domingo, 30 de janeiro de 2022

A REPÚBLICA DO PERU

   A República do Peru é um país da América do Sul que faz divisa ao norte com o Equador e a Colômbia, a leste com o Brasil e a Bolívia e ao sul com o Chile, sendo banhado a oeste pelo Oceano Pacífico. Possui uma geografia bastante variada, com paisagens de planícies áridas na costa do Pacífico, picos nevados dos Andes e também pela Floresta Amazônica.

  O território peruano abrigou a civilização de Caral, uma das mais antigas do mundo, além do Império Inca, considerado o maior Estado da América pré-colombiana. O seu território foi elevado a vice-reinado pelo Império Espanhol no século XVI. Sua independência foi formalmente proclamada em 1821, e definida pela derrota do Exército Espanhol na Batalha de Ayacucho três anos depois.

  Na história do Peru independente, sucessivos governos democráticos foram constantemente interrompidos por golpes de Estado. Em 1968, foi imposta uma ditadura militar, que introduziu reformas nacionalistas. O governo democrático e representativo foi restabelecido em 1980 e se iniciou um sangrento conflito armado entre os grupos terroristas do Sendero Luminoso e o MRTA (Movimento Revolucionário Túpac Amaru contra o governo no sul do país, além de uma crise inflacionária no final dessa década. Na década de 1990, foi implementado um modelo neoliberal, cujas bases continuam em vigor.

Mapa do Peru

HISTÓRIA

  Os primeiros indícios da presença humana no território peruano datam de aproximadamente 10.560 a.C. A mais antiga sociedade complexa conhecida no Peru e nas Américas, a Civilização de Caral, floresceu ao longo da costa do Oceano Pacífico entre 3.000 e 1.800 a.C. Caral é o berço da cultura peruana e de grande parte do continente americano.

  As sociedades andinas foram baseadas na agricultura, utilizando técnicas como a irrigação e o terraceamento. A pecuária de camelídeos e a pesca também eram importantes. A organização era baseada no princípio da reciprocidade e redistribuição, já que estas sociedades não tinham nenhuma noção de mercado ou dinheiro.

Ruínas da cidade de Caral, sede da antiga Civilização de Caral

  Uma dessas sociedades andinas foi a Civilização Huari, que desenvolveu o modelo clássico do Estado andino, com o surgimento de cidades de corte imperial, um modelo que se expandiu no norte em direção ao século XVIII. Após o abandono de Huari, novos estados centralizadores de alcance regional foram erguidos ao longo da Cordilheira dos Andes, como Lambayeque, Chimú e Chincha, período conhecido como o Intermediário Tardío ou Período dos Estados Regionais.

  Durante o Período dos Estados Regionais, nasceram culturas arqueológicas, como Cupisnique, Chavín, Paracas, Mochica, Nazca e Chimu. No século XV, os incas emergiram como um poderoso Estado e, em menos de um século, formaram o maior império da América pré-colombiana.

Imagem aérea das Linhas de Nazca, criadas pela Civilização de Nazca

A Civilização Inca

   Os incas foram uma importante civilização pré-colombiana que desenvolveu um vasto império na região da Cordilheira dos Andes. O Império Inca estendia-se por territórios que atualmente correspondem desde parte da Colômbia até o norte do Chile e da Argentina. Os incas constituíram uma civilização complexa, notabilizada pela construção de um enorme sistema de estradas. Essa civilização desapareceu a partir da conquista realizada pelos espanhóis no século XVI.

  Os incas não deixaram registros escritos de sua história antes da chegada dos espanhóis. Com base em crônicas escritas após a conquista espanhola  das terras andinas e fontes materiais (inclusive cidades inteiras), conhecemos certas crenças, alguns valores e as práticas da sociedade inca.

Extensão máxima da civilização inca na América do Sul

  A região andina, local onde se desenvolveu a Civilização Inca, era habitada por grupos humanos desde aproximadamente 4.500 a.C., e, antes dos incas, havia abrigado uma outra grande civilização conhecida como chavín, entre 900 a.C. e 200 a.C.

  Os incas, também chamados de quéchua, chegaram aos Andes no século XIII d.C. e, nas terras altas passaram a viver sobretudo da agricultura e do pastoreio, mas foi somente a partir de 1470 que começaram a estender seus domínios sobre territórios e povos da região andina e construíram um grande império.  No processo de formação do seu império, os incas assimilaram elementos de outras culturas, inclusive o quéchua, a língua que mais tarde espalhariam pelos Andes.

Império de Tiauanaco-Huari

  O surgimento oficial do Império Inca aconteceu, segundo os historiadores, com o reinado do Sapa Inca (termo em quéchua para imperador) Pachacuti. Durante seu reinado, os incas iniciaram a conquista territorial da região andina, processo que foi continuado por outros imperadores incas.

  Os incas conseguiram construir um império territorialmente muito vasto, que se estendia por mais de 4 mil quilômetros. Os povos conquistados por eles eram obrigados a pagar impostos e as regiões dominadas eram integradas ao império por meio da construção de estradas (os incas possuíram mais de 40 mil quilômetros de estradas) por ordem do Sapa Inca, e culturalmente absorvidas com o deslocamento da população quéchua para essas regiões.

  O grandioso império dos incas era denominado por eles próprios de Tawantisuyu (o Império das quatro direções, em quéchua) e era dividido em quatro grandes províncias chamadas de: Chinchasuyuy (norte), Antisuyu (leste), Contisuyu (oeste) e Collasuyuy (sul).

Expansão inca (1438-1533)

  Os incas construíram um império que era baseado em um sistema de governo conhecido como teocracia. Nesse sistema político, o governo sofre forte influência das crenças religiosas. No caso dos incas, o Sapa Inca era visto como um descendente do Sol e, por isso, possuía poderes irrestritos. Os poderes do Sapa Inca chegavam a interferir na vida das pessoas e a determinar quando poderiam casar, viajar e mudar para outras áreas do império.

  Além da grandiosidade territorial, o Império Inca era caracterizado pela grande diversidade de povos e de culturas, possuindo em torno de seis a dez milhões de habitantes. Nessa vasta população, existiam, pelo menos, 30 idiomas diferentes.

Os quatro suyus ou quadrantes do Império Inca

  A base da economia inca era a agricultura, que produzia tudo o que os incas possuíam. A alimentação baseava-se no milho e na batata, no entanto, os incas produziam grandes quantidades de itens como algodão e pimenta. A fertilidade da agricultura dos incas era resultado de uma técnica conhecida como curvas de nível.

  Habitando regiões montanhosas, os incas adotavam a irrigação sistemática e construíam terraços na forma de uma imensa escada para a prática da agricultura. Nos degraus mais altos, cultivavam espécies vegetais resistentes ao frio, como a batata; nos do meio, milho abóbora e feijão; nos mais baixos, semeavam as árvores frutíferas. Com isso, conseguiam colheitas variadas e fartas o ano inteiro. Os incas se dedicavam também à pesca, a coleta de produtos e ao pastoreio: criavam a lhama, animal de carga com grande resistência, além da alpaca e guanaco, dos quais obtinham a lã e o leite.

Panorama dos terraços agrícolas de Pisac, no Vale Sagrado dos Incas

  A maioria da população inca era composta de famílias camponesas que trabalhavam na agricultura ou no pastoreio. Um conjunto de famílias unidas por laços de parentesco ou aliança formava o ayllu, unidade social básica administrada pelo curaka (chefe comunitário). Era dever do ayllu produzir tudo o que fosse necessário para sua própria sobrevivência, além de pagar os impostos que eram devidos ao Sapa Inca.

  Entre os incas havia um antigo hábito segundo o qual os membros do ayllu tinham de prestar serviços gratuitos ao curaka. Essa obrigação tem o nome de mita. Com a formação do império, os membros das comunidades passaram a ter de prestar serviços gratuitos também para o chefe do Estado, o Inca. Entre os serviços gratuitos, estavam: semear, plantar, colher, construir, consertar estradas, templos e fazer vestimentas e armas para ser usados na guerra. Esses serviços e produtos contribuíam para a grandeza do império e, em caso de invernos rigorosos, epidemias ou inundações, deviam ser distribuídos à população.

Figura mostrando uma representação da mita

  Os incas também possuíam um pensamento filosófico próprio, que ficou conhecido como filosofia andina, em referência à região onde esse pensamento floresceu: a Cordilheira dos Andes. Nesta filosofia, todos os elementos da vida fazem parte de uma mesma trama, sendo impossível isolá-los. Por isso, ao contrário de filosofias de matriz europeia, eles não opunham o sagrado ao profano, por entender que essas duas dimensões são complementares. Outra particularidade que a diferencia frontalmente da maneira europeia de pensar é que a filosofia andina não é andocêntrica, ou seja, não pensa o masculino superior ao feminino.

  Muitos filósofos europeus estudaram o conceito de virtude, palavra que tem a mesma raiz de viril e possui valor positivo. Assim, a ação humana considerada positiva foi, durante séculos, vinculada a uma característica que pertence aos homens.

  No pensamento andino, a oposição entre homem e mulher não estabelecia nenhum tipo de hierarquia. Ao contrário, o masculino e o feminino eram oposições complementares e nenhum dos dois ocupava uma posição dominante.

Machu Picchu - também chamada de "cidade perdida dos incas", é o símbolo mais típico do Império Inca

Colonização

  Os conquistadores espanhóis, liderados por Francisco Pizarro (1476-1541) e seus irmãos, exploraram o sul do que hoje é o Panamá, chegando ao território em 1526. Era claro que haviam chegado a uma terra rica com perspectivas de grandes tesouros e, após outra expedição, em 1529, Pizarro viajou para a Espanha e recebeu a aprovação real para conquistar a região e ser seu vice-rei.

  Animado pela descoberta de ouro e prata nas terras astecas, Pizarro partiu do Panamá e chegou à cidade inca de Tumbez, em 1532.  Pizarro e seus homens se aproveitaram da desunião entre os irmãos Atahualpa e Huáscar (c. 1491-1533), cujo pai havia morrido acometido de varíola. Além disso, Pizarro, à semelhança de Cortez, também se aliou a povos nativos insatisfeitos com a dominação exercida sobre eles.

  O primeiro confronto entre incas e espanhóis foi a Batalha de Puná, próximo da atual Guayaquil, no Equador. Pizarro então fundou a cidade de Piura em julho de 1532. Hernando de Soto foi enviado para explorar o interior e voltou com um convite para conhecer o inca Atahualpa, que havia derrotado seu irmão na guerra civil e repousavam em Cajamarca com seu exército.

  De Tumbez, Pizarro e seus homens se deslocaram para Cajamarca, onde aprisionaram o imperador inca Atahualpa (c. 1502-1532).A seguir, Pizarro prometeu libertar o imperador inca em troca de todo o ouro que coubesse no quarto onde ele estava preso. Os incas pagaram o resgate, mas Pizarro não cumpriu o prometido e ordenou a morte de Atahualpa na fogueira.

  Os  wankas, um povo guerreiro do sul do atual Peru, e vários outros povos indígenas ajudaram na conquista espnhola de Cuzco, a capital inca, em 1533. Dois anos depois, Pizarro fundou a Ciudad de los Reys, atual Lima, que veio a ser capital do novo domínio espanhol.

Imagem retratando o Massacre de Cajamarca, que deixou milhares de nativos mortos

  Os auxiliares de Pizarro projetaram Lima seguindo o modelo das cidades espanholas. Na praça central, ergueram a igreja, os prédios públicos e, a partir dela, construíram ruas retas e casas que lembravam a da Espanha. Quanto mais próximo da praça residia uma família, maior era o seu prestígio. Ou seja, a localização da residência em relação à praça simbolizava o status social de cada família. Próximo à costa do Oceano Pacífico e distante de Cuzco, Lima contava inclusive com uma instituição de ensino superior, a Universidade de São Marcos, fundada em 1551 e existente até hoje.

Visão geral da atual Cuzco. Até a colonização, era a capital do império inca

  Ao contrário do que se disse durante muito tempo, os nativos reagiram ao domínio espanhol de diversas formas: praticando o suicídio, revoltando-se, fugindo para a mata sozinhos ou em grandes grupos, e também por meio de armas.

  A resistência inca no sul do Peru, durou quase 40 anos. Protegidos pela muralha de neve da Cordilheira dos Andes, eles resistiram aos espanhóis de 1532 a 1572. Só com muito esforço e com a ajuda de efetivos vindos da Espanha foi que os espanhóis conseguiram vencer os incas. Na ocasião, o lendário Túpac Amaru (1545-1572), considerado o último líder da resistência inca, foi capturado e decapitado pelos espanhóis.

Representação da fundação de Lima

  Em 1542, a Coroa espanhola criou o Vice-Reino do Peru, que incluía todas as suas colônias da América do Sul. Francisco Toledo reorganizou o país na década de 1570, tendo a mineração como principal atividade econômica e o trabalho forçado indígena como sua principal força de trabalho.

  O ouro peruano trouxe receitas para a Coroa espanhola e alimentou uma rede complexa de comércio, que se estendeu até a Europa e as Filipinas. Por volta do século XVIII, o declínio da produção de prata e a diversificação econômica reduziu a renda real.

  Em resposta, a Coroa promulgou as Reformas Bourbônicas, uma série de decretos que aumentaram os impostos e dividiram o Vice-Reino do Peru. A nova legislação provocou a rebelião de Túpac Amaru II e outras revoltas, que foram derrotadas.

Chiclayo - com uma população de 681.832 habitantes (estimativa 2022) é a quarta cidade mais populosa do Peru

Independência

  No início do século XIX, enquanto a maioria da América do Sul era assolada por guerras de independência, o Peru continuou a ser um reduto monarquista. Como a elite hesitou entre a emancipação e a lealdade para com a monarquia espanhola, a independência foi obtida apenas após campanhas militares de José de San Martín e Simon Bolívar.

  Durante os primeiros anos da República, lutas endêmicas pelo poder entre líderes militares causaram instabilidade política. A identidade nacional foi forjada durante este período, com projetos bolivarianos que afundaram, como a Confederação da América Latina, e uma união com a Bolívia que se mostrou efêmera.

Batalha de Ayacucho, parte da guerra de independência

  Quando a independência foi proclamada, San Martín assumiu o comando político-militar dos departamentos livres do Peru, sob o título de Protetor, por decreto emitido em 3 de agosto de 1821. Os trabalhos do Protetorado contribuíram para a criação da Biblioteca Nacional, a aprovação do Hino Nacional e a adoção de leis contra os indígenas. Em 27 de dezembro de 1821, San Martín criou três ministérios: Ministério de Estado e Relações Exteriores, nomeando a Juan García del Río como ministro; Ministério da Guerra e Marinha, tendo como ministro Bernardo de Monteagudo; e Ministério das Finanças, que teve como ministro Hipólito Uanue.

  Objetivando acelerar a independência total do Peru nas terras altas do sul, San Martín viajou para Guayaquil, Equador, a fim de chegar a um acordo com Simon Bolívar, para pedir ajuda militar. Porém, nenhum acordo foi alcançado, e San Martín saiu de Guayaquil com a decisão de deixar o Peru, passando o poder executivo a três de seus membros, que formaram um órgão colegiado chamado Conselho Supremo de Governo do Peru e cujo chefe era o General José de La Mar.

  A Junta Governativa tinha como objetivo acabar com a Guerra de Independência e organizou a Primeira Campanha Intermediária. Os oficiais do Exército se revoltaram  no chamado Motim de Balconcillo e, com um golpe de Estado, em 28 de fevereiro de 1823, José de La Riva Agüero foi nomeado Presidente do Peru.

  Ocorreu uma disputa aberta com o Congresso e Agüero se mudou para Trujillo, onde instalou seu governo, enquanto em Lima, o Congresso nomeou José Bernardo de Tagle como novo Presidente. O Congresso, considerando a situação crítica, resolveu chamar Simon Bolívar e seu Exército de Libertação. Após reunificar o comando do país, Bolívar instalou seu quartel-general em Trujillo e organizou a campanha final da Independência.

José de San Martín (1778-1850) ao anunciar a independência do Peru

Meados do século XIX

  Entre 1840 e 1860, o Peru desfrutou de um período de estabilidade sob a presidência de Ramón Castilla, que aumentou a receita do Estado por meio das exportações de guano. Porém, em 1870, os recursos foram desperdiçados, o país se endividou e a luta política aumentou. Em 5 de abril de 1879, o Chile declarou guerra ao Peru, desencadeando a Guerra do Pacífico. O estopim foi o confronto entre a Bolívia e o Chile por um problema fiscal em que o Peru foi comprometido pelo Tratado de Aliança Defensiva assinado com a Bolívia em 1873.

  Numa primeira fase da guerra, a marinha peruana repeliu o ataque chileno até 8 de outubro de 1879, quando se travou a Batalha de Angamos, vencido pela marinha chilena.

  Derrotado na Guerra do Pacífico (1879-1883), o Peru perdeu as províncias de Arica e Tarapacá por meio dos tratados de Ancón e Lima. Durante a ocupação chilena de Lima, autoridades militares chilenas transformaram a Universidade Nacional Maior de São Marcos e o recém-inaugurado Palácio de la Exposición em quartéis, invadiram as escolas médicas e outras instituições educacionais, saquearam o conteúdo da Biblioteca Nacional do Peru e transportaram milhares de livros, além do estoque de capital que foi levado para Santiago do Chile, e uma série de monumentos e obras de arte que decoravam a cidade.

  Logo após a Guerra do Pacífico, o governo peruano iniciou inúmeras reformas econômicas e sociais para se recuperar dos prejuízos da guerra.

  Em 1894, Nicolás de Piérola, aliou-se ao Partido Civil do Peru organizando guerrilhas com o intuito de ocupar Lima. Andrés Avelino Cáceres, então presidente do Peru, foi expulso e, em 1895, Piérola se tornou presidente do Peru. Após um breve período, no qual o Exército controlou o país, o regime civil restabeleceu-se no mesmo ano com a eleição de Piérola. O seu segundo mandato completou-se em 1899 e distinguiu-se pela reconstrução de um Peru devastado, dando início a reformas fiscais, militares, religiosas e civis. Este período, que se estendeu até a segunda década do século XX é chamado de "República Aristocrática", dado que a maioria dos presidentes que governaram o país pertenciam à elite social.

Combate Naval de Angamos, durante a Guerra do Pacífico

Século XX

  Lutas internas após a guerra foram seguidas por um período de estabilidade no âmbito do Partido Civil, que durou até o início do regime autoritário de Augusto B. Leguía. A Grande Depressão causou a queda de Leguía, renovada turbulência política e a emergência da Aliança Popular Revolucionária Americana (APRA). A rivalidade entre esta organização e uma coalizão das elites e dos militares definiram a política peruana nas três décadas seguintes.

  Em meados do século XX, Víctor Raul Haya de la Torre, fundador do Partido da Aliança Popular Revolucionária Americana (APRA), juntamente com José Carlos Mariátequi, líder do Partido Comunista Peruano, chefiavam as duas forças principais da política peruana. De ideologias opostas, ambos criaram os primeiros partidos políticos na tentativa de solucionar os problemas sociais e econômicos do país. Mariátequi faleceu jovem e Haya de la Torre foi eleito presidente por duas vezes.

Iquitos - com uma população de 534.901 habitantes (estimativa 2022) é a quinta cidade mais populosa do Peru

  Em 1968, as Forças Armadas, lideradas pelo general Juan Velasco Alvarado, aplicaram um golpe militar contra o presidente Fernando Belaúnde. O novo regime levou a cabo reformas radicais para fomentar o desenvolvimento, mas não obteve apoio generalizado. Em 1975, Velasco foi substituído pelo general Francisco Morales Bermúdez, que paralisou as reformas e supervisionou o restabelecimento da democracia.

  Durante os anos 1980, o Peru enfrentou uma forte crise econômica e social devido à falta de controle dos gastos fiscais, dívida externa considerável e aumento da inflação juntamente com um conflito armado interno, causado pela insurreição dos grupos terroristas do Sendero Luminoso e do Movimento Revolucionário Túpac Amaru, de inspiração socialista, que buscavam tomar o poder através da luta armada. O terrorismo obteve uma resposta repressiva das Forças Armadas, da Primeira Polícia e do Exército. Os combates entre os dois lados mataram cerca de 70 mil pessoas, entre combatentes, camponeses e moradores da cidade.

  Nas eleições de 1980, o presidente peruano Fernando Belaúnde Terry foi eleito num quadro de forte diluição dos votos. Uma das primeiras ações dele foi a restituição de vários jornais aos seus respectivos donos. Deste modo, a liberdade de expressão assumiu importante papel. Gradualmente, ele tentou desfazer alguns dos efeitos mais radicais da reforma agrária iniciados por Velasco, e inverteu a posição independente que a ditadura de Velasco teve com os Estados Unidos.

Áreas do Peru nas quais o Sendero Luminoso teve influência

  O segundo governo de Belaúnde foi marcado pelo apoio incondicional à Argentina durante a Guerra das Malvinas contra a Inglaterra em 1982. Belaúnde declarou que "o Peru estava pronto para a poiar a Argentina com todos os recursos possíveis". Isto incluiu várias aeronaves e militares da Força Aérea Peruana, como também navios e médicos. Belaúnde propôs um acordo de paz entre os dois países, mas o governo britânico rejeitou o acordo e lançou um ataque a um cruzador argentino que transportava tropas para o continente, longe da zona de exclusão naval designada pelos britânicos para as Ilhas Malvinas. Diante do apoio do Chile à Inglaterra, Belaúnde pediu a unidade latino-americana.

  Os problemas econômicos ocorridos no governo militar, pioraram por causa do El Niño, em 1982/83, que causaram inundação em algumas partes do país e estiagem em outras, dizimando cardumes de peixe marinho, um dos principais recursos do país. Depois de um começo promissor, a popularidade de Belaúnde diminuiu drasticamente devido ao aumento da inflação, a queda da economia e ao aumento do terrorismo.

  Em 1985, a Aliança Revolucionária Popular Americana (APRA) ganhou a eleição presidencial, elegendo Alan García para o governo. A transferência da presidência de Belaúnde para García, no dia 28 de julho de 1985, foi a primeira ocorrida no Peru democrático em 40 anos.

Piura - com uma população de 486.787 habitantes (estimativa 2022) é a sexta cidade mais populosa do Peru

  Pela primeira vez na história da APRA, o partido alcançou a maioria no Parlamento, e Alan García começou sua administração com esperanças com um futuro melhor. O governo de García foi marcado por picos de hiperinflação, chegando a 7.649% em 1990, acumulando 2.200.200% entre julho de 1985 e julho de 1990, desestabilizando a economia peruana.

  Devido à inflação, a moeda corrente peruana, o Sol, foi substituído pelo Inti em 1985, e este pelo Sol Novo, em julho de 1991. Durante a administração de García, a renda per capita dos peruanos caiu para 720 dólares e o Produto Interno Bruto (PIB) caiu 20%. Ao final do seu governo, as reservas nacionais estavam em um saldo negativo de 90 milhões de dólares.

  A turbulência econômica provocou tensões sociais no Peru e em parte contribuiu para o crescimento do movimento rebelde violento. O fracasso de sua política socioeconômica obstruiu negociações pacíficas e fortaleceu a solução militar ao terrorismo crescente. O custo político se traduziu nas violações dos direitos humanos.

Cusco - com uma população de 476.019 habitantes (estimativa 2022) é a sétima cidade mais populosa do Peru

  Diante da crise na economia, com a ameaça terrorista crescente do Sendero Luminoso e alegações de corrupção oficial, os eleitores escolheram o ainda desconhecido Alberto Fujimori como presidente em 1990.

  Fujimori implementou medidas drásticas que fizeram a inflação cair de 7.650% em 1990 para 139% em 1991. A moeda foi desvalorizada em 200%, centenas de empresas públicas foram privatizadas e 300 mil empregos foram perdidos. No entanto, o balanço social continuou a ser menos positivo. A maioria da população não se beneficiou dos anos de forte crescimento. A taxa de pobreza manteve-se em cerca de 50%. A oposição enfrentou-o pelo seu esforço em diminuir a inflação, e Fujimori dissolveu o Congresso num autogolpe em 5 de abril de 1992. Ele revisou a Constituição, convocou eleições congressistas, privatizou companhias nacionais, criou um clima de investimento pacífico e administrou de forma saudável a economia.

  A administração de Fujimori estava obstinada em combater os vários grupos insurgentes, principalmente o Sendero Luminoso, o que levou a uma campanha terrorista na zona rural. Ele rechaçou os insurgentes e conseguiu suprimi-los em grande parte dos anos 1990, mas sua luta foi ofuscada por atrocidades cometidas.

Integrantes do Sendero Luminoso

  Em dezembro de 1996, um grupo de rebeldes pertencentes ao MRTA assumiu a embaixada japonesa em Lima, fazendo 72 pessoas como reféns. Comandos militares invadiram a embaixada em maio de 1997, o que resultou na morte de todos os quinze sequestradores, além de um refém e dois militares. Tempo depois, descobriu-se que o chefe de segurança de Fujimori, Vladimiro Montesinos, teria ordenado a morte de pelo menos oito rebeldes após a sua rendição.

  A decisão de Fujimori de tentar um terceiro governo, questionável do ponto de vista constitucional, e sua vitória obtida em junho de 2000, trouxeram um tumulto político e econômico. Semanas depois de assumir o cargo, um escândalo de suborno o forçou a convocar novas eleições nas quais ele não concorreria. O escândalo envolveu Vladimiro Montesinos que apareceu em uma gravação de televisão subornando um político para mudar de lado. Montesinos emergiu posteriormente como o centro de uma vasta teia de atividades ilegais, inclusive desfalques, tráfico de drogas e violações de direitos humanos cometidos durante uma guerra contra o Sendero Luminoso.

Alberto Fujimori - ex-presidente do Peru

  Após a renúncia, Fujimori exilou-se no Japão, enquanto tentava se livrar de violações de direitos humanos e corrupção lançadas pelas novas autoridades peruanas. Vladimiro Montesinos fugiu do Peru logo depois da renúncia. Autoridades venezuelanas o prenderam em Caracas em junho de 2001, e o deportaram para o Peru.

  Um governo provisório presidido por Valentín Paniagua assumiu a responsabilidade de realizar novas eleições presidenciais e parlamentares. As eleições foram realizadas em abril de 2001, que contaram com a presença de observadores que as consideraram livres e justas. Alejandro Toledo, que liderou a oposição à Fujimori, derrotou o ex-presidente Alan García.

  O novo governo eleito assumiu o poder em 28 de julho de 2001. A administração de Toledo conseguiu recuperar algum grau de democracia ao Peru após o autoritarismo e a corrupção que tanto atormentaram os governos de Fujimori e García. Inocentes julgados injustamente por tribunais militares durante a guerra contra o terrorismo (1980-2000) foram autorizados a receber novos julgamentos em tribunais civis.

Alejandro Toledo, ex-presidente do Peru

  O presidente Toledo foi forçado a fazer várias mudanças em seu gabinete, principalmente em resposta a escândalos pessoais. O governo de coalizão de Toledo era minoria no Congresso e teve que negociar de forma específica com os demais partidos para formar minorias nas propostas legislativas. A popularidade de Toledo nas votações caiu ao longo do seu mandato devido, em parte, a escândalos familiares e em parte ao descontentamento entre trabalhadores com sua parcela de benefícios do sucesso macroeconômico do Peru. Depois que a greve dos professores e produtores agrícolas levaram a bloqueios de estradas, em maio de 2003, Toledo declarou estado de emergência e suspendeu algumas liberdades civis, dando poder aos militares para restabelecer a ordem em doze regiões. O estado de emergência foi reduzido a poucas áreas de operação do Lustrando Caminho.

  Em 28 de agosto de 2003, a Comissão da Verdade e da Reconciliação (CVR), encarregada de estudar as raízes da violência do período 1980-2000, apresentou seu relatório formal ao Presidente.

  Em 9 de julho de 2006, o ex-presidente Alan García venceu as eleições presidenciais do Peru. Em 28 de junho de 2011, Ollanta Humala assumiu o poder no país. Em junho de 2016, em votação apertada, Pedro Pablo Kuczynski, foi eleito presidente, sendo empossado no dia 28 do mês seguinte. Em março de 2018, Kuczynski renunciou a presidência durante um processo de impeachment, e seu primeiro vice-presidente, Martín Vizcarra assumiu o mandato. Em 30 de setembro de 2019, Vizcarra dissolveu o Congresso depois que este se negara a confiança ao primeiro-ministro Salvador del Solar. Em 9 de novembro de 2020, Vizcarra foi destituído por um processo de impeachment, similar ao que levou a renúncia de seu antecessor, sendo substituído por Manuel Merino, presidente do Congresso.

  Em 19 de julho de 2021, Pedro Castillo, esquerdista  do partido Peru Livre, professor e líder sindical, e que ficou conhecido no cenário nacional em 2017, após liderar uma greve de professores de quase três meses, exigindo aumento de salário para a categoria, foi eleito presidente do Peru, derrotando por uma pequena margem de votos a direitista Keiko Fujimori, filha do ex-presidente Alberto Fujimori.

Pedro Castillo celebra a vitória como presidente do Peru, em 19 de julho de 2021

GEOGRAFIA

   O Peru é um país tipicamente andino. Situa-se no oeste da América do Sul, nas margens do Oceano Pacífico, entre o Chile e o Equador, fazendo fronteira também com a Colômbia, o Brasil e a Bolívia.

  O território do Peru é dividido em três regiões com características naturais, econômicas e sociais distintas.

  O litoral, apesar de representar apenas 11% do território peruano, é a região onde se concentram as cidades mais importantes, como Piura, Trujillo e Lima, capital e cidade que concentra a maior parte dos habitantes do país. Nessa região, as principais atividades econômicas são a agricultura (arroz, frutas e milho) e a pesca.

  O Altiplano Andino é ocupado principalmente por indígenas e representa cerca de 27% do território do país. A população da região encontra dificuldades no acesso à educação, assistência médica e saneamento básico. As principais atividades econômicas são a agricultura de subsistência e a extração de prata, zinco, estanho e cobre, realizada por empresas que utilizam a mão de obra barata da região. Sua principal cidade é Cusco, antiga capital do Império Inca.

  A Amazônia Peruana, localizada a leste da Cordilheira dos Andes, é uma região pouco povoada e de difícil acesso. Corresponde a cerca de 62% do território peruano, porém, existem poucas e pequenas cidades, sendo a principal Iquitos; há também algumas comunidades indígenas.

Mapa físico do Peru

Relevo

  A grande barreira andina, que atravessa o continente sul-americano de norte a sul junto à costa do Pacífico, é a viga mestra da conformação geográfica do Peru. As cordilheiras que circundam a bacia do Titicaca, reúnem-se a noroeste do lago. Deste ponto partem as cadeias paralelas da cordilheira Ocidental, próxima à costa e divisória continental de águas entre o Atlântico e o Pacífico, e a cordilheira Oriental, cortada pelos profundos vales do Marañón e de seus afluentes no caminho que trilham para o Atlântico.

  Entre a cordilheira Ocidental e a costa do Pacífico, encontra-se a planície costeira, formada por sedimentos fluviais recentes e que alcança o norte do país. A leste dos Andes, estende-se a imensa bacia Amazônica.

  O ponto mais elevado do Peru é o monte Huascarán, também chamado de Nevado Huascarán, com uma altitude de 6.768 metros.

Monte Huascarán, ponto mais elevado do Peru

Clima

  A corrente de Humboldt, também chamada de corrente do Peru, desloca-se ao longo da costa peruana na direção norte, uma imensa quantidade de água fria procedente da Antártida e tem notável influência sobre o clima no país. A temperatura média da costa do Peru é de seis a oito graus mais baixa do que seria na latitude em que se encontra o território peruano.

  As precipitações são praticamente nulas na área que se estende do oceano até os primeiros contrafortes da cordilheira dos Andes, mas a costa em geral se mostra coberta, em boa parte do ano, por densos nevoeiros úmidos. Durante o verão, o sol brilha sobre Lima, porém, durante o resto do ano, a cidade fica coberta pela névoa.

  Com certa periodicidade, se forma no oceano uma contracorrente, chamada El Niño, que impele para o sul água quente da zona equatorial e empurra a corrente fria para longe da costa. A evaporação de suas águas inusitadamente quentes, produz chuvas catastróficas numa área que habitualmente aparece entre as mais secas do planeta.

  Na região andina o clima é temperado e seco, com chuvas sazonais entre 2.500 mm e 3.500 mm. Na região Amazônica, o clima é o equatorial, quente e chuvoso.

Mapa climático do Peru

Hidrografia

  O Peru apresenta dois sistemas hidrográficos. O primeiro compreende os rios que descem dos Andes para a costa do Pacífico e que, embora numerosos, não acumulam água suficiente para alcançar o mar na estação seca. Apenas dez são perenes, sendo o rio Santa o mais importante. O segundo sistema é constituído pelos dois grandes rios que formam o Amazonas: o Maroñón e o Ucayali, que se juntam a aproximadamente 200 quilômetros de Iquitos e seus numerosos afluentes.

  Entre esses afluentes que descem dos Andes pela encosta e banham a região oriental do Peru, encontram-se o Huallaga, o Urubamba e o Apurimac, que são perenes e em grande parte navegáveis. No sudeste do país, compartilhado com a vizinha Bolívia, encontra-se o lago Titicaca, localizado a 3.810 metros de altitude. Os rios que nele deságuam  são pequenos e não navegáveis. Além do Titicaca, há muitos outros lagos no Peru, como o Junín, o Paca, o Llanganuce, o Rimachi, o Sauce, entre outros.

Lago Titicaca, próximo à divisa entre o Peru e a Bolívia

Fauna e flora

  Na zona árida da costa, a vegetação, composta principalmente por cactáceas, está adaptada para atrair a umidade da atmosfera brumosa. Os vales fluviais dessa região constituem  autênticos oásis. Durante o verão, o aquecimento das águas marinhas provoca a morte do plâncton e, em consequência, o desaparecimento de grande parte dos peixes e das aves marinhas.

  A aridez da cordilheira Ocidental diminui com a altitude. Cactos, gramíneas, arbustos espinhosos e árvores crescem nas zonas altas, enquanto que nas punas - altiplanos situados a mais de 3.500 metros - dominam os pastos de gramíneas, habitats de animais bem adaptados a essas condições naturais: lhama, alpaca, guanaco e vicunha. Em altitudes superiores a 5.000 metros, só resistem os musgos, líquens e algumas ervas.

  A leste dos Andes, na Amazônia peruana, a paisagem biológica é semelhante à Amazônia brasileira, e a flora, naturalmente, dá lugar à floresta tropical, onde é possível encontrar onças, antas, ariranhas, porcos-do-mato, macacos, e uma variedade de aves e insetos.

Paisagem da Floresta Amazônica peruana

POPULAÇÃO

  O Peru é um país multiétnico formado pela combinação de diferentes grupos ao longo de mais de cinco séculos. Ameríndios habitavam o território peruano há milhares de anos antes da conquista espanhola, no século XVI.

  O gigantesco Império Inca foi facilmente derrotado por um grupo de pouco mais de duzentos espanhóis devido à sua estratificação social rígida dominada por uma estreita camada nobre, que foi facilmente substituída por outra, a serviço dos espanhóis, além da incapacidade de autodefesa típica de sociedades despóticas.

  Séculos de rígida disciplina hierárquica criaram na região incaica uma ampla camada de camponeses submissos que, por meio da mita, passaram a se submeter aos colonizadores. Este processo deu origem à população andina e, por consequência, à peruana.

  A população do Peru é constituída predominantemente de mestiços e indígenas. Há uma grande concentração de renda, embora ela tenha diminuído nas últimas décadas, e as grandes cidades, principalmente Lima, apresentam moradias precárias e um enorme contingente de subempregados. Na região metropolitana de Lima, encontra-se quase um terço da população do país.

Huancayo - com uma população de 397.929 habitantes (estimativa 2022) é a oitava cidade mais populosa do Peru

  Espanhóis e africanos, chegaram em grande número durante o domínio colonial, miscigenando com os povos indígenas. Em 1994, o Peru ratificou o direito internacional atual sobre os povos indígenas, Convenção sobre os Povos Indígenas e Tribais.

  Após a independência, houve uma gradual imigração europeia para o Peru. O país possui a maior colônia de chineses e a segunda maior comunidade de japoneses depois do Brasil na América do Sul. Os chineses chegaram na década de 1850, com uma substituição de trabalhadores escravos, e desde então se tornaram uma grande influência na sociedade peruana. Pequenos grupos de imigrantes árabes também foram para o país.

  O espanhol é a língua falada por 83,9% dos peruanos, sendo a principal língua do país. Ele coexiste com várias línguas indígenas, como o quechua, que é falada por 13,2% da população.

Chimbote - com uma população de 379.624 habitantes (estimativa 2022) é a nona cidade mais populosa do Peru

ECONOMIA

  A economia peruana é um reflexo da diversidade de ambientes naturais. Destaca-se o dinamismo dos setores de exploração mineral, o principal do país, e as exportações de cobre e de ouro. O setor mineral representa 54% do valor total das exortações peruanas, dirigidas principalmente para a China. Além do cobre e ouro, o país é grande produtor também de zinco, chumbo, estanho, minério de ferro, molibdênio e prata. A maioria dos recursos minerais são encontrados na área montanhosa da cordilheira dos Andes e na região costeira.

  Os principais produtos de exportação são: metais preciosos, peixes, ouro, cobre, chumbo, zinco, estanho, minério de ferro, molibdênio, prata e café. O país importa principalmente petróleo e produtos petroquímicos, além de máquinas, veículos, aparelhos de telefonia e trigo.

  A economia do Peru ressentiu-se muito nos anos 1990 com os aumentos nos preços do petróleo, mas depois voltou a crescer em 2001, com uma expressiva taxa média anual de 5,2% de 2001 a 2017.

Mapa econômico do Peru

  Outra atividade econômica importante no país é a pesca marítima, graças à corrente marítima de Humboldt.

  O principal parceiro comercial do Peru atualmente é a China, responsável pela compra de 23% do total de suas exportações. Outro importante parceiro comercial do país são os Estados Unidos.

  O turismo representa uma importante fonte de renda para o Peru, que nos anos 1990 promoveu uma construção ou modernização na sua infraestrutura turística e passou a ser um dos principais destinos turísticos da América Latina. O país tem um rico patrimônio histórico constituído pelas ruínas incas, pelas cidades coloniais e também pelas belas paisagens andinas. Atrações como as cidades de Lima e Cusco, as ruínas de Machu Picchu, a região do lago Titicaca, entre outras, atraem todos os anos milhões de turistas.

Antamina, em San Marcos, Huari, uma das maiores minas de cobre e zinco do mundo

  O Peru tem recebido um importante fluxo de turistas e de investimentos nos últimos anos. Investimentos de grupos transnacionais do turismo, associados a políticas desenvolvidas pelo governo, resultaram em melhorias da infraestrutura turística.

  Na agricultura, o país é um dos maiores produtores de abacate, mirtilo, alcachofra, aspargos, café e cacau. Destaca-se também a produção de uva, milho, abacaxi, batata, cana-de-açúcar, algodão, mandioca, frutas tropicais, entre outros.

  O país é também um dos maiores produtores de coca. O dinheiro do tráfico de cocaína alimenta as economias locais e provoca mudanças sociais, como o fumo de cocaína entre os indígenas. A agricultura da coca é uma importante fonte de renda para os camponeses, uma vez que é responsável por 48% da renda familiar líquida total na região do rio Apurimac.

A batata é o cultivo mais tradicional do Peru

  O setor de serviços representa mais da metade do PIB peruano, seguidos pela indústria transformadora, as indústrias extrativas e os impostos.

  A política econômica peruana tem variado muito ao longo das últimas décadas. O governo de Juan Velasco Alvarado (1968-1975) introduziu reformas radicais, que incluíram a reforma agrária, a expropriação das empresas estrangeiras, a introdução de um sistema de planejamento econômico e a criação de um amplo setor estatal. Estas medidas não conseguiram atingir seus objetivos de redistribuição de renda e o fim da dependência econômica com os países desenvolvidos.

  Desde 2006, o Peru vem concentrando esforços para fechar acordos de livre-comércio com outros países, como Canadá, Cingapura, Japão, Costa Rica e União Europeia, com destaque para a recente Parceria Transpacífico.

  Em 2020, o Peru ficou na posição 49º na economia mundial, com um PIB (Produto Interno Bruto) de 225,366 bilhões de dólares.

Tacna - com uma população de 297.367 habitantes (estimativa 2022) é a décima cidade mais populosa do Peru

ALGUNS DADOS SOBRE O PERU
NOME: República do Peru
INDEPENDÊNCIA: da Espanha
Declarada: 28 de julho de 1810
Consolidada: 9 de dezembro de 1824
Constituído: 20 de setembro de 1822
Reconhecida: 14 de agosto de 1879
CAPITAL: Lima
Catedral de Lima, capital do Peru
GENTÍLICO: peruano (a), peruviano (a)
LÍNGUA OFICIAL: espanhol
Línguas cooficiais: quíchua, aimará e outras línguas nativas
GOVERNO: República Unitária Presidencialista
LOCALIZAÇÃO: América do Sul
ÁREA: 1.285.216 km² (19º)
POPULAÇÃO (ONU - Estimativa para 2022): 33.730.206 habitantes (43°)
DENSIDADE DEMOGRÁFICA: 26,24 hab./km² (161°). Obs: a densidade demográfica, densidade populacional ou população relativa é a medida expressa pela relação entre a população total e a superfície de um determinado território.
CRESCIMENTO POPULACIONAL (ONU - Estimativa 2022): 1,15% (116°). Obs: o crescimento vegetativo, crescimento populacional ou crescimento natural é a diferença entre a taxa de natalidade e a taxa de mortalidade de uma  determinada população.
CIDADES MAIS POPULOSAS (Estimativa para 2022):
Lima: 9.946.572 habitantes
Lima - capital e maior cidade do Peru
Arequipa: 1.066.260 habitantes
Arequipa - segunda maior cidade do Peru
Trujilo: 944.463 habitantes
Trujilo - terceira maior cidade do Peru
PIB (FMI - 2020): US$ 225,366 bilhões (49º). Obs: o PIB (Produto Interno Bruto), representa a soma (em valores monetários) de todos os bens e serviços finais produzidos numa determinada região (quer sejam países, estados ou cidades), durante um período determinado (mês, trimestre, ano).
PIB PER CAPITA (FMI 2020): US$ 7.046 (83°). Obs: o PIB per capita ou renda per capita é o Produto Interno Bruto (PIB) de um determinado lugar dividido por sua população. É o valor que cada habitante receberia se toda a renda fosse distribuída igualmente entre toda a população.
Mapa-múndi mostrando a renda per capita dos países em 2019
IDH (ONU - 2020): 0,777 (79°). Obs: o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) é uma medida comparativa usada para classificar os países pelo seu grau de desenvolvimento econômico e a qualidade de vida oferecida à população. Este índice é calculado com base em dados econômicos e sociais, variando de 0 (nenhum desenvolvimento humano) a 1 (desenvolvimento humano total). Quanto mais próximo de 1, mais desenvolvido é o país. No cálculo do IDH são computados os seguintes fatores: educação (anos médios de estudos), longevidade (expectativa de vida da população) e PIB per capita. A classificação é feita dividindo os países em quatro grandes grupos: baixo (de 0,0 a 0,500), médio (de 0,501 a 0,800), elevado (de 0,801 a 0,900) e muito elevado (de 0,901 a 1,0).
Mapa-múndi representando as quatro categorias do Índice de Desenvolvimento Humano, baseado no relatório publicado em 15 de dezembro de 2020, com dados referentes a 2019
EXPECTATIVA DE VIDA (OMS - 2020): 73,72 anos (82º). Obs: a expectativa de vida refere-se ao número médio de anos para ser vivido por um grupo de pessoas nascidas no mesmo ano, se a mortalidade em cada idade se mantém constante no futuro, e é contada da maior para a menor.
Planisfério com a expectativa de vida dos países
TAXA DE NATALIDADE (ONU - 2020): 17,5/mil (111º). Obs: a taxa de natalidade é a porcentagem de nascimentos ocorridos em uma população em um determinado período de tempo para cada grupo de mil pessoas, e é classificada do maior para o menor.
Mapa com a taxa de natalidade dos países
TAXA DE MORTALIDADE (CIA World Factbook 2020): 7,6/mil (126º). Obs: a taxa de mortalidade ou coeficiente de mortalidade é um índice demográfico que reflete o número de mortes registradas, em média por mil habitantes, em uma determinada região por um período de tempo e é classificada do maior para o menor.
TAXA DE MORTALIDADE INFANTIL (CIA World Factbook - 2020): 21,5/mil (135°). Obs: a taxa de mortalidade infantil refere-se ao número de crianças que morrem no primeiro ano de vida entre mil nascidas vivas em um determinado período, e é classificada do menor para o maior.
Mapa da taxa de mortalidade infantil no mundo
TAXA DE FECUNDIDADE (CIA World Factbook 2021): 2,02 filhos/mulher (110º). Obs: a taxa de fecundidade refere-se ao número médio de filhos que a mulher teria do início ao fim do seu período reprodutivo (15 a 49 anos), e é classificada do maior para o menor.
Mapa da taxa de fecundidade de acordo com o CIA World Factbook de 2020
TAXA DE ALFABETIZAÇÃO (CIA World Factbook - 2020): 91,2% (98º). Obs: essa taxa refere-se a todas as pessoas com 15 anos ou mais que sabem ler e escrever.
Mapa da taxa de alfabetização no mundo em 2020
TAXA DE URBANIZAÇÃO (CIA World Factbook - 2020): 78,3% (49°). Obs: essa taxa refere-se a porcentagem da população que mora nas cidades em relação à população total.
Mapa da taxa de urbanização no mundo em 2020
MOEDA: Sol
RELIGIÃO: católicos romanos (81,3%), protestantes (12,5%), outras religiões (3,9%), sem religião (2,3%).
Fachada principal da Catedral de Lima e do Palácio Arquiepiscopal
DIVISÃO: o Peru é dividido em 25 regiões e pela província de Lima. As regiões do Peru são o primeiro nível de subdivisão administrativa. Desde a sua independência, em 1821, o Peru tinha sido dividido em departamentos, mas enfrentou o problema de uma crescente centralização do poder político e econômico em sua capital, Lima. Depois de várias tentativas sem sucesso de descentralização, a figura jurídica da região tornou-se oficial e os governos regionais foram eleitos para administrar os serviços em 20 de novembro de 2002 até sua fusão planejada em regiões reais.
  Sob novo acordo, os antigos 24 departamentos, além da Província de Callao, tornaram-se circunscrições regionais. A província de Lima foi excluída deste processo e não faz parte de nenhuma região. As regiões são (entre parênteses estão o nome das capitais): Amazonas (Chachapoyas), Áncash (Huaraz), Apurímac (Abancay), Arequipa (Arequipa), Ayacucho (Ayacucho), Cajamarca (Cajamarca), Callao (Callao), Cusco (Cusco), Huancavelica (Huancavelica), Huánuco (Huánuco), Ica (Ica), Junín (Huancayo), La Libertad (Trujillo), Lambayeque (Chiclayo), Lima (Huacho), Loreto (Iquitos), Madre de Dios (Puerto Maldonado), Moquegua (Moquegua), Pasco (Cerro de Pasco), Piura (Piura), Puno (Puno), San Martín (Moyobamba), Tacna (Tacna), Tumbes (Tumbes), Ucayali (Pucallpa).
Mapa do Peru com suas respectivas regiões
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

