Bandeira do Haiti. Fonte: wordpress.com
Companheira dele leu comunicado que desmente assessores. Volta de Jean-Claude Duvalier ao país gera incerteza.
Da AFP/G1/Reuters
O ex-ditador haitiano Jean-Claude "Baby Doc" Duvalier negou nesta quarta-feira (20) que tenha a intenção de intervir no processo eleitoral em curso no país, desmentindo assim informações divulgadas por pessoas ligadas a sua equipe de que planejaria retornar ao poder.
"Desminto nos termos mair enérgicos todas as declarações políticas reportadas pela imprensa nacional ou internacional que possam ter sido atribuídas a mim por alguém que disse ser um porta-voz e que possam ter aludido a cenários sobre o processo eleitoral do Haiti", afirma Duvalier em um comunicado lido à AFP por sua companheira Véronique Roy.
Manifestante pró-Baby Doc segura foto do ex-ditador em Porto Príncipe nesta terça-feira (18). (Foto: Reuters)
Conheça a trajetória de Baby Doc
Aos 59 anos, "Baby Doc", filho do ditador falecido François Duvalier, o chamado "Papa Doc", escolheu o primeiro aniversário do terremoto devastador para reaparecer no cenário político do Haiti. "Vim para ajudar", declarou ele ao chegar a Porto Príncipe, onde beijou o solo.
Afastado do poder por uma revolta popular em 1986, após 15 anos de reinado absoluto em Porto Príncipe, Duvalier é uma personalidade polêmica, mesmo após um quarto de século de ausência.
Jean-Claude Duvalier, o Baby Doc, em seu hotel em Porto Príncipe nesta segunda-feira (17). (Foto: AFP)
As autoridades do Haiti estimam que mais de US$ 100 milhões foram desviados a título de realizações de obras sociais até a queda de "Baby Doc" em 1986. Houve dilapidação sistemática das empresas do Estado, com uma parte do dinheiro transferida para bancos suíços.
O governo de Berna tentou acelerar a devolução do dinheiro de Duvalier, sobretudo após o terremoto que devastou o Haiti em 12 de janeiro do ano passado, mas chocou-se à resistência, na justiça, da família Duvalier.
Queixas por "crime contra a humanidade" foram apresentadas contra ele na França, país que o acolheu.
Jean-Claude, nascido em 3 de julho de 1951 em Porto Príncipe, não parecia preparado para ascender ao poder aos 19 anos, e dirigir a primeira república negra das Américas. Seu pai, que reinou desde 1957, morreu no dia 21 de abril de 1971.
Sua silhueta pesada, suas dificuldades de elocução, sua timidez e o gosto por uniformes enfeitados, não transmitiam a imagem de um ditador implacável, nem de um tecnocrata terceiro-mundista.
Testemunha desde a chegada do pai ao poder, quando tinha 7 anos, de todas as intrigas, desgraças, detenções, execuções, bombardeios do palácio e 11 tentativas de golpe de Estado, Jean-Claude, segundo as pessoas mais íntimas, foi profundamente marcado pela violência. Aos 11 anos, saiu ileso de um violento atentado no qual foram mortos três guardas-costas.
"Baby Doc" tentou uma tímida liberalização.
Mas, no fundo, o regime era o mesmo: afastado de um povo jamais consultado democraticamente, submetido ao controle rígido da milícia dos "Tontons macoutes" e vigiado pela velha guarda 'duvalerista' chamada "os dinossauros".
No entanto, mudou a constituição, limpou o exército e afastou os "Macoutes", pronunciando em 1977 uma anistia geral, além de criar uma liga haitiana dos direitos do Homem, e propor eleições livres.
Mas, segundo seus oponentes, foram apenas concessões à política do então presidente americano Jimmy Carter.
Após o casamento com Michele Bennett, rica herdeira protestante e divorciada, saída da burguesia mulata - isto é, símbolo do antigo regime - freou a liberalização. A imprensa passou a ser controlada e os oponentes, presos.
Derrubado por uma revolta popular em 1986, "Baby Doc" foi levado a se demitir pelos Estados Unidos, com a França aceitando recebê-lo de forma temporária. O ex-presidente passou, em seguida, a gozar de uma aposentadoria dourada, em amplas mansões da Côte d'Azur.
Haitianos comparam Baby Doc a Mandela e querem o ex-ditador no país.
África tem Mandela, nós temos o Duvalier, diz ex-sargento do Exército. Ex-ditador que voltou ao país é acusado de tortura e prisões arbitrárias.
As acusações de tortura, exílio e prisões arbitrárias contra o ex-ditador Jean-Claude "Baby Doc" Duvalier parecem não encontrar eco entre parte da população do Haiti. Há dias, centenas de manifestantes lotam a rua em frente ao hotel em que o ex-governante está hospedado para apoiá-lo. Há até quem compare Duvalier, que voltou do exílio no último domingo, a Nelson Mandela, ex-presidente da África do Sul.
"A África tem o Mandela, que ficou 25 anos preso. Nós temos o Duvalier, que agora voltou do exílio e isso é muito bom para o Haiti. Nós ficamos 25 anos sem ninguém que fizesse nada pelo país. O Duvalier voltou e isso é muito bom para o Haiti. Ele é o nosso Mandela, queremos que ele fique", disse Willy Bartheloy, de 50 anos, que foi sargento no Exército haitiano durante o governo de Baby Doc.
Apoiadores do ex-ditador Jean-Claude Duvalier, o Baby Doc, em frente ao hotel onde ele está hospedado, em Porto Príncipe, na quarta (19) (Foto: João Gabriel Rodrigues / G1)
Outro manifestante reclamou do descaso do atual presidente René Préval após o terremoto que destruiu grande parte da capital, Porto Príncipe, em janeiro do ano passado.
"Eu perdi meu filho e minha mulher no terremoto. O Préval não fez nada, não ajudou ninguém. Eu tive que fazer os buracos para enterrar meu filho e minha mulher. Ele não quer saber de nada. Todos os haitianos gostam do Duvalier."
"Eu perdi meu filho e minha mulher no terremoto. O Préval não fez nada, não ajudou ninguém. Eu tive que fazer os buracos para enterrar meu filho e minha mulher. Ele não quer saber de nada. Todos os haitianos gostam do Duvalier."
Entre os manifestantes estavam pessoas que nem mesmo estavam vivas durante o regime de Baby Doc, entre 1971 e 1986. Principal líder comunitário de Bel Air, uma das áreas mais pobres de Porto Príncipe, Daniel Delva, disse, no entanto, que nem todos são a favor da permanência do ex-ditador no país.
"São vários aspectos envolvidos. São muitos simpatizantes, mas há quem ache que ele voltou para se envolver de alguma forma no processo de reconstrução do Haiti. Não sabemos bem ainda quem ele vai apoiar nas eleições. É complicado. Eu não sofri durante o regime dele porque era muito criança, mas, para quem viveu, ele não é querido. Eu espero que a justiça faça o necessário", afirmou.
Proibido de falar com a imprensa, Baby Doc tem feito algumas aparições na varanda de seu hotel em Porto Príncipe. Seus advogados são os únicos a dar declarações sobre o retorno do ex-ditador ao país e sobre os processos abertos contra Duvalier.
"Isso é culpa do governo. Ele está sendo intimado por um jogo político. É tarde demais para julgarem acusações proscreveram. Ele quer ficar. Tudo isso não passa de uma conspiração do presidente Préval", disse Henry Robert Sterlin.
"São vários aspectos envolvidos. São muitos simpatizantes, mas há quem ache que ele voltou para se envolver de alguma forma no processo de reconstrução do Haiti. Não sabemos bem ainda quem ele vai apoiar nas eleições. É complicado. Eu não sofri durante o regime dele porque era muito criança, mas, para quem viveu, ele não é querido. Eu espero que a justiça faça o necessário", afirmou.
Proibido de falar com a imprensa, Baby Doc tem feito algumas aparições na varanda de seu hotel em Porto Príncipe. Seus advogados são os únicos a dar declarações sobre o retorno do ex-ditador ao país e sobre os processos abertos contra Duvalier.
"Isso é culpa do governo. Ele está sendo intimado por um jogo político. É tarde demais para julgarem acusações proscreveram. Ele quer ficar. Tudo isso não passa de uma conspiração do presidente Préval", disse Henry Robert Sterlin.
O líder comunitário Daniel Delva em Bel Air, uma das áreas mais pobres da capital haitiana (Foto: João Gabriel Rodrigues / G1)
ProcessosNesta quarta, quatro haitianos entraram com quatro processos contra o ex-ditador por tortura, exílio e prisões arbitrárias, cometidos durante os 15 anos que passou à frente do poder, informou a jornalista haitiana Michèle Montas.
Além dela, os ex-presos políticos Alix Fils-Aime e Claude Rosiers, que passaram 10 anos detidos pelo regime de Duvalier, e Nicole Magloire, outra vítima do ditador, também entraram com processos contra 'Baby Doc'.
Montas foi mandada para o exílio forçado, e sua estação de rádio, a Radio Haiti, foi vandalizada por agentes do governo.
Comissão da OEAO Haiti deve punir os crimes cometidos durante a ditadura, até agora impunes, afirmou a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
A CIDH recordou ao governo do Haiti "seu dever permanente de investigar, processar, sancionar e reparar as violações de direito humanos que constituem crimes sob direito nacional ou internacional", em um comunicado.
A Comissão é uma entidade autônoma da Organização de Estados Americanos (OEA).
Além dela, os ex-presos políticos Alix Fils-Aime e Claude Rosiers, que passaram 10 anos detidos pelo regime de Duvalier, e Nicole Magloire, outra vítima do ditador, também entraram com processos contra 'Baby Doc'.
Montas foi mandada para o exílio forçado, e sua estação de rádio, a Radio Haiti, foi vandalizada por agentes do governo.
Comissão da OEAO Haiti deve punir os crimes cometidos durante a ditadura, até agora impunes, afirmou a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
A CIDH recordou ao governo do Haiti "seu dever permanente de investigar, processar, sancionar e reparar as violações de direito humanos que constituem crimes sob direito nacional ou internacional", em um comunicado.
A Comissão é uma entidade autônoma da Organização de Estados Americanos (OEA).
CONHEÇA A HISTÓRIA DO HAITI
A história do Haiti foi, desde o início, marcada pela violência. Cristóvão Colombo chegou á ilha em 1492. Os espanhóis, que a batizaram de Hispaniola, ocuparam o lado oriental e escravizaram os índios arauaques.
Praia no Haiti. Foto: worldcicle.com
Ainda preso à França pelo compromisso de pagar uma pesada indenização em troca do reconhecimento da independência, o Haiti continuou subordinado à antiga metrópole até o fim do século XIX. Entre 1915 e 1934, tropas dos EUA ocuparam o país.
A influência norte-americana sobre a elite haitiana equiparou-se, então, à da França.
A segunda metade do século XX foi marcada pela era da família Duvalier. François ”Papa Doc” Duvalier, médico negro, foi eleito presidente em 1957 e, anos depois, virou ditador ao se proclamar presidente-vitalício.
Papa Doc Duvalier - presidente do Haiti de 1957 à 1971. Foto: ig.com
Com sua morte, em 1971, assumiu o poder seu filho, Jean-Claude Duvalier, o Baby Doc.
A corrupção e o terror impostos pela guarda pessoal tanto do pai quanto do filho – os tontons- macoutes(bichos-papões)- culminaram no levante popular de 1986, que derrubou o regime ditatorial.
A nação ficou nas mãos dos militares até que, em 1990, fosse eleito presidente o padre esquerdista Jean-Bertrand Aristide. Deposto por um golpe militar no ano seguinte, Aristide voltou ao poder em 1994, desta vez com apoio dos EUA. Ele governou até 1996 e foi eleito novamente em 2000. Com o país mergulhado em profunda crise econômica, Aristide foi mais uma vez deposto em 2004.
Jean Bertrand Aristides. Foto: G1
Uma nova eleição presidencial, quatro vezes adiada, aconteceu por fim no início de 2006, em meio a tiros e tumultos. As prévias da votação resultaram em batalhas e mais mortes. No fim, o aliado do presidente deposto, René Préval, ganhou em primeiro turno, após um acordo que desconsiderou 85 mil votos em branco para que ele tivesse a maioria.
O texto não descarta um possível papel político para o ex-ditador, que surpreendeu ao retornar ao país no domingo passado, 25 anos depois de ter sido derrubado do poder por uma revolta popular.
Duvalier pareceu assim tomar distância dos comentários feitos horas antes por Henry Robert Sterlin, ex-embaixador do Haiti na França, segundo quem "Baby Doc" voltou ao país com o objetivo de ser eleito presidente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário