quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

O FEUDALISMO

   O feudalismo foi a forma de organização social e econômica instituída na Europa Ocidental entre os séculos X e XV durante a Idade Média. Baseava-se em grandes propriedades de terra, chamadas de feudos, que pertenciam aos senhores feudais, e a mão de obra era servil.

  Com a queda do Império Romano do Ocidente e a invasão dos povos bárbaros entre os séculos IV e V, a Europa atravessou um período de ruralização, ou seja, os moradores da cidade se deslocaram para o campo, fugindo da instabilidade provocada pela movimentação dos bárbaros.

  A partir do século XV, o feudalismo entrou em crise por conta das mudanças ocorridas na Europa, como os renascimentos cultural, urbano e comercial.

Uma imagem típica da paisagem feudal: o castelo do senhor controlando as terras onde seus súditos trabalham. Iluminura de Les très riches heures du duc de Berry ou simplesmente Les très riches heures (em português: As riquíssimas horas do duque de Bery)

A crise de Roma e a ruralização europeia

  A partir do século III, iniciou-se o processo de gradual desagregação do Império Romano, marcado, principalmente, pelo fortalecimento dos nobres proprietários de terras e pela perda de poder dos reis. Problemas econômicos, como a diminuição do número de escravizados (antes obtidos por meio de guerras e invasões), disputas pelo poder entre chefes militares e senadores, sucessivas invasões de povos considerados bárbaros e o crescimento do cristianismo, causaram a descentralização política do Império, que culminou na deposição do último soberano de Roma, em 476 d.C.

  A fragmentação do Império Romano possibilitou o fortalecimento do colonato como forma predominante de relação de trabalho. Nesse sistema, indivíduos livres e escravizados se estabeleciam de modo fixo no interior de grandes propriedades, num lote de terra demarcado, devendo entregar parte de sua produção ao proprietário das terras.

  Esse movimento de trabalhadores rurais em direção às grandes propriedades esteve associado às elevadas taxações do governo romano sobre os donos de pequenas  propriedades de terras, ao colapso da economia mercantil do império e à insegurança crescente da vida nas cidades, especialmente após as migrações dos povos romanos.

Painel em relevo do Sarcófago Ludovisi, descrevendo uma batalha entre germânicos e romanos, século III. Os germânicos foram um dos povos considerados bárbaros (que não faziam parte do Império) que ocuparam territórios romanos

  Nesse cenário de instabilidade, a sociedade romana ruralizou-se e passou a apresentar, de modo geral, uma divisão básica entre proprietários e camponeses. Esse processo levou a um crescente enrijecimento da hierarquia social e a regras cada vez mais rígidas nas relações de trabalho.

  Outro fator que contribuiu de maneira significativa para um processo de reclusão social foi a difusão do cristianismo após o século IV. A partir desse momento, quando o cristianismo se tornou crença oficial em Roma, o clero - composto de homens responsáveis  pelos rituais da liturgia cristã - foi aos poucos ganhando  privilégios especiais e grandes poderes políticos (na administração civil) e econômicos (por suas crescentes propriedades rurais). Esses representantes da Igreja passaram a ser responsáveis pela salvação de todas as pessoas, ou seja, a via de comunicação essencial entre o céu e a terra. À medida que ganhava força e prestígio, a Igreja tornou-se a principal instituição reguladora da sociedade, e instaurou-se a mentalidade teocêntrica, ou seja, Deus seria o centro de todas as coisas, e toda a sociedade deveria ser ordenada para Ele.

Catedral de Notre Dame, antes e depois do incêndio de 2019. Demonstração de piedade cristã medieval

Formação do sistema feudal

  À medida que o poder central de Roma se enfraquecia, os grandes proprietários de terras se fortaleciam. Dessa maneira, o poder político regionalizou-se, ou seja, deixou de ser centralizado no império e se distribuiu entre os proprietários rurais.

 Os povos germânicos que entraram nos territórios romanos contribuíram para a formação do sistema feudal. O colonato, típica instituição romana, se juntou ao comitatus, tradição germânica que ligava os chefes militares aos seus guerreiros por meio de obrigações mútuas de serviços e lealdade. O feudalismo, portanto, é resultado da combinação de instituições romanas e tradições germânicas.

  Nesse contexto, os proprietários de terras assumiram a responsabilidade pela defesa de seus domínios e de todos os que neles viviam, consolidando as relações de dependência pessoal. Uma das formas de dependência instituída foi a vassalagem de amparo, o dependente, chamado de vassalo, e um senhor, o suserano, geralmente grande proprietário de terras.

  Esse acordo de mutualidade era firmado em uma cerimônia marcada por dois momentos especiais: o da homenagem (o juramento pessoal) e o da investidura  (o recebimento do bem). O vassalo recebia um benefício - um bem ou direito cedido em troca de fidelidade - e várias obrigações, principalmente militares. Na maioria das vezes, esse benefício - o feudo - compunha um conjunto de terras cedidas por um aristocrata a outro. Os vassalos que recebiam os feudos se tornavam senhores feudais.

  Com o tempo, os próprios vassalos passaram a doar benefícios a outros aristocratas e se tornaram suseranos de seus vassalos. Dessa forma, houve um gradual enfraquecimento, mas não o total desaparecimento, da autoridade real, já que muitos homens, especialmente nas regiões do interior do império, não estavam ligados diretamente ao monarca e, por isso, dificilmente respeitavam suas decisões.

Iluminura da obra Roman de Tristan, manuscrito do século XV de narrativas medievais

A organização e o trabalho nos feudos

  No sistema feudal, a base econômica era a agricultura, praticada pelos camponeses, que compunham a maioria da população e trabalhavam nas unidades agrícolas senhoriais, os senhorios, sob o regime de escravidão.

  As terras do senhorio eram comumente divididas em três partes. O castelo, que era fortificado, era o centro da propriedade. Nele morava a família senhorial e seus dependentes, como cavaleiros e nobres. As três categorias de terras se distinguiam entre o manso senhorial, onde tudo o que era produzido pertencia ao senhor feudal, o manso servil, no qual os servos podiam cultivar alimentos para a própria subsistência, desde que pagassem taxas ao senhor pelo uso da terra e pela proteção, e as terras comunais, utilizadas para pastagem e extração de madeira para senhores e servos. A prática da caça, no entanto, era exclusividade dos senhores.

  No senhorio eram cultivadas leguminosas e produzidos queijos, vinho, manteiga, tecidos e diversos utensílios domésticos, entre outros artigos necessários à subsistência. Cada domínio agrícola buscava essencialmente ser autossustentável: enquanto alguns servos cultivavam a terra e criavam porcos, galinhas e patos, outros produziam tecidos, sapatos, artefatos de madeira e de metal e o que mais fosse preciso. Uma vez que a produção destinava ao consumo interno, sem visar a obtenção de excedentes, a venda de bens agrícolas ou artesanais era bastante restrita. Por isso, o comércio na Europa do período feudal sofreu um grande decréscimo.

Camponeses no trabalho da colheita. Iluminura do Saltério da Rainha Maria, 1553. Os servos, embora exercessem trabalho sob coerção, não eram escravizados e estavam vinculados à terra

A sociedade feudal

  A estrutura social feudal era organizada essencialmente em três ordens, ou estamentos: o clero, a nobreza e o campesinato. Havia uma rigidez na hierarquia social, cujos valores e práticas eram, em grande parte, regulados pela Igreja. Os clérigos legitimavam essa organização afirmando que as pessoas deviam desempenhar suas funções em obediência à vontade de Deus. Assim, a hierarquia era determinada pelo nascimento, e não havia praticamente nenhuma chance de ascensão ou mobilidade social.

  No ideário medieval, os clérigos compunham o grupo que cumpria a função de intermediários entre Deus e os seres humanos. Por esse motivo, em um período de grande fragmentação do poder político, a fé cristã era o fator de união entre os europeus. A Igreja Católica exercia grande autoridade não apenas na vida religiosa, mas também nos negócios, na educação, na vida cotidiana e nas atividades econômicas. O batismo era o mecanismo de inserção das pessoas na sociedade.

  A nobreza era composta de indivíduos detentores de terras e de poder político e que recebiam sólida educação bélica. Esse grupo se diferenciava pelo título nobiliárquico de cada indivíduo. A alta nobreza era uma camada numericamente reduzida representada por príncipes, arquiduques, duques, marqueses e condes. A pequena nobreza compunha-se de viscondes, barões e cavaleiros, especialistas no uso de armas. Os cavaleiros que possuíam grandes extensões de terras podiam dedicar-se inteiramente ao treinamento e ao serviço militar. E os cavaleiros que não tinham terras viviam dos recursos provenientes do seu suserano.

Pirâmide mostrando como era a sociedade feudal

  A grande maioria da população da Europa medieval vivia no campo, onde existiam basicamente três tipos de trabalhadores: os servos, os vilões e os escravizados.

  O trabalho de pessoas escravizadas foi pouco utilizado. Os cativos, frequentemente, realizavam tarefas domésticas. Diferentemente dos escravizados, que podiam ser vendidos e não tinham bens, aos servos era permitido possuir partes de terra.

  A nobreza e o clero eram sustentados pelos servos, que viviam sob o regime de servidão de gleba, ou seja, não podiam abandonar o feudo, mesmo que este era passado para outro senhor. Os servos eram obrigados a pagar uma série de tributos, como a corveia (realização de serviços em alguns dias da semana, nas terras senhoriais), a talha (entrega de metade de tudo o que fosse produzido) e as banalidades (encargos pagos ao senhor feudal pelo uso de suas ferramentas e equipamentos de trabalho).

  Nessa sociedade, havia também os vilões, que não estavam presos à terra e, por isso, podiam transitar pelos domínios senhoriais em busca de trabalho. Alguns conseguiam adquirir terras ou enriquecer com a atividade comercial.

Figurinha mostrando como era o senhorio medieval

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BLOCH, M. A sociedade feudal. Lisboa: Edições 70, 1987.

FRANCO JÚNIOR, H. A Idade Média: nascimento do Ocidente. São Paulo: Brasiliense, 2006.

LE GOFF, J. A Idade Média explicada aos meus filhos. Rio de Janeiro: Agir, 2007.

terça-feira, 3 de janeiro de 2023

O SURGIMENTO DO FEMINISMO E DO MOVIMENTO SUFRAGISTA

  O feminismo é um movimento social e político de mulheres e para mulheres que, desde o século XIX, vem ganhando espaço em todo o mundo, promovendo mudanças políticas e sociais em benefício das mulheres e da sociedade como um todo. Suas bandeiras iniciais eram o acesso à educação formal e o direito ao voto e à elegibilidade para as mulheres, seguidas por liberdades civis e autonomia legal, como o direito a posses, direitos trabalhistas e direito ao divórcio.

  Mais à frente, os direitos reprodutivos e a luta contra a violência física, sexual e psicológica também se tornaram bandeiras importantes desse movimento. Ao longo dos anos e conforme cada contexto, o feminismo também foi incorporando demandas específicas e permanece de suma importância para a emancipação feminina e a construção de sociedades mais equânimes.

Manuscrito da obra de Mary Wollstonecraft, Uma Reivindicação pelos Direitos da Mulher

  Com o processo de industrialização e urbanização, e influenciado por diversas correntes de pensamento, organizou-se, entre o fim do século XVIII e o início do século XIX, o movimento que os historiadores e estudiosos do tema costumam chamar de a primeira onda do feminismo.

  A escritora inglesa Mary Wollstonecraft (1759-1797) é considerada uma das pioneiras desse movimento. No livro Uma defesa dos direitos da mulher, publicado em 1792, ela reivindicou o direito feminino à educação formal, instrumento que poderia libertar as mulheres da dependência dos pais, dos maridos e dos irmãos. Isso era essencial, pois as mulheres muitas vezes eram submetidas a maus-tratos pelos homens com os quais conviviam, e não tinham amparo de nenhuma medida protetiva legal. Os escritos de Mary Wollstonecraft inspiraram movimentos feministas na França e nos Estados Unidos.

Mary Wollstonecraft, por John Opie (1797)

  Na Inglaterra, o movimento feminista acompanhou as reformas eleitorais de 1832, 1867 e 1884. Essas reformas asseguraram o direito de voto a dois terços da população masculina adulta, excluindo os pobres, os criminosos, os homens com transtornos mentais e as mulheres.

  Para o movimento feminista era evidente que a ampliação dos direitos políticos e trabalhistas dos homens tinha ocorrido mediante pressões parlamentares. As sufragistas (nome pelo qual ficaram conhecidas as mulheres que lutaram pelo direito do voto feminino) entendiam que somente conquistariam melhores condições de trabalho e romperiam as desigualdades sociais se os políticos fossem obrigados a prestar contas a um eleitorado feminino. Nesse sentido, a conquista do direito ao voto era um meio para atingir uma finalidade maior.

  Diante das sucessivas recusas do Parlamento inglês em aprovar as petições de sufrágio feminino  enviadas durante o século XIX, elas organizaram, em 1897, a União Nacional pelo Sufrágio Feminino. Millicent Fawcett (1847-1929), uma das responsáveis pela fundação do grupo, em 1871, já havia ajudado a fundar o Newnham College, em Cambridge, para favorecer o acesso das mulheres à educação superior.

Millicent Fawcett, por volta de 1913

  No século XX, o movimento sufragista já havia ganhado as ruas de diversos países europeus e americanos. O movimento feminista enfrentou, desde o início, forte resistência de amplos setores da sociedade. O uso de cartazes e peças de propaganda foi uma estratégia fundamental na divulgação do movimento diante das altas taxas de analfabetismo na população mundial.

  Uma guerra de imagens se espalhou pelos muros, postes e locais públicos. Produzidas muitas vezes de forma anônima por grupos favoráveis ou contrários ao movimento, essas imagens nos ajudaram a compreender parte dos anseios das sufragistas  e o preconceito da sociedade do início do século passado diante da participação feminina no mundo do trabalho e na esfera política.

  Em 1903, sob a liderança de Emmeline Pankhurst (1858-1928), a União Política e Social das Mulheres foi fundada com o intuito de pressionar o Parlamento a conceder direito de voto às mulheres. O grupo adotava discursos inflamados, convocando todos os simpatizantes da causa a ir à luta pela extensão desse direito às mulheres. As estratégias de ação eram múltiplas: elas abordavam e interrogavam os políticos, realizavam comícios, divulgavam suas ações pelos bairros londrinos e nas portas das fábricas. Diante da insistência do Parlamento inglês em ignorá-las, elas promoveram ações diretas, como vandalizar prédios públicos e privados. Muitas foram presas ao realizar esse tipo de protesto.

Parada do Sufrágio Feminista em Nova York, em 6 de maio de 1912

A primeira onda do feminismo

  A chamada primeira onda do feminismo, que ocorreu no final do século XIX e primeiras décadas do século XX, tinha como principal reivindicação o direito ao voto feminino, isto é, os direitos políticos de votar e ser votada. O voto foi a principal bandeira desse momento, porque era a reivindicação comum a todas as mulheres.

  O movimento, inicialmente, era formado por mulheres de classe alta que desejavam igualdade perante os homens de sua classe e por mulheres das classes médias que desejavam o treinamento educacional formal e científico, bem como bons empregos, conforme os homens de sua classe, as chamadas feministas liberais. Por último, as mulheres operárias, com péssimas condições de trabalho, baixos salários e sobrecarga de trabalho doméstico que desejavam melhores condições de trabalho e emprego.

A francesa Louise Weiss, juntamente com outras suffragettes parisiences em 1935. A manchete do jornal diz "A Francesa Deve Votar"

  Todas tinham em comum o fato de votar e ser votadas, portanto, essa pauta galvanizou o apoio de todas, já que as demandas específicas de cada grupo só poderiam acontecer mediante mudanças nas leis. Assim, a igualdade jurídica dependia da igualdade política, e reivindicações como educação formal e direito a posses e ao divórcio estavam ligadas à luta pelo direito ao voto.

  O movimento sufragista, que representa essa primeira onda, começou na Inglaterra e alcançou o mundo. Sua mais notória porta-voz foi Emmeline Pankhurt, líder das suffragettes, que, a partir de determinado momento, deixaram de compor o movimento pacífico para realizar uma militância radical e violenta, dispostas a serem presas, feridas ou mortas pela causa.

