A democracia é o regime político em que a soberania é exercida pelo povo, os cidadãos são os detentores do poder e confiam parte desse poder ao Estado para que possa organizar a sociedade.
Todas as decisões políticas devem estar em conformidade com o desejo do povo. Atualmente, a maioria dos países possuem modelos de democracia representativa. Neles, os cidadãos elegem seus representantes por meio do voto.
Em um regime democrático, existe também o direito de contestação, exercido legitimamente por aqueles que formam a oposição ao governo eleito, geralmente encabeçado pelo grupo político que perdeu a eleição. A soberania do cidadão é exercida na escolha de quem pode governar.
A democracia abrange diversos sistemas políticos como o presidencialista, onde o presidente é o maior representante do povo, ou o sistema parlamentarista, em que o presidente é o chefe de Estado, mas o primeiro-ministro é quem toma as principais decisões políticas.
Em azul estão os países designados "democracias eleitorais" |
Origens da democracia
A democracia foi implementada pela primeira vez no século VI a.C., em Atenas, na Grécia antiga. De acordo com o historiador francês contemporâneo Jean-Pierre Vernant, a mudança decorreu de uma série de reformas promovidas pelo legislador Clístenes, que deu continuidade ao trabalho do legislador Sólon e implementou a democracia em Atenas, transformando a sociedade e a vida política da cidade-Estado (também denominada pólis). Pode-se dizer que tais reformas foram responsáveis pela instauração do político.
Antes, o regime de governo exercido em Atenas era a tirania, e o poder baseava-se na arbitrariedade, isto é, na vontade de um ou de alguns indivíduos. Depois, passou a ser exercido pelos cidadãos. Tal mudança afetou toda a sociedade e, mais especificamente, o espaço público: a ágora (praça principal das antigas cidades gregas, onde se instalava o mercado e, muitas vezes, eram realizadas as assembleias dos cidadãos) ateniense, anteriormente dedicada aos interesses privados, passou a ser caracterizada pelo discurso e pela ação de homens livres, que, reunidos, decidiam o destino da cidade.
Busto de Clístenes (565-492 a.C.) |
A participação das pessoas na política de Atenas era feita por meio de duas instituições: a Eclésia, na qual os cidadãos se reuniam para discutir publicamente os assuntos mais relevantes da pólis, e a Bulé, composta de quinhentos cidadãos, em que elaboravam-se projetos e pareceres sobre os assuntos a serem discutidos na Eclésia. Essas instituições políticas eram baseadas na igualdade, que para os atenienses tinham três dimensões: a isonomia (a igualdade formal de todos os cidadãos perante a lei, impedindo qualquer forma de discriminação), a isegoria (a igualdade material de cada cidadão poder discursar no espaço público, ser ouvido e influenciar as decisões políticas) e a isocracia (a igualdade na ocupação temporária dos cargos públicos pelos cidadãos, sem distinções).
A democracia ateniense baseava-se na ação política direta dos cidadãos, ou seja, o governo não era exercido por representantes do povo, mas pelo próprio povo. Assim, os cidadãos eram agentes políticos que participavam do governo da cidade com liberdade e igualdade de condições. Os cidadãos eram homens livres adultos, filhos de mãe e pai atenienses. Eles não precisavam se dedicar ao trabalho e participavam da esfera pública. Dessa forma, a condição de liberdade em Atenas se contrapunha à de escravidão. Nesse sentido, na democracia ateniense, mulheres, estrangeiros e escravos não eram aceitos na vida pública, não podendo agir politicamente. Isso significa que a dimensão da democracia se restringia a uma pequena parcela da sociedade de Atenas.
Pintura de Philipp Foitz do século XIX, representando um discurso do estadista grego Péricles |
Democracia no pensamento de Platão
Platão (c. 428-387 a.C.), um dos mais importantes filósofos atenienses, partiu de supostas qualidades da alma para refletir sobre a experiência política e conceber o Estado ideal e as pessoas que o integram. Nesse sentido, os indivíduos seriam divididos em três grupos: o dos governantes, que deveriam ser os mais capazes para exercer as funções políticas; o dos soldados, aos quais caberiam a proteção da cidade; e o dos trabalhadores, responsáveis pela produção de bens necessários à comunidade.
Conforme o filósofo, aos integrantes de cada um desses grupos corresponde a uma qualidade da alma. Nos governantes, a razão é a qualidade principal; nos soldados, distingue-se a coragem; nos trabalhadores, por fim, predomina o desejo.
Esses tributos podem, contudo, ser corrompidos; por isso, as formas de governo também estão sujeitas a alterações. Nesse sentido, a razão corresponde ao governo monárquico, conduzido por uma pessoa alheia às necessidades da vida e entregue à reflexão - o rei filósofo. Sua forma corrompida é a tirania, que denota a irracionalidade desmedida. A coragem pode ser encontrada na aristocracia, ou "o governo dos melhores", enquanto sua forma degenerada está atrelada à oligarquia, ou ao governo pela riqueza, no qual os interesses particulares dos dirigentes se sobrepõe ao bem público. Por fim, o desejo corresponde à democracia, composta da maioria das pessoas, sendo concebida como o governo dos pobres, e transformando-se ao ser corrompida, em ausência de governo. Nota-se que para Platão, a democracia, por corresponder ao governo da maioria, designa a participação dos pobres na vida pública.
Busto de Platão. Cópia em mármore feita por Silanião, ca. 370 |
A crise entre filosofia e política foi tratada por Platão na obra A República, por meio da alegoria da caverna. De acordo com essa alegoria, algumas pessoas estavam acorrentadas desde a infância em uma caverna e enxergavam somente a parede ao fundo, na qual eram projetadas sombras de objetos que elas acreditavam ser a realidade. Na verdade, o que elas viam eram sombras de marionetes seguradas por indivíduos posicionados atrás de um muro, onde havia uma fogueira. Um dos prisioneiros, o filósofo, conseguiu se libertar, saiu e descobriu que vivia em um mundo de aparências (a realidade sensível, que ele enxergava na caverna). Ao tentar contar aos demais o que tinha visto, ele foi morto. Com essa narrativa, Platão quis transmitir a ideia de que a política, por ser baseada em opiniões (ou seja, em aparências), poderia oferecer riscos ao filósofo, que descobriu a verdade por trás das aparências. Em contrapartida, por conhecer a verdade, ele estaria mais apto a governar que os outros indivíduos.
Representação artística da alegoria da caverna, de Platão |
Democracia no pensamento de Aristóteles
O filósofo grego Aristóteles (c. 384-322 a.C.) nasceu em Estagira, mas viveu em Atenas, onde foi discípulo de Platão. Além de considerar o ser humano um animal político, em sua obra Política, ele classificou as formas de governo em puras e impuras.
As formas de governo puras são a monarquia (do grego monarkhía), em que o governo é exercido por uma pessoa; a aristocracia (aristokratía), em que o governo é exercido por alguns, considerados "os melhores"; e a politeia ou república (do latim res publica, que significa "coisa pública" ou "bem comum"), que exprime a ideia de governo constitucional, no qual o interesse público se sobrepõe aos interesses particulares dos governantes.
As formas de governo impuras são as que exprimem a corrupção das formas puras: a tirania (tyrannos) é a apropriação da política por um indivíduo que age de modo violento e cruel; a oligarquia (oligarkhia) é a forma de governo na qual o controle político é exercido por algumas pessoas, que compartilham os mesmos interesses, contra as demais; e a democracia (demokatia) é a forma na qual o poder político é exercido pela maioria.
Para Aristóteles, a democracia, entre as formas impuras, é a menos ruim, pois nela todos os homens livres - ricos ou pobres - governam juntos. Para assegurar a participação dos pobres na política, Aristóteles de certo modo pensa na equalização, mediante a qual a diferença material existentes entre os cidadãos devem ser minoradas, possibilitando ao menos favorecidos as mesmas condições de exercício da cidadania que os demais.
Busto de Aristóteles. Cópia romana de uma escultura de Lísipo |
Essa necessidade de oferecer aos pobres instrumentos que lhes possibilitem o exercício, com autonomia, da cidadania incide diretamente sobre o conceito de igualdade proposto por Aristóteles. A igualdade formal (isonomia), entendida como regra dirigida ao legislador para que não crie leis discriminatórias, respeitando, portanto, a igualdade de todos perante à lei, recebe uma dimensão material, na qual é preciso tomar medidas efetivas para reduzir as desigualdades.
Devemos notar que Aristóteles contrapunha a democracia à república, o que não ocorre atualmente. No entanto, a classificação proposta por ele evidenciou o papel das maiorias e das minorias na política, ajudando-nos a refletir sobre a importância de proporcionar meios para que os diferentes grupos possam se expressar e participar da vida política.
Platão e Aristóteles na Escola de Atenas (1509-1510), fresco de Rafael Sanzio, na Stanza della Segnatura, nos Museus Vaticanos |
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
AGOSTINI, Cristina de Souza. Aristófanes e Platão: deformadores da democracia antiga. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo, 2008.
BAPTISTA, Conrado Luciano. A Democracia Ateniense Clássica. Revista Filosofia Capital. Brasília - DF, ed. 16, v. 9, 05 de dezembro de 2014.
CORTELLA, Mário S. e outros. Verdades e mentiras: ética e democracia no Brasil. Campinas: Papirus Editora, 2017.
DUNN, John. A história da democracia: um ensaio sobre a liberação do povo. São Paulo: Unifesp, 2016.
GUIMARÃES, Laércio Dias; VIEIRA, Ana Lívia Bonfim. O ideal de cidadania na sociedade da Atenas Clássica. Revista Mundo Antigo, ano I, v. 1, n. 2, Dezembro de 2012.
SOUZA, José C. de (org.) Filosofia, racionalidade, democracia: os debates Rorty & Habermas. São Paulo: Editora Unesp, 2005.
Nenhum comentário:
Postar um comentário