quarta-feira, 24 de novembro de 2021

A DISSOLUÇÃO DA IUGOSLÁVIA

   As origens do Estado da Iugoslávia estão no fim da Primeira Guerra Mundial, quando o Império Austro-Húngaro foi desmembrado. Por meio da Declaração de Corfu, aprovada em 1917, os territórios imperiais remanescentes foram unidos no chamado Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos.

  A República Socialista Federativa da Iugoslávia, foi o Estado iugoslavo que existiu do término da Segunda Guerra Mundial (2 de dezembro de 1945) até o fim da Guerra Fria, em 1992.

  Com a forma de governo de uma república socialista, o país era constituído pela união federal de seis repúblicas: Sérvia e suas regiões autônomas: Kosovo e Voivodina, Croácia, Montenegro, Eslovênia, Bósnia-Herzegovina e Macedônia. Ao longo da Guerra Fria, a Iugoslávia foi um membro importante do Movimento Não-Alinhado.

Mapa da antiga Iugoslávia

  A Iugoslávia tornou-se um Estado unificado após a Primeira Guerra Mundial, agregando várias etnias que foram inimigas durante séculos. Esse conflito vem desde a Idade Média, quando os turcos, de religião muçulmana, invadiram e dominaram a Península Balcânica, submetendo os sérvios croatas. Durante a dominação turca, muitos habitantes da região se converteram ao islamismo.

  Essa rivalidade deu-se da seguinte maneira:

  • a Sérvia histórica (Kosovo), povoou-se de albaneses (muçulmanos);
  • na Bósnia-Herzegovina, apareceram os eslavos muçulmanos;
  • os sérvios retiraram-se para o norte, onde se construiu Krajina;
  • os sérvios de Montenegro conseguiram manter sua independência;
  • com o enfraquecimento dos turcos, no século XIX, a Bósnia-Herzegovina passou para o domínio austríaco;
  • em 1878, Sérvia e Montenegro conseguiram a independência do Império Otomano;
  • em 1912, Sérvia, Montenegro, Grécia e Bulgária derrotaram as forças do Império Otomano. Nesse mesmo ano, os sérvios dominaram os últimos territórios dos turcos;
  • em 1913, a Bulgária declarou guerra aos seus antigos aliados e foi derrotada;
  • o assassinato do herdeiro do trono austro-húngaro, o arquiduque Francisco Ferdinando por um estudante em Saravejo, capital da Bósnia-Herzegovina, deu início a Primeira Guerra Mundial;
  • com o fracasso dos austríacos na Primeira Guerra, os eslavos constituíram o Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos;
  • em 1929, esse reino passou a se chamar Reino da Iugoslávia.

Processo de cisão da Iugoslávia

  Em 1941, diante do perigo da Iugoslávia entrar em favor dos aliados por causa da pressão popular, os alemães e seus aliados ocuparam o país. Com isso, o território iugoslavo foi dividido entre Alemanha, Itália, Bulgária e Hungria.

  Ante Pavelic fundou o movimento fascista e nacionalista da Croácia, abarcando a Bósnia-Herzegovina, e os sérvios foram desumanamente trucidados. A resistência sérvia era controlada pelos Chetniks, de Dragoljub Draža Mihailović (1893-1946) e os Partisans, de Josip Broz Tito (1892-1980). Ao fim da guerra, a monarquia foi abolida. Tito, transformou a Iugoslávia na República Popular Federativa da Iugoslávia, vencendo as eleições.

  O ideal socialista e o carisma de Tito se sobrepuseram às questões nacionais e amenizaram as tensões internas. A partir de 1980, com a morte do líder, os conflitos retornaram com bastante intensidade.

Bandeira da República Socialista Federativa da Iugoslávia

  Em 1990, segundo as regras iugoslavas, cabia ao líder da Croácia ocupar o comando do país, exercício em rodízio com as demais repúblicas. Porém, o governo da Sérvia se opôs, levando a Eslovênia e a Croácia a proclamar sua independência, em junho de 1991, e fizeram eleições presidenciais. O fato, no entanto, deu origem a uma guerra civil, com a invasão das duas repúblicas por tropas do poder central e conflitos que resultaram numa verdadeira limpeza étnica nos territórios ocupados. Apenas no final de 1992 a situação se estabilizaria, diante de uma intervenção internacional e do reconhecimento de independência da Eslovênia e da Croácia.

Mapa estratégico de um plano de ofensiva do Exército Popular da Iugoslávia (JNA) na Croácia, em 1991. O JNA foi incapaz de avançar tão longe como previsto devido a resistência croata e problemas de mobilização

  Em 18 de setembro de 1991, seguindo o exemplo da Eslovênia e da Croácia, a Macedônia (atual Macedônia do Norte) também declarou sua independência, sem receber nenhuma resistência por parte do governo sérvio. Em 15 de outubro desse mesmo ano, a Bósnia-Herzegovina fez o mesmo, porém, provocando intensa reação sérvia, que durou de 6 de abril de 1992 até 14 de dezembro de 1995, promovendo um dos maiores conflitos na Europa após a Segunda Guerra Mundial. Apesar da oposição internacional, o governo sérvio desejava anexar parte do território bósnio para formar a Grande Sérvia, promovendo, para isso, um verdadeiro genocídio na região, com milhares de mortes e mais de 1 milhão de refugiados.

  O governo da Bósnia foi entregue a um governante muçulmano, enquanto que 1/3 da população do país era cristã-ortodoxa. A Organização das Nações Unidas tentou intervir, sem sucesso. O conflito só terminou em 1995, quando os Estados Unidos intervieram, exigindo que o então presidente sérvio, Slobodan Milošević, pusesse fim ao conflito.

  Em 1992, a União Europeia reconheceu todas as nações como independentes. No restante da Iugoslávia, através de um plebiscito, foi decidido que o país passaria a se chamar República Federal da Iugoslávia.

Saravejo, capital da Bósnia-Herzegovina após o cerco das tropas da Otan, em 1995

  Na província de Kosovo, região localizada ao sul da Sérvia, aproximadamente 90% da população era albanesa seguidora da religião islâmica, e 10% era sérvia de religião cristã ortodoxa. Em 1997, iniciou-se um movimento separatista na província. O episódio também foi marcado por outro genocídio, que terminou apenas em 1999 com a intervenção das forças da Otan, lideradas pelos Estados Unidos. Por 78 dias, a Otan lançou ataques que causaram muita destruição. Milosevic foi submetido a julgamento em tribunal internacional. Em 2008, Kosovo declarou sua independência; no entanto, ela foi reconhecida por apenas uma parcela da comunidade internacional, a exemplo dos Estados Unidos, dos países-membros da União Europeia e do Japão.

Locais no Kosovo e no sul da Sérvia Central, onde a Otan utilizou munições com urânio empobrecido

  De toda a Iugoslávia, só restaram Sérvia e Montenegro. Em 21 de maio de 2006, houve um plebiscito, no qual 55,5% dos montenegrinos expressaram o desejo de separação. Em 3 de junho de 2006, Montenegro declarou-se independente, e com isso, a Iugoslávia foi extinta. Dois dias depois, a Sérvia também declarou sua independência.

  A série de conflitos ao longo desses anos provocou a completa dissolução da Iugoslávia, com a formação de novos países: Bósnia-Herzegovina, Croácia, Eslovênia, Macedônia, Montenegro e Sérvia, além de Kosovo, que ainda possui reconhecimento limitado. Devido às tensões étnico-religiosas, porém, a estabilidade na região permanece frágil até os dias atuais.

Mapa político da antiga Iugoslávia e os países que se originaram da sua desintegração

sexta-feira, 12 de novembro de 2021

ESTADO-NAÇÃO E NAÇÕES SEM ESTADO

   Os Estados centralizados administram um território formado por um povo que compartilha tradições e costumes e possui uma história em comum. Por isso, esse povo recebe o nome de nação.

  Quando falamos do conceito de Estado, referimo-nos aos mecanismos de controle político de um governo que rege determinado território. Organizações como um Parlamento ou um Congresso, instituições legais ou um exército permanente são ferramentas utilizadas por um governo para controlar as várias esferas que compõem a sociedade de um Estado-nação.

  O Estado-nação é um desdobramento do processo de formação dos Estados centralizados. Durante a Idade Média, uma pessoa que vivia no norte do atual território da França e outra que vivia no sul desse mesmo território não se imaginavam como membros de uma mesma nação.

  Um Estado-nação é constituído por uma massa de cidadãos que se considera parte de uma mesma nação. Sob essa perspectiva, podemos afirmar que todas as sociedades modernas são Estados-nações isto é, todas as sociedades modernas estão organizadas sob o comando de um governo instituído que controla e impõe suas políticas.

  O processo de construção dos Estados centralizados foi acompanhado por ações como a construção de estátuas, a produção de pinturas, a composição de hinos nacionais, o registro de narrativas folclóricas e de outras tradições que representariam o conjunto dessa população. Desse modo, os membros do Estado passaram a se identificar como membros da mesma nação. É por isso que os Estados centralizados também são chamados de Estados-nação.

  Esse movimento de construção da ideia de nação ganhou mais força a partir do século XIX, quando o nacionalismo se tornou uma forma de pensamento importante em diferentes partes do mundo. Segundo o historiador Eric Hobsbawm (1917-2012), o nacionalismo é um pensamento que defende que a unidade política de um território deve corresponder à unidade de uma nação.

  Indivíduos e grupos inspirados por ideias nacionalistas passaram a lutar pelo direito de criar Estados sob o controle de nações que até então se encontravam sob o domínio de outras nacionalidades.

  Muitas vezes, o nacionalismo inspira ações que enxergam outras nacionalidades de forma negativa. Assim, o nacionalismo pode ser usado para defender o direito de uma nação se impor sobre outras nações, inclusive de forma violenta. Uma das causas da Primeira Guerra Mundial foi o nacionalismo exacerbado entre os europeus.

Planisfério mostrando o mapa-múndi

Nacionalismo e conflitos contemporâneos

  O nacionalismo é uma tese ideológica, surgida após a Revolução Francesa. Em sentido estrito, seria um sentimento de valorização marcado pela aproximação e identificação de uma nação. Costuma diferenciar-se do patriotismo devido à sua definição mais estreita. O patriotismo é considerado mais uma manifestação de amor aos símbolos do Estado, como o hino, a bandeira, suas instituições ou representantes. Já o nacionalismo apresenta uma definição política sobretudo da preservação da nação enquanto entidade, por vezes na defesa de território delineado por fronteiras terrestres, mas, acima de tudo, nos campos linguístico, cultural, contra processos de destruição identitária ou transformação.

  No mundo todo existem regiões que vivem intensos conflitos, originados pelos mais diversos motivos, que podem ser disputas por territórios, pela independência, por questões religiosas, recursos minerais, entre outros. Em todos os continentes, é possível identificar focos de tensão que colocam em risco a paz daqueles que vivem em locais que estão envolvidos.

  A base do nacionalismo é a ideia de que a nação tem o direito de criar o seu próprio Estado. Essa ideia incentivou movimentos variados, como a formação da Itália e da Alemanha (que se tornaram Estados centralizados somente no final do século XIX) e a emancipação das colônias africanas e asiáticas ao longo do século XX.

  No mundo contemporâneo, ocorrem diversos conflitos e tensões envolvendo diferentes povos que reivindicam a criação de um Estado, como os curdos e os palestinos, no Oriente Médio; bascos, catalães e ciganos, na Europa; chechenos, no Cáucaso; tibetanos, na Ásia Meridional, entre outros.

  Há, contudo, Estados multinacionais onde vive mais de uma nação, como é o caso da Federação Russa, que possui territórios historicamente habitados por povos de distintas origens, culturas e tradições. Há também nações que se espalham por diversos Estados, como os curdos.

  O nacionalismo pode dar origem a posturas violentas contra outras nações, resultando em práticas de xenofobia, racismo e intolerância, o que pode causar conflitos entre nações.

  Um exemplo de conflito provocado pela luta de uma nação sem Estado é o que ocorre na região da Palestina, no Oriente Médio.

Planisfério mostrando alguns conflitos e movimentos nacionalistas no mundo

O conflito na Palestina

  Os palestinos são uma nação sem Estado que conta com mais de 11 milhões de pessoas. O processo de construção da identidade nacional palestina, se deu principalmente após 1948, com a criação do Estado de Israel.