  O primeiro país a garantir o voto feminino foi a Finlândia, em 1893. Os demais a fizeram ao longo do século XX, especialmente nos pós-guerras. O último país a efetivar o voto feminino foi a Arábia Saudita, em 2015.

Depois de vender sua casa, Emmeline Pankhurt, na foto em Nova York, em 1913, viajou constantemente dando palestras em todo o Reino Unido e Estados Unidos

A segunda onda do feminismo

  A segunda onda do feminismo ocorreu na segunda metade do século XX, entre as décadas de 1960 e 1980. Nessa fase do movimento, a sexualidade feminina foi um tema primordial, como a questão do prazer feminino, liberdade sexual, os direitos reprodutivos, a saúde da mulher e o estupro (sexo não constituído).

  Essa segunda onda aconteceu no âmbito da revolução sexual dos anos 1960, período também da invenção da pílula anticoncepcional e da ressignificação do sexo não somente como meio para a procriação, mas para o prazer. Outra temática que foi objeto de reflexão e reivindicações nesse período foram as questões relacionadas ao ambiente familiar, como violência doméstica, trabalho doméstico não remunerado majoritariamente realizado por mulheres e o planejamento familiar sobre quantidade de filhos e quando tê-los.

Passeata pelos direitos das mulheres, em 1970, em Washington D.C.

  A teórica e ativista que influenciou de modo significativo, não só a segunda onda do feminismo, mas as que se seguiram a essa foi a filósofa francesa Simone de Beauvoir (1908-1986), especialmente por sua obra "O Segundo Sexo", publicada em 1949. Sua tese fundamental é que ser mulher é uma construção social, e não biológica, sintetizada em sua famosa frase: "Não se nasce mulher, torna-se".

  Essa percepção implicou compreender que a opressão sobre as mulheres em todas as áreas também é uma construção social, e não algo natural e imodificável. Portanto, a idealização do feminino como emocional, delicado e voltado para a maternidade e o casamento é cultural, e não uma inclinação biológica da mulher.

Simone de Beauvoir, em 1968

A terceira onda do feminismo

  A terceira onda do feminismo ocorreu na década de 1990, em um contexto de forte reação à pauta feminista pela política de viés conservador, que a considerava como desnecessária, como se a igualdade plena já tivesse sido alcançada. Os trabalhos teóricos então se voltaram para mostrar em que pontos as desigualdades ainda permaneciam e acrescentaram a concepção de interseccionalidade, que aponta a necessidade de se considerar outros padrões de opressão, tais como raça, classe e orientação sexual, que se somam ao machismo, gerando violências e demandas específicas.

  Uma teórica influente desse período é a filósofa norte-americana Judith Butler, cujo livro "Problemas de Gênero" (1990) problematiza o conceito de gênero, abordando-o como não binário, fluido e constituído por comportamentos que compõem uma performance. Essa ressignificação da concepção de gênero e da sexualidade ficou conhecida como queer, o que abriu espaço para que, no feminismo, a heteronormatividade fosse questionada e se desenvolvesse o transfeminismo.

  Outra dimensão abordada na terceira onda é a do colonialismo, isto é, a influência dos países hegemônicos sobre a construção do feminismo nos países periféricos. Assim, o feminismo indígena e o feminismo pós-colonial incluíram o fator geopolítico do colonialismo em suas reivindicações de gênero.

Passeata pelo Dia Internacional da Mulher em Daca, Bangladesh, organizado pelo Sindicato Comercial Nacional das Trabalhadoras

A quarta onda do feminismo

  A denomina quarta onda do feminismo remonta ao ano de 2010, quando cresceu significativamente a militância política nas redes sociais. A difusão de ideias feministas foi amplificada por sites e blogs, e a própria mobilização passou a contar com ferramentas virtuais, como hashtags de denúncias sobre situações de assédio, que por vezes têm escala global, como a campanha argentina #niunaamenos de 2015 e a norte-americana #metoo de 2017.

  Essa quarta onda se desenvolve sobretudo entre mulheres jovens. A representatividade e a violência sexual são temas centrais. Um marco desse movimento foi a marcha organizada em 2011 por jovens estudantes canadenses, a Marcha das Vadias. Esse movimento foi motivado pela abordagem policial feita a uma jovem que tinha sofrido um estupro e que foi culpabilizada pela roupa com que estava vestida. No mesmo ano, a marcha foi realizada em outros países, inclusive no Brasil.

  Uma importante liderança feminista desse período é a ativista nigeriana Chimammanda Ngozi Adichie, autora do livro "Sejamos Todos Feministas", baseado em uma palestra dela que viralizou em 2011 e que abordaos estereótipos sobre o feminismo e a necessidade de que essa luta seja defendida por todos, e não somente pelas mulheres.

Marcha das Vadias de 2013, em Porto Alegre, RS

O feminismo no Brasil

  No Brasil do século XIX, já havia artigos na imprensa em defesa da emancipação das mulheres. A educadora potiguar Nísia Floresta (1810-1885) foi a precursora do feminismo no Brasil. Ela  fundou, em 1838, no Rio de Janeiro, o Colégio Augusto, voltado para meninas com a mesma ementa de ensino que os meninos estudavam. Em 1832 publicou seu primeiro livro "Direitos das Mulheres e Injustiça dos Homens", artigo em defesa do acesso igualitário à educação e aos direitos políticos, que era uma livre tradução do artigo "Reivindicações dos Direitos das Mulheres", de Mary Wollstonecraft.

Capa da segunda edição de Direitos das Mulheres e Injustiça dos Homens, 1833

  No início do século XX, formaram-se agremiações femininas em busca de direitos. A primeira foi o Partido Republicano Feminino, fundado em 1910 pela baiana Leolinda de  Figueiredo Daltro (1859-1935), professora e indigenista. A segunda agremiação foi determinante para a conquista do voto feminino no Brasil. Liderada pela paulista Bertha Lutz (1894-1976), a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, aliada ao movimento feminista de outras partes do mundo, lutou ativamente por meios pacíficos, propagandas, panfletos, artigos, palestras, conferências, reuniões políticas, cartas endereçadas a parlamentares e assessoria jurídica a mulheres, até que em 1932 o voto feminino fosse garantido. A potiguar Celina Guimarães Viana (1890-1972) foi a primeira mulher brasileira a tirar o título de eleitor.

Celina Guimarães, primeira mulher a tirar o título de eleitor, votando onde atualmente funciona a Biblioteca Municipal de Mossoró (RN) em 1928

  Nas décadas de 1940 e, mais tarde, 1960 e 1970, o feminismo brasileiro teve como pano de fundo regimes autoritários, o que impunha obstáculos não somente pela repressão estatal, mas também pela hostilidade de setores da esquerda, que o consideravam como pauta secundária em relação à redemocratização. O movimento de mulheres que se articulou para participar da Assembleia Nacional Constituinte (1987) ficou conhecida como lobby de batom.

  Na Nova República, uma das maiores conquistas da luta feminista foi a instituição da Lei Maria da Penha (2006), a Lei do Feminicídio (2015) e a Lei da Importunação Sexual (2018), importantes ferramentas no enfrentamento da violência contra a mulher, seja física, seja sexual - no caso dessa última, em situações de abuso ou divulgação de imagens íntimas.

Maria da Penha Maia Fernandes. Farmacêutica cearense que lutou para que seu agressor fosse condenado. Em 7 de agosto de 2006, foi sancionada pelo então presidente Luís Inácio Lula da Silva, a lei que leva seu nome: Lei Maria da Penha, importante ferramenta legislativa no combate à violência doméstica e familiar contra mulheres, no Brasil

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

FRACCARO, Glaucia Cristina C. Uma história social do feminismo: diálogo de um campo político brasileiro (1917-1937). Estudos Históricos, v. 31, n. 63, 2018.

SEMÍRAMIS, Cynthia. A reforma sufragista: origem da igualdade de direitos entre mulheres e homens no Brasil. Belo Horizonte: Busílis, 2020.

SILVA, Daniel Neves. "O que é feminismo?"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/o-que-e/historia/o-que-e-feminismo.htm. Acesso em: 3 de janeiro de 2023.

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