quinta-feira, 29 de setembro de 2022

MULHERES CHEFES DE FAMÍLIA NO BRASIL

  A história das conquistas femininas no Brasil está sendo escrita com o esforço das mulheres de diversas gerações, as quais, mesmo em meio a contextos desfavoráveis, mantiveram a convicção em uma sociedade com direitos iguais e sem preconceito de gênero.

  A igualdade de gênero é reconhecida no artigo 5º da Constituição Brasileira de 1988: "Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição". A lei dá sustentação para o projeto de sociedade mais justa, porém a conquista do fim do preconceito é um trabalho diário a ser exercido em todas as esferas sociais.

  Entre as mudanças em curso na sociedade brasileira está o aumento significativo das famílias chefiadas por mulheres nas duas últimas décadas. Isso demonstra uma alteração no comportamento social e econômico da população, que atribuía quase que exclusivamente aos homens a chefia da família.

  Essa mudança está relacionada a fatores como o aumento do índice de escolarização das mulheres, que facilitou a inserção feminina no mercado de trabalho, e também a alterações econômicas na composição de renda da família, pois o rendimento das mulheres deixou de ser complementar para ser prioritário nas despesas domésticas. A chefia feminina também tem relação com a mudança nos modelos de arranjo familiar.

  Os arranjos familiares "unipessoal feminino" e "mulher com filhos" (que cuida dos filhos sem cônjuge) são chefiados por mulheres  e já ocupam proporção de destaque no país. Observa-se ainda um expressivo crescimento da chefia das mulheres nos arranjos de núcleo duplo (quando há presença do homem e da mulher, tendo ou não filhos residindo juntos). Nesses núcleos, a chefia era exercida majoritariamente pelos homens.

  A ampliação da chefia feminina não acontece com a mesma intensidade no mercado de trabalho. De acordo com a Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (Pnad), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2016, 60,9% dos cargos de chefia em empresas eram ocupados por homens, enquanto que 39,1% eram ocupados por mulheres.

Gráfico mostrando a distribuição das famílias por tipo de arranjo familiar

REFERÊNCIA:

IPEA. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/retrato/indicadores_chefia_familia.html>. Acesso em: 28/09/2022.

segunda-feira, 26 de setembro de 2022

O HOLOCAUSTO

  Holocausto é o nome que se dá para o genocídio cometido pelos nazistas ao longo da Segunda Guerra Mundial e que vitimou aproximadamente seis milhões de pessoas entre judeus, ciganos, homossexuais, testemunhas de Jeová, deficientes físicos e mentais, opositores políticos, entre outros. De toda forma, o grupo que teve mais vítimas no Holocausto foi o dos judeus. Estes, por sua vez, preferem referir-se a esse genocídio como Shoah, que em hebraico significa "catástrofe".

  A perseguição aos judeus pelos nazistas começou antes mesmo do início da Segunda Guerra Mundial. No entanto, foi durante o conflito que os nazistas colocaram em prática a chamada "solução final", ou seja, a política de extermínio em massa da população judaica, que ficou conhecida como Holocausto ou Shoah.

  Homens, mulheres e crianças eram levadas à força para campos de concentração e extermínio. Nesses locais eram divididos em grupos e obrigados a trabalhar em condições precárias, sem higiene e com pouquíssima comida. Os que não morriam de fome, doenças ou exaustão eram assassinados em câmaras de gás ou por fuzilamento.

  Os campos de concentração mais letais eram Treblinka e Auschwitz, localizados na Polônia. Em Treblinka foram executados de 870 mil a 925 mil pessoas, ao passo que em Auschwitz foram mortos cerca de 1 milhão de judeus, de 70 mil a 74 mil poloneses, 21 mil ciganos e 15 mil prisioneiros de guerra. Ao todo, morreram nos campos de concentração e em execuções em massa promovidas pelos nazistas em outros lugares aproximadamente 6 milhões de judeus, 1,8 milhão de poloneses, 312 mil sérvios, até 250 mil pessoas com deficiência, cerca de 1.900 testemunhas de Jeová e até 250 mil ciganos, além de milhares de homossexuais, civis soviéticos e prisioneiros de guerra.

  Com o fim da guerra, o mundo tomou conhecimento das atrocidades cometidas pelos nazistas contra o povo judeu e cresceu a pressão internacional para a criação de um Estado nacional judaico na região histórica da Palestina.

Mapa do Holocausto na Europa, entre 1939 e 1945, com todos os campos de extermínio, a maioria dos campos de concentração e as principais rotas de deportação (em castelhano)

Origem

  Alguns autores sustentam que a partir da Idade Média, a sociedade e a cultura alemã tornaram-se repletas de aspectos antissemitas e que havia uma ligação ideológica direta entre os pogroms (perseguição deliberada de um grupo étnico ou religioso) medievais e os campos de extermínio nazistas.

  A segunda metade do século XIX viu o surgimento na Alemanha e na Áustria-Hungria do movimento völkisch, desenvolvido por pensadores como Houston Stewart Chamberlain e Paul de Lagarde. O movimento apresentava um racismo com uma base biológica pseudocientífica, onde os judeus eram vistos como uma raça em um combate mortal com a raça ariana pela dominação do mundo. O antissemitismo völkisch inspirou-se em estereótipos do antissemitismo cristão, mas difere dele porque os judeus eram considerados uma raça, não uma religião.

Saqueando o Judengasse, um gueto judeu em Frankfurt, em 22 de agosto de 1614

  Em um discurso perante o Reichstag (instituição política do Sacro  Império Romano-Germânico) em 1895, o líder völkisch Hermann Ahlwardt chamou os judeus de "predadores" e de "bacilos da cólera", que deviam ser "exterminados" para o bem do povo alemão. Em seu livro best-seller Wenn ich der Kaiser wär (Se eu fosse o Kaiser), de 1912, Henrich Class, o líder do grupo völkisch Alldeutscher Verband, pediu que todos os judeus alemães fossem destituídos de sua cidadania e fossem reduzidos à Fremdenrecht (estrangeiro). Class também pediu que os judeus fossem excluídos de todos os aspectos da vida alemã, proibidos de possuir terras, ocupar cargos públicos ou de participar do jornalismo, de bancos e de profissões liberais. Class definia como judeu alguém que era membro da religião judaica no dia em que o Império Alemão foi proclamado, em 1871, ou qualquer pessoa com pelo menos um avô judeu.

  Durante o Império Alemão, o movimento völkisch e o racismo pseudocientífico tornaram-se comuns e aceitos por toda a Alemanha, sendo que as classes profissionais educadas do país, em particular, adotaram uma ideologia de desigualdade humana. Embora os partidos völkisch tenham sido derrotados em eleições para o Reichstag em 1912, sendo quase dizimados, o antissemitismo foi incorporado nas plataformas dos principais partidos políticos do país. O Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (Partido Nazista, NSDAP) foi fundado em 1920 como um desdobramento do movimento völkisch e adotou a ideologia antissemita.

Desenho antissemita de Charles Lucien Léandre, reproduzindo a teoria da conspiração judaica que controlaria o mundo

  Grandes mudanças científicas e tecnológicas na Alemanha durante o século XIX e início do século XX, juntamente com o crescimento do Estado de bem-estar social, criaram esperanças generalizadas de que a utopia estava próxima e que em breve todos os problemas sociais poderiam ser resolvidos. Ao mesmo tempo, era comum a visão de mundo racista, darwinista social e eugenista, que classificava algumas pessoas como biologicamente superiores a outras.

  Após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), o clima otimista pré-guerra deu lugar à desilusão conforme os burocratas alemães perceberam que os problemas sociais eram mais insolúveis do que pensavam, o que os levou a colocar uma ênfase maior em salvar os biologicamente "aptos", enquanto os biologicamente "inaptos" deviam ser eliminados.

  Cerca de 100 mil soldados judeus alemães, lutaram pelo Império Alemão durante a Primeira Guerra Mundial. Em 1919, foi criada a Reichsbund Jüdischer Frontsoldater (associação de soldados judeus alemães veteranos de guerra). Seu objetivo era combater os DolchstoBlegende ("Lenda da Punhalada pelas Costas"), que acusava os judeus, entre outros, de serem traidores da pátria e culpados pela derrota alemã. Cerca de 12 mil soldados judeus morreram durante a guerra, servindo ao Exército Imperial Alemão.

Ilustração em um postal austríaco de 1919 sobre a Lenda da Punhalada pelas Costas

  As tensões econômicas da Grande Depressão levaram muitos da comunidade médica alemã a defender a ideia da eutanásia de deficientes físicos e mentais "incuráveis", como medida de economia de custos para liberar dinheiro para outros pacientes. Até os nazistas chegarem ao poder, em 1933, já existia uma tendência na política social alemã para salvar os racialmente "valiosos", enquanto buscava livrar a sociedade dos "indesejáveis".

  A propaganda nazista esforçava-se para apresentar o judeu como o grande inimigo do Reich e do povo alemão. Em 1935, um destes esforços, o ministro da propaganda do III Reich, Joseph Goebbeis, escolheu Hessy Levinsons Taft como modelo de "bebê ariano ideal". Entretanto, ele não sabia que ela, na realidade, era uma criança judia.

  Hitler deixava seu ódio aos judeus explícito. Em seu livro Mein Kampf, ele avisou sobre sua intenção de expulsá-los da vida política, intelectual e cultural da Alemanha. Ele não escreveu que iria tentar exterminá-los, mas acredita-se que ele tenha sido mais explícito em privado.

Soldados nazistas em frente a uma loja em Berlim colando uma placa com os dizeres "Alemães! Defendam-se! Não comprem de judeus".

O antissemitismo nazista

  O Holocausto foi o resultado final de um processo de construção do ódio de uma nação contra um grupo específico que vivia na Europa. O antissemitismo na Alemanha não surgiu com o nazismo e remonta a meados do século XIX, em movimentos nacionalistas, além de ter sido manifestado por personalidades alemãs da época, como Hermann Ahlwardt e Wilhelm Marr.

  Quando partido nazista surgiu, em 1920, o antissemitismo era um elemento que já fazia parte da plataforma do partido, e os historiadores acreditam que Adolf Hitler tornou-se antissemita em algum momento de sua juventude, quando vivia em Viena, capital da Áustria. A presença do antissemitismo no nazismo durante sua fundação, era perceptível no programa do partido, que afirmava que nenhum judeu poderia ser considerado cidadão alemão.

  Os nazistas falavam que os judeus possuíam um plano de dominação mundial e criticavam contundentemente o liberalismo econômico e o capitalismo financeiro, pois afirmavam que ambos eram dominados pelos judeus. Um dos exemplos claros dessa ideia (situada na época das teorias da conspiração utilizadas para acusar os judeus) foi um livro de origem russa e autor desconhecido que foi sucesso de venda na Alemanha: "Os protocolos dos sábios de Sião".

Símbolo de exemplo doTratado de Sião

  Quando os nazistas assumiram o poder na Alemanha, em 1933, o processo de exclusão e de violência contra os judeus foi iniciado de maneira progressiva. O discurso nazista, aliado à doutrinação realizada na sociedade alemã, tornou os judeus bodes expiatórios e vítimas de perseguição intensa, não só por parte do governo, mas também pelos civis.

  Uma das primeiras ações tomadas pelos nazistas contra os judeus, foi uma lei, aprovada em 7 de abril de 1933, chamada Berufsbeamtengesetz (Lei para Restauração do Serviço Público Profissional). Essa lei proibia definitivamente os judeus de atuarem em cargos públicos. Outras leis do tipo foram aprovadas para outros ofícios, como médicos e advogados. Além das leis, os judeus eram alvos de ataques promovidos pelas tropas de assalto nazistas (SA) e tinham suas lojas boicotadas a nível nacional.

  Com o passar do tempo, novas ações contra os judeus foram sendo organizadas na Alemanha. Essa perseguição forçou milhares de judeus a fugirem do país, mas muitos não conseguiram, pois nenhum país estava disposto a recebê-los. Na década de 1930, duas medidas tomadas por Hitler simbolizaram o reforço do antissemitismo na Alemanha: as Leis de Nuremberg e a Noite dos Cristais.

Membros da SA à frente de uma loja de comércio judeu durante o boicote nazista aos negócios dos judeus, em 1 de abril de 1933

Leis de Nuremberg

  As Leis de Nuremberg foram um conjunto de três leis aprovadas, no ano de 1935, que legislavam sobre a miscigenação, a bandeira e a cidadania alemã. As duas leis que se relacionavam diretamente com o antissemitismo na Alemanha eram a Lei de Proteção do Sangue e da Honra e a Lei de Cidadania do Reich.

  A primeira lei tratava a respeito da miscigenação, proibindo o casamento de judeus com não judeus, além de proibir também as relações sexuais de judeus com não judeus. Essa lei também falava que judeus não poderiam ter empregadas domésticas com idade inferior a 45 anos nem portar as cores do Reich (preto, vermelho e branco).

  A segunda tratava a respeito da cidadania, basicamente definindo quem era cidadão e quem não era. Segundo essa lei, todas as pessoas que tivessem 3/4 de sangue judeu ou fossem praticantes do judaísmo seriam consideradas judias e automaticamente não teriam direito à cidadania. Com isso, os judeus eram considerados apenas "sujeitos de Estado" e eram pessoas que tinham de cumprir suas obrigações, mas não tinham direito a receber nada do que um cidadão receberia.

Capa do Diário Oficial alemão Reichsgesetzblatt com a publicação das leis datadas em 16 de setembro de 1935

Noite dos Cristais

  A Noite dos Cristais foi um marco na história do antissemitismo porque oficializou um ponto de partida para o aumento da violência contra os judeus na Alemanha. Esse acontecimento passou-se em 1938 e é definido como um pogrom, ou seja, um ataque violento que é organizado contra um grupo específico.

  Esse ataque aconteceu em represália ao assassinato de Ernst vom Rath, um diplomata alemão, por um estudante judeu de 17 anos que queira vingar-se da expulsão de seus pais da Alemanha. Dias após o diplomata alemão ser atacado em Paris, uma ordem foi emitida por Hitler e Goebbels para que ações de violência fossem organizadas como forma de intimidar os judeus.

  Os ataques da Noite de Cristal iniciaram-se na noite de 9 de novembro de 1930 e estenderam-se até a metade do dia seguinte. Membros do partido nazista, a maioria à paisana, partiram para um ato de violência inédita na Alemanha. Casas, estabelecimentos, orfanatos e sinagogas foram atacadas com os agressores destruindo o que encontravam pela frente, agredindo as pessoas que estavam nesses locais e, por fim, incendiando as construções.

  Ao fim do pogrom, milhares de estabelecimentos foram destruídos e, apesar do número oficial de mortos ser de 91, estima-se que o número de mortos nesse ataque tenha sido de milhares. A Noite dos Cristais também inaugurou o aprisionamento de judeus em campos de concentração, pois, durante o pogrom, 30 mil judeus foram presos e encaminhados para Dachau, Buchenwald e Sachsenhausen.

Loja de um judeu com a vidraçaria destruída por conta do pogrom por conta da Noite dos Cristais

Solução final

  Com o início da Segunda Guerra Mundial, em 1939, a cúpula do partido nazista começou a discutir "soluções" sobre como tratar a "questão judia" na Europa. O aprisionamento de judeus em campos de concentração foi iniciado ainda na década de 1930. Esses locais, no entanto, não haviam sido preparados para serem locais de extermínio como aconteceu durante a guerra.

  Quando a guerra começou, os judeus do Leste da Europa começaram a ser agrupados em guetos, um local específico da cidade que era cercado pelas tropas nazistas e separado especificamente para o abrigo de judeus. Os guetos agrupavam-nos para que mais tarde fossem enviados para os campos de concentração e extermínio.

  Além disso, os nazistas debatiam soluções a serem colocadas em prática para lidar com a "questão judia", e duas dessas foram amplamente debatidas. Na primeira, os nazistas tentaram obter autorização para deportar os judeus para a União Soviética, mas Stalin não aceitou recebê-los. Outro plano ficou conhecido como Plano Madagascar, em que os nazistas cogitaram deportar os judeus da Europa para a ilha de Madagascar, na África.

  Por toda a Europa, os judeus eram aglomerados e transportados para os guetos e campos de concentração em vagões de trem.

Judeus húngaros após desembarcarem dos trens em Auchwitz II na Polônia ocupada, em maio de 1944. Os que eram enviados para a direita (reichts) iam para os campos de trabalho forçado; os que iam para a esquerda (links) eram assassinados nas câmaras de gás. Os prisioneiros do campo são visíveis em seus uniformes listrados

Grupos de extermínio

  Quando a Solução Final foi elaborada, o que estava na mente de Heydrich e Himmler era: "os judeus que não pudessem trabalhar teriam que sumir, e os fisicamente capazes de trabalhar seriam usados como mão de obra em algum lugar na União Soviética conquistada até que morressem". Os primeiros judeus vítimas desse plano foram alvo dos Einsatzgruppen, os grupos de extermínio.

  Esses grupos de extermínio atuaram na Polônia, nos Países Bálticos e na parte do território soviético que os nazistas estavam ocupando. A atuação deles era simples: promover a limpeza sistemática de judeus dessas áreas por meio de fuzilamentos. Os judeus dessas localidades eram reunidos em um local específico, posicionados nus em frente a uma vala comum e fuzilados um a um até que toda a população judia desses locais estivesse morta.

  Durante esses fuzilamentos, os grupos de extermínio também executaram outras pessoas como as que tinham colaborado com os soviéticos. O fuzilamento organizado pelo Einsatzgruppen que mais ficou conhecido recebeu o nome de Massacre de Babi Yar, quando os judeus de Kiev foram reunidos em um ponto da cidade e fuzilados durante um período de 36 horas. Esse massacre resultou na morte de cerca de 33.761 pessoas, que foram depositadas em uma vala comum.

Uma vala comum dentro do campo de extermínio de Bergen-Belsen, na Alemanha

Os campos de extermínio

  A solução encontrada pelos nazistas foi a de promover a execução de judeus em câmaras de gás, que foram sendo instaladas nos campos de concentração. Além disso, foram construídos seis campos de extermínio cujo intuito era unicamente promover a execução de judeus. A diferença é que, nos campos de concentração, os judeus, além de executados, também tinham sua mão de obra explorada ao máximo.

  As câmaras de gás para a execução de judeus foi uma ideia exportada do Programa de Eutanásia, também conhecido como Aktion T4. Nesse programa, os nazistas executavam os que eram considerados inválidos, ou seja, aqueles que possuíam algum tipo de distúrbio mental ou deficiência física.

  Os campos de extermínio, construídos pelos nazistas a partir do segundo semestre de 1941, foram: Chelmno, Belzec, Sobibor, Treblinka, Auschwitz e Majdanel. Todos esses campos localizavam-se na Polônia, e o primeiro deles a ser construído foi o de Belzec - local no qual foi desenvolvida uma câmara de gás à base de monóxido de carbono e que matava suas vítimas por asfixia. Depois, outros campos foram construídos, e os nazistas começaram a utilizar Zyklon-B para assassinar os prisioneiro.

Cremação de corpos em Auschwitz, em agosto de 1944

Julgamento de Nuremberg

  Depois que os nazistas renderam-se, em maio de 1945, muitos deles e seus colaboradores, que atuaram diretamente no Holocausto, foram presos e levados a julgamento no Tribunal Militar Internacional de Nuremberg. Os julgamentos em Nuremberg estenderam-se durante nove meses e condenaram alguns nazistas à morte por enforcamento, enquanto outros receberam penas de prisão perpétua ou por certa quantidade de tempo.

  Entre os condenados à morte por enforcamento, estavam Hermann Göring, chefe de Luftwaffe (força aérea), e Joachim von Ribbentrop, ministro das Relações Exteriores da Alemanha. Entre os condenados à prisão perpétua, estavam Rudolf Hess, vice-líder do partido nazista, e Erich Raeder, comandante da Kriegsmarine (marinha alemã).

Memorial aos Judeus Mortos da Europa, em Berlim, Alemanha

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

FINKELSTEIN, Norman G. A indústria do Holocausto. São Paulo: Editora Record, 2001.

HOBSBAWN, Eric. Era dos extremos: o breve século XX. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

GOLDHAGEN, Daniel J. Uma dívida moral: A Igreja Católica e o Holocausto. Editora Notícias, Coleção Biblioteca de História, 2004.

MAGNOLI, Demétrio (org.) História da paz. São Paulo: Contexto, 2008.

MAGNOLI, Demétrio (org.) História das guerras. São Paulo: Contexto, 2008.

MARTINEZ, Paulo. Os nacionalismos. São Paulo: Scipione, 1996.

MONIZ BANDEIRA, L. A. A desordem mundial: o espectro da dominação total: guerras por procuração, terror, caos e catástrofes humanitárias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.

CYTRYNOWICZ, Roney. Memória da Barbárie. São Paulo: EDUSP/Nova Stella, 1990.

SNYDER, Timothy. Terras de Sangue: a Europa entre Hitler e Stalin. Rio de Janeiro: Editora Record, 2012.

https://brasilescola.uol.com.br/historiag/holocausto.htm. Acesso em 14/09/2022.

terça-feira, 13 de setembro de 2022

DEMOCRACIA

 

  A democracia é o regime político em que a soberania é exercida pelo povo, os cidadãos são os detentores do poder e confiam parte desse poder ao Estado para que possa organizar a sociedade.

  Todas as decisões políticas devem estar em conformidade com o desejo do povo. Atualmente, a maioria dos países possuem modelos de democracia representativa. Neles, os cidadãos elegem seus representantes por meio do voto.

  Em um regime democrático, existe também o direito de contestação, exercido legitimamente por aqueles que formam a oposição ao governo eleito, geralmente encabeçado pelo grupo político que perdeu a eleição. A soberania do cidadão é exercida na escolha de quem pode governar.

  A democracia abrange diversos sistemas políticos como o presidencialista, onde o presidente é o maior representante do povo, ou o sistema parlamentarista, em que o presidente é o chefe de Estado, mas o primeiro-ministro é quem toma as principais decisões políticas.

Em azul estão os países designados "democracias eleitorais"

Origens da democracia

  A democracia foi implementada pela primeira vez no século VI a.C., em Atenas, na Grécia antiga. De acordo com o historiador francês contemporâneo Jean-Pierre Vernant, a mudança decorreu de uma série de reformas promovidas pelo legislador Clístenes, que deu continuidade ao trabalho do legislador Sólon e implementou a democracia em Atenas, transformando a sociedade e a vida política da cidade-Estado (também denominada pólis). Pode-se dizer que tais reformas foram responsáveis pela instauração do político.

  Antes, o regime de governo exercido em Atenas era a tirania, e o poder baseava-se na arbitrariedade, isto é, na vontade de um ou de alguns indivíduos. Depois, passou a ser exercido pelos cidadãos. Tal mudança afetou toda a sociedade e, mais especificamente, o espaço público: a ágora (praça principal das antigas cidades gregas, onde se instalava o mercado e, muitas vezes, eram realizadas as assembleias dos cidadãos) ateniense, anteriormente dedicada aos interesses privados, passou a ser caracterizada pelo discurso e pela ação de homens livres, que, reunidos, decidiam o destino da cidade.

Busto de Clístenes (565-492 a.C.)

  A participação das pessoas na política de Atenas era feita por meio de duas instituições: a Eclésia, na qual os cidadãos se reuniam para discutir publicamente os assuntos mais relevantes da pólis, e a Bulé, composta de quinhentos cidadãos, em que elaboravam-se projetos e pareceres sobre os assuntos a serem discutidos na Eclésia. Essas instituições políticas eram baseadas na igualdade, que para os atenienses tinham três dimensões: a isonomia (a igualdade formal de todos os cidadãos perante a lei, impedindo qualquer forma de discriminação), a isegoria (a igualdade material de cada cidadão poder discursar no espaço público, ser ouvido e influenciar as decisões políticas) e a isocracia (a igualdade na ocupação temporária dos cargos públicos pelos cidadãos, sem distinções).

  A democracia ateniense baseava-se na ação política direta dos cidadãos, ou seja, o governo não era exercido por representantes do povo, mas pelo próprio povo. Assim, os cidadãos eram agentes políticos que participavam do governo da cidade com liberdade e igualdade de condições. Os cidadãos eram homens livres adultos, filhos de mãe e pai atenienses. Eles não precisavam se dedicar ao trabalho e participavam da esfera pública. Dessa forma, a condição de liberdade em Atenas se contrapunha à de escravidão. Nesse sentido, na democracia ateniense, mulheres, estrangeiros e escravos não eram aceitos na vida pública, não podendo agir politicamente. Isso significa que a dimensão da democracia se restringia a uma pequena parcela da sociedade de Atenas.

Pintura de Philipp Foitz do século XIX, representando um discurso do estadista grego Péricles

Democracia no pensamento de Platão

  Platão (c. 428-387 a.C.), um dos mais importantes filósofos atenienses, partiu de supostas qualidades da alma para refletir sobre a experiência política e conceber o Estado ideal e as pessoas que o integram. Nesse sentido, os indivíduos seriam divididos em três grupos: o dos governantes, que deveriam ser os mais capazes para exercer as funções políticas; o dos soldados, aos quais caberiam a proteção da cidade; e o dos trabalhadores, responsáveis pela produção de bens necessários à comunidade.

  Conforme o filósofo, aos integrantes de cada um desses grupos corresponde a uma qualidade da alma. Nos governantes, a razão é a qualidade principal; nos soldados, distingue-se a coragem; nos trabalhadores, por fim, predomina o desejo.

  Esses tributos podem, contudo, ser corrompidos; por isso, as formas de governo também estão sujeitas a alterações. Nesse sentido, a razão corresponde ao governo monárquico, conduzido por uma pessoa alheia às necessidades da vida e entregue à reflexão - o rei filósofo. Sua forma corrompida é a tirania, que denota a irracionalidade desmedida. A coragem pode ser encontrada na aristocracia, ou "o governo dos melhores", enquanto sua forma degenerada está atrelada à oligarquia, ou ao governo pela riqueza, no qual os interesses particulares dos dirigentes se sobrepõe ao bem público. Por fim, o desejo corresponde à democracia, composta da maioria das pessoas, sendo concebida como o governo dos pobres, e transformando-se ao ser corrompida, em ausência de governo. Nota-se que para Platão, a democracia, por corresponder ao governo da maioria, designa a participação dos pobres na vida pública.

Busto de Platão. Cópia em mármore feita por Silanião, ca. 370

  A crise entre filosofia e política foi tratada por Platão na obra A República, por meio da alegoria da caverna. De acordo com essa alegoria, algumas pessoas estavam acorrentadas desde a infância em uma caverna e enxergavam somente a parede ao fundo, na qual eram projetadas sombras de objetos que elas acreditavam ser a realidade. Na verdade, o que elas viam eram sombras de marionetes seguradas por indivíduos posicionados atrás de um muro, onde havia uma fogueira. Um dos prisioneiros, o filósofo, conseguiu se libertar, saiu e descobriu que vivia em um mundo de aparências (a realidade sensível, que ele enxergava na caverna). Ao tentar contar aos demais o que tinha visto, ele foi morto. Com essa narrativa, Platão quis transmitir a ideia de que a política, por ser baseada em opiniões (ou seja, em aparências), poderia oferecer riscos ao filósofo, que descobriu a verdade por trás das aparências. Em contrapartida, por conhecer a verdade, ele estaria mais apto a governar que os outros indivíduos.

Representação artística da alegoria da caverna, de Platão

Democracia no pensamento de Aristóteles

  O filósofo grego Aristóteles (c. 384-322 a.C.) nasceu em Estagira, mas viveu em Atenas, onde foi discípulo de Platão. Além de considerar o ser humano um animal político, em sua obra Política, ele classificou as formas de governo em puras e impuras.

  As formas de governo puras são a monarquia (do grego monarkhía), em que o governo é exercido por uma pessoa; a aristocracia (aristokratía), em que o governo é exercido por alguns, considerados "os melhores"; e a politeia ou república (do latim res publica, que significa "coisa pública" ou "bem comum"), que exprime a ideia de governo constitucional, no qual o interesse público se sobrepõe aos interesses particulares dos governantes.

  As formas de governo impuras são as que exprimem a corrupção das formas puras: a tirania (tyrannos) é a apropriação da política por um indivíduo que age de modo violento e cruel; a oligarquia (oligarkhia) é a forma de governo na qual o controle político é exercido por algumas pessoas, que compartilham os mesmos interesses, contra as demais; e a democracia (demokatia) é a forma na qual o poder político é exercido pela maioria.

  Para Aristóteles, a democracia, entre as formas impuras, é a menos ruim, pois nela todos os homens livres - ricos ou pobres - governam juntos. Para assegurar a participação dos pobres na política, Aristóteles de certo modo pensa na equalização, mediante a qual a diferença material existentes entre os cidadãos devem ser minoradas, possibilitando ao menos favorecidos as mesmas condições de exercício da cidadania que os demais.

Busto de Aristóteles. Cópia romana de uma escultura de Lísipo

  Essa necessidade de oferecer aos pobres instrumentos que lhes possibilitem o exercício, com autonomia, da cidadania incide diretamente sobre o conceito de igualdade proposto por Aristóteles. A igualdade formal (isonomia), entendida como regra dirigida ao legislador para que não crie leis discriminatórias, respeitando, portanto, a igualdade de todos perante à lei, recebe uma dimensão material, na qual é preciso tomar medidas efetivas para reduzir as desigualdades.

  Devemos notar que Aristóteles contrapunha a democracia à república, o que não ocorre atualmente. No entanto, a classificação proposta por ele evidenciou o papel das maiorias e das minorias na política, ajudando-nos a refletir sobre a importância de proporcionar meios para que os diferentes grupos possam se expressar e participar da vida política.

Platão e Aristóteles na Escola de Atenas (1509-1510), fresco de Rafael Sanzio, na Stanza della Segnatura, nos Museus Vaticanos

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

AGOSTINI, Cristina de Souza. Aristófanes e Platão: deformadores da democracia antiga. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo, 2008.

BAPTISTA, Conrado Luciano. A Democracia Ateniense Clássica. Revista Filosofia Capital. Brasília - DF, ed. 16, v. 9, 05 de dezembro de 2014.

CORTELLA, Mário S. e outros. Verdades e mentiras: ética e democracia no Brasil. Campinas: Papirus Editora, 2017.

DUNN, John. A história da democracia: um ensaio sobre a liberação do povo. São Paulo: Unifesp, 2016.

GUIMARÃES, Laércio Dias; VIEIRA, Ana Lívia Bonfim. O ideal de cidadania na sociedade da Atenas Clássica. Revista Mundo Antigo, ano I, v. 1, n. 2, Dezembro de 2012.

SOUZA, José C. de (org.) Filosofia, racionalidade, democracia: os debates Rorty & Habermas. São Paulo: Editora Unesp, 2005. 

quarta-feira, 31 de agosto de 2022

TERRITÓRIOS E TERRITORIALIDADES

  O território é um importante conceito para os estudos geográficos e possui diferentes abordagens. Para o geógrafo brasileiro Milton Santos (1926-2001), "O território é usualmente definido como uma área do espaço delimitada por fronteiras a partir de uma relação de posse ou propriedade, seja essa animal ou humana". Essa última apresenta versões políticas, culturais, econômicas, regionais, entre outras. O termo território vem do latim "territorium", expressão que se referia a uma terra delimitada sob uma dada jurisdição.

  Na Geografia Humana, o conceito de território surge inserido na proposta de geografia política de Friedrich Ratzel (1844-1904), sendo assim definido como o espaço sobre o qual se exerce a soberania do Estado. Ratzel sustenta que o Estado surge quando uma sociedade se organiza para defender seu território, sendo essa sua função primordial.

  A Geografia Crítica dá uma grande importância ao conceito de território, já que tem nas relações de poder um dos seus temas privilegiados de estudo. A maioria dos autores atuais utiliza esse conceito para tratar das relações entre espaço e poder, mas, à diferença dos geógrafos tradicionais, enfatiza que o Estado não é o único agente que exerce poder.

   No contexto político, o termo território refere-se à extensão da superfície terrestre de domínio de um Estado, seja ele soberano ou não. É definido como o espaço físico sobre o qual o Estado exerce seu poder soberano. A delimitação territorial dos Estados modernos foi uma decorrência dos conflitos territoriais ocorridos ao longo da Idade Média.

  Em geopolítica, também se usa o termo "território" para identificar estados não independentes e subordinados, até certo grau, a um poder externo.

Mapa da América do Sul

  Já o princípio da territorialidade é um princípio de Direito que permite estabelecer ou delimitar a área geográfica em que um Estado exercerá a sua soberania. Essa área geográfica é o território, que constitui a base geográfica do poder. O território compreende a terra firme, as águas aí compreendidas (rios, lagos), o mar territorial, o subsolo, a plataforma continental, bem como o espaço aéreo correspondente ao domínio terrestre e ao mar territorial.

  É também em virtude do princípio da territorialidade que se delimita geograficamente o âmbito de validade jurídica e aplicação de normas e leis de um Estado. Dessa forma, como regra geral, os efeitos jurídicos de determinada norma ou conjunto de regras de um Estado são válidos e aplicáveis tão somente dentro dos limites territoriais em que esse Estado exerce a sua soberania.

  Com fundamento no princípio da territorialidade, Estados estão proibidos, por meio de ameaça ou uso da força, de exercerem jurisdição ou qualquer outra forma de poder ou intervenção em territórios de outros Estados soberanos.

Mapa da fronteira marítima do Brasil

   A globalização imprimiu mudanças em diversos aspectos da vida, e com a cultura e identidade não foi diferente. Sendo assim, muitos geógrafos, sociólogos e antropólogos começaram a repensar a noção de identidade territorial no mundo globalizado. O acesso à cultura global fez muitos autores temerem o fim das culturas locais, pois a cultura global era vista como uma ameaça às diferenças e à identidade de cada povo. No entanto, nem todos os diagnósticos sobre a globalização atestam o fim das culturas globais. Ao contrário, há autores que refutam essa ideia.

   Em seu livro O mito da desterritorialização, o geógrafo brasileiro Rogério Haesbaert Costa afirma que a globalização não pode ser vista apenas como a anulação das identidades locais, mas também como geradora de um processo de resistência à cultura global. Para o autor, mesmo antes da globalização, já havia batalhas travadas em diversos territórios. Os países que foram colonizados ou invadidos durante alguma guerra tiveram seu território ameaçado e modificado e isso não significou necessariamente o fim da identidade de seus povos. Além disso, Haesbaert nota que, em algumas culturas, mesmo após a globalização, a noção de território ainda cumpre papel bastante central na identidade cultural. É o caso do sertão do Nordeste brasileiro. A cultura sertaneja não morreu, existindo, ainda hoje, todo um universo relacionado ao sertão.

Vaqueiros nordestinos preparados para a lida, com seus trajes de couro. A cultura do sertão nordestino, da qual faz parte a figura do vaqueiro, permanece fortemente ligada ao território, mesmo inserida no contexto da globalização

  Para falar desse conjunto de símbolos ligados a um espaço físico,  Rogério Haesbaert propõe a palavra territorialidade, um conceito que comporta os símbolos ligados a um certo território e ao sentimento de pertencimento que os indivíduos possam ter com ele. Um sertanejo - alguém que vive ou cresceu no sertão - não se sente como tal apenas porque mora em uma região delimitada em um mapa, mas porque convive com símbolos que dão identidade a esse universo. Por exemplo, usar chapéu de couro, comer charque ou participar de festas tipicamente sertanejas.

  No Brasil, as comunidades indígenas e quilombolas são exemplos de grupos cuja identidade está ligada ao território e à territorialidade. Para elas, a terra não é apenas uma fornecedora de alimentos. O território de cada uma dessas comunidades é marcado por rituais e hábitos que remetem aos seus ancestrais, havendo um imaginário e uma história ligados aos territórios que ocupam.

Kuarup, ritual de homenagem aos mortos ilustres, aldeia Wará, Parque Indígena do Xingu, em Gaúcha do Norte (MT)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

HAESBAERT, Rogério. Da desterritorialização à multiterritorialidade. Anais do X Encontro de Geógrafos da América Latina. USP, Departamento de Geografia, 20-26 de março de 2005.

HAESBAERT, Rogério. O mito da desterritorialização: do "fim dos territórios" à multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.

HAESBAERT, Rogério. Territórios Alternativos. São Paulo: Contexto, 2006.

SANTOS, Milton. "O retorno do território". In: Santos, Milton; Silveira, Maria Laura; Souza, Maria Adélia (orgs.). Território - Globalização e Fragmentação. São Paulo: Hucitec/Anpur, 1994.

PENA, Rodolfo F. Alves. "O que é território?". Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/o-que-e/geografia/o-que-e-territorio.htm. Acesso em: 31/08/2022.

terça-feira, 30 de agosto de 2022

POLUIÇÃO E CANALIZAÇÃO DOS RIOS URBANOS

  A poluição dos rios pode ser química, física ou biológica. A poluição química é caracterizada por dois tipos de poluentes: biodegradáveis (produtos químicos que são decompostos pela ação de bactérias ao final de um tempo, como detergentes e inseticidas) e persistentes (persistem no meio ambiente e nos organismos vivos, sendo tóxicos para estes, como o mercúrio). A poluição física altera as características físicas da água, a principal é a poluição por sólidos. A biológica é a contaminação da água por organismos patogênicos (bactérias, vírus, vermes, etc.).

  Várias são as fontes poluidoras dos rios, entre as quais se destaca o lançamento de esgotos residenciais, industriais e hospitalares não tratados. Esse esgoto aumenta a quantidade de matéria orgânica na água e consome oxigênio em seu processo de decomposição, causando a morte de peixes e outros organismos aquáticos. Além disso, causa mal cheiro e representa risco à saúde pública, pois é constituído por vários microrganismos patogênicos.

Poluição hídrica de um córrego em uma das favelas indianas

  Outra fonte poluidora é o depósito de lixo nos rios. Esse lixo é formado por resíduos sólidos, principalmente residenciais e industriais. O lixo vai se acumulando, provoca o assoreamento dos rios e pode chegar ao ponto de não permitir o fluxo da água para locais onde o rio é canalizado, provocando enchentes quando ocorrem chuvas intensas.

  O uso de defensivos agrícolas é a principal causa de poluição dos rios no meio rural. Os agrotóxicos usados acumulam-se no solo e são direcionados aos rios pela água das chuvas, onde intoxicam e matam diversos seres vivos. Os fertilizantes contêm, em sua composição, nitrogênio e fósforo que, quando atingem os rios provocam o desenvolvimento de uma superpopulação de algas, causando a eutrofização das águas. Esse tipo de poluição também é causado por indústrias de fertilizantes que lançam seus efluentes nos rios.

Descarga de um efluente industrial

  Com o desenvolvimento das cidades, sobretudo com o aumento das frotas de automóveis, muitos governantes planejaram a criação de novas vias para dar maior fluidez ao crescente trânsito urbano. Em diversos casos, uma das soluções encontradas foi construir vias de transporte sobre leitos de córregos e rios. Para isso, suas águas foram canalizadas e seus leitos ficaram subterrâneos. Assim, foram reduzidos à função de receptores e transportadores de esgoto que acaba despejado em importantes rios das bacias hidrográficas expondo toda a poluição da cidade em suas águas, dessa vez a céu aberto.

  A canalização é o conjunto de modificações no leito e no trajeto dos rios, ribeirões e córregos. A canalização consiste em revestimento do corpo hídrico, tanto nas margens e/ou fundo com a finalidade de aumentar as vazões de cheia e, consequentemente, a produção de sedimentos. Estas modificações só serão admitidas em áreas urbanas ou em meio rural, mediante justificativa técnica que busque a solução de uma problemática local.

Obra de transposição do rio São Francisco em Cabrobó (PE)

  Dentre os rios mais poluídos no Brasil, estão:

  • Rio Capibaribe - é um curso d'água que banha Pernambuco e o principal rio do município de Recife, a capital pernambucana. Seu curso é dividido em alto e médio cursos, situados no Polígono das Secas, onde o rio apresenta regime temporário, e o baixo curso, onde se torna perene, a partir do município de Limoeiro, no agreste do estado. A nascente do rio Capibaribe é na Serra do Jacarará, no município de Poção (PE). Ele se encontra bastante poluído devido ao lançamento de dejetos domésticos e industriais. As diversas indústrias localizadas no município e a falta de cuidado e fiscalização ambiental agravam o problema da poluição, que coloca em risco várias espécies da fauna marinha (peixes, moluscos, crustáceos) e a pesca artesanal em suas águas.

Confluência do rio Capibaribe com o Beberibe, na ilha de Antônio Vaz, Recife

  • Rio Iguaçu - banha o estado do Paraná e é um dos rios mais poluídos do Brasil. É afluente do rio Paraná e o maior rio do estado. É formado pelo encontro dos rios Iraí e Atuba na parte leste da capital paranaense, Curitiba, junto à divisa deste com os municípios de Pinhais e São José dos Pinhais. O curso do rio segue o sentido geral leste a oeste com algumas partes servindo de divisa natural entre Paraná e Santa Catarina, bem como em certo trecho do seu baixo curso faz fronteira entre Brasil e Argentina. Em sua nascente  ele recebe grande quantidade de esgoto doméstico da capital e das cidades próximas, e ao longo do seu curso o mesmo problema persiste.

Rio Iguaçu, na passagem pelo bairro Umbará, região sul de Curitiba (PR)

  • Rio Tietê - é um curso de água do estado de São Paulo, sendo um afluente do rio Paraná. É conhecido nacionalmente por atravessar, ao longo de seus 1.100 quilômetros de extensão, praticamente todo o estado de São Paulo, de leste a oeste, além de marcar a geografia urbana da maior cidade do Brasil, São Paulo. Nasce no município de Salesópolis (SP), a 22 quilômetros do Oceano Atlântico. Segundo o IBGE, o Tietê é o rio mais poluído do Brasil, recebendo dejetos industriais e esgoto doméstico não tratado.

Marginal do Tietê, em São Paulo (SP)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

Magossi, L. R. e Bonacella, P. H. Poluição das águas. São Paulo: Editora Moderna, 1997.

terça-feira, 23 de agosto de 2022

DIREITO À MORADIA E SEGREGAÇÃO URBANA

  No campo das ciências humanas, segregação espacial é a dignidade de grupos sociais ou étnicos dentro de um determinado retilíneo. Pode ocorrer em diferentes escalas, entre elas a infraestrutura urbana, a urbana regional ou nacional. Pode ser favorecida e legitimada socialmente, levando à formação de áreas segregadas, desiguais. A segregação pode obedecer a critérios de etnia, nacionalidade ou classe social e seu caráter espacial é fundamental.

  Historicamente e em particular do século XVIII ao século XIX, a segregação foi considerada como instrumento de regulação social e de gestão urbana nas cidades da Europa.

  A ausência de segregação política não exclui a segregação espacial. Nas metrópoles brasileiras, predomina a segregação por classe social. Quanto maiores as diferenças de renda entre grupos e classes sociais, maiores as desigualdades das condições de moradia e de acesso a serviços públicos. A segregação pode ser reforçada pelo próprio poder público, quando prioriza investimentos nas áreas ocupadas pela população de renda mais elevada, negligenciando ou simplesmente ignorando a parte ocupada pelos mais pobres. O Estado pode promover a qualificação das áreas mais carentes - através de investimentos em habitação e infraestrutura, transportes, segurança, educação, saúde, lazer e cultura - atenuando a segregação espacial.

  A criação de condomínios fechados é o exemplo mais frequente de segregação no espaço urbano. Impulsionada pelo medo da violência e pela busca de segurança e tranquilidade, esse fenômeno resulta em redução dos espaços públicos, ao restringir o acesso a determinadas áreas da cidade.

No primeiro plano temos a Avenida Nossa Senhora do Carmo; ao fundo, a favela Morro do Papagaio, em Belo Horizonte - MG

Segregação socioespacial: o histórico da discussão

  O conceito "segregação espacial" começou a ser utilizado pela Escola de Chicago, nos Estados Unidos, entre os anos 1930 e 1940, para analisar como diferentes populações se distribuíam pelas cidades estadunidenses. Apesar de reconhecer que existia uma diferença perceptível nos espaços ocupados por cada grupo.

  Algumas décadas depois, a partir dos anos 1960 e 1970, os estudiosos da Escola de Sociologia Urbana Francesa trouxeram uma ótica marxista para o conceito. Mais do que apenas constatar o local das residências, essa linha de pensamento reconhecia o papel crucial dos processos capitalistas na segregação socioespacial. A estratificação urbana, também seria uma expressão da estratificação social e da luta de classes.

  A partir dessa linha de pensamento, muitos novos autores realizaram estudos sobre o tema da segregação socioespacial, reconhecendo os diversos fatores envolvidos.

Panorama da Favela da Rocinha, Rio de Janeiro - RJ

O direito à moradia

   Após a Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, ao término da Segunda Guerra Mundial, a moradia foi incluída como um direito humano, isto é, um direito imprescindível a todas as pessoas. Com esse importante documento, diversos outros tratados conduzidos pela ONU, igualmente, incluíram a questão da moradia digna como uma das questões centrais da humanidade a ser resolvida. A Constituição brasileira (1988) reconhece esse direito em seu artigo 6º, que diz:

  "São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição".

  Todas as pessoas devem ter uma moradia digna para viver com acesso aos meios de sobrevivência, como consta na Constituição brasileira de 1988 e em outros documentos internacionais dos quais o Brasil é signatário. É um direito humano que as pessoas tenham uma habitação adequada.

  No entanto, por diferentes razões, esse direito não vem sendo respeitado e muitas pessoas não têm acesso a moradias adequadas.

  É função do poder público desenvolver políticas para que esse direito seja implementado. Cabe ao Estado promover ações voltadas à superação das desigualdades sociais que agravam a questão da moradia, da opressão e da violação dos direitos humanos por meio de políticas públicas sólidas.

Favela de Paraisópolis, em São Paulo - SP

  A questão da moradia digna no Brasil perpassou por vários governos e o desafio continua atualmente e longe de uma solução. Estima-se no Brasil um déficit da ordem de 8 milhões de moradias e esse número vem crescendo.

  A Constituição Federal (artigo 23, parágrafo IX, 1988) prevê uma política habitacional que contemple a carência de moradias no Brasil, estabelecendo, neste sentido, o dever do Estado: "[...] é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios promover programas de construção de moradias e melhorias das condições habitacionais [...]".

  Esse direito assegurado constitucionalmente vêm no âmbito de outros similares, como direito à educação, à saúde, ao trabalho, à segurança, ao lazer, dentre outros, mas que muitas vezes não são efetivados. Com a moradia não é diferente. O problema é mais explícito nos centros urbanos onde as condições de moradia e acesso a serviços básicos são insatisfatórias, atingindo as camadas mais pobres da sociedade brasileira.

  Esse problema não é exclusivo do Brasil: em muitos países, o déficit habitacional é um fato. Motivo por isso, a ONU organiza há quase meio século a Cúpula Internacional Habitat, que tem por missão lançar diretrizes e buscar medidas efetivas para o combate a essa realidade. A primeira foi realizada em 1976 em Vancouver, Canadá, a segunda em Istambul, Turquia, em 1996 e a terceira em Quito, Equador, em 2016 e no intervalo desses grandes eventos, outros encontros sobre o tema ocorreram. O governo brasileiro participou ativamente desses encontros que servem como parâmetro e orientação na busca de políticas dignas de moradia.

III Cúpula Internacional Habitat, em 2016, Quito - Equador

Políticas públicas de moradia

  Estudos apontam que o agravamento da questão habitacional no país coincide com o momento em que o Brasil deixa de ser um país agroexportador para se converter em urbano-industrial, ou seja, na metade do século XX. Assiste-se, a partir daí, ao imenso êxodo rural que caracterizou a nação com milhões de pessoas saindo do campo e chegando aos centros urbanos despreparados para receber tamanha massa populacional. Com a falta de planejamento, verificou-se o crescimento desordenado das cidades e, consequentemente, agravou-se a questão da moradia nos centros urbanos.

  É no primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-1945) que surgem as primeiras iniciativas de políticas públicas para a moradia popular. Na década de 1940, o primeiro órgão de habitação no Brasil foi a Fundação Casa Popular (FCP), quando o Estado passa a responsabilizar-se pelo problema habitacional no país. A FCP, criada para o desenvolvimento habitacional e urbano, pretendia financiar obras de infraestrutura, serviço social, indústria de materiais de construção, apoiar estudos sobre tendências regionais de habitação, entre outras atividades. Ela foi extinta em 1964, durante o regime militar. Nesse período é criado o Banco Nacional de Habitação (BNH), que viabilizou a construção de inúmeros e famosos conjuntos habitacionais dispersos pelo país. Porém, insuficiente para suprir a demanda, que só aumentava. Foi criado um modelo de financiamento da casa própria, que alimentava o crescimento do setor imobiliário e supria, parcialmente, a demanda por meio do Sistema Financeiro de Habitação (SFH) e que era incentivado por outra iniciativa governamental que caminhava paralelamente à essa iniciativa pública, os recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), existente até os dias atuais.

Bairro Guadalupe - localizado na Zona Norte do Rio de Janeiro, foi criado como um dos projetos da antiga Fundação Casa Popular (FCP)

  Apesar de efetivamente oferecer acesso à habitação a uma parte dos despossuídos de moradias, a política do BNH sofreu duras críticas dos urbanistas por não se preocupar com a mínima qualidade estética, ambiental e arquitetônica das construções e, principalmente, por esses conjuntos serem construídos  nas franjas periféricas das cidades, sempre muito distantes dos locais de trabalho dos moradores em potencial dessas moradias: o trabalhador que penava com os longos deslocamentos. Isso, igualmente, promoveu um ônus orçamentário ao Estado, pois entre o local de construção dessas moradias e o centro, formou-se um hiato desprovido de serviços e infraestruturas urbanas, criando corredores descontínuos e ociosos que exigiram posteriormente elevados investimentos para reparação do equívoco urbano.

  No mesmo período de vigência do BNH, outra iniciativa popular que foi considerada a maior política pública habitacional do regime militar, porém restrita ao estado de São Paulo, foram as COHABs, Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo, exitoso programa de moradia popular. Na zona leste da cidade de São Paulo, por exemplo, foi construído nos anos 1980 o maior complexo de moradia popular da América Latina.

Cohab Cidade Tiradentes, na periferia da Zona Leste de São Paulo (SP) - o maior conjunto de moradia popular da América Latina

  Mais recentemente duas políticas públicas de moradia foram implementadas: em 2004, o Plano Nacional de Habitação (PlanHab) e em 2009 o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) um programa de moradia voltado a classes de renda mais baixa de até três salários mínimos. Recentemente, o PMCMV foi substituído pelo Programa Casa Verde Amarela (PCVA).

  Apesar da grande popularidade, o PMCMV também foi criticado por urbanistas que entendiam que esse programa ofuscou outro programa mais fidedigno e sustentável à moradia digna, que era o PlanHab. Este programa estabeleceu metas de médio prazo para a efetiva resolução do déficit de moradia do país ao acionar os três níveis de governo no combate ao problema: governo federal, estadual e municipal, que participariam conjuntamente dessa política pública de moradia.

  A maior crítica ao PMCMV é que quem definia a compra dos terrenos era a incorporadora terceirizada pelo governo, que sempre buscava os terrenos mais baratos possíveis para a construção das moradias, beneficiando-se com vultosos aportes disponibilizados pela Caixa  Econômica Federal, outra entidade voltada ao financiamento da casa própria, e maximizando os ganhos por unidades habitacionais.

Conjunto Cidade das Rosas, localizado no município de São Gonçalo do Amarante (RN). Um dos conjuntos criados pelo PlanHab

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Presidência da República. Casa Civil. Disponível em: http://planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 22/08/2022.

CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Edusp, 2000.

COELHO, Marcos de Amorim; TERRA, Lygia. Geografia do Brasil, 5ª ed. São Paulo: Moderna, 2002.

FERREIRA, R. F. C. Políticas públicas e direito à cidade: política habitacional e o direito à moradia digna. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2012.

LEFEBVRE, H. O direito à cidade. São Paulo: Centauro, 2010.

MARCATO, E. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. Petrópolis: Vozes, 2008.

VENÂNCIO, S. R.; COSTA, B. S. A função social da cidade e o direito à moradia digna como pressupostos do desenvolvimento sustentável. Revista Direito Ambiental e Sociedade. V. 6, n. 2. Petrópolis, 2016.

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