  Motivada pela perseguição religiosa que causou a morte de mais de 6 milhões de judeus durante a Segunda Guerra Mundial, a Organização das Nações Unidas (ONU) decidiu, em 1947, criar um Estado judeu na Palestina, estabelecendo a divisão do território em três partes: Estado de Israel, Estado da Palestina e Cidade Internacional de Jerusalém considerada sagrada por judeus e árabes.

  Na proposta de partilha da ONU, o Estado árabe e o Estado judeu teriam seus territórios divididos. A Palestina seria constituída pelas áreas conhecidas como Faixa de Gaza (oeste) e Cisjordânia (leste). Israel ficaria com o restante do território. Os palestinos não aceitaram a proposta da ONU. Mesmo assim, em 1948, Israel declarou sua independência.

Plano da ONU de 1947

  A presença de um Estado judeu na Palestina não foi aceita pelos demais países árabes. Egito, Síria, Iraque, Jordânia e Líbano declararam guerra à Israel, um dia após a sua fundação. O conflito, conhecido como Guerra da Partilha, se estendeu de maio de 1948 a janeiro de 1949, quando chegou ao fim com a vitória de Israel e a ampliação de seu poder sobre as áreas que seriam destinadas ao Estado palestino. Os palestinos passaram a viver em um território que lhes pertence, mas sem autonomia para administrá-lo, já que está sob o domínio de Israel.

  Desde então, ocorrem conflitos entre palestinos e israelenses. A partir da década de 1990, foram empreendidas ações para construir um acordo de paz na região e assegurar os direitos das duas nações. Entretanto, os conflitos retornaram e voltaram a se intensificar nos últimos anos.

  O conflito entre israelenses e palestinos se torna mais complexo a cada ano. Frequentemente, há um motivo ou outro para que recomecem os ataques de ambas as partes. A paz entre os dois povos, bem como a criação do Estado da Palestina, continua distante.

Situação da região da Palestina de 1946 até 2011

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

HOBSBAWN, Eric J. Nações e nacionalismo desde 1780: programa mito e realidade. 2 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998

LÖWY, Michael. Nacionalismo e internacionalismos: da época de Marx até os nossos dias. São Paulo: Xamã, 2000.

segunda-feira, 8 de novembro de 2021

OS POVOS PRÉ-COLOMBIANOS: INCAS

   Os incas foram uma importante civilização pré-colombiana que desenvolveu um vasto império na região da Cordilheira dos Andes. O Império Inca estendia-se por territórios que atualmente correspondem desde parte da Colômbia até o norte do Chile e da Argentina. Os incas constituíram uma civilização complexa, notabilizada pela construção de um enorme sistema de estradas. Essa civilização desapareceu a partir da conquista realizada pelos espanhóis no século XVI.

  Os incas não deixaram registros escritos de sua história antes da chegada dos espanhóis. Com base em crônicas escritas após a conquista espanhola  das terras andinas e fontes materiais (inclusive cidades inteiras), conhecemos certas crenças, alguns valores e as práticas da sociedade inca.

Extensão máxima da civilização inca na América do Sul

Origem

  A região andina, local onde se desenvolveu a Civilização Inca, era habitada por grupos humanos desde aproximadamente 4.500 a.C., e, antes dos incas, havia abrigado uma outra grande civilização conhecida como chavín, entre 900 a.C. e 200 a.C.

  Os incas, também chamados de quéchua, chegaram aos Andes no século XIII d.C. e, nas terras altas passaram a viver sobretudo da agricultura e do pastoreio, mas foi somente a partir de 1470 que começaram a estender seus domínios sobre territórios e povos da região andina e construíram um grande império.  No processo de formação do seu império, os incas assimilaram elementos de outras culturas, inclusive o quéchua, a língua que mais tarde espalhariam pelos Andes.

Império de Tiauanaco-Huari

  O surgimento oficial do Império Inca aconteceu, segundo os historiadores, com o reinado do Sapa Inca (termo em quéchua para imperador) Pachacuti. Durante seu reinado, os incas iniciaram a conquista territorial da região andina, processo que foi continuado por outros imperadores incas.

  Os incas conseguiram construir um império territorialmente muito vasto, que se estendia por mais de 4 mil quilômetros. Os povos conquistados por eles eram obrigados a pagar impostos e as regiões dominadas eram integradas ao império por meio da construção de estradas (os incas possuíram mais de 40 mil quilômetros de estradas) por ordem do Sapa Inca, e culturalmente absorvidas com o deslocamento da população quéchua para essas regiões.

  O grandioso império dos incas era denominado por eles próprios de Tawantisuyu (o Império das quatro direções, em quéchua) e era dividido em quatro grandes províncias chamadas de: Chinchasuyuy (norte), Antisuyu (leste), Contisuyu (oeste) e Collasuyuy (sul).

Expansão inca (1438-1533)

Características dos incas

  Os incas construíram um império que era baseado em um sistema de governo conhecido como teocracia. Nesse sistema político, o governo sofre forte influência das crenças religiosas. No caso dos incas, o Sapa Inca era visto como um descendente do Sol e, por isso, possuía poderes irrestritos. Os poderes do Sapa Inca chegavam a interferir na vida das pessoas e a determinar quando poderiam casar, viajar e mudar para outras áreas do império.

  Além da grandiosidade territorial, o Império Inca era caracterizado pela grande diversidade de povos e de culturas, possuindo em torno de seis a dez milhões de habitantes. Nessa vasta população, existiam, pelo menos, 30 idiomas diferentes.

Os quatro suyus ou quadrantes do Império Inca

Economia inca

  A base da economia inca era a agricultura, que produzia tudo o que os incas possuíam. A alimentação baseava-se no milho e na batata, no entanto, os incas produziam grandes quantidades de itens como algodão e pimenta. A fertilidade da agricultura dos incas era resultado de uma técnica conhecida como curvas de nível.

  Habitando regiões montanhosas, os incas adotavam a irrigação sistemática e construíam terraços na forma de uma imensa escada para a prática da agricultura. Nos degraus mais altos, cultivavam espécies vegetais resistentes ao frio, como a batata; nos do meio, milho abóbora e feijão; nos mais baixos, semeavam as árvores frutíferas. Com isso, conseguiam colheitas variadas e fartas o ano inteiro. Os incas se dedicavam também à pesca, a coleta de produtos e ao pastoreio: criavam a lhama, animal de carga com grande resistência, além da alpaca e guanaco, dos quais obtinham a lã e o leite.

Panorama dos terraços agrícolas de Pisac, no Vale Sagrado dos Incas

O ayllu e a mita

  A maioria da população inca era composta de famílias camponesas que trabalhavam na agricultura ou no pastoreio. Um conjunto de famílias unidas por laços de parentesco ou aliança formava o ayllu, unidade social básica administrada pelo curaka (chefe comunitário). Era dever do ayllu produzir tudo o que fosse necessário para sua própria sobrevivência, além de pagar os impostos que eram devidos ao Sapa Inca.

  Entre os incas havia um antigo hábito segundo o qual os membros do ayllu tinham de prestar serviços gratuitos ao curaka. Essa obrigação tem o nome de mita. Com a formação do império, os membros das comunidades passaram a ter de prestar serviços gratuitos também para o chefe do Estado, o Inca. Entre os serviços gratuitos, estavam: semear, plantar, colher, construir, consertar estradas, templos e fazer vestimentas e armas para ser usados na guerra. Esses serviços e produtos contribuíam para a grandeza do império e, em caso de invernos rigorosos, epidemias ou inundações, deviam ser distribuídos à população.

Figura mostrando uma representação da mita

A filosofia inca

  Os incas também possuíam um pensamento filosófico próprio, que ficou conhecido como filosofia andina, em referência à região onde esse pensamento floresceu: a Cordilheira dos Andes. Nesta filosofia, todos os elementos da vida fazem parte de uma mesma trama, sendo impossível isolá-los. Por isso, ao contrário de filosofias de matriz europeia, eles não opunham o sagrado ao profano, por entender que essas duas dimensões são complementares. Outra particularidade que a diferencia frontalmente da maneira europeia de pensar é que a filosofia andina não é andocêntrica, ou seja, não pensa o masculino superior ao feminino.

  Muitos filósofos europeus estudaram o conceito de virtude, palavra que tem a mesma raiz de viril e possui valor positivo. Assim, a ação humana considerada positiva foi, durante séculos, vinculada a uma característica que pertence aos homens.

  No pensamento andino, a oposição entre homem e mulher não estabelecia nenhum tipo de hierarquia. Ao contrário, o masculino e o feminino eram oposições complementares e nenhum dos dois ocupava uma posição dominante.

Machu Picchu - também chamada de "cidade perdida dos incas", é o símbolo mais típico do Império Inca

Guerra Civil Inca e a conquista espanhola

  Os conquistadores espanhóis, liderados por Francisco Pizarro (1476-1541) e seus irmãos, exploraram o sul do que hoje é o Panamá, chegando ao território em 1526. Era claro que haviam chegado a uma terra rica com perspectivas de grandes tesouros e, após outra expedição, em 1529, Pizarro viajou para a Espanha e recebeu a aprovação real para conquistar a região e ser seu vice-rei.

  Animado pela descoberta de ouro e prata nas terras astecas, Pizarro partiu do Panamá e chegou à cidade inca de Tumbez, em 1532.  Pizarro e seus homens se aproveitaram da desunião entre os irmãos Atahualpa e Huáscar (c. 1491-1533), cujo pai havia morrido acometido de varíola. Além disso, Pizarro, à semelhança de Cortez, também se aliou a povos nativos insatisfeitos com a dominação exercida sobre eles.

  O primeiro confronto entre incas e espanhóis foi a Batalha de Puná, próximo da atual Guayaquil, no Equador. Pizarro então fundou a cidade de Piura em julho de 1532. Hernando de Soto foi enviado para explorar o interior e voltou com um convite para conhecer o inca Atahualpa, que havia derrotado seu irmão na guerra civil e repousavam em Cajamarca com seu exército.

  De Tumbez, Pizarro e seus homens se deslocaram para Cajamarca, onde aprisionaram o imperador inca Atahualpa (c. 1502-1532).A seguir, Pizarro prometeu libertar o imperador inca em troca de todo o ouro que coubesse no quarto onde ele estava preso. Os incas pagaram o resgate, mas Pizarro não cumpriu o prometido e ordenou a morte de Atahualpa na fogueira.

  Os  wankas, um povo guerreiro do sul do atual Peru, e vários outros povos indígenas ajudaram na conquista espnhola de Cuzco, a capital inca, em 1533. Dois anos depois, Pizarro fundou a Ciudad de los Reys, atual Lima, que veio a ser capital do novo domínio espanhol.

Imagem retratando o Massacre de Cajamarca, que deixou milhares de nativos mortos

  Os auxiliares de Pizarro projetaram Lima seguindo o modelo das cidades espanholas. Na praça central, ergueram a igreja, os prédios públicos e, a partir dela, construíram ruas retas e casas que lembravam a da Espanha. Quanto mais próximo da praça residia uma família, maior era o seu prestígio. Ou seja, a localização da residência em relação à praça simbolizava o status social de cada família. Próximo à costa do Oceano Pacífico e distante de Cuzco, Lima contava inclusive com uma instituição de ensino superior, a Universidade de São Marcos, fundada em 1551 e existente até hoje.

Visão geral da atual Cuzco. Até a colonização, era a capital do império inca

A resistência indígena

  Ao contrário do que se disse durante muito tempo, os nativos reagiram ao domínio espanhol de diversas formas: praticando o suicídio, revoltando-se, fugindo para a mata sozinhos ou em grandes grupos, e também por meio de armas.

  A resistência inca no sul do Peru, durou quase 40 anos. Protegidos pela muralha de neve da Cordilheira dos Andes, eles resistiram aos espanhóis de 1532 a 1572. Só com muito esforço e com a ajuda de efetivos vindos da Espanha foi que os espanhóis conseguiram vencer os incas. Na ocasião, o lendário Túpac Amaru (1545-1572), considerado o último líder da resistência inca, foi capturado e decapitado pelos espanhóis.

Representação da fundação de Lima

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

PRADO, M. L.; PEREGRINO, G. História da América Latina. São Paulo: Contexto, 2014.

RAMINELLI, R. A era das conquistas: América espanhola, séculos XVI e XVII. Rio de Janeiro: FGV, 2013.

RESTALL, M. Sete mitos da conquista espanhola. São Paulo: Civilização Brasileira, 2006.

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