inteligência dos EUA) em 1961

  Após sua total construção, o muro tinha cerca de 155 quilômetros de comprimento, cruzava 24 quilômetros de rios e 30 quilômetros de bosques. Interrompeu o trajeto de oito linhas de trens urbanos, quatro de metrô e cortou 193 ruas e avenidas.

  Estava defendido por grades com alarmes, cercas elétricas e arames farpados, pontilhado por mais de 300 torres de observação, patrulhadas por cães de guarda e soldados bem armados. Eles tinham ordem de atirar para matar qualquer pessoa que tentasse atravessá-lo.

Construção do Muro, em 20 de novembro de 1961

  Algumas construções de Berlim sofreram diretamente as consequências do muro, como a Igreja da Reconciliação, edificada em 1894, que ficou restrita aos moradores do lado comunista.

  Outro lugar dilacerado foi o Cemitério Sophien, que passou a ser acessível somente aos berlinenses orientais. Sua área foi cortada e vários corpos não foram retirados adequadamente.

  Porém, uma rua se tornou símbolo desta divisão: a "Bernauer  Strasse" (rua Bernauer). Com 1,4 km de extensão, o Muro ocupou quase toda sua área e os edifícios contíguos tiveram suas janelas emparedadas. Ali houve a primeira vítima mortal que tentou escapar de Berlim Oriental, no dia 22 de agosto de 1961, quando uma moradora saltou do terceiro andar e veio a falecer com a queda.

  Estima-se que 118 pessoas tenham morrido arriscando cruzar o Muro. Outras 112 foram alvejadas ou despencaram das alturas, mas sobreviveram e foram presas juntas com cerca de 70 mil pessoas acusadas de traição por tentar fugir da Alemanha Oriental. No entanto, mais de 5 mil pessoas conseguiram superar todas essas barreiras e alcançar a Alemanha Ocidental.

Localização do muro em frente ao Portão de Brandemburgo, em 1961

Queda do Muro de Berlim

  Em 1963, o presidente americano John Kennedy, em visita à Berlim, fez um discurso memorável solidarizando-se com Berlim Ocidental, declarando-se que era um berlinense. Porém, as duas Alemanhas só reatariam os laços diplomáticos dez anos depois, ao mesmo tempo que a União Soviética e os Estados Unidos tentavam diminuir a tensão da Guerra Fria.

  Tanto a União Soviética quanto seus aliados comunistas passavam por uma crise econômica e política. Por isso, usavam estratégias de abertura para oxigenar seus regimes.

  Na década de 1980, com o objetivo de criar uma área junto ao muro (que ficou conhecida como zona da morte), o governo da Alemanha Oriental optou por sua demolição, em 1985.

Grafites no Muro de Berlim, em 1986

  Em 1987, o presidente americano Ronald Reagan desafiou o presidente da União Soviética, Mikhail Gorbachev, a derrubar o muro. Enquanto isso, Gorbachev preparava a abertura paulatina da União Soviética ao mundo.

  Na mesma época, ocorreram várias manifestações por mais liberdade em ambos os lados da fronteira alemã. Numa declaração transmitida pelas televisões, os políticos da Alemanha Oriental anunciaram a abertura da fronteira.

  No próprio bloco da Europa Oriental, vários países realizavam tímidas reformas. Em 1989, o governo da Hungria abriu suas fronteiras, permitindo a entrada em massa de alemães orientais na Alemanha Ocidental.

  O Muro de Berlim começou a ser derrubado na noite de 9 de novembro de 1989 depois de 28 anos de existência. O evento é conhecido como a queda do muro. O impulso decisivo para a queda do muro foi um mal-entendido entre o governo da República Democrática Alemã. Na tarde do dia 9 de novembro houve uma conferência de imprensa, transmitida ao vivo na televisão da Alemanha Oriental. Günter Schabowski, membro e porta-voz da Comissão Política do Partido Socialista Unificado da Alemanha, anunciou uma decisão do conselho dos ministros de abolir imediatamente e completamente as restrições de viagens ao Oeste. Esta decisão deveria ser publicada só no dia seguinte, para anteriormente informar todas as agências governamentais.

  Pouco depois deste anúncio houve notícias sobre a abertura do Muro no rádio e na televisão ocidental. Milhares de pessoas marcharam aos postos fronteiriços e pediram a abertura da fronteira. Nesta altura, nem as unidades militares, nem as unidades de controle de passaportes haviam sido instruídas.

Alemães em pé em cima do muro, em 1989, que começaria a ser destruído no dia seguinte

  Por causa da força da multidão e com os guardas da fronteira sem saber o que fazer, a fronteira abriu-se no posto de Bomholmer Strasse, às 23 horas do dia 9 de novembro de 1989, mais tarde em outras partes do centro de Berlim e na fronteira ocidental. Muitas pessoas viram a abertura da fronteira na televisão e pouco depois marcharam à fronteira. Como muitas pessoas já dormiam quando a fronteira se abriu, na manhã do dia 10 de novembro havia grandes multidões de pessoas querendo passar pela fronteira.

  Os cidadãos da RDA foram recebidos com grande euforia em Berlim Ocidental. Muitas boates perto do Muro espontaneamente serviram cerveja gratuita, houve uma grande celebração na Rua Kurfürstendamm, e pessoas que nunca se tinham visto antes cumprimentavam-se. Cidadãos de Berlim Ocidental subiram ao muro e passaram para as Portas de Brandemburgo, que até então não eram acessíveis aos ocidentais. O Bundestag (Parlamento da República Federal da Alemanha), interrompeu as discussões sobre o orçamento, e os deputados espontaneamente cantaram o Hino Nacional da Alemanha.

Guindaste removendo partes do muro, em 21 de dezembro de 1989

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

MONIZ BANDEIRA, L. 2001. A reunificação da Alemanha: do ideal socialista ao Socialismo Real. São Paulo: Global. 

quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

O BRASIL IMPÉRIO

   O período do Brasil Império teve início com o processo de Independência do Brasil (1821-1825) e terminou com a Proclamação da República (1889). Em 1822, o que era "Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves" tornou-se, oficialmente, "Império do Brasil", o qual estabeleceu como forma de governo uma Monarquia Constitucional Parlamentarista, tendo Dom Pedro I como Imperador do Brasil. Tradicionalmente, o Brasil Império se divide em três fases: Primeiro Reinado (1822-1831), Período Regencial (1831-1840) e Segundo Reinado (1840-1889).

Províncias do Império do Brasil, em 1822

A Independência do Brasil

  A intenção das Cortes de recolonizar o Brasil contrariava os interesses das elites coloniais que se inspiravam no liberalismo e desejavam que o Brasil se tornasse livre do domínio de Portugal. A princípio, esses liberais tinham visto na Revolução do Porto uma promessa de maior liberdade política e econômica para o Brasil, porém, os acontecimentos apontavam na direção da perda da autonomia de governo e da liberdade de comércio, o que contribuiu para que passassem a defender a permanência de Dom Pedro no país.

  Em janeiro de 1822, foi feita uma petição com 8 mil assinaturas, conhecida como Petição do Fico, por meio do qual os brasileiros solicitavam que o príncipe regente permanecesse no Brasil e apoiasse a consolidação da independência. Dom Pedro respondeu positivamente à petição, contrariando as Cortes portuguesas. Com esse gesto, a separação do Brasil de Portugal se consolidava informalmente. A Independência do Brasil foi formalizada em 7 de setembro de 1822. E em dezembro do mesmo ano, Dom Pedro foi coroado Imperador do Brasil, assumindo o título de Dom Pedro I e dando início ao Império Brasileiro.

Independência ou Morte, do pintor paraibano Pedro Américo (óleo sobre tela, 1888)

  • O PRIMEIRO REINADO

  A Independência do Brasil, assim como de outras colônias na América, esteve ligada não somente às instabilidades internas, mas a um processo maior de crise do sistema colonial e do Antigo Regime, que repercutiram na separação das colônias de suas metrópoles e na criação de novos Estados. Os movimentos liberais de emancipação das colônias americanas foram influenciadas pelas ideias iluministas e pela Revolução Francesa, mas os seus princípios de liberdade e igualdade foram interpretados de forma muito particular.

  A emancipação política do Brasil não foi fruto de movimentos revolucionários separatistas nem nacionalistas, uma vez que aconteceu em consequência dos eventos políticos ocorridos entre 1808 e 1821, e a ideia de nacionalidade brasileira começou a se constituir a partir da independência e não antes dela. Porém, as elites coloniais precisaram se mobilizar para criar um projeto de nação para o país recém independente e manter suas posições sociais. Também foi preciso forjar uma unidade territorial para a nova ação, que até então era formada por um conjunto de capitanias relativamente autônomas entre si, que respondiam diretamente a Portugal sem que houvesse um poder centralizado na colônia, pelo menos até a instalação da corte portuguesa no Rio de Janeiro, em 1808.

  Somente em 1825, Portugal reconheceu a independência de sua ex-colônia mediante a indenização de 2 milhões de libras, pagas por meio de um empréstimo fornecido pelos britânicos.

Monumento à Independência do Brasil

Resistências internas à independência

  A partir de 1821, durante o governo do príncipe regente Dom Pedro, haviam sido criadas Juntas Provisórias em algumas capitanias (que até então se tornaram províncias), em substituição aos capitães e governadores. Essas juntas foram estabelecidas atendendo às reivindicações das Cortes em Portugal, que pretendiam reaver a hegemonia política real no império. A criação das juntas, que eram eleitas na localidade e exerciam o Poder Executivo, foi uma tentativa das Cortes de esvaziar o poder político centralizado no Rio de Janeiro ao aumentar a hegemonia das capitanias.

  Grão-Pará e Maranhão, por exemplo, eram leais às Cortes de Portugal e consideraram a declaração de independência como redução de sua autonomia política e a volta à antiga ordem absolutista representada pelo imperador Dom Pedro I. Alguns historiadores afirmam que a resistência dessas províncias a reconhecer o poder centralizado no Rio de Janeiro pode ser explicada pela maciça presença na região de militares e altos funcionários portugueses. Outros contestam essa ideia e alegam que, nesse momento, não havia ainda uma noção de nacionalidade que opusesse os indivíduos nascidos no Brasil e os vindos de Portugal. Assim, o interesse por cargos públicos e pela manutenção de privilégios teria sido o fator decisivo para a lealdade dessas províncias em relação a Portugal.

Pedro I do Brasil ou Pedro IV de Portugal (1798-1834)

Conflitos pela independência

  Na província da Bahia, a causa da independência provocou um violento conflito entre as tropas imperiais e as representantes de Portugal, que dominavam Salvador e algumas outras áreas do norte do Brasil. O conflito teve início meses antes da declaração formal da independência do Brasil e se estendeu até julho de 1823. Participaram da luta pessoas de diferentes camadas sociais, como senhores de engenho, pequenos proprietários de terras, militares, comerciantes, indivíduos pobres livres, negros libertos e escravizados que foram obrigados a ir para o combate. Em 2 de julho de 1823, as tropas portuguesas foram definitivamente derrotadas pelo poder imperial, e a província da Bahia declarou-se independente de Portugal. Por isso, a data ficou conhecida como o dia da Independência da Bahia, sendo mais tarde, incorporada ao calendário de festividades nacionais como a data da "consolidação da independência do Brasil no estado da Bahia.