O LIBERALISMO ECONÔMICO

   Liberalismo é uma filosofia política e moral baseada na liberdade, consentimento dos governados e igualdade perante a lei. Os liberais defendem uma ampla gama de pontos de vistas, dependendo da sua compreensão desses princípios, mas em geral, apoiam ideias como governo limitado, direitos individuais, livre mercado, democracia, secularismo, igualdade de gênero, igualdade racial, internacionalismo, liberdade de expressão, liberdade de imprensa e liberdade religiosa. Amarelo é a cor política mais comumente associada com o liberalismo.

  O liberalismo começou a alcançar notoriedade durante o Iluminismo, quando se tornou popular entre filósofos e economistas. O liberalismo buscou contestar diversas normas sociais vigentes na época, como o  privilégio hereditário, Estado confessional, monarquia absolutista e o direito divino dos reis.

Charge sobre o liberalismo econômico

  As premissas do liberalismo, formuladas por Adam Smith (1723-1790), no contexto do Iluminismo, podem ser assim resumidas: defesa da propriedade privada e do individualismo econômico, liberdade de comércio, da produção e do contrato de trabalho (salários e jornada), sem controle do Estado ou pressão dos sindicatos.

  Em sua obra A riqueza das nações, Smith argumenta que a divisão do trabalho é essencial para o crescimento da produção e do mercado e que a livre concorrência forçaria o empresário a ampliar a produção, buscando novas técnicas, aumentando a qualidade do produto e baixando ao máximo os custos de produção.

  O consequente decréscimo do preço final do produto lançado no mercado segundo a lei da oferta e da procura viabilizaria o sucesso econômico geral. O Estado deveria somente zelar pela garantia da propriedade e da ordem, não lhe cabendo intervir na economia. Segundo Smith, a harmonização econômica ocorreria por meio da "mão invisível" do mercado, princípio segundo o qual a economia de livre mercado, ao permitir a busca da realização dos interesses individuais próprios de cada agente, autorregula-se, favorecendo a todos.

Adam Smith - filósofo e economista britânico nascido na Escócia, é considerado o mais importante teórico do liberalismo econômico

  No caminho aberto por Adam Smith, surgiram outros teóricos do liberalismo clássico, como David Ricardo (1772-1823), autor de Princípios da Economia política e tributação, e Thomas Malthus (1766-1834). Em sua obra Ensaio sobre o princípio da população, Malthus afirma que a natureza impõe limites ao progresso material, já que a população cresce em progressão geométrica, enquanto a produção de alimentos aumenta em progressão aritmética. Para ele, a pobreza e o sofrimento são inerentes à sociedade humana, ao passo que as guerras e as epidemias contribuem para o equilíbrio temporário entre a produção e a população. No entanto, suas previsões demográficas catastróficas não se realizaram devido ao avanço tecnológico na agricultura e na medicina.

Thomas Robert Malthus - economista britânico, matemático, sociólogo, iluminista e clérigo anglicano inglês, é considerado o pai da demografia

  A Lei dos Pobres, votada no Parlamento inglês em 1834, que determinava a centralização da assistência pública, foi reflexo das ideias de Malthus. De acordo com essa lei, os desempregados eram recolhidos às workhouses ("casas de trabalho"), onde ficavam confinados, em condições precárias, à espera de trabalho. Esse sistema, ao mesmo tempo que retirava das ruas boa parte da população miserável e a mantinha sob controle, desestimulava o crescimento populacional e fornecia mão de obra barata ou quase escrava para a indústria nascente.

  Os industriais, interessados em obter a mão de obra mais barata possível, recrutavam mulheres e crianças, algumas com idade inferior a 8 anos, que trabalhavam em troca de alojamento e comida. Em 1802, um decreto parlamentar determinou que crianças oriundas das workhouses não trabalhariam mais de 12 horas diárias. Essa lei, que foi a primeira a regular o trabalho infantil nas indústrias, foi, mais tarde, estendida a todas as crianças operárias.

David Ricardo - economista e político britânico, foi um dos mais influentes economistas clássicos ao lado de Thomas Malthus e Adam Smith

História

  A história do liberalismo abrange a maior parte dos últimos quatro séculos, começando com a Guerra Civil Inglesa (1642-1649) e continuando após o fim da Guerra Fria. O liberalismo começou como uma doutrina principal e esforço intelectual em resposta às guerras religiosas, que ocorreram na Europa durante os séculos XVI e XVII. A primeira encarnação notável da agitação liberal veio com a Revolução Americana de 1776, e do liberalismo plenamente explodiu como um movimento global contra a velha ordem durante a Revolução Francesa de 1789.

  Liberais clássicos, que em geral destacaram a importância do livre mercado e as liberdades civis, dominaram a história liberal no século após a Revolução Francesa. O início da Primeira Guerra Mundial e Grande Depressão aceleraram a tendência iniciada no final do século XIX na Grã-Bretanha para um novo liberalismo que enfatizou um maior papel para o Estado melhorar as condições sociais devastadoras. No início do século XXI, as democracias liberais e suas características fundamentais de direitos civis, liberdades individuais, sociedades pluralistas e o estado de bem-estar haviam prevalecido na maioria das regiões do mundo.

Bandeira com a cor do liberalismo

Impacto e influência

  Os elementos fundamentais da sociedade contemporânea têm raízes liberais. As primeiras ondas do liberalismo popularizaram o individualismo econômico, ao mesmo tempo que expandiam os governos constitucionais e a autoridade parlamentar. Um dos maiores triunfos liberais envolveu a substituição da natureza caprichosa dos governos monárquicos e absolutistas por um processo de tomada de decisão codificado em leis escritas. Liberais procuraram e estabeleceram uma ordem constitucional que prezava pelas liberdades individuais, como a liberdade de expressão e a de associação, um Poder Judiciário independente e o julgamento por um júri público, além da abolição dos privilégios aristocráticos.

  Essas mudanças radicais na autoridade política marcaram a transição do absolutismo para a ordem constitucional. A expansão e promoção dos mercados livres foi outra grande conquista liberal. Antes que eles pudessem estabelecer novas estruturas de mercado, os liberais tiveram que destruir as antigas estruturas do mundo, acabando com as políticas mercantilistas, monopólios reais e diversas outras restrições sobre as atividades econômicas. Tentaram, também, abolir as barreiras internas ao comércio.

Críticas e elogios

  O liberalismo atraiu críticas e apoios em sua história de diversos grupos ideológicos. O menos amigável aos objetivos do liberalismo foi o conservadorismo. Edmund Burke (1729-1797), considerado por alguns como o primeiro grande proponente do pensamento conservador moderno, o qual ofereceu uma crítica violenta da Revolução Francesa que atacava as pretensões liberais ao poder da racionalidade e à igualdade natural de todos os seres humanos.

Pintura de Edmund Burke, de aproximadamente 1767.

  A social democracia, ideologia que defende a modificação progressiva do capitalismo, surgiu no século XX e foi influenciada pelo socialismo. Porém, ao contrário do socialismo, não é coletivista nem anticapitalista. Definido de forma geral como um projeto que visa corrigir, por meio do reformismo governamental, o que considera como os defeitos intrínsecos do capitalismo, reduzindo as desigualdades.

  Outro movimento associado à democracia moderna, a democracia cristã, tem como objetivo espalhar as ideias sociais católicas, ganhando um grande número de seguidores em alguns países europeus. As primeiras raízes da democracia cristã se desenvolveram como uma reação contra a industrialização e a urbanização associado com o liberalismo laissez-faire do século XIX.

  Também existe uma corrente multipartidarista de centro que elogia o liberalismo como um componente necessário para algumas situações, podendo ser mais de esquerda, mais de direita ou mais liberal.

  Fascistas acusam o liberalismo de materialista e uma falta de valores espirituais. Em particular, o fascismo opõe-se ao liberalismo pelo seu materialismo, racionalismo, individualismo e utilitarismo. Os fascistas acreditam que a ênfase liberal na liberdade individual produz divisão nacional.

Revolução Pernambucana de 1817: movimento separatista do período de dominação portuguesa, tinha como objetivo implantar uma república liberal no Brasil

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

SMITH, Adam. A riqueza das nações: investigação sobre sua natureza e suas causas. São Paulo: Nova Cultural, 1996.

BEAUD,Michel. História do capitalismo: de 1500 aos nossos dias. 5. ed. São Paulo: Brasiliense, 2005.

HOBSBAWM, Eric. A era das revoluções: 1789-1848. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

OS CÂNIONS

  Desfiladeiro, ribanceira, riba ou cânion é uma profunda ravina (acidente geográfico ocasionado pela ação de córregos e enxurradas), formada entre escarpas ou falésias, é a paisagem mais frequente esculpida pela atividade erosiva de um rio em escalas de tempo geológicas, em particular em regiões onde as camadas de rochas sedimentares são intercaladas por camadas de rochas duras e resistentes ao intemperismo.

  O termo abrange também fendas entre dois picos de montanhas, como as cordilheiras. Normalmente, um rio ou córrego e a erosão esculpem essas diversas divisões entre as montanhas.

  A maior parte dos cânions originaram-se por um longo e lento processo de erosão fluvial e eólica denominado de voçoroca. Diferentes camadas rochosas pouco consolidadas a partir de um planalto são erodidas por um curso de água, criando uma vala. As paredes formam-se quando camadas de rochas resistentes à ação são encontradas, de modo que a água continua escavando um vale para baixo, não afetando a rocha dura. Nas rochas calcárias, estes podem adquirir o nome de cânion flúvio-cársico (garganta profunda e estreita).

Grand Canyon, Arizona, Estados Unidos

  Os cânions existem em todos os continentes, sendo paisagens belíssimas e perigosas, formando vales profundos que podem atingir até cinco quilômetros de profundidade. Geralmente, eles se encontram em áreas em que existem rios.

  Esses rios esculpem as rochas ao longo de milhões de anos, e eles podem estar em evidência ou não. Cânions que não possuem água em seus vales profundos, podem ter feito a água ir para outro lugar ou simplesmente ter feito a nascente desaparecer com as mudanças provocadas pelos agentes externos modificadores do relevo.

  Os cânions são vales muito profundos com os lados íngremes, bem verticalizados. Essa profundidade, em alguns deles, pode atingir até cinco quilômetros, o que torna um cânion impressionante e altamente perigoso.

  Em seus vales, podem haver rios, grandes responsáveis pela existência dos vales, mas que não esculpem a paisagem sozinhos. Esses vales são depressões relativas que, ao longo de sua extensão, formam enormes paredões rochosos formados há milhões de anos.

Cânions de Furnas, em Capitólio - MG

  A formação de um cânion ainda é um grande mistério para a geologia. A profundidade de um cânion pode ser obtida por meio de processos erosivos que levam centenas de milhões de anos, sendo uma das maravilhas produzidas pelo tempo geológico.

  As hipóteses sobre a formação dos cânions giram em torno das movimentações das placas tectônicas e do soerguimento de determinadas áreas. Quando há esse soerguimento, as águas que passam entre as áreas levantadas ganham mais espaço e declividade para seguir seu curso, o que acentua o processo erosivo. Durante milhões de anos, o curso d'água, associado com as erosões eólica e pluvial, transformam o relevo em uma grande depressão, com paredões verticais do lado.

  Por meio dos soerguimentos dos terrenos, os rios vão ganhando velocidade e aprofundando seus leitos, pois há declínio em seu curso. Com isso, os paredões vão ganhando altura, e os vales atingem grandes profundidades.

  Há casos de rios que secam depois de milhares de anos, tornando o cânion uma formação rochosa, com paredões íngremes e vales sem curso d'água, apenas com o rastro do rio.

Cânion da Cachoeira dos Fundões, em Carnaúba dos Dantas - RN

  Em sua maioria, os cânions possuem características impressionantes, mostrando sua gigantesca formação, se compararmos com outras paisagens. São formas de relevo moldadas com a ajuda de fatores externos (processos erosivos) e internos (tectonismo) de modificação.

  Ao observarmos um cânion, vemos as camadas rochosas sobrepostas umas às outras, o que pode indicar a "idade" do local. Cada extrato rochoso indica uma época geológica em que tais rochas foram depositadas e/ou transportadas pelos fatores externos, como rios e ventos.

  Os vales de um cânion são áreas de baixa pressão atmosférica, o que pode indicar a presença de ventos, nuvens e neblinas. Em muitos cânions, é comum a presença de neblinas nos seus picos mais extremos, tornando-o belo e assustador ao mesmo tempo.

Cânion do Xingó, no rio São Francisco, entre os estados de Alagoas e Sergipe

  Há cânions submarinos, como uma espécie de prolongamento do curso de um rio no fundo do mar. Esses cânions possuem o processo de formação parecido com os cânions continentais, porém, com a diferença de estarem submersos.

  Muitos cânions possuem rios sinuosos, cheios de meandros (curvas). Seus paredões rochosos são ideais para a prática de caminhadas, escaladas e fotografias belíssimas, mostrando uma paisagem fascinante. Porém, deve se ter muito cuidado e sempre estar acompanhado de um guia que conheça bem a área onde o cânion se localiza.

Cânion Itaimbezinho, em Cambará do Sul - RS

O acidente no Cânion Furnas, em Capitólio - MG

  A cidade de Capitólio, Minas Gerais, foi palco de um triste episódio envolvendo a queda de uma rocha no cânion da cachoeira de Furnas, no dia 8 de janeiro de 2022, deixando vários mortos e dezenas de feridos, após uma estrutura rochosa desabar sobre embarcações com turistas.

  O estado de Minas Gerais está sendo atingido por fortes temporais desde o fim de 2021, e a Defesa Civil do Estado alertou que poderia ocorrer uma grande enxurrada e que as pessoas deveriam evitar cachoeiras no período de chuvas.

  O lago de Furnas, conhecido como "Mar de Minas" é bastante frequentado por turistas das mais diversas regiões do país.

  A rocha que desabou possui acamamentos e fraturamentos naturais que facilitam os desmoronamentos. Com a formação do lago de Furnas, a parte baixa do paredão rochoso que fica frequentemente em contato com a água passou a sofrer uma saturação decorrente da água e dos constantes embates de ondas, facilitando o desmoronamento. Com a grande quantidade de chuvas, ocorreu também o aumento do processo de erosão fluvial e pluvial, o que pode ter facilitado a queda da estrutura rochosa.


Vídeo mostrando a queda do paredão rochoso em Capitólio - MG. Fonte: YouTube UOL: www.uol.com.br. Acesso em 10/01/2022

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AB'SABER, A. N. 1997. O Homem dos Terraços de Xingó. Relatório de visita e pesquisa na área de Xingó (nov. de 1997). Projeto financiado pela cHESF. Doc. n. 6. Projeto Arqueológico do Xingó. Universidade Federal de Sergipe.

MAIA, R. P. & NASCIMENTO, M. A. N. 2018. Relevos Graníticos do Nordeste Brasileiro. Revista Brasileira de Geomorfologia. V. 18, nº 2.

Jornal O Tempo. https://www.otempo.com.br. Acesso em 10/01/2022

domingo, 9 de janeiro de 2022

OS PROBLEMAS SOCIAIS URBANOS

  O inchaço das cidades, provocado pelo acúmulo de pessoas, e a falta de uma infraestrutura adequada gera transtornos para a população urbana. As grandes cidades brasileiras, bem como no mundo todo, enfrentam diversos problemas, como questões de moradia, desemprego, desigualdade social, saúde, educação, violência e exclusão social.

Desigualdades e segregação socioespacial

  Em qualquer grande cidade do mundo, o espaço urbano é fragmentado, apresentando funções comerciais, financeiras, industriais, residenciais e de lazer. É comum que funções diferentes coexistam não apenas no centro, mas também é bairros que, assim, polarizam seus vizinhos. Por isso, essas cidades são policêntricas.

  Essa fragmentação, quase sempre associada a um intenso crescimento urbano, impedem que os habitantes vivenciem a cidade como um todo, pois se atêm apenas aos fragmentos que fazem parte do seu dia a dia. O lugar de moradia, trabalho, estudo ou lazer é onde se estabelecem as relações pessoais e sociais. Entretanto, em uma metrópole, tais lugares tendem a não ser coincidentes, o que provoca deslocamentos e aumento de congestionamentos. Pode-se dizer, então, que a grande cidade não é um lugar, mas um conjunto de lugares, e que os cidadãos a vivenciam parcialmente. As desigualdades sociais se materializam na paisagem urbana. Quanto mais acentuadas as disparidades de renda entre a população, maiores são as desigualdades de moradia, de acesso aos serviços públicos e, portanto, de oportunidades culturais e profissionais. Consequentemente, a segregação socioespacial, isto é, a separação das classes sociais em bairros diferentes em virtude do poder aquisitivo desigual, e os problemas urbanos são maiores também.

Favela da Rocinha, a maior favela do Brasil, em contraste com os edifícios de São Conrado, no Rio de Janeiro

  O medo da violência urbana e a busca por mais segurança e tranquilidade vêm impulsionando a criação de condomínios fechados, sobretudo nas metrópoles. Para isso, muitas pessoas de alto e médio poder aquisitivo mudam-se para esse tipo de conjunto residencial. Esse fenômeno acentua a segregação socioespacial e reduz os espaços urbanos públicos, uma vez que promove o crescimento de espaços privados e de circulação restrita. Além disso, muitos bairros, ao perderem habitantes, sofrem um processo de deterioração urbana, caso de algumas áreas do centro de grandes cidades, como São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA), Recife (PE), São Luís (MA), entre outras. Muitas prefeituras procuram revitalizar as áreas degradadas das cidades por meio de incentivos fiscais para atrair comerciantes e prestadores de serviços, o que acaba gerando outros problemas como resultado da gentrificação.

  Gentrificação é um conceito criado pela socióloga britânica Ruth Glass (1912-1990), derivado da palavra inglesa gentrification (gentry, "pequena nobreza"), para descrever transformações observadas em alguns bairros operários da cidade de Londres que se tornaram bairros nobres. Em linhas gerais, a gentrificação é a valorização de determinado espaço urbano combinada com a especulação imobiliária e tem ocorrido em muitas cidades, sobretudo em áreas centrais que antes eram desvalorizadas e que, por terem custo de vida mais baixo, abrigavam população de baixa renda.

Visão noturna da região central de Londres, Inglaterra

  Quando empresas do setor imobiliário adquirem imóveis nessas áreas com a intenção de reformá-los ou derrubá-los para a construção de novos empreendimentos, começam a pressionar o poder público a fazer reformas "modernizantes", como a abertura de avenidas, instalação de museus e equipamentos culturais, comércios elitistas, até que se torne impossível para moradores de renda mais baixa continuar arcando com os custos de vida  na região. O problema não é a revitalização de uma área antes degradada, mas a especulação imobiliária e financeira, que eleva o preço dos aluguéis e de serviços e que, na prática, efetua a substituição de uma classe social de menor poder aquisitivo por outra com mais recursos financeiros, perpetuando a segregação socioespacial ao marginalizar pessoas mais pobres em regiões periféricas e dificultando-lhes o acesso aos serviços centrais da cidade.

A gentrificação pode se dar pela chegada de novos investidores e moradores a um bairro degradado ou por pressão para obras de revitalização urbana e, consequentemente, aumento do preço dos imóveis e do custo de vida, impossibilitando que moradores que sempre viveram na região tenham condições de arcar com o aumento dos preços.

O problema da moradia

  A cidadania também se expressa nas condições materiais de vida das pessoas. E morar, ter uma casa, um lar, é um direito humano fundamental para que todos tenham segurança física e emocional. Moradia porém é um problema crônico das grandes cidades. Uma de suas causas é o êxodo populacional, pois muitas cidades de países em desenvolvimento não tiveram condições econômicas de absorver a grande quantidade de pessoas que em pouco tempo migraram da zona rural e das cidades menores, aumentando o número de desempregados. Para sobreviver, muitas pessoas se submetem ao subemprego e à economia informal. Como os rendimentos, mesmo para trabalhadores da economia formal, em geral são baixos,  muitos não têm condições de arcar com os altos custos de aquisição de um imóvel ou do aluguel de residências confortáveis e bem localizadas no território municipal, áreas que justamente são as mais valorizadas e, portanto, mais caras. A saída que encontram é partir em busca de imóveis com preços mais baixos na periferia distante, onde a rede comercial e de serviços públicos, como escolas, postos de saúde, equipamentos de lazer e cultura, tende a ser menor ou até ausente, e menos servida pelo sistema de transporte, o que impacta a vida pessoal cotidiana com a perda de horas no ir e vir do trabalho. Ou se veem impelidos a habitar imóveis em condições inadequadas, como os cortiços, ou a formar favelas ou outros tipos de aglomerado subnormal, porém em áreas centrais. Essa é a face mais visível do crescimento desordenado das cidades e da segregação socioespacial.

Favela Dharavi, em Mumbai (antiga Bombaim), Índia, uma das maiores do mundo. Na cidade, 55% da população  vivem em favelas, que cobrem apenas 6% de seu território. A taxa de crescimento  das favelas de Mumbai é maior que a taxa de crescimento urbano geral da cidade.

  De acordo com o Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (agência da ONU sediada em Nairóbi, Quênia, mais conhecida como UN-Habitat), uma ou mais das seguintes características definem um assentamento urbano precário, que o IBGE denomina aglomerado subnormal.

  • Ocupação irregular: as pessoas ocupam terrenos dos quais não possuem título de propriedade.
  • Condições inseguras de habitação.
  • Baixa qualidade estrutural das construções e moradias apertadas e superlotadas.
  • Acesso inadequado e saneamento básico - água potável e tratamento de esgoto - e as demais infraestruturas.

Comunidade Beira Rio, em Recife (PE). Ao fundo, nós temos o RioMar Shopping, o maior do Brasil fora do eixo Rio-São Paulo

  Os governos têm grande parcela de responsabilidade nesse processo, pois não implantaram políticas públicas adequadas, sobretudo no setor habitacional, para enfrentar o problema. Nos países em que políticas públicas foram adequadas, paralelamente ao aumento da oferta de empregos e à elevação da renda e da qualidade de vida, as moradias precárias foram bastante reduzidas ou até mesmo erradicadas.

  Um dos melhores exemplos é Cingapura. De acordo com o Banco Mundial, em 1965, quando o país se tornou independente, 70% de sua população vivia em condições muito precárias: a renda per capita era de 2.700 dólares ao ano, e o desemprego atingia 14% da População Economicamente Ativa (PEA). Após cinco décadas de elevados investimentos públicos em habitação, em infraestrutura urbana e em serviços públicos de qualidade, houve crescimento econômico sustentado, elevação e melhor distribuição de renda, erradicação das submoradias e, consequentemente, melhoria da qualidade de vida da população. Em 2019, segundo o Banco Mundial, Cingapura tinha uma renda per capita de 65.233 dólares, e o desemprego atingia 3,8% da PEA masculina e 4,3% da feminina.

Edifícios residenciais construídos pelo Estado no distrito de Toa Payoh, Cingapura

  A carência de habitações seguras e confortáveis é um problema mundial, mas principalmente nos países em desenvolvimento. Segundo a UN-Habitat, o percentual de pessoas que vivem em assentamentos precários caiu de 46% da população mundial em 1990 para 23% da população urbana mundial em 2014. Ainda é um número muito alto, uma vez que corresponde a quase 1 bilhão de pessoas. O Leste da Ásia é a região com o maior número absoluto de submoradias. Embora a China e a Índia tenham reduzido significativamente a quantidade de pessoas que vivem em moradias precárias, ainda são os países que apresentam os maiores números absolutos. Esses dois países detêm cerca de 36% da população mundial. O Brasil é o quarto país com o maior contingente de moradores em aglomerações subnormais. O maior número relativo de moradores em assentamentos precários aparece na África Subsaariana. Na Nigéria, país com o maior número de habitantes em submoradias nessa região, o percentual de pessoas que vivem em habitações precárias chega à metade da população urbana. Nesse subcontinente há países com percentual bem mais altos, como a República Centro-Africana, onde 93% da população vive em favelas.

Barracos de uma favela em Jacarta, Indonésia

  Na tentativa de encaminhar soluções para diversos problemas urbanos, entre os quais os assentamentos precários, foi realizada em Istambul, na Turquia, em 1996, a Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos - Habitat II. A primeira reunião, Habitat I, aconteceu em Vancouver, Canadá, em 1976; e a Habitat III ocorreu em Quito, Equador, em 2016.

  A Habitat II reuniu representantes dos países-membros da ONU e de diversas ONGs. Nesse encontro, ficou decidido que os governos deveriam criar condições para que o acesso à moradia segura, habitável, salubre e sustentável fosse universalizado. Diversos governos, porém, entre os quais os Estados Unidos e o Brasil, foram contra a proposta de que a habitação fosse considerada um direito universal do cidadão e, portanto, garantida pelo Estado, para não serem cobrados judicialmente pela não garantia desse direito.

  Em diversas cidades do mundo, tanto nos países em desenvolvimento quanto nos desenvolvidos, pessoas sem-teto se organizam para lutar pelo direito à moradia urbana adequada e por melhores condições de vida. Uma ou outra dessas organizações tem atuação nacional, mas a maioria delas atua localmente. Há também organizações com atuação internacional, como a TETO (ou TECHO, em espanhol), organização não-governamental (ONG) criado em 1997, no Chile, que atua em quase toda a América Latina.

Favela em Cuautepec, Cidade do México

REFERÊNCIAS BIBLIOGRFICAS

HARVEY, David. Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo: Martins Fontes, 2014.

LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. 5. ed. São Paulo: Centauro, 2009.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

AS CONCEPÇÕES DE TRABALHO

   O trabalho é o fator de produção mais importante. Usualmente, os economistas medem o trabalho em termos de horas dedicadas (tempo), salário ou eficiência.

  O trabalho é a essência do homem. O que distingue o homem dos animais é a sua consciência e a intencionalidade para o trabalho. O trabalho humano pode ser de ordem intelectual ou corporal. No trabalho humano há a liberdade de criação e de tempo.

  As ações humanas sobre a natureza redefiniram as condições necessárias à vida: a princípio, apenas alimentação e abrigo, mas, com o desenvolvimento da vida em sociedade, novas necessidades e soluções surgiram ou foram criadas. É usual denominar trabalho como as atividades humanas que visam à obtenção de algum objetivo, ou seja, que têm uma finalidade. Tais atividades partilhadas entre homens e mulheres pela sobrevivência do grupo foram se transformando ao longo de milhares de anos. A plantação já foi tarefa quase exclusiva das mulheres no alvorecer do Período Neolítico e do surgimento da agricultura, entre 12 e 10 mil anos atrás, para os povos que associavam o cultivo à fecundidade da mulher. Uma peça de roupa que hoje é resultado da aplicação do trabalho de diferentes pessoas em diferentes indústrias (uma produz o fio de algodão, outra aplica a tinturaria, outra corta e costura, outra vende, outras gerenciam todas essas etapas e outras lucram) já foi tarefa de um único trabalhador artesão nas sociedades pré-capitalistas.

Trabalhador estadunidense no começo do século XX

O conceito de trabalho

  A palavra trabalho deriva do latim tripalium ou tripalus, uma ferramenta de três pernas que imobilizava cavalos e bois para serem ferrados. Curiosamente era também o nome de um instrumento de tortura usada contra escravos e presos, que originou o verbo tripaliare, cujo primeiro significado era "torturar". Os gregos e os romanos diferenciavam o trabalho criativo (dos artistas e elites) do trabalho braçal ou penoso (escravos).

  • Trabalho criador = "Ergoni" (grego) e "Opus" (latim)
  • Trabalho braçal = "Ponosi" (grego) e "Labor" (latim)

  Nesse sentido insere-se também a antiga tradição bíblica do trabalho como castigo, ao condenar o homem comum expulso do paraíso (Adão) à labuta para ganhar o pão de cada dia ("tu comerás o teu pão, no suor do teu rosto").

  No mundo contemporâneo a atuação profissional da maioria das pessoas acontece nos setores  da indústria e, principalmente, de serviços que se caracterizam, geralmente, por grandes fábricas e escritórios.

  Porém, não podemos nos limitar a essas duas representações sobre o trabalho. Isso porque, em primeiro lugar, as áreas de atuação profissional vão muito além de fábricas e escritórios e, em segundo lugar, porque trabalho é um conceito com múltiplos sentidos e que é utilizado por diferentes áreas do conhecimento e extrapola uma atividade profissional remunerada.

  Nas Ciências da Natureza, em especial na Física, trabalho é um conceito que relaciona uma força ao deslocamento de um corpo.

  Em termos mecânicos, o trabalho é uma quantidade de energia transferida pela aplicação de uma força a um corpo que o desloca em determinada direção.

  O trabalho, para as Ciências Humanas, é a aplicação da energia de um indivíduo para a realização de uma tarefa, para a realização de um objetivo.

  Quando um agricultor manuseia uma enxada para plantar sementes que em pouco tempo vai germinar e se tornar alimentos, o trabalho realizado pode ser descrito como a energia que o lavrador transfere à enxada que resulta na força empregada no revolvimento do solo.

Para algumas ciências, como a Física, o trabalho está relacionado à força exercida por um determinado corpo

  O trabalho está presente na vida dos seres humanos desde os tempos mais remotos, seja por meio da coleta de alimentos ou da caça de animais, seja pela construção dos abrigos mais rudimentares para se proteger e ter as necessidades básicas minimamente atendidas. Diferentes sociedades criaram mitos sobre uma época em que os seres humanos não precisavam trabalhar para sobreviver. Nas sociedades ocidentais e cristãs talvez o mito mais difundido seja o de Adão e Eva.

  Nessa versão, o primeiro homem e a primeira mulher criados por Deus viviam no Paraíso: o Jardim do Éden, repleto de árvores com diversos frutos, bastando colhê-lo para se alimentar e viver. Nenhum trabalho ou esforço eram necessários para a manutenção da vida. Deus disse a Adão e Eva que eles poderiam colher os frutos que quisessem, a não ser o da árvore do conhecimento. Eva, ludibriada pela serpente, colhe e oferece a Adão o fruto dessa árvore, que ambos comem. Por descumprirem a ordem de Deus foram expulsos do Paraíso. Desde então, eles e os demais seres humanos são obrigados a "lavrar a terra de que fora tomado". "No suor do teu rosto comerás o teu pão" (Gênesis 3: 19,23).

  Dessa forma, o mito da queda relaciona o trabalho à sobrevivência dos seres humanos: se não trabalharmos, não nos alimentaremos. O trabalho responde às necessidades que são próprias da condição humana, necessidades essas ligadas à sua vida econômica.

O pecado original e a expulsão do Paraíso, de Michelangelo Buanarroti (1475-1564), 1509. Uma das obras-primas do artista, é uma das cenas do conjunto de afrescos pintados na Capela Sistina, Vaticano, sobre passagens da Bíblia, tanto do Antigo Testamento quanto do Novo Testamento

  Na Antiguidade, especialmente entre os gregos, o trabalho era majoritariamente realizado pelos escravos, sobretudo àqueles que, à época, contavam para a economia, como produção e fabricação de bens.

  Foi preciso esperar até a modernidade, com a ascensão da burguesia ao poder nas sociedades ocidentais, para que o trabalho fosse redefinido como trabalho assalariado, "trabalho pelo qual se paga", trabalho livre. Desde então, o trabalho até se revestiu de dignidade, emergindo a visão de que aquele que não trabalha é indigno, um desocupado, por vadiagem, preguiça ou acomodação.

Pintura de Gustave Boulanger (1824-1888) retratando um mercado de escravos na Grécia Antiga

O trabalho como exploração

  Qualquer que seja a visão que tenhamos sobre o trabalho (se manual ou intelectual, se dignificante ou punitivo), todas elas partem de um mesmo ponto: o trabalho envolve algum grau ou etapa de transformação da natureza ou da matéria com vistas à produção de algo que tenha alguma importância para alguém, ou que seja visto como válido pela sociedade em que está inserido.

  Na sociedade capitalista moderna, o trabalho parece algo individual, dependente apenas do indivíduo. Ele é, contudo, essencialmente social. Nenhuma empresa, nenhum empreendedor produz todos os materiais e componentes necessários para a confecção do produto que fabrica. Tomemos como exemplo uma empresa que produz celulares. Ela não produz o chip, a tela, o plástico, os circuitos: reúne todas essas peças produzidas por outras empresas a fim de fabricar o celular. Muitas vezes, nem mesmo fabrica, apenas projeta e desenvolve o produto e terceiriza a fabricação para outra empresa. Esse fato nos revela que o trabalho é configurado a partir de uma divisão social.

Fluxograma geral da desmontagem de telefones celulares e baterias com a respectiva diversidade de componentes

  No interior de uma mesmo empresa, o trabalho também é dividido em funções, que podemos separar em dois grandes grupos: os gestores e os subordinados. Esses dois grupos também estão sujeitos a novas divisões: diretores e gerentes coordenam o trabalho de mecânicos, engenheiros e pintores em uma montadora automobilística, por exemplo. Enquanto os trabalhadores produzem o produto que será vendido no mercado, gestores acompanham e coordenam o trabalho dos demais.

  Essa divisão entre grupos de acordo com diferentes funções no processo produtivo também ocorria em outras sociedades em que o trabalho estava estruturado de diferentes formas: escravos e homens livres, servos e senhores feudais, etc. São hierarquizações formadas por estratos sociais (vem do latim stratum, "camada") segundo as diferentes funções que grupos desempenham no processo produtivo.

  A sociologia busca a compreensão dessa constituição das hierarquizações e suas desigualdades, designada estratificação social, por meio do qual "vantagens e recursos tais como riqueza, poder e prestígio são distribuídos sistemática e desigualmente nas ou entre sociedades".

Pirâmide social mostrando a estratificação de uma sociedade  bastante desigual

  Uma das representações mais comuns da estratificação social é o gráfico na forma de triângulo, no qual as camadas menos favorecidas se encontram na base e as camadas de maior nível socioeconômico se encontram no topo. Mas a estratificação social não é exatamente a mesma em toda época ou em todo lugar. Os modos de organização social mudam muito de uma sociedade para outra, mas, de forma geral, podemos destacar três grandes sistemas de estratificação social: as castas, os estamentos e as classes sociais.

  O sistema de castas é uma forma de estratificação social que leva em consideração fatores como linguagem familiar, ofícios, tradições, religiosidade e uma noção cultural de pureza ou impureza de indivíduos pertencentes a determinadas famílias. Não há mobilidade social. A Índia, por exemplo, é um país de religião hinduísta marcado pela existência de castas, sendo a mais elevada os brâmanes (atividades religiosas e intelectuais) e a mais baixa os sudras (atividades serviçais); há também os párias (sem castas). Embora as castas tenham sido banidas por lei na Índia, permanecem nas relações sociais, principalmente na zona rural.

Pirâmide representando o sistema de castas. Apesar de banidas por lei, as castas ainda sobrevivem na Índia rural

  O sistema de estamentos é aquele nos quais as camadas se definem a partir das atividades desempenhadas e do status social, mas sem os aspectos religiosos nem as noções de pureza características das castas. As sociedades estamentais se distinguem ainda por seu baixo nível de mobilidade social. Diferentemente das castas, nas quais um indivíduo jamais muda sua posição na sociedade, a mudança de um estamento a outro pode acontecer, embora muito difícil. O exemplo mais tradicional de um sistema estamental é a Europa na época da Idade Média.

  O sistema de classes é aquele em que as camadas sociais se definem principalmente a partir das diferenciações de ordem econômica e no qual é possível a mobilidade social. Em um sistema de classes a desigualdade econômica está geralmente associada a uma desigualdade de capital cultural e de poder político. Desigualdade de capital cultural porque são geralmente as camadas mais ricas que têm mais acesso a bens culturais, como escolarização e outros meios de acesso à informação e ao conhecimento. Desigualdade de poder político porque geralmente também são as camadas mais altas aquelas que detêm maior capacidade de atuação nas instituições políticas.

  Na prática, em uma sociedade de classes, é raro, mas não proibido ou impossível, que apenas pela via do mercado uma pessoa que tenha nascido em uma família pobre suba na escala social e se torne um milionário, ou vice-versa. Mas há situações em que a mobilidade social pode ser significativa, como no caso da implementação de programas sociais que retirem milhões de famílias da miséria, ou de uma crise econômica que leve a um "achatamento" das classes sociais. De qualquer modo, o conceito de classes se aplica às sociedades nas quais a desigualdade social não é vista como tendo origem na natureza ou como fruto de um desígnio divino, mas como resultado das ações humanas.

Pirâmide de uma sociedade estamental durante a Idade Média

  Segundo a teoria marxista, a relação entre classes é sempre de contraposição, uma explora o trabalho da outra. Daí a frase de Karl Marx de que a história da humanidade é a "história da luta de classes". Na sociedade capitalista, na qual o trabalho assume a forma assalariada, as classes que compõem o processo produtivo são os capitalistas (ou a burguesia), que detêm os meios de produção, e os trabalhadores (ou o proletariado ou operariado), que, por não possuírem nada além do seu corpo e sua energia, vendem sua força de trabalho em troca de um salário.

  Esse processo pelo qual o trabalhador, despossuído de meios, vende sua força de trabalho resulta na alienação. A palavra alienação vem do latim alienare, "que não pertence a si". Por vender sua força de trabalho, nem a atividade realizada nem o produto que é produzido pelo trabalhador pertencem a ele.  O trabalhador não escolhe como vai trabalhar nem em que ritmo e, muitas vezes, nem sequer escolhe o que vai produzir.

  Entre a burguesia e o operariado, eixos da sociedade capitalista, existem outros grupos sociais (pequenos negócios, pequenas e médias propriedades, funcionários públicos, profissionais liberais, etc.) denominados classe média, um grupo não homogêneo e oscilante na atuação social e política, segundo a visão marxista.

  Para Marx, classe social é uma categoria histórica, como burguesia e proletariado, ligada ao desenvolvimento das sociedades, fundamental para a concepção das relações sociais com seus antagonismos.

Karl Marx (1818-1883)

  Para o sociólogo Max Weber, diferentemente de Marx, para quem o eixo analítico está na produção social e na exploração do trabalho, é o indivíduo o elemento central da explicação da realidade social. Weber toma como chave de sua análise a ação social, realizada pelo agente ou agentes.

  Assim, Weber utiliza o termo classe referindo-se às oportunidades da vida, às conquistas do que se deseja e se consegue do mercado, juntando com outras duas dimensões de desigualdade, o poder e o prestígio. "O enfoque multidimensional de Weber amplia a análise da classe, como ajuda a explicar as complexidades da posição e relações de classes, em especial se as relações são consideradas no contexto das três dimensões de desigualdade e dos fatos que a afetam".

Max Weber (1864-1920)

Trabalho em comunidades tradicionais

  No Brasil, de acordo com o Decreto n. 6.040/2007 em seu artigo 3º inciso I, Povos e Comunidades Tradicionais são "grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem  como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição". As comunidades tradicionais podem ser formadas por caboclos, indígenas, posseiros negros e até colonos de ascendência europeia. São homens e mulheres cuja identidade está ligada à terra e ao trabalho comunitário.

  Para as comunidades tradicionais, sobretudo aquelas remanescentes de quilombos, a grande questão que se coloca ainda nos dias de hoje é a obtenção oficial da propriedade da terra. Sempre houve um esforço para consolidação dos espaços ocupados por essas comunidades, haja visto que, desde 1850, com a promulgação da Lei de Terras, o governo brasileiro impediu a entrega gratuita de terras pelo Estado, forçando a compra dos lotes, reforçando o poder das elites proprietárias e praticamente impedindo o acesso à terra aos escravizados que seriam libertos décadas depois. Essa luta secular resultou na aprovação do artigo 68 no Ato das Disposições Transitórias, pela Constituição de 1988.

Mapa do Brasil mostrando as Terras Quilombolas tituladas em 2017

  Um traço marcante das comunidades tradicionais é o esforço para a manutenção de suas memórias e de seus elementos simbólicos que compõem a identidade dos grupos. Um dos elementos de manutenção das culturas tradicionais é a forma como o trabalho é desempenhado. Nele é comum o uso de recursos naturais de modo equilibrado porque há a preocupação em manter a estrutura construída para as gerações posteriores, que são, geralmente, comunidades marcadas pela economia de subsistência. Diferentemente de outras, as comunidades tradicionais consideram o território como elemento simbólico e mítico, um lugar no qual seus valores são constantemente reconstruídos em conexão com seu passado e conhecimento ancestrais, produzindo um modo de vida associativo e/ou coletivo. Ou seja, o ritmo de reprodução do modo de vida social se dá em compasso com o ritmo natural.

  Dessa forma, o trabalho mantém uma profunda interdependência com a natureza, o desejo de viver em comum, as redes de solidariedade, a partilha igualitária dos valores de uso e dos valores monetários, a posse comunitária da terra e de outras riquezas inscritas nas comunidades e a não exploração de outro indivíduo como eixo estruturante da organização social.

  Muitas vezes o termo "tradicional" pode ser compreendido, carregado de significado pejorativo que faz referência a algo ultrapassado, "atrasado", que se opõe ao que é novo e moderno. São tradições que carregam uma perspectiva de vida e visão de mundo que podem não ser compreendidas de acordo com os paradigmas da sociedade moderna, causando uma certa estranheza com relação à produção material e imaterial da vida cotidiana. No entanto, é importante salientar que as comunidades tradicionais preconizam outro modo de vida, que pode conviver em harmonia com as conquistas da modernidade e até mesmo incorporá-las para o melhoramento do seu bem-estar.

Comunidade caiçara no município de Cananeia (SP). Um exemplo de uma comunidade tradicional

REFERÊNCIAS:

BRASIL. Secretaria de Especial de Direitos Humanos (SEDH). Terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos - PNDH 3. Brasília: 2010.

ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? - Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 9ª ed. São Paulo: Editora Cortez, 2003.

MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2010.

CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. São Paulo: Brasiliense, 2017.

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