quarta-feira, 23 de maio de 2012

ENTENDA A CRISE EM PORTUGAL

  Em grave crise econômica, Portugal seguiu o exemplo da Grécia e da Irlanda e pediu ajuda financeira à União Europeia.
  Corrupção, má utilização de recursos financeiros e de fundos econômicos europeus, levou Portugal a uma situação semelhante a que passou pelos anos de 1910. Atualmente, aquele país tem um déficit em torno de 125% do Produto Interno Bruto (PIB), conforme disse ao MONITOR MERCANTIL Miguel Soares Domingues, estudioso do assunto com Licenciatura em Ciências Públicas pela Universidade de Lisboa, Portugal, para quem essa má gestão econômica levou a "jovem democracia portuguesa à bancarrota".
  A má utilização de recursos públicos, segundo esse português que vive em Paris há dois anos - fato que vem acontecendo com milhares de compatriotas seus, que estão fugindo para vários países da Europa, inclusive os velhos que estão vendendo suas propriedades e tentando a sorte fora -, não contribuiu "exclusivamente" em nada para as empresas e nem para a população. Gerou apenas, de acordo acordo com ele, a destruição dos setores econômicos (primário, secundário e terciário). Atualmente, diz, Portugal não produz nada, importa quase 100% de suas necessidades. Como exemplo, citou o pescado que, segundo ele, 100% do produto consumido naquele país, assim como toda a logística de distribuição são oriundos da vizinha Espanha.
  - Todas as elites políticas se aproveitaram dessas facilidades e se venderam em benefício próprio. Empresas de de pequeno e médio porte, que realmente geram empregos, estão fechando em, no máximo, um ano. Isso sem mencionar que cerca de 20% da população ativa portuguesa está desempregada - comentou, ressaltando que o atual PIB de Portugal não pode ser medido segundo os parâmetros tradicionais, uma vez que o país "não cria valor agregado em seus produtos (Índice de Valor Agregado - IVA) - "Portugal hoje vive de esmola dos estrangeiros (União Europeia). A situação se agravou em função de decisões equivocadas, levando o país a uma forte dependência econômica. Portugal só foi independente economicamente com os regimes autoritários" - lamentou.
  Miguel Soares Domingues lembrou que, desde 1974, seu país passou por várias fases econômicas, com destaque para dois grandes períodos. O primeiro, segundo ele, foi antes da integração europeia (1981/82), na presidência de Mário Soares. Antes, porém, a economia portuguesa era estatal. Esse período durou oito anos. Depois, ocorreu a abertura para os mercados financeiros como forma de integrá-lo no mercado europeu. Com isso, Portugal recebeu ajuda financeira dos países da Europa (França, Alemanha, Itália e Grã-Bretanha).
Mário Soares - ex-presidente de Portugal
  - Do ponto de vista estatal, ocorreu um desenvolvimento econômico e social baseado num crédito exterior (endividamento). Desde então, houve três grandes remessas de dinheiro da União Europeia por vários governos progressistas, com base ideológica de centro-esquerda que, em sua maioria estão nos centros de decisões da Europa - comentou, acrescentando que desde 1964 Portugal deixou de ser um país soberano para ser um Estado que se submete a decisões econômicas que flutuam com os mercados financeiros do mundo - "Não tem uma estratégia política nem financeira para enfrentar essa situação adversa. Apenas estruturou uma estrutura para ganhar votos dos eleitores como, por exemplo, a realização de grandes obras nacionais, estradas, aeroportos, entre outras. Tudo isso resultou num gigantesco espiral descendente".
Construção de obras estruturantes - uma marca do governo Mário Soares
  Como perspectiva para o futuro, Miguel aponta dois caminhos. O primeiro, segundo ele, é o da "cruz", de muito sofrimento. Terá que negar-se a si próprio para ser um país que pode beneficiar o seu povo, ou aproveitar qualquer espaço da política econômica para ver o que acontece. Como forma de achar uma luz no "fim do túnel", o estudioso diz que o governo português precisa lançar mão dos meios que não são moralmente bem visto, ou seja, utilizar os mercados financeiros para o bem de Portugal, com prioridade para a produção nacional e ter o acessoramento de profissionais honestos. E frisou que a ajuda financeira do Fundo Monetário Internacional (FMI) só vai gerar mais déficit e inflação. Em grave crise econômica, Portugal seguiu o exemplo da Grécia e Irlanda e pediu ajuda financeira à União Europeia.
  O governo português vinha tentando evitar pedir auxílio -- que o primeiro-ministro José Sócrates descreveu como o "último recurso" -- mas finalmente admitiu que não poderia financiar sozinho a dívida pública.
José Sócrates
O QUE DEU ERRADO EM PORTUGAL?
  Diferentemente de outros países, não houve qualquer estouro de bolha em Portugal. O que houve foi um processo gradual de perda de competitividade, com o aumento dos salários e redução das tarifas de exportações de baixo valor da Ásia para a Europa.
  Enfrentando um baixo crescimento econômico, o governo português tem enfrentado dificuldades para obter a arrecadação necessária para arcar com os gastos públicos.
  Os gastos do governo têm sido relativamente altos, devido em parte a uma sucessão de projetos caros -- especialmente de melhora no setor de transportes, tendo em vista o aumento da competitividade. Assim, quando estourou a crise financeira global, Portugal passou a enfrentar uma grande dívida pública, que ficou cada vez mais difícil de ser financiada.
POR QUE PORTUGAL PRECISA DE AJUDA?
  Portugal tem tido crescentes dificuldades para administrar a sua dívida, com o aumento das taxas de juros que é obrigado a pagar, devido às preocupações de investidores de que o país será incapaz de pagar seus empréstimos. Para aumentar a confiança na economia, o primeiro-ministro José Sócrates, tentou adotar medidas de austeridade para reduzir os gastos do governo. O pacote incluía cortes no pagamento de pensões, aumentos de impostos e altas nas tarifas do transporte público.
  No entanto, a oposição considerou as medidas drásticas demais e as derrubou no Parlamento, em março. Com isto, Sócrates renunciou ao cargo, permanecendo interinamente até as eleições de 5 de junho.

  Isto mostrou que a confiança na economia caiu ainda mais, com o ministro das Finanças, Fernando Teixeira dos Santos, chegando a sugerir que o governo provisório não tinha autoridade para negociar um pacote de ajuda financeira.
Fernando Teixeira dos Santos
  Para tentar reverter a situação, o governo realizou um leilão de títulos da dívida, visando obter recursos. No fim, Portugal teve que pagar tanto dinheiro para tomar empréstimos, mesmo no prazo de um ano, que teve de admitir que precisaria de ajuda externa.
O QUE ACONTECE AGORA?
  A grande questão é se um pacote de ajuda financeira adequado pode ser negociado com um governo interino.
  Financiamentos concedidos tanto pela União Europeia quanto pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) dependem da concordância do país receptor em adotar medidas como cortes de gastos e aumentos de impostos.
  Apesar da falha do governo português em fazer isto, um representante da Comissão Europeia afirmou que, mesmo assim, ocorrerá o diálogo com as autoridades que ainda estão no poder em Portugal.
  A ideia é chegar a um acordo, tanto com o governo provisório quanto com a oposição, ou então realizar um empréstimo de curto prazo ao país até que este realize eleições.
POR QUE PORTUGAL NÃO DECRETA A MORATÓRIA DA DÍVIDA?
  Se Portugal não fizesse parte da zona do euro, ele poderia ser levado a decretar a moratória, fosse se negando a pagar os juros da sua dívida, fosse insistindo que seus credores aceitassem receber parcelas menores, além de perdoar parte da dívida.
  No caso de Portugal, isto seria muito difícil. A taxa de juros que os governos da zona do euro pagam já tem sido mantida baixa, sob o argumento de que a UE e o Banco Central Europeu (BCE) dariam assistência aos países da região para evitar moratórias.
  Se não fosse este o caso, o custo de tomar empréstimos por parte dos países menores da UE -- alguns dos quais já encarando problemas para saldar suas dívidas -- aumentaria significativamente.
  Assim, se Portugal decretasse moratória, provavelmente a Irlanda e a Grécia também fariam o mesmo -- o que traria grandes problemas para os bancos que emprestaram dinheiro a estes países.
  Se todos estes bancos tivessem problemas, isto seria um grande teste para os recursos do BCE, que já emprestou dinheiro às instituições envolvidas com os países em crise. É provável que a UE continue ajudando os países para evitar moratórias.
QUE FORMATO TERIA O PACOTE DE AJUDA A PORTUGAL?
  O pacote seria um empréstimo feito por outros países europeus e possivelmente o FMI, que também se envolveu nas ajudas a Grécia e Irlanda.
  Há dois diferentes fundos europeus de onde pode sair o dinheiro. O maior é o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira, de 440 bilhões de euros, mantidos por integrantes da zona do euro. O segundo, chamado de Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira, é mantido por um grupo mais amplo de nações europeias. Depois da ajuda à Irlanda, este fundo ficou reduzido a 37,5 bilhões de euros.
  Este empréstimo terá de ser pago junto de uma taxa de juros pré-fixada. O novo governo irlandês está tentando mudar esta taxa. Os termos do empréstimo à Grécia já foram modificados.
FONTE: folha.uol.com.br

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