O Primeiro Passo para a Independência da Bahia, de Antônio Parreiras

  Outro importante conflito relacionado à independência ocorreu em 1823, quando Manuel de Sousa Martins assumiu a presidência da junta de governo do Piauí e proclamou a independência da província em fidelidade a Portugal. Com isso, as tropas encarregadas de manter o norte da ex-colônia fiel a Portugal e setores da sociedade piauiense, apoiados por Maranhão e Ceará, partidários da independência do Brasil, se enfrentaram na Batalha de Jenipapo, ocorrido no dia 13 de março de 1823, às margens do rio Jenipapo. Mesmo sem armamento militar e usando ferramentas simples de trabalho, as tropas imperiais venceram o conflito.

  Em 20 de outubro de 1823, uma lei extinguiu as juntas e reformulou a administração das províncias, determinando que os governadores provinciais fossem assumidos por presidente e conselhos nomeados pelo imperador. Dessa forma, as províncias foram incorporadas ao novo Estado.

Óleo sobre tela, arte pictórica de "Artes Paz" retratando a Batalha de Jenipapo

A Constituição de 1824

  Em 1823, foram iniciados os trabalhos na Assembleia Constituinte para compor uma Carta Constitucional para o Estado brasileiro que se formava. Entre os constituintes, havia duas concepções distintas de Estado: uma delas afirmava que o poder deveria ser exercido pelos parlamentares eleitos; a outra apontava que o poder deveria ser partilhado entre o imperador e os parlamentares.

  O primeiro projeto constitucional previa limites ao poder do imperador e tinha caráter elitista ao manter o voto censitário (direito de votar reservado aos indivíduos que possuem determinada renda) para as futuras eleições. Também previa que as decisões dos deputados constituintes não precisavam passar pela aprovação de Dom Pedro I. Isso desagradou o imperador, que dissolveu a Assembleia e nomeou um Conselho de Estado, composto de portugueses, para redigir a nova Constituição. Assim, em 25 de março de 1824, a primeira Constituição do Brasil foi outorgada pelo imperador.

  Essa Constituição consolidava a Monarquia Constitucional, hereditária e representativa como forma de governo, o que significava uma estrutura de poder centralizada em que as províncias não tinham autonomia política e eram administradas por presidentes escolhidos pelo imperador. O Estado estava organizado em quatro poderes: o Executivo, o Judiciário, o Legislativo e o Moderador. Este último era exercido exclusivamente por Dom Pedro I, embora pudesse ser auxiliado por um Conselho de Estado, e tinha amplas atribuições, entre as quais a de dissolver a Câmara dos Deputados, nomear e demitir juízes e assinar tratados internacionais. O Poder Legislativo era constituído de um sistema bicameral: um Senado vitalício e uma Câmara de Deputados eleitos pelo voto censitário.

A charge apresenta uma importante característica da Constituição de 1824, o Poder Moderador. Ele foi um dos quatro poderes da Constituição. Nela, aparece Dom Pedro I falando que o limite dos seus poderes é Deus, porque ninguém exerce poder sobre ele, diferente dos outros poderes da Constituição.

  O direito ao voto era restrito aos homens maiores de 25 anos que tivessem renda mínima de 100 mil réis anuais, o que excluía pobres, escravizados, religiosos, mulheres e indígenas. A votação era indireta e as eleições eram divididas em duas etapas: na primeira (eleições primárias), os eleitores escolhiam os seus representantes no corpo eleitoral; na segunda, esses representantes votavam para eleger os deputados e senadores que exerceriam o poder.

  Pela Constituição, a Igreja Católica foi definida como a religião oficial do Estado e o imperador, por meio do regime do Padroado, podia nomear os bispos e outros membros eclesiásticos. A prática de outras crenças, contudo, era permitida, desde que em ambiente doméstico.

  A Constituição de 1824 vigorou até o final do Império e tinha caráter ambíguo, uma vez que apresentava características liberais e autoritárias ao mesmo tempo.

Constituição de 1824. Documento sob guarda do Arquivo Nacional

A Confederação do Equador

  A dissolução da Assembleia Constituinte em 1823 pelo imperador provocou grande reação nas províncias do Nordeste, principalmente em Pernambuco. Além das divergências políticas, a insatisfação com as dificuldades enfrentadas na região devido à queda do valor do açúcar e do algodão, dos elevados impostos e do aumento do preço dos escravizados e dos gêneros alimentícios motivaram a eclosão de uma violenta reação contra o poder imperial.

  O estopim da revolta foi a imposição de um governador para a província pelo governo imperial. Em 2 de julho de 1824, rebeldes liderados por Frei Caneca e Manoel de Carvalho Paes de Andrade e apoiados pela aristocracia rural proclamaram a Confederação do Equador, que selou uma república nos moldes dos Estados Unidos. O movimento obteve adesão das províncias do Ceará, da Paraíba, do Rio Grande do Norte e de parte do Piauí, que possuíam núcleos mais resistentes e conseguiram implantar estruturas do novo governo republicano. Nas províncias do Maranhão, de Alagoas, da Bahia e do Grão-Pará, alguns setores da sociedade apoiaram a Confederação do Equador, mas foram rapidamente repreendidos pelos governantes.

Mapa da Confederação do Equador

  Jornais como o Typhis Pernambucano (lançado por Frei Caneca) e o Sentinela da Liberdade (dirigido por Cipriano Barata) desempenharam papel fundamental na divulgação das ideias dos confederados. Em decorrência da adesão das camadas populares e da defesa por alguns rebeldes do fim do tráfico de escravizados para Recife, o movimento perdeu o apoio da elite agrária e enfraqueceu. Os rebeldes não conseguiram resistir e foram vencidos pelas tropas imperiais. Dom Pedro I, então, determinou a realização de um tribunal, que prendeu, julgou e condenou à morte os principais líderes da rebelião, entre eles, Frei Caneca.

Execução de Frei Caneca, por Murilo La Greca

A Guerra da Cisplatina

  Em 1816, o governo de Dom João determinou a invasão das tropas luso-brasileiras da Banda Oriental, um território que integrava a América espanhola, o que levou à sua anexação ao Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves em 1821 com o nome de Província da Cisplatina. No entanto, os cisplatinos não aceitaram o domínio luso-brasileiro e, em 1825, uniram-se à República das Províncias Unidas do Rio da Prata (atual Argentina), contrariando os interesses do governo brasileiro. Em resposta, Dom Pedro I declarou guerra ao governo de Buenos Aires.

  O Reino Unido também tinha interesse na região, que desde o período colonial abrigava rotas de comércio importantes entre o Oceano Pacífico e o Atlântico e entre a América espanhola e a portuguesa. Com a mediação britânica, o conflito chegou ao fim em 1828, porém, a região não foi anexada ao Brasil nem à Argentina, tornando-se independente sob o nome de República Oriental do Uruguai.

Operações do Império Brasileiro em fevereiro de 1827 durante a Guerra da Cisplatina

Abdicação de Dom Pedro I e crise política

  A repressão à Confederação do Equador e os conflitos da Guerra da Cisplatina geraram altos custos para o governo, além de muitas mortes, o que provocou grande insatisfação popular e contribuiu para o desgaste do governo de Dom Pedro I.

  No plano econômico, a crise se acentuava com o desequilíbrio da balança comercial devido ao aumento das importações de produtos, principalmente de origem britânica, em detrimento das exportações, que eram basicamente de produtos agrícolas, como o açúcar, que perdiam para a concorrência internacional. As camadas mais pobres eram as mais afetadas por essa crise em razão do aumento do custo de vida pela alta dos preços dos produtos de consumo básico.

  A imagem do imperador também se desgastou em razão da comoção da população em torno do assassinato do jornalista paulista Líbero Badaró - que era um opositor do autoritarismo imperial -, em 1830. No início do ano seguinte, em viagem à província de Minas Gerais, Dom Pedro I foi recebido com hostilidade pela população mineira. Com isso, seus apoiadores prepararam uma recepção calorosa no Rio de Janeiro para sua volta, o que desagradou profundamente a população carioca. Esse acontecimento culminou na Noite das Garrafadas, em 13 de março de 1831, quando grupos contra e a favor do governo enfrentaram-se pelas ruas da cidade munidos de garrafas, paus e pedras, o que resultou em diversas vítimas.

Figura mostrando um conflito entre opositores e apoiadores de Dom Pedro I, conhecido como Noite das Garrafadas

  Com seu espaço político cada vez mais reduzido no Brasil e interessado na sucessão monárquica portuguesa, Dom Pedro I abdicou em 7 de abril de 1831 e retornou a Portugal. Porém, deixou seu filho de 5 anos de idade, Pedro de Alcântara, como herdeiro do trono. Por causa de sua pouca idade, iniciou-se o período regencial, fase que o Brasil foi governado por regentes. No primeiro momento, formou-se a Regência Trina Provisória.

  No período regencial três grupos políticos disputavam o poder no Brasil: o dos liberais moderados, o dos liberais exaltados e o dos restauradores. Os liberais moderados entendiam que um governo centralizado na figura do imperador poderia garantir a manutenção de seus privilégios, mas defendiam maior autonomia para o Legislativo. Os liberais exaltados defendiam maior autonomia para as províncias por meio de uma monarquia descentralizada ou mesmo por um regime republicano. Reivindicavam a ampliação do direito ao voto, o federalismo e o fim do Poder Moderador, do Conselho do Estado e da vitaliciedade do Senado. Os restauradores compunham o grupo mais conservador, que pretendia reconduzir Dom Pedro I ao trono.

Dom Pedro I entregando ao Major Frias sua abdicação do trono brasileiro

Mudanças na Constituição de 1824

  Em agosto de 1834, foi aprovado o Ato Adicional que modificou a Constituição de 1824 estabelecendo medidas que visavam à descentralização do poder. Entre elas, o ato estabeleceu maior autonomia política para as províncias e determinou que a Regência Trina deveria ser substituída pela Regência Una, com eleições a cada quatro anos. Em 1835, o padre Diogo Antônio Feijó, liberal moderado, foi eleito pela Regência Una. Em 1837, porém, em meio a intensas agitações políticas, incluindo insurreições nas províncias por questões regionais, Feijó renunciou ao cargo de regente, dando lugar ao senador regressista Pedro de Araújo Lima, que assumiu interinamente o Poder Executivo e iniciou um processo de recentralização política.

Caricatura de Manuel de Araújo Porto-Alegre mostrando o Padre Feijó quando deixou a Regência, voltando para São Paulo e deixando atrás de si um certo rastro

Revoltas regenciais

  Durante o período regencial, o governo central foi contestado por revoltas em diversas províncias, como as Rusgas Cuiabanas (Mato Grosso, 1834); a Cabanagem (Grão-Pará, 1835-1840); a Revolta dos Malês (Bahia, 1835); a Guerra dos Farrapos (Rio Grande do Sul, 1835-1845); a Sabinada (Bahia, 1837-1838); e a Balaiada (Maranhão, 1838-1841).

a) Rusgas Cuiabanas

  Desde o Período Colonial, a província de Mato Grosso era dominada política e economicamente por um poderoso grupo de comerciantes e fazendeiros portugueses, conhecidos pelo apelido pejorativo de "bicudos". Após a independência, essa situação não se alterou, o que provocou intensa reação da elite de Cuiabá, da qual faziam parte muitos membros do grupo liberal  Sociedade dos Zelosos da Independência, que reivindicava mais autonomia e espaço no política local.

  Para acalmar os ânimos, o Conselho de Governo nomeou como vice-presidente da província João Poupino Caldas, figura influente na Sociedade dos Zelosos. Porém, a ala radical dos liberais, que também defendia a expulsão e a morte dos portugueses da região, não se contentou. Em 30 de maio de 1834, a rebelião conhecida como Rusgas Cuiabana, teve início com os boatos de que portugueses estariam planejando o assassinato de oficiais da Guarda Nacional. Os rebeldes realizaram  saques em casas comerciais, destruíram propriedades e assassinaram muitos "bicudos".

  A princípio, Poupino colaborou com os revoltosos, mas a situação saiu do controle e ele acabou pedindo ajuda ao governo do Rio de Janeiro para conter a revolta. Em setembro, Antônio Pedro de Alencastro assumiu a presidência da província. No mês seguinte, com o apoio de Poupino, as tropas do governo derrotaram os rebeldes. Os principais líderes foram presos e enviados ao Rio de Janeiro para serem julgados.

Quadro As Rusgas, de Moacyr Freitas

b) Cabanagem

  A província do Grã-Pará - que abrangia os atuais estados do Pará, do Amazonas, do Amapá, de Rondônia e de Roraima - tornou-se independente do Maranhão em1772. Até esse momento, mantinha pouco contato com o Rio de Janeiro, pois o governador era nomeado diretamente pela metrópole.

  A situação política na região era tensa desde a independência em razão do vínculo de alguns setores políticos com Portugal e da grande desigualdade social. A elite local era formada por ricos comerciantes, na maioria portugueses, instalados na capital, Belém, e por proprietários de terras. A maior parte da população da província era composta de negros, indígenas e mestiços, que serviam como mão de obra (escravizada ou semiescravizada) nas lavouras e no comércio da região. Extremamente pobres, esses indivíduos viviam em cabanas à beira de rios e igarapés e, por isso, eram chamados de cabanos.

  O sentimento antilusitano, associado ao grande descontentamento com as condições precárias de vida, impulsionou uma série de levantes. Em janeiro de 1835, os rebeldes tomaram o Palácio do Governo com o apoio de setores da pequena camada média urbana e de alguns proprietários de terras descontentes com a política local, que privilegiava os portugueses. A subelevação, conhecida como Cabanagem, espalhou-se pela província, e diversas lideranças populares se destacaram, como os irmãos Vinagre e o jovem seringueiro cearense Eduardo Angelim, que mobilizaram as camadas marginalizadas e impulsionaram a radicalização do movimento.

  Além da luta dos cabanos contra a presença dos portugueses e a carestia, os liberais radicais pediam o fim da interferência do Rio de Janeiro na administração local. A dificuldade de conciliar os diferentes interesses dos envolvidos, a forte repressão do governo e uma epidemia de varíola enfraqueceram o movimento, que resistiu até 1840, quando os últimos grupos se renderam. Estima-se que mais de 30 mil pessoas tenham morrido na rebelião.

Paisagem frequentada pelos rebeldes Cabanos durante o movimento, século XIX

c) Revolta dos Malês

  Em janeiro de 1835, a cidade de Salvador foi palco da Revolta dos Malês, organizada e conduzida por africanos escravizados e libertos, a maioria da etnia nagô-iorubá, com a participação de jejês e hauçás.

  Naquele período, a população de escravos de ganho era bastante expressiva em Salvador. Esses escravizados trabalhavam pelas ruas, exercendo atividades variadas (eram vendedores ambulantes, mensageiros, carregadores, carpinteiros, sapateiros etc.), e precisavam entregar ao senhor parte da remuneração que recebiam. O dinamismo do meio urbano, a relativa autonomia que caracterizava sua atividade, a origem comum, a religião e as condições de trabalho propiciaram o desenvolvimento de relações solidárias entre africanos cativos e libertos na luta contra a escravidão.

  A rebelião mobilizou aproximadamente 600 mil homens, organizados em uma sociedade secreta. Apesar de o movimento ter sido organizado e liderado por malês, nem todos os negros muçulmanos da cidade participaram da revolta, assim como nem todos os rebeldes eram seguidores do islamismo.

  Os malês foram os responsáveis por planejar e mobilizar os insurretos. Suas reuniões eram uma mistura de exercícios corânicos (leitura e escrita), rezas e conspiração. O próprio levante aconteceu no final do mês sagrado do Ramadã, o nono do calendário muçulmano. Os malês foram às ruas com roupas islâmicas e amuletos protetores feitos de cópias de rezas, de passagem do Alcorão e de bênçãos de líderes espirituais.

  O levante estava previsto para o dia 25 de janeiro, porém, uma denúncia à polícia antecipou a ação. Apesar de terem perdido a vantagem do fator surpresa, os malês deflagraram a rebelião, mas foram derrotados no meio urbano e no meio rural, e os rebeldes capturadas pelas autoridades foram submetidos a torturas, açoites, deportações e execuções.

Desenho mostrando os malês com suas roupas típicas

d) Guerra dos Farrapos

  Também conhecida como Revolução Farroupilha, ocorreu no Rio Grande do Sul, entre 1835 e 1845, e se estendeu até Santa Catarina. O movimento teve origem no conflito entre os poderosos estancieiros gaúchos e o governo central. A economia sulista estava assentada na produção de bens para o mercado interno, abastecendo a Região Sudeste com charque (carne salgada), gado e couro. Na pecuária da região utilizava-se mão de obra livre, havendo um número reduzido de escravizados.

  Os estancieiros gaúchos estavam descontentes com os altos impostos cobrados sobre o charque, que encareciam o produto e favoreciam a concorrência de argentinos e uruguaios. Reivindicavam também maior autonomia política, o que incluía o direito de escolher o presidente da província.

  O movimento teve início no dia 20 de setembro de 1835, quando as tropas comandadas pelo rico estancieiro, escravocrata e militar Bento Gonçalves da Silva invadiram Porto Alegre e depuseram o presidente da província. A Regência nomeou José Araújo Ribeiro como novo presidente, que decidiu enfrentar os rebeldes. Em 1836, os farrapos saíram vitoriosos nos campos de batalha do Seival e proclamaram a República Rio-Grandense ou República do Piratini.

  Em julho de 1839, comandados pelo italiano Giuseppe Garibaldi, ao lado de sua companheira Anita Garibaldi, os rebeldes invadiram Santa Catarina e proclamaram a República Juliana, confederada à República Rio-Grandense.

  Muitos escravizados aderiram à Revolução Farroupilha de ambos os lados com a promessa de que seriam libertados após o conflito. Apesar da promessa de alforria, a República Rio-Grandense não declarou a abolição da escravidão e muitos dos que participaram do levante permaneceram  escravizados após a vitória.

  Em 1842, o governo provincial de São Pedro do Rio Grande do Sul tomou medidas para dificultar o escoamento dos produtos das regiões rebeldes, uma vez que elas não tinham acesso ao mar. Além disso, ele se aproximou dos estancieiros mais moderados e conseguiu isolar os republicanos mais radicais, enfraquecendo, assim, o movimento rebelde, que acabou derrotado pelo governo imperial em fevereiro de 1845.

  Em negociação com o governo, os rebeldes conseguiram garantir sua anistia, o direito de escolher o presidente da província e vantagens na comercialização do charque importado, por meio do aumento dos impostos sobre produtos estrangeiros similares.

Carga de Cavalaria Farroupilha, de Guilherme Litran, acervo do Museu Júlio de Castilhos

O Golpe da Maioridade

  Diante da crise política e da dificuldade da regência centralizada de Pedro de Araújo Lima em estabelecer a paz nas províncias, no fim de 1839 os políticos liberais começaram a defender o projeto de antecipação da maioridade do príncipe Pedro de Alcântara, apresentando-o como solução para a crise de governabilidade. Provavelmente, os liberais pretendiam controlar o poder manipulando o jovem imperador.

  A fundação do Clube da Maioridade em 1840, presidido pelo liberal Antônio Carlos de Andrada e Silva, e o papel da imprensa, que era hostil à centralização regencial, contribuíram para o chamado Golpe da Maioridade. Em 23 de julho de 1840, Pedro de Alcântara, com apenas 14 anos, foi declarado maior de idade e assumiu o governo do país, sendo coroado imperador em julho do ano seguinte com o título de Dom Pedro II.

Página do abaixo-assinado encaminhado por deputados e senadores do Império questionando a legitimidade do regente e defendendo que Dom Pedro II assumisse o trono em 22 de julho de 1840 (Arquivo Nacional)

  • O SEGUNDO REINADO

  Entre 1840 e 1889, durante o governo de Dom Pedro II, o poder político do Brasil foi disputado pelo Partido Liberal e pelo Partido Conservador, ambos constituídos nos últimos anos do período regencial. O Partido Liberal originou-se da união do grupo dos progressistas, dos liberais exaltados e de indivíduos descontentes com a centralização do poder, enquanto o Partido Conservador reuniu os regressistas e os restauradores.

  Embora os integrantes dos dois partidos tivessem origem social e interesses econômicos semelhantes, eles defendiam modelos de Estado diferentes. Os conservadores desejavam o fortalecimento do Executivo e do poder central, enquanto os liberais eram a favor da ampliação da autonomia das províncias e alguns eram simpáticos ao republicanismo.

  O primeiro ministério formado após o Golpe da Maioridade era em grande parte liberal. Porém, o gabinete não tinha o apoio da Câmara dos Deputados, que era dominada pelos conservadores. Com isso, Dom Pedro II dissolveu a Câmara e convocou novas eleições.

Dom Pedro II na adolescência vestindo o uniforme imperial de gala. Por Félix Émile Taunay, no Museu Imperial

  As novas eleições para a Câmara foram realizadas em outubro de 1840, e ficaram conhecidas como eleições do cacete devido a práticas como falsificação de votos, roubo de urnas e espancamento de adversários políticos. Os liberais venceram as eleições, entretanto, sob pressão dos conservadores. Dom Pedro II dissolveu o gabinete liberal e formou um ministério conservador. Na sequência, a Câmara também foi dissolvida pelo imperador por pressão do novo ministério, o que enfraqueceu o poder dos liberais.

  Os conservadores retomaram a política de centralização do governo com o objetivo de fortalecer a autoridade imperial e reduzir a autonomia das províncias. Em 1841, o Conselho de Estado, que havia sido extinto em 1834, foi restaurado e o Código de Processo Criminal foi retomado, transferindo as atribuições judiciárias dos presidentes das províncias para o governo central.

  O fortalecimento do poder central com a redução do poder judicial das províncias contrariou ainda mais os setores liberais, que já estavam insatisfeitos com a dissolução da Câmara em 1841. Com isso, em 1842, os liberais de São Paulo e de Minas Gerais iniciaram uma série de manifestações em defesa da autonomia das províncias. Apesar da repressão imperial, essa mobilização liberal chegou às províncias.  Apesar da repressão imperial, essa mobilização liberal chegou à província de Pernambuco, onde assumiu maior amplitude e culminou na Rebelião Praieira de 1848.

A coroação de Pedro II aos 15 anos de idade, em 18 de julho de 1841, por François-René Moreaux, no Museu Imperial

A Rebelião Praieira

  Em 1842, diversos membros do Partido Liberal se rebelaram contra o governo provincial de Pernambuco por não terem acesso a cargos do governo e outros benefícios. A isso, somaram-se a crise da produção açucareira nordestina e o favorecimento do Centro-Sul na destinação dos recursos do governo central, dando início à chamada Rebelião Praieira.

  Em âmbito local, o objetivo do movimento era combater o monopólio do comércio pelos estrangeiros e a concentração de terras nas mãos de poucos proprietários; em âmbito nacional, os praieiros pretendiam instaurar uma república, extinguir o Poder Moderador, instituir o sufrágio universal masculino e declarar a liberdade de imprensa.

  Os praieiros assumiram a presidência da província de Pernambuco em 1845, porém, em 1848, o governo imperial retomou o controle, o que desencadeou uma rebelião armada. Em fevereiro de 1849, os praieiros atacaram Recife, mas não chegaram a dominar a cidade, pois foram contidos pelas forças governistas. A repressão imperial esfacelou o movimento e resultou em mais de 800 mortes de rebeldes e governistas.

  O nome dado à revolta se deve à influência das ideias liberais no movimento, que eram divulgadas no jornal Diário Novo, localizado na Rua da Praia, no Recife.

Dom Pedro II desembarcando no Recife, em 1859, uma década após o fim da Revolução Praieira

Parlamentarismo à brasileira

  Com o fim da Rebelião Praieira iniciou-se o ciclo de manifestações revolucionárias contra o poder centralizado no Brasil.

  A restauração do Poder Moderador e do Conselho de Estado levaram à constituição de um sistema de governo que se assemelhava ao Parlamentarismo britânico. O decreto do imperador Dom Pedro II que criava o cargo de presidente do Conselho de Ministros, em 1847, inaugurou o parlamentarismo no Brasil. Porém, ele diferia do modelo clássico britânico, porque no Brasil o imperador tinha mais poderes que o Parlamento: por meio do Poder Moderador, ele podia nomear ou demitir ministros, além de dissolver o próprio Parlamento. O presidente do Conselho de Ministros, cargo equivalente ao de primeiro-ministro no modelo britânico, era nomeado pelo imperador e era quem escolhia os demais membros do Conselho, que eram encarregados de convocar as eleições para a Câmara. Organizados de forma fraudulenta, essas eleições garantiam para o partido da situação a maioria no Legislativo. Por essas características, esse sistema de governo ficou conhecido como parlamentarismo às avessas ou parlamentarismo à brasileira.

  Ao longo do Segundo Reinado, foram constituídos 36 gabinetes governativos com duração média de um ano e três meses cada um deles. Com isso, os conservadores predominaram no governo por mais de 29 anos, enquanto os liberais, por cerca de 19 anos.

Charge representando a alternância partidária no Império durante o Segundo Reinado, em que os principais partidos aparecem em um carrossel formado por Dom Pedro II

A crise do escravismo e a questão militar

  Na segunda metade do século XIX, a economia do Brasil caracterizava-se pelo predomínio da atividade agroexportadora baseada na produção de açúcar, borracha, cacau, fumo e café. Por volta de 1870, o café representava o principal produto de exportação brasileiro e o Vale do Paraíba era a mais importante região produtora. Com isso, os cafeicultores dessa área tinham grande influência na política nacional e se opunham à centralização política. Para grande parte da elite cafeicultora do Oeste Paulista, o império representava um entrave à modernização econômica e à desejada autonomia para administrar a província de acordo com os seus interesses.

  Em 1870, foi criado no Rio de Janeiro o Partido Republicano e, nos anos seguintes, outros partidos semelhantes foram organizados em algumas províncias. Isso ampliou a circulação de ideias em torno da instauração de um regime republicano no país. Os republicanos criticavam a centralização e o autoritarismo representados por Dom Pedro II, além da exclusão da maioria da população das decisões políticas.

  Outros elementos que contribuíram para a crise do império foram a questão da abolição da escravidão e o desgaste entre os militares e o governo.

  Após o fim da Guerra do Paraguai, o exército, antes desprestigiado, se fortaleceu com a vitória sobre o país vizinho e passou a desejar maior participação política. Além disso, as promessas de liberdade para os combatentes escravizados e a concessão de terras e outros benefícios para indígenas e combatentes voluntários não foram totalmente cumpridas, ampliando o descontentamento com o governo imperial. Nesse quadro, aos poucos, muitos militares se aproximaram dos republicanos.

Dom Pedro II com seus dois genros, o Duque de Saxe-Coburgo-Gota e o Conde D'Eu, em Alegrete, durante a Guerra do Paraguai

  Ao lado da conjuntura internacional, as pressões internas, representadas pelos produtores rurais - pois a produção agrícola nacional era baseada na grande propriedade monocultora que utilizava mão de obra escravizada - e pelo movimento abolicionista, além da resistência dos escravizados por meio de levantes e fugas, tornavam a manutenção do regime escravocrata mais um fator de crise política.

  Com a abolição da escravidão, ocorrida em 1888, o governo imperial se tornou insustentável. A instauração da república tornou-se uma questão de tempo para os ajustes políticos.

Dom Pedro II em 1887, com 61 anos: um imperador cansado de sua coroa e resignado quanto ao fim da monarquia

Abolição e o Golpe de Estado

  Em junho de 1887, a saúde do imperador havia declinado consideravelmente, e seus médicos sugeriram que ele buscasse tratamento na Europa. Enquanto em Milão, passou duas semanas entre a vida e a morte, recebendo até mesmo a extrema unção. Em 22 de maio de 1888, acamado e ainda se recuperando, recebeu a notícia de que a escravidão havia sido abolida no Brasil. Pedro II retornou e desembarcou no Rio de Janeiro em 22 de agosto de 1888. O país inteiro o recebeu com um grande entusiasmo. Da capital, das províncias, de todos os lugares, chegaram provas de afeição e veneração. Com a devoção expressada pelos brasileiros com o retorno do imperador e da imperatriz da Europa, a monarquia aparentava gozar de apoio inabalável e parecia estar no ápice de sua popularidade.

  A nação brasileira desfrutava de grande prestígio no exterior durante os anos finais do Império, e havia se tornado uma potência emergente no cenário internacional. Previsões de perturbações na economia e na mão de obra causadas pela abolição da escravatura não se realizaram e a colheita de café de 1888 foi bem-sucedida.

  Contudo, o fim da escravidão desencadeou em uma transferência explícita do apoio ao republicanismo pelos grandes fazendeiros de café. Detentores de grande poder político, econômico e social no país, os fazendeiros consideraram a abolição como confisco de propriedade privada. Para evitar uma reação republicana, o governo aproveitou o crédito fácil disponível no Brasil como resultado de sua prosperidade e disponibilizou grandes empréstimos a juros baixos aos cafeicultores, além de distribuir fartamente títulos de nobreza e outras honrarias  a figuras políticas influentes que haviam se tornado descontentes. O governo também tomou medidas indiretas para administrar a crise com os militares revivendo a moribunda Guarda Nacional, que então existia apenas no papel.

Última fotografia da família imperial no Brasil, em 1889

  As medidas tomadas pelo governo alarmaram os republicanos civis e os militares positivistas. Estes entenderam as ações do governo como uma ameaça aos seus propósitos, o que os incitou à reação. A reorganização da Guarda Nacional foi iniciada pelo gabinete em agosto de 1889, e a criação de uma força rival levou os dissidentes no corpo de oficiais do exército a cogitarem atos extremos. Para ambos os grupos, republicanos e militares dissidentes, havia se tornado um caso de "agora ou nunca". Apesar de não haver desejo entre a maior parte da população brasileira para uma mudança na forma de governo, os republicanos civis passaram a pressionar os oficiais civis a derrubar a monarquia.

  Em 15 de julho de 1889, o Imperador Dom Pedro II sofreu um atentado a tiros, quando saía de um teatro no centro do Rio de Janeiro, que ficou conhecido como Atentado de Julho de 1889; quando já estava em sua carruagem ouviu-se um grito de "Viva a República", e em seguida, o jovem Adriano Augusto do Vale sacou uma arma e atirou na sua direção. A bala não atingiu o imperador e o responsável pelo atentado fora preso horas depois.

Atentado contra Dom Pedro II, ocorrido na noite de 15 para 16 de julho de 1889

  Os republicanos realizaram um golpe de Estado em 15 de novembro de 1889 e instituíram uma república. As poucas pessoas que presenciaram o acontecimento não perceberam que se tratava de uma rebelião. Durante todo o processo, Dom Pedro II não demonstrou qualquer emoção, como se não importasse com o desenlace. Ele rejeitou todas as sugestões para debelar a rebelião feitas por políticos e militares.

  Quando soube da notícia de sua deposição, simplesmente comentou: "Se assim é, será minha aposentadoria. Trabalhei demais e estou cansado. Agora vou descansar". Ele e sua família foram mandados para o exílio na Europa, partindo em 17 de novembro de 1889.

Partida para o exílio da Família Imperial no dia 17 de novembro de 1889, no vapor Alagoas

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALEXANDRE, Valentim. Os sentidos do Império. Porto: Afrontamento, 1993.

COSTA, Wilma Peres Costas & OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles (org.). De um Império a outro: formação do Brasil, séculos XVIII e XIX. São Paulo: Hucitec, 2007.

GUIMARÃES, Lúcia Maria P. & PRADO, Maria Emília (org.). O liberalismo no Brasil Imperial: origens, conceitos e práticas. Rio de Janeiro: UERJ-Revan, 2001.

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