quarta-feira, 27 de outubro de 2021

A REVOLUÇÃO FRANCESA

   Em 1789, acontecia na França uma revolução que marcaria o fim da Idade Moderna e o início da Idade Contemporânea, a chamada Revolução Francesa. Essa revolução causou a queda de uma monarquia, o enfraquecimento da Igreja Católica e o fim da aristocracia, e é considerada por muitos como o marco da história francesa e mundial devido à radicalização política que o caracterizou.

  A monarquia absolutista que tinha governado a nação durante séculos entrou em colapso. A sociedade francesa passou por uma transformação, com o fim dos privilégios feudais, aristocráticos e religiosos promovidos por grupos políticos radicais, pela revolução em massa nas ruas e por camponeses no espaço rural francês. Antigos ideais da tradição e da hierarquia monárquica, aristocrática e religiosa foram derrubados pelos novos princípios de Liberté, Égalité e Fraternité (Liberdade, Igualdade e Fraternidade).

A Liberdade guiando o povo. Pintura de Delacroix

Antecedentes da Revolução

  Até o século XVIII, a França era regido pelo Absolutismo Monárquico. Com a formação dos Estados nacionais, os reis assumiram o papel que antes era da nobreza feudal na formulação de leis, na cobrança de tributos e nas funções militares. Durante o processo de centralização política, os monarcas formaram exércitos profissionais e permanentes. Além disso, criaram e instituíram impostos e uma burocracia ligada à administração do Estado, composta em grande parte de membros da nobreza, que tinham vários privilégios - como as isenções fiscais, um conjunto de leis que os beneficiavam - e acesso exclusivo aos postos elevados do exército.

  Durante o processo de consolidação do poder real, entre os séculos XVI e XVIII, o absolutismo monárquico se instalou em vários Estados da Europa Ocidental. Nesse sistema de governo, o poder real era hereditário (transmitido de pai para filho), e o monarca era considerado o representante de Deus na Terra. O apogeu do absolutismo ocorreu na França, durante o reinado de Luís XIV, que ficou conhecido como Rei Sol, entre 1643 e 1715. Esse rei associou sua figura ao próprio Estado, promovendo um grande culto à sua imagem por meio de extensa produção de pinturas, esculturas e tapeçarias, além de fomentar o uso de normas de etiqueta como distinção social, bem como a valorização de ambientes de luxo, de roupas sofisticadas e de refeições ritualizadas.

Jean-Baptiste Colbert apresentando os membros da Academia Real da Ciência para Luís XIV, pintura de Henri Testelin, 1667. Colbert foi um influente ministro de economia que coordenou a política protecionista do governo do rei Luís XIV

  No absolutismo, o monarca tratava diretamente de assuntos do Estado, exercendo grande controle sobre o comércio, as manufaturas e a máquina administrativa. O pagamento de impostos pelos trabalhadores do campo e das cidades assegurava o funcionamento de toda a estrutura do Estado. A centralização política garantiu maior controle da nobreza feudal sobre os camponeses, que continuavam em sua posição social tradicional - dependentes dos proprietários das terras nas quais trabalhavam e pagando a maior parte dos impostos.

  Os nobres se integravam ao Estado absolutista assumindo cargos e atividades em funções administrativas e burocráticas junto ao poder real. A nascente burguesia, mercantil e manufatureira, pagava por posições nos aparelhos públicos em troca de privilégios. A venda de cargos públicos foi um dos alicerces financeiros desses governos.

  Dentro da estrutura do Estado Absolutista, havia três diferentes estados, nos quais a população se enquadrava:

  • Primeiro Estado - era representado pelos bispos do Alto Clero;
  • Segundo Estado - tinha como representantes a nobreza ou a aristocracia francesa - que desempenhava funções militares (nobreza da espada) ou funções jurídicas (nobreza de toga).
  • Terceiro Estado - era representado pela burguesia, que se dividia entre membros do Baixo Clero, comerciantes, banqueiros, empresários, os sans-culottes ("sem calções"), trabalhadores urbanos e os camponeses, no qual representava cerca de 97% da população.

Figurinha mostrando como funcionava o Absolutismo Monárquico

Teóricos do absolutismo

  A partir do século XVI, foram formuladas teorias filosóficas para justificar o poder absoluto dos reis. Os pensadores que se dedicaram a essa questão refletiram sobre o Estado e a política em busca de um modelo ideal de governo.

  O florentino Nicolau Maquiavel (1469-1527) apresentou dois conceitos significativos para o pensamento político moderno: o de virtú e o de fortuna. Para o filósofo, virtú era a capacidade de escolher a melhor estratégia administrativa, enquanto fortuna remetia às circunstâncias do acesso a que os seres humanos estavam submetidos.

  Maquiavel definia virtú também como a vontade política de uma pessoa, ou seja, sua ação política. Em uma personagem política concreta (o rei, por exemplo), era a capacidade de escolher a melhor estratégia de ação para o seu governo.

  Um bom governante, era aquele que, com sabedoria, combinava virtú e fortuna, sem priorizar uma ação em detrimento da outra. Para alcançar a plenitude na política, de acordo com o florentino, os reis não poderiam estar submetidos a nenhuma instituição, nem mesmo à Igreja Católica.

Nicolau Maquiavel - filósofo, historiador, poeta, diplomata e músico de origem florentina do Renascimento, é reconhecido como o fundador do pensamento da ciência política moderna pelo fato de ter escrito sobre o Estado e o governo como realmente são, e não como deveriam ser.

  O inglês Thomas Hobbes (1588-1679), outro importante teórico do absolutismo e autor da obra Leviatã, defendia a ideia de que os seres humanos, em estado de natureza, se autodestruiriam, promovendo uma guerra de todos contra todos.

  De acordo com Hobbes, sem um governo forte, os indivíduos não respeitariam os limites necessários a uma boa convivência social. Por isso, deveria renunciar à liberdade do estado de natureza e abdicar do direito natural a tudo o que existe em nome do rei, figura capaz de manter a ordem social e a segurança nacional.

  Hobbes considerava o Estado um monstruoso aparato administrativo que, por meio de um contrato social firmado com a população, poderia resolver as questões referentes ao bem comum.

Frontispício da edição original do Leviatã ou Matéria, Palavra e Poder de um Governo Eclesiástico e Civil (1651). Escrito por Thomas Hobbes, esse livro é intitulado em referência ao Leviatã bíblico, e diz respeito à estrutura da sociedade e do governo legítimo.

O direito divino dos reis

  Para outra corrente de filósofos, a legitimação jurídica da monarquia estava assentada na religião. Esses pensadores consideravam os reis a expressão mais perfeita da autoridade delegada por Deus e, por isso, tratavam a monarquia como direito divino.

  Um dos defensores do direito divino dos reis foi o francês Jean Bodin (1530-1596). Conhecido como "procurador geral do Diabo", por perseguir manifestações consideradas heréticas, ele negava veemente a necessidade de existência do Parlamento, sustentando a ideia de que tal órgão, diante de Deus, não tinha soberania para resolver qualquer questão, principalmente se estivesse em desacordo com o rei.

  Segundo Bodin: "Nada havendo de maior sobre a terra, depois de Deus, que os príncipes soberanos e sendo por Ele estabelecidos como seus representantes para governar os outros homens, é necessário lembrar-se de sua qualidade, a fim de respeitar-lhes e reverenciar-lhes a majestade com toda a obediência, a fim de sentir e falar deles com toda a honra, pois quem despreza seu príncipe soberano, despreza a Deus, do qual é a imagem na terra."

BODIN J. Seis livros da república. In: CHEVALLIER, J.-J. As grandes obras políticas: de Maquiavel a nossos dias. 8. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1999. p. 62

  Considerando o principal teórico do pensamento da monarquia por direito divino, o bispo e teólogo francês Jacques Bossuet,  afirmava que o poder do rei emanava de Deus e, nesse sentido, o soberano era seu representante no mundo.

Jean Bodin - teórico político, jurista francês, membro do Parlamento de Paris e professor de Direito em Toulouse, é reconhecido pelos seus estudos que foram de suma importância para o avanço dos conceitos de soberania e absolutismo dos Estados.

O poder sou eu

  Na França, os reis da dinastia Bourbon, sem se apoiar na teoria do contrato social ou da natureza divina do poder, declaravam que toda autoridade emanava do soberano. Segundo o rei Luís XV:

  "É somente na minha pessoa que reside o poder soberano. [...] é somente de mim que meus tribunais recebem a sua existência e a sua autoridade; a plenitude desta autoridade, que eles não exercem senão em meu nome, permanece sempre em mim, e o seu uso nunca pode ser contra mim voltado; é unicamente a mim que pertence o Poder Legislativo, sem dependências e sem partilha; é somente por minha autoridade que os funcionários dos meus tribunais procedem, não à formação, mas ao registro, à execução da lei, e que lhes é permitido advertir-me o que é do dever de todos os úteis conselheiros; toda a ordem pública emana de mim, e os direitos e interesses da nação, de que se pretende ousar fazer um corpo separado do monarca, estão necessariamente unidos com os meus e repousam inteiramente em minhas mãos."

LUÍS XV. Resposta do rei ao Parlamento de Paris, na sua sessão de 3 de março de 1766. In: FREITAS, G. 900 textos e documentos da história. Lisboa: Plátano, 1976, p. 201.

Luís XV (1710-1774), também conhecido como Luís, o Bem Amado, Rei da França e Navarra de 1715 até sua morte, em 1774

Sociedade francesa no Antigo Regime

  Ao longo da segunda metade do século XVIII, a França se envolveu em várias guerras, como a Guerra dos Sete Anos (1756-1763) contra a Inglaterra, e o auxílio dado aos Estados Unidos na Guerra de Independência (1776). Ao mesmo tempo, a Corte absolutista francesa, que possuía um elevado custo de vida, era financiada pela Estado.

  Além disso, a França teve que enfrentar duas graves crises: uma no campo, devido às péssimas colheitas nas décadas de 1770 e 1780, o que gerou uma elevada inflação; e uma crise financeira, derivada da vida pública que se acumulava, sobretudo decorrente da falta de modernização econômica.

  No final do século XVIII, os franceses realizaram um dos mais importantes movimentos políticos da história do Ocidente: a Revolução Francesa. As críticas e as contestações  eram direcionadas à nobreza privilegiada e à política econômica conduzida pela monarquia absolutista. Os ideais defendidos pelos revolucionários - liberdade, igualdade e fraternidade - foram disseminados  no continente europeu e em outras partes do mundo.

  Na França revolucionária, difundiram-se princípios e termos até hoje utilizados nos embates políticos, como cidadania, direito natural, política liberal, nacionalismo, "esquerda" e "direita".

Foto do Parlamento da França, com os representantes da Esquerda e Direita

  No final do século XVIII, o regime político vigente na França era o absolutismo monárquico, e o rei francês concentrava todo o poder do Estado em suas mãos. A divisão da sociedade em ordens ou estados garantia à nobreza honras e privilégios hereditários, como isenção de impostos, direito à cobrança de impostos dos camponeses pelo uso da terra e direito à participação em atividades políticas e militares. Esse conjunto de características, típico da França da Idade Moderna, passou a ser chamada de Antigo Regime.

  Na organização social vigente nesse período, o primeiro estado era composto do clero, que em 1789 representava 0,5% da população francesa e se dividia em alto clero (originário da nobreza) e baixo clero (proveniente das camadas burguesas e populares); o segundo estado, constituído pela nobreza, reunia 1,5% dos franceses; e o terceiro estado, correspondente a 90% da população, que abrigava os camponeses, os operários, os profissionais liberais, os burgueses, entre outros grupos.

