quarta-feira, 23 de setembro de 2015

A CABANAGEM (1835-1840)

  A Cabanagem foi um levante ocorrido na Província do Pará que teve como ponto de partida a divisão da elite paraense em torno da nomeação do presidente da província. Contou com a adesão da população pobre: indígenas, mestiços e negros da região, que viviam em cabanas nas beira dos rios - daí eram chamados cabanos -, em condições miseráveis, além da presença de uma minoria branca. Eles se insurgiram contra os oligarcas, donos de terras (e do poder político) concentrados em Belém, à época, uma pequena cidade de 12 mil habitantes.
  No dia 6 de janeiro de 1835, os rebeldes, liderados por Antônio Vinagre, tomaram a cidade de Belém, cujo porto escoava toda a produção da província, controlada por uma elite de comerciantes locais composta, sobretudo, de portugueses que exploravam a população mais humilde. Os insurgentes assumiram o governo provincial e decidiram proclamar a independência da província, e o presidente da província, Lobo de Souza, foi executado juntamente com outras autoridades. A Cabanagem é um dos maiores conflitos já ocorridos na história do país.
  O movimento, de caráter eminentemente popular, acabou fracassando pela traição de vários participantes, pela falta de consenso entre seus líderes e pela indefinição quanto aos rumos do governo da província. Foi violentamente sufocado por tropas governamentais enviadas à região: a "pacificação", em 1840, custou a vida de aproximadamente 30% da população total da província.
Belém do Pará, em 1835
  Nos antecedentes da revolta, havia uma mobilização da província do Grão-Pará para expulsar forças reacionárias que desejavam manter a região como colônia portuguesa. Muitos líderes locais da elite fazendeira, ressentidos pela falta de participação política nas decisões do governo brasileiro centralizador, também contribuíam com o clima de insatisfação após a instalação do governo provincial.
  Desde a emancipação política, em 1822, a província do Grão-Pará vivia um clima agitado. Isolada do resto do país, era a parte mais ligada de Portugal. Declarada a Independência, a Província só foi reconhecê-la em agosto de 1823. A adesão ao governo de D. Pedro I foi penosa e violentamente imposta. Administrada por juntas governativas que se apoiavam nas Cortes de Lisboa, os habitantes da Província já estavam acostumados a ver todos os cargos públicos e recursos econômicos nas mãos dos portugueses.
Província do Grã-Pará
  A Independência não provocara mudanças na estrutura econômica nem modificara as péssimas condições em que vivia a maior parte da população da região, formada por índios destribalizados, chamados de tapuios, índios aldeados, negros forros e escravos e mestiços. Dispersos pelo interior e nos arredores de Belém, viviam marginalizados em condições miseráveis, amontoado em cabanas à beira dos rios e igarapés e nas inúmeras ilhas do estuário do rio Amazonas. Essa população conhecida como "cabanos", era usada como mão de obra em regime de semi-escravidão pela economia da Província, baseada na exploração das "drogas do sertão" (cravo, pimenta, plantas medicinais, baunilha), na extração de madeiras e na pesca.
  Desde a Guerra da Independência, quando mercenários, comandados pelo Lord Almirante Grenfell, destituíram a Junta que governava a Província, o povo exigia a formação de um governo popular chefiado pelo cônego João Batista Gonçalves Campos. No entanto, Grenfell, que recebera ordens para entregar o Governo a homens de confiança do Imperador, desencadeou violenta repressão, fuzilando e prendendo muitas pessoas. O episódio ocorrido a bordo do Brigue Palhaço, quando cerca de 300 prisioneiros foram sufocados com cal, não conseguiu implantar a normalidade. Ao contrário, os ânimos ficaram ainda mais exaltados.
Grande parte dos habitantes do Grã-Pará viviam nas cabanas, como a da foto
  A situação da Província do Grão-Pará era favorável ao surgimento de movimentos que expressavam a luta de uma maioria de índios, mestiços e escravos contra uma minoria branca, formada principalmente por comerciantes portugueses. Essa minoria concentrava-se em Belém, que abrigava na época cerca de 12 mil habitantes dos quase 100 mil que habitavam o Grão-Pará. Entre 1822 e 1835, a Província passou por momentos de intranquilidade. No interior e na capital ocorreu uma série de levantes populares, que contaram com a adesão dos soldados da tropa, descontentes com o soldo (vencimento de militares de qualquer posto ou graduação), com o poder central e com as autoridades locais.
  A abdicação de D. Pedro I teve reflexos violentos no Grão-Pará. Sob a liderança do cônego Batista Campos, os cabanos depuseram uma série de governantes nomeados pelo Rio de Janeiro para a Província. Além disso, exigiam melhores condições materiais e a expulsão dos portugueses, vistos como os responsáveis pela miséria em que viviam. Em dezembro de 1833, o governo da Regência Trina Permanente conseguiu retomar o controle da situação, e Bernardo Lobo de Sousa assumiu o governo da Província.
  Logo após ser empossado, Lobo de Sousa iniciou uma violenta política repressiva. Perseguiu, efetuou prisões arbitrárias e deportações em massa. No entanto, foi o recrutamento para o Exército e a Armada imperiais, medida extremamente impopular, que precipitou uma rebelião generalizada. O recrutamento permitiu que fossem afastados os elementos considerados "incômodos" ao governo da Província.
Combate nas ruas de Belém durante a Cabanagem
  As atitudes de Lobo de Sousa aumentaram a agitação e o descontentamento da população. A revolta se alastrou pelo interior da Província. Os cabanos receberam o apoio dos irmãos Antônio e Francisco Vinagre, lavradores do rio Itapicuru, do seringueiro Eduardo Nogueira Angelim, e do jornalista do Maranhão Vicente Ferreira Lavor, que, através do periódico "A Sentinela", propagava as ideias revolucionárias. À medida que o movimento avançava, os revoltosos se dividiam: a ameaça de radicalização fez com que muitos se retirassem temendo a violência das massas populares, enquanto outros, como o cônego Batista Campos, esperavam obter as reformas que defendiam na recém-criada Assembleia Legislativa Provincial. A partir daí a elite que liderava a revolta recuou e os cabanos assumiram o controle.
  Em janeiro de 1835, dominaram Belém, executando o governador Lobo de Sousa e outras autoridades. O primeiro governo cabano foi entregue ao fazendeiro Félix Antônio Malcher, que, com medo da violência das camadas mais pobres da população, entrou em choque com os outros líderes perseguindo os elementos mais radicais. Chegou a mandar prender e deportar Angelim e Francisco Vinagre. Além disso, manifestou a intenção de manter a Província ligada ao Império, ao jurar fidelidade ao Imperador, afirmando que só ficaria no poder até à maioridade. Esse juramento ia de encontro ao único ponto que unia os revoltosos: a rejeição à política centralizadora do Rio de Janeiro, vista como preservadora dos privilégios dos portugueses. Malcher acabou sendo deposto e executado.
Cabanos tomam a cidade de Belém
  Francisco Vinagre foi escolhido para o segundo governo cabano. No entanto, não foi capaz de resolver as divergências entre os revoltosos, e foi acusado de traição por ter feito um acordo com as tropas legalistas enviadas pelo Rio de Janeiro.
  Vinagre ajudou as tropas e navios sob o comando do almirante inglês Taylor, e prometeu entregar a presidência da Província a quem fosse indicado pelo governo Regencial. Com isso, as forças regenciais retomaram Belém.
  Os cabanos, vencidos na capital retiraram-se para o interior. Aos poucos foram tomando conta da Província. Profundos conhecedores da terra e dos rios, infiltraram-se nas vilas e povoados, conseguindo a adesão das camadas mais humildes da população. Liderados por Vinagre Angelim, reforçaram suas tropas e retomaram Belém, após nove dias de lutas violentas. Com a morte de Antônio Vinagre, Eduardo Angelim foi escolhido para o terceiro governo cabano que durou dez meses. Angelim era um cearense de apenas 21 anos que migrara para o Grão-Pará após uma grande seca ocorrida no Ceará, em 1827.
  No entanto, os cabanos, durante todo o longo período de lutas, não souberam organizar-se com eficiência. Abalados por dissidências internas, pela indefinição de um programa de governo, sofreram ainda uma epidemia de varíola, que assolou por longo tempo a capital.
Eduardo Angelim (1814-1882)
A REPRESSÃO DA REGÊNCIA
  O regente Feijó decidiu restabelecer a ordem da Província. Em abril de 1836 mandou ao Grão-Pará uma poderosa esquadra comandada pelo brigadeiro Francisco José Soares de Andréia, que conseguiu retomar a capital. A cidade estava quase despovoada, e havia nela  praticamente mulheres e crianças, pois os cabanos tinham abandonado novamente Belém e retiraram-se para o interior, onde resistiram por mais três anos. A situação da Província só foi controlada pelas tropas do Governo Central em 1840. A repressão foi violenta e brutal. Incapazes de oferecer resistência, os rebeldes foram esmagados. Ao findar do movimento, dos quase 100 mil habitantes do Grão-Pará, cerca de 30 mil haviam morrido em incidentes criminosos e promovidos por mercenários e pelas tropas governamentais.
  Em homenagem ao movimento Cabano foi erguido um monumento projetado pelo arquiteto Oscar Niemeiyer, na entrada da cidade de Belém: o Memorial da Cabanagem.
Memorial da Cabanagem, em Belém - PA
FONTE: Vicentino, Cláudio
História geral e do Brasil / Cláudio Vicentino, Gianpaolo Dorigo. - 2. ed. - São Paulo: Editora Scipione, 2013.

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