quinta-feira, 4 de abril de 2024

O PROBLEMA DE MORADIA

   A cidadania também se expressa nas condições materiais de vida das pessoas. E morar, ter uma casa, um lar, é um direito humano fundamental para que todos tenham segurança física e emocional. Moradia, porém, é um problema crônico das grandes cidades. Uma de suas causas é o êxodo populacional, pois muitas cidades de países em desenvolvimento não tiveram condições econômicas de absorver a grande quantidade de pessoas que em pouco tempo migraram da zona rural e das cidades menores, aumentando o número de desempregados. Para sobreviver, muitas pessoas se submetem ao subemprego e à economia informal. Como os rendimentos, mesmo para trabalhadores da economia formal, em geral são baixos, muitos não têm condições de arcar com os altos custos de aquisição de um imóvel ou do aluguel de residências confortáveis e bem localizadas no território municipal, áreas que justamente são as mais valorizadas e, portanto, mais caras. A saída que encontram é partir em busca de imóveis com preços mais baixos na periferia distante, onde a rede comercial e de serviços públicos, como escolas, postos de saúde, equipamentos de lazer e cultura, tende a ser menor ou até ausente, e menos servida pelo sistema de transporte, o que impacta a vida pessoal cotidiana com a perda de horas no ir e vir do trabalho. Ou se veem impedidos a habitar imóveis em condições inadequadas, como os cortiços, ou a formar favelas ou outros tipos de aglomerado subnormal, porém, em áreas centrais. Essa é a face mais visível do crescimento desordenado das cidades e da segregação socioespacial.

Favela em Nairóbi, Quênia

  De acordo com o Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (agência da ONU sediada em Nairóbi, Quênia, mais conhecida como UN-Habitat), uma ou mais das seguintes características definem um assentamento urbano precário, que o IBGE denomina aglomerado subnormal:

  • Ocupação irregular: as pessoas ocupam terrenos dos quais não possuem título de propriedade.
  • Condições inseguras de habitação.
  • Baixa qualidade estrutural das construções e moradias apertadas e superlotadas.
  • Acesso inadequado a saneamento básico - água potável e tratamento de esgoto - e a demais infraestruturas.

Barracos de uma favela em Jacarta, Indonésia

  Os governos têm grande parcela de responsabilidade nesse processo, pois não implantaram políticas públicas adequadas, sobretudo no setor habitacional, para enfrentar o problema. Nos países em que políticas públicas foram adequadas, paralelamente ao aumento da oferta de empregos e à evolução da renda e da qualidade de vida, as moradias precárias foram bastante reduzidas ou até mesmo erradicadas.

  Um dos melhores exemplos é Cingapura. De acordo com o Banco Mundial, em 1965, quando o país se tornou independente, 70% de sua população vivia em condições muito precárias, a renda per capita era de 2.700 dólares ao ano, e o desemprego atingia 14% da População Economicamente Ativa (PEA). Após cinco décadas de elevados investimentos públicos em habitação, em infraestrutura urbana e em serviços públicos de qualidade, houve crescimento econômico sustentado, elevação e melhor distribuição de renda, erradicação das submoradias e, consequentemente, melhoria da qualidade de vida da população. Em 2022, segundo o Banco Mundial, a renda per capita era de 82.807,63 dólares e o desemprego de 1,8%.

Cidade de Cingapura, uma das mais desenvolvidas da Ásia

  A carência de habitações seguras e confortáveis é um problema mundial, mas principalmente nos países em desenvolvimento. Segundo a UN-Habitat, o percentual de pessoas que vivem em assentamentos precários caiu de 46% da população urbana mundial em 1990 para menos de 23% da população mundial em 2020. Ainda é um número muito alto, uma vez que corresponde a mais de 1 bilhão de pessoas. O Leste da Ásia é a região com maior número absoluto de submoradias. Embora a China e a Índia tenham reduzido significativamente a quantidade de pessoas que vivem em moradias precárias, ainda são os países que apresentam os maiores números absolutos. É preciso lembrar que, juntos, eles detêm cerca de 36% da população mundial. O Brasil é o quarto país com o maior contingente de moradores em aglomerados subnormais. O maior número relativo de moradores em assentamentos precários aparece na África Subsaariana. Na Nigéria, país com o maior número de habitantes em submoradias nessa região, o percentual de pessoas que vivem em habitações precárias chega à metade da população urbana. Nesse subcontinente, no entanto, há países com percentuais bem mais altos, como a República Centro-Africana, onde 93% da população urbana vive em favelas.

Makoko, em Lagos, Nigéria, uma das favelas mais antigas da África, construída sobre palafitas

  Na tentativa de encaminhar soluções para diversos problemas urbanos, entre os quais os assentamentos precários, foi realizada em Istambul, na Turquia, em 1996, a Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos - Habitat II. A primeira reunião, Habitat I, aconteceu em Vancouver, Canadá, em 1976; e a Habitat III ocorreu em Quito, Equador, em 2016.

  A Habitat II reuniu representantes dos países-membros da ONU e de diversas ONGs. Nesse encontro, ficou decidido que os governos deveriam criar condições para o acesso à moradia segura, habitável, salubre e sustentável fosse universalizado. Diversos governos, porém, entre os quais o dos Estados Unidos e o do Brasil, foram contra a proposta de que a habitação fosse considerada um direito universal do cidadão e, portanto, garantida pelo Estado, para não serem cobrados judicialmente pela não garantia desse direito.

  Em diversas cidades do mundo, tanto nos países em desenvolvimento quanto nos desenvolvidos, pessoas sem-teto se organizam para lutar pelo direito à moradia urbana adequada e por melhores condições de vida. Uma ou outra dessas organizações tem atuação nacional, mas a maioria delas atual localmente. Há também organizações com atuação internacional, como a TETO (ou TECHO, em espanhol), organização não governamental (ONG) criada em 1997, no Chile, que atua em quase toda a América Latina, até mesmo no Brasil.

Militantes do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) em protesto para reivindicar moradias populares, no vão livre do MASP, na Avenida Paulista, São Paulo

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

HARVEY, David. Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo: Martins Fontes, 2014.

LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. 5 ed. São Paulo: Centauro, 2009.

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