  Essa estrutura impedia a ascensão política dos setores burgueses, uma vez que os privilégios, as honras e os títulos estavam reservados à nobreza e ao alto clero. No decorrer dos séculos XVII e XVIII, apenas alguns juízes e altos funcionários de origem burguesa conseguiam transpor essas barreiras por meio do recebimento (ou aquisição de títulos), passando a constituir a nobreza togada.

O Terceiro-Estado carregando o Primeiro e o Segundo Estados nas costas

Crise do Antigo Regime

  Vários motivos levaram à crise do absolutismo na França. O terceiro estado - principalmente a burguesia, inspirada pelo Iluminismo - passou a contestar os privilégios que favoreciam a nobreza e o clero e constituíam entraves para sua ascensão política, econômica e social. O déficit público, já acumulado com os altos gastos do governo para sustentar os privilégios daqueles dois grupos, além da administração desordenada das províncias, foi agravado pelas despesas oriundas do apoio da França ao movimento de independência das Treze Colônias (1776-1783) contra a Grã-Bretanha.

  Os tratados de comércio e navegação, assinados pelos governos da França, dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha, da Suécia, entre outros países, para reduzir as tarifas alfandegárias desagradaram a burguesia comercial e manufatureira francesa, que associou esses acordos à queda da produção e do comércio de seus produtos. Outro problema econômico foi a crise de abastecimento, gerada por um longo período de seca e más colheitas que provocaram a queda drástica da produção de alimentos.

  A crise se agravou em 1787, quando o ministério de Luís XVI propôs uma reforma fiscal que, além de suprimir as isenções fiscais que beneficiavam nobres e clérigos, submetia todos os proprietários, nobres ou não, ao pagamento de uma subvenção territorial, ou seja, imposto sobre a propriedade da terra. Para salvaguardar seus privilégios, a nobreza e o clero recusaram a proposta. A crise financeira desdobrou-se em um desequilíbrio político e administrativo. Pressionado, o monarca convocou a assembleia dos Estados-Gerais, formada por ele e pelos deputados representantes dos três estados.

Luís XVI (1754-1793) foi acusado de ser o principal responsável pela crise ocorrida na França na década de 1780

Assembleia Nacional Constituinte

  Tão logo os Estados-Gerais reuniram-se em Versalhes, em 5 de maio de 1789, os três grupos manifestaram suas divergências sobre o sistema de votação, que tradicionalmente era feita por estado. O terceiro estado, constituído de um número maior de representantes, exigia o voto individual, o que equilibraria a representação nos Estados-Gerais de acordo com a composição da população francesa. Diante do impasse, os deputados do terceiro estado, apoiados por alguns representantes do clero, retiraram-se da reunião. Em junho, reuniram-se em uma assembleia geral permanente e juraram se manter unidos até conseguirem aprovar uma Constituição para a França que, entre outros objetivos, limitasse os poderes do rei.

  Em 9 de julho de 1789 foi proclamada a Assembleia Nacional Constituinte, composta dos seguintes representantes: 291 do primeiro estado (clero), 270 do segundo estado (nobreza) e 578 do terceiro estado. O primeiro e o segundo estados defendiam o voto orgânico (por estado), mas o terceiro estado defendia o voto inorgânico (por cabeça), pois constituía a maioria absoluta.

  Sem força política para resistir à pressão popular, Luís XVI ordenou que os deputados do primeiro e do segundo estados se unissem a ele, enquanto mobilizava tropas nas proximidades de Versalhes e Paris para submeter o terceiro estado pela força.

Encontro da Assembleia dos Estados Gerais, em 5 de maio de 1789

A tomada da Bastilha

  Em julho de 1789, as ruas de Paris foram tomadas pela população, que, revoltada com a escassez de alimentos e a pobreza em geral, protestava contra o governo. No dia 14, uma multidão invadiu a Bastilha, fortaleza utilizada como prisão política do regime absolutista, em busca de armas e munição para combater as tropas reais. Essa invasão tornou-se símbolo da queda do Antigo Regime e marcou o início do movimento revolucionário.

