quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

A "ERA MAUÁ"

  A Era Mauá é determinada pelas ações do Barão de Mauá, político e industrial brasileiro, no intuito de acelerar o cenário industrial do Brasil. No começo do século XIX, o panorama socioeconômico nacional apresentava-se da seguinte forma: concentração de interesses no campo, trabalho escravo e uma aristocracia que investia somente em terras e na própria segurança. Todos esses fatores impediam o crescimento do Brasil no que se refere à industrialização e ao capitalismo. A preocupação com o comércio e com a indústria era mínima, assim como a continuidade do escravismo, que dificultava o desenvolvimento da economia.
  As dificuldades impostas ao desenvolvimento manufatureiro no Brasil, com a baixa taxa alfandegária (15%) sobre os importados britânicos (o Tratado de Comércio e Navegação feito entre o governo brasileiro - D. João VI - e o governo inglês, foi o mais importante desses tratados), diminuíram no Segundo Reinado: em 1842, o governo não renovou o tratado de comércio com a Inglaterra e decretou, em 1844, a Tarifa Alves Branco, que elevava o tributo sobre os produtos importados.
Até a primeira metade do século XIX, o comércio de escravos era a segunda maior fonte de renda do Brasil, depois do comércio do café
  A Tarifa Alves Branco recebeu o nome de seu criador e foi implementada no dia 12 de agosto de 1844, aumentando em 30% as taxas dos produtos importados no Brasil. As novas determinações causaram impacto sobre cerca de três mil produtos e despertaram a insatisfação dos ingleses, acostumados com os privilégios na comercialização de seus produtos.
  Embora não tivesse sido essa intenção (pretendia-se na verdade aumentar a arrecadação de impostos), a decisão acabou por favorecer um surto de desenvolvimento manufatureiro interno. Já no ano seguinte à implantação das novas taxas de importação, somou-se ao aumento da arrecadação alfandegária a elevação do preço dos gêneros importados, o que estimulou a implantação de indústrias, sobretudo no ramo têxtil, para abastecer o mercado interno. Mesmo assim, as exigências do fisco acabaram rebaixando em 30% a taxação sobre os tecidos de algodão importado, quando se pleiteava cerca do dobro disso, limitando empreendimentos. Pressões dos "agraristas", que viam as tarifas protecionistas como um risco de medidas similares sobre os produtos agrários nacionais que eram exportados, acabaram se sobrepondo às intenções "industrialistas" assentadas em medidas alfandegárias de proteção.
Manuel Alves Branco (1797-1855) - criador da Tarifa Alves Branco
  É na vigência da Tarifa Alves Branco que se cria a estrutura necessária para os investimentos do conhecido Barão de Mauá, o qual investiu em diversas inovações tecnológicas e comerciais para o Brasil.
  Irineu Evangelista de Sousa, barão e visconde de Mauá, foi comerciante, armador, industrial e banqueiro. Nascido em uma família de proprietários de pequena estância de criação de gado em Arroio Grande, no Rio Grande do Sul, na fronteira com o Uruguai, Irineu ascendeu socialmente pelos seus próprios méritos, estudos e iniciativa, sendo considerado um dos empreendedores mais importantes do Brasil no século XIX, estando à frente de grandes iniciativas e obras estruturadoras relacionadas ao progresso econômico do Segundo Reinado.
  No auge de sua carreira (1860), controlava dezessete empresas localizadas em seis países (Brasil, Uruguai, Argentina, Inglaterra, França e Estados Unidos). Foi pioneiro em várias áreas da economia do Brasil. Dentre as suas maiores realizações encontra-se a implantação da primeira fundição de ferro e estaleiro no país, a construção da primeira ferrovia brasileira, o início da exploração do rio Amazonas e afluentes, bem como o Guaíba e seus afluentes, no Rio Grande do Sul, com barcos a vapor, a instalação da iluminação pública a gás na cidade do Rio de Janeiro, a criação do primeiro Banco do Brasil, e a instalação do cabo submarino telegráfico entre a América do Sul e a Europa.
Irineu Evangelista de Sousa - o Barão de Mauá (1813-1889)
  Aos cinco anos de idade, em 1818, Irineu ficou órfão de pai, assassinado por ladrões de gado. Em 1821, sua mãe, Mariana de Jesus Batista de Carvalho, casou-se com João Jesus e, como seu novo esposo não desejava viver com os filhos do primeiro casamento da viúva, Irineu foi entregue para a guarda de um tio, Manuel José de Carvalho, que morava no interior de São Paulo, o qual proporcionou a sua alfabetização.
  Aos nove anos de idade, Irineu seguiu com outro tio, José Batista de Carvalho, comandante de embarcação da Marinha Mercante, que transportava em seu navio couros e charque do porto do Rio Grande para o Rio de Janeiro.
  No Rio de Janeiro, Irineu foi empregado em um estabelecimento comercial por indicação do seu tio, e ali se ocupou como caixeiro do armazém, a troco de moradia e comida. Aos onze anos foi trabalhar no comércio do português Antônio Pereira de Almeida, onde se vendiam desde produtos agrícolas até escravos - essa última a maior fonte de renda do comerciante -, de quem se tornou empregado de confiança, vindo a ser promovido, em 1828, a guarda-livros.
Cidade do Rio de Janeiro, no final do século XIX
  Diante da falência do comerciante, na crise do Primeiro Reinado, Irineu liquidou as dívidas do patrão. Por recomendação do antigo empregador, foi admitido na empresa de importação do escocês Richard Carruthers em 1830, onde aprendeu inglês, contabilidade e aperfeiçoou a arte da comercialização. Aos 23 anos tornou-se gerente e logo depois sócio da empresa. Quando Carruthers retornou para o Reino Unido, em 1839, Irineu assumiu os negócios da empresa.
  Uma viagem de negócios que fez à Inglaterra, em 1840, permitiu a Irineu conhecer fábricas, fundições de ferro e o mundo dos empreendimentos capitalistas, convencendo-o de que o Brasil deveria trilhar o caminho da industrialização.
  Ao retornar ao Brasil, diante da decretação da Tarifa Alves Branco e da alta dos preços do café no mercado internacional, Irineu decidiu tornar-se um industrial.
Foram as fábricas inglesas que inspiraram o Barão de Mauá a investir na industrialização do Brasil
  Tendo obtido junto ao governo imperial brasileiro a concessão do fornecimento de tubos de ferro para a canalização do rio Maracanã, na cidade do Rio de Janeiro (1845), liquidou os interesses da Casa Carruthers e, no ano seguinte, adquiriu uma pequena fundição situada na Ponta da Areia, em Niterói, na então Província do Rio de Janeiro, que depois transformou-a em um estaleiro de construções navais, dando início à indústria naval brasileira. O Estabelecimento de Fundição e Companhia Estaleiro da Ponta de Areia tornou-se o maior empreendimento industrial do Brasil na época, onde empregava mais de mil funcionários e produzia navios, caldeiras para máquinas a vapor, engenhos de açúcar, guindastes, prensas, artilharias, postes de iluminação e canos de ferro para água e gás. O estaleiro foi destruído por um incêndio em 1857 e reconstruído três anos mais tarde.
  Mauá foi muito conhecido também por suas ideias contrárias à escravidão, o que o distanciava das elites políticas do Império.
Estabelecimento de Fundição e Companhia Estaleiro da Ponta de Areia, em 1846
  Com a extinção do tráfico negreiro a partir da Lei Eusébio de Queirós (1850), os capitais até então empregados no comércio de escravos passaram a ser investidos na industrialização. Aproveitando essa oportunidade, Mauá passou a se dividir entre as atividades de industrial e banqueiro.
  Em meados do século XIX, possuía inúmeros empreendimentos industriais particulares. Mauá também se associou ao governo na construção de ferrovias e rodovias e, em 1874, fez instalar o cabo submarino para comunicação telegráfica entre o Brasil e a Europa. Mesmo assim, seu sucesso relativo foi muito mais decorrente de suas relações pessoais do que de uma política governamental de incentivos. Em 1860, por pressão dos cafeicultores ("agraristas"), foi reduzida a taxa para os importados, o que desestimulou investimentos em produção nacional.
  A sobrevivência de algumas fábricas nos anos 1860-1870 deveu-se também a uma conjuntura favorável: a Guerra de Secessão nos Estados Unidos (1861-1865), que quebrou sua produção de algodão, estimulando a produção têxtil no Brasil, e a Guerra do Paraguai (1866-1870), cujas despesas obrigaram o governo a buscar maior arrecadação, elevando as tarifas alfandegárias de importação. Mauá perdeu seus empreendimentos para os ingleses e acabou falindo em 1878.
Inauguração da Estrada de Ferro Dom Pedro II, em 1858 - uma das obras do Barão de Mauá
  A atuação de Mauá e de outros empreendedores mostrou a potencialidade da economia brasileira, que podia integrar-se à modernidade capitalista e desenvolver-se de maneira autônoma, embora ainda fosse inibidas pelas permanências em sua estrutura escravocrata e provinciana.
  A instalação de empreendimentos industriais no Brasil do Segundo Reinado, significou uma mudança nas relações entre o país e as potências capitalistas da época (Inglaterra e Estados Unidos, principalmente), sem, entretanto, romper a dependência. Apesar de certa modernização tecnológica, que permitiu rearranjos econômicos à medida que se desenvolviam as forças produtivas globais do capitalismo, o surgimento de novas e várias indústrias no Brasil nada mais foi que um "surto", e não um verdadeiro processo de industrialização.
Cédula impressa pelo Banco Mauá
  Outro aspecto do processo de modernização da economia brasileira foi a instalação de estradas de ferro com o objetivo de melhorar o sistema de comunicações e transportes e, assim, facilitar o escoamento da produção agrícola. Em 1854, foi inaugurada a primeira estrada de ferro do Brasil, a Rio-Petrópolis, obra de Mauá, ligando a Baía da Guanabara ao sopé da serra, com 14 km de extensão. No ano seguinte, com o patrocínio de empresas inglesas, teve início a construção da Ferrovia Recife-São Francisco e da Ferrovia Dom Pedro II, mais tarde chamada de Central do Brasil, que recebeu também recursos do governo e de diversos empresários brasileiros, devendo interligar o Rio de Janeiro e São Paulo.
  A modernização dos transportes esteve intimamente relacionada ao desenvolvimento econômico do Império, unindo os centros produtores aos portos pelos quais a produção escoava, com destaque para o açúcar no Nordeste e, especialmente, o café no Centro-Sul. Após a implantação da Estrada de Ferro Santos-Jundiaí, as ferrovias foram avançando até a Zona da Mata, em Minas Gerais, e pelo interior paulista.
Estrada de Ferro Santos-Jundiaí, em 1870
  A combinação das suas ideias, juntamente com o agravamento da instabilidade política da região platina, tornou o Barão de Mauá alvo das intrigas dos conservadores. As suas instalações passaram a ser alvo de sabotagens criminosas e os seus negócios foram abalados pela legislação que reduziu a taxa de importação sobre as importações de máquinas, ferramentas e ferragens. Com a falência do Banco Mauá, em 1875, pediu moratória por três anos, sendo obrigado a vender a maioria de suas empresas a capitalistas estrangeiros e os seus bens pessoais para liquidar as dívidas.
  Doente, minado pelo diabetes, após liquidar as suas dívidas, encerrou um capítulo de sua vida empresarial. Com o pouco que lhe restou e o auxílio de familiares, dedicou-se à corretagem de café até falecer, aos 76 anos de idade, em sua residência, na cidade de Petrópolis poucas semanas antes da queda do Império.
Gravura de Mauá, em 1884
FONTE: Vicentino, Cláudio. História geral e do Brasil / Cláudio Vicentino, Gianpaolo Dorigo. - 2. ed. - São Paulo: Scipione, 2013.

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