  A agitação popular parisiense se espalhou por outras cidades e pelo campo. Os camponeses invadiam os castelos e, em muitos casos, massacravam os moradores. Paralelamente, corriam boatos da vingança terrível que os nobres preparavam, e essas notícias criaram uma onda de pânico que se espalhou pela maioria das províncias do país entre fins de julho e princípios de agosto de 1789, época que ficou conhecida como O Grande Medo (La Grande Peur).

Queda da Bastilha, em 14 de julho de 1789, de Jean-Pierre Louis Laurent Houel

  Enquanto a revolução se espalhava pelo país, a Assembleia Constituinte preparava as medidas que formalmente destruiriam o Antigo Regime. No dia 4 de agosto, foram abolidos diversos direitos feudais. No dia dia 26, a Assembleia aprovou o confisco das terras da Igreja e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, documento fundamental para o desenvolvimento da noção moderna de cidadania e direitos humanos e que serviu de referência para a elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. Entre outros princípios, ela difundiu a concepção de os seres humanos, por sua natureza, têm direitos iguais que não dependem da decisão do reconhecimento de governantes nem de regimes.

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão

As mulheres na revolução

  As mulheres tiveram um papel de destaque durante a Revolução Francesa: participaram ativamente de várias ações, fundaram clubes políticos, apoiaram a difusão das ideias revolucionárias, influenciaram as discussões nas sessões da Assembleia, lutaram pelo direito de formar uma guarda feminina e alistaram-se no exército.

  A atuação feminina na França já era significativa nos anos que antecederam a revolução de 1789. As mulheres da burguesia organizavam os famosos "salões" em que os pensadores iluministas debatiam suas ideias. As mulheres das classes populares, por sua vez, trabalhavam em lojas e mercados, enfrentando, muitas vezes, as autoridades responsáveis por prender devedores e confiscar mercadorias. Com a tomada da Bastilha, a participação delas na cena pública aumentou.

  Em um dos episódios mais famosos da Revolução Francesa, ocorrido em outubro de 1789 e conhecido como Marcha sobre Versalhes, cerca de 7 mil mulheres caminharam de Paris até o palácio real em Versalhes com o objetivo de protestar contra o preço alto do pão e a escassez de alimentos, e também para pressionar a família real a retornar à capital.

  Empunhando lanças, machados, foices e mosquetões (arma de fogo semelhante a uma espingarda), essas mulheres invadiram o palácio real e interromperam uma sessão da Assembleia Constituinte. Diante da pressão, a família real voltou a Paris escoltada pela Guarda Nacional.

  Além de defender os ideais da revolução, as francesas reivindicaram igualdade de direitos entre homens e mulheres, pois elas não eram consideradas cidadãs, não podiam exercer cargo público nem votar ou ser votadas para o Parlamento.

Ilustração contemporânea de um Clube de Mulheres Revolucionárias, de Pierre-Étienne Lesueur  \

Da Monarquia Constitucional à proclamação da república

  Em outubro de 1789, a família real foi retirada do Palácio de Versalhes e levada para o Palácio das Tulherias, em Paris. Luís XVI, inconformado com sua situação, organizou tropas fora da França para retomar o poder. Em junho de 1791, o rei e sua família tentaram fugir da França com o apoio das monarquias da Áustria e da Prússia, mas foram detidas na comuna de Varennes e levados de volta a Paris. Em seguida, o monarca foi obrigado a jurar a Constituição de 1791 aprovada pela Assembleia Nacional Constituinte. Iniciava-se, assim, a fase da revolução conhecida como Monarquia Constitucional.

  O Estado francês passou a ser organizado em três poderes: o Executivo, exercido pelo rei, mas subordinado à Constituição; o Legislativo, formado por 745 deputados eleitos por meio do voto censitário (conquista do próprio documento); e o Judiciário, composto de juízes eleitos. A nova Constituição também aboliu alguns impostos, favorecendo o livre-comércio, estabeleceu novos tributos sobre a propriedade e instituiu o voto censitário masculino (mulheres e trabalhadores pobres eram excluídos do processo eleitoral).

Proclamação da Constituição francesa de 1791

  Após a elaboração da Carta Magna, a Assembleia Nacional Constituinte foi substituída pela Assembleia Legislativa, que reunia deputados de diferentes tendências políticas:

  • Girondinos - do francês girondin, por ter sido formado em torno de deputados do departamento de Gironda, eram os republicanos moderados e monarquistas constitucionais, que representavam os interesses da alta burguesia e da nobreza liberal. Seu violento enfrentamento com o grupo dos jacobinos, dominou os primeiros meses da Convenção Nacional.
  • Jacobinos - o termo jacobinismo ou jacobinos, é evolutivo ao longo dos tempos. Mas como expressão é, às vezes, usada na Grã-Bretanha de maneira pejorativa para políticas radicais revolucionárias de esquerda e qualquer corrente de pensamento republicana e laicista  (que rejeita a influência da Igreja na esfera pública do Estado) de extrema-esquerda, representavam a pequena e média burguesia, e defendiam a igualdade de todos perante a lei.
  • Cordeliers - mais ligados aos trabalhadores urbanos, pequenos comerciantes e artesãos, eram os franciscanos estabelecidos na França, e as propostas desse grupo eram consideradas as mais radicais, como o fim do voto censitário, a proclamação de uma república e o estabelecimento de um governo popular. Seus deputados recebiam apoio dos sans-culottes, grupos urbanos que defendiam o sufrágio universal masculino e a república. Os sans-culottes eram, principalmente, artesãos, lojistas e operários. O nome refere-se ao traje que usavam - calças compridas -, em oposição aos culottes ("calças curtas") usadas pelos nobres.
  • Planície ou Pântano - A Planície (La Plaine), O Pântano (Le Marais) e, desdenhosamente Os Sapos (Les Crapauds), era um grupo de representantes moderados da burguesia e sem posições políticas definidas. Era também, o grupo mais numeroso, com cerca de 400 deputados.
  • Feuillants - também chamados de Folietani, eram os membros de uma ordem monástica beneditina da regra de Cister, oriunda da Ordem Cisterciense, pertenciam à alta burguesia e defendiam a monarquia constitucional.

Gravura que retrata uma reunião da Assembleia Nacional Constituinte ocorrida em 4 de fevereiro de 1790

  A Assembleia Legislativa enfrentou a ameaça de intervenção estrangeira e também a profunda crise econômica, que gerava especulação financeira e inflação. Em abril de 1792, a França declarou guerra à Áustria e à Prússia. Os setores mais radicais do movimento revolucionário proclamaram a "pátria em perigo" e distribuíram armas à população de Paris para combater as forças estrangeiras.

  Em setembro, o exército popular derrotou os austríacos e prussianos na Batalha de Valmy. Acusado de colaborar com os estrangeiros, Luís XVI foi declarado traidor da pátria e levado à prisão com sua família. Foram convocadas eleições e a Assembleia Legislativa foi substituída pela Convenção Nacional. Em clima de vitória, a República foi instituída.

Detenção de Luís XVI e sua família, Varennes, 1791 (Museu da Revolução Francesa

Convenção Nacional

  Nas plenárias da Convenção, os deputados girondinos sentavam-se à direita da presidência das sessões e os deputados jacobinos sentavam-se à esquerda. Ao centro, ficavam os deputados da Planície. Daí originou-se a conotação política dos termos "esquerda" e "direita", adotado hoje para definir posições e partidos políticos.

  Coube à Convenção Nacional (1792-1794) julgar o rei Luís XVI - considerado culpado de traição à pátria e guilhotinado em 21 de janeiro de 1793 -, bem como traçar estratégias para enfrentar as coligações estrangeiras que se formaram após a morte do rei e que eram apoiadas pelos nobres emigrados.

  Inicialmente, a hegemonia na Convenção pertencia aos girondinos, interessados em conter o avanço popular, mas o governo deles foi marcado pela instabilidade decorrentes da formação de novas coalizões estrangeiras contra a França, da persistência da crise econômica e da forte oposição dos jacobinos e dos sans-culottes, que exigiam mudanças mais radicais para atender aos anseios das camadas populares.

  A Convenção instituiu um novo calendário para a França. Oficialmente introduzido em 1793, ele tinha como marco inicial o dia 21 de setembro de 1792, data da proclamação da república, e dividia-se em doze meses e trinta dias. Os meses tinham nomes relacionados aos ciclos agrícolas e da natureza.

Figura mostrando como era a divisão na Assembleia Legislativa da França

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA: FURET, François. A Revolução Francesa em debate. Bauru: Edusc, 2000

domingo, 17 de outubro de 2021

A IMIGRAÇÃO JAPONESA NO BRASIL

   A imigração japonesa para o Brasil começou em 1808, mas a maior parte chegou no decênio 1925-1935. Mudanças sociais, políticas e econômicas proporcionadas pela Era Meiji (1868-1912), associada à pequena disponibilidade de terras, foram as principais causas que levaram o governo japonês a incentivar a emigração. Entre essas causas, destacam-se o endividamento dos trabalhadores rurais, a modernização agrícola, a industrialização e a melhoria das condições sanitárias, que aumentaram a pressão demográfica no Japão.

  Após longos 52 dias em alto mar, no dia 18 de junho de 1908, o primeiro grupo de imigrantes japoneses desembarcava no Porto de Santos. À bordo do navio Kasato Maru, que saíra de Kobe, em Osaka, o grupo era composto por 165 famílias de agricultores que buscavam melhores condições de vida nas prósperas fazendas de café do oeste paulista.

Navio Kasato Maru, que trouxe os primeiros imigrantes japoneses para o Brasil

  Mais de três quartos dos imigrantes japoneses estabeleceram-se no estado de São Paulo. Na cidade de São Paulo, os imigrantes japoneses fixaram-se principalmente nos bairros de Pinheiros e da Liberdade. Nas proximidades da capital, dedicaram-se ao cultivo de hortaliças; na região de Alta Paulista (Tupã, Bastos e Marília), trabalharam no cultivo do algodão; na porção paulista do Vale do Paraíba, desenvolveram a cultura do arroz; e no Vale do Ribeira (sul do estado de São Paulo), introduziram a produção de chá.

  A Zona Bragantina, no Pará, também recebeu um número significativo de imigrantes japoneses. Nessa área, a leste de Belém, os japoneses dedicaram-se principalmente à produção de pimenta-do-reino.

Lista dos primeiros imigrantes japoneses que vieram para o Brasil

Fatores que motivaram a imigração de japoneses para o Brasil

  O Japão estava superpovoado no início do século XX. O país tinha ficado isolado do mundo durante os 265 anos do período Edo (Xogunato Tokugawa), sem guerras, epidemias trazidas do exterior ou emigração. Com as técnicas agrícolas da época, o Japão produzia apenas o alimento que consumia, sem formação de estoques para períodos difíceis. Qualquer quebra de safra agrícola causava fome generalizada.

  O fim do Xogunato Togugawa deu espaço para um intenso projeto de modernização e abertura para o exterior durante a Era Meiji. Apesar da reforma agrária, a mecanização da agricultura desempregou milhares de camponeses. Outros milhares de pequenos camponeses ficaram endividados ou perderam suas terras por não poderem pagar os altos impostos, que, na Era Meiji, passaram a ser cobrados em dinheiro, enquanto antes eram cobrados com parte da produção.

  No campo, os lavradores que não tinham tido suas terras confiscadas por falta de pagamento de impostos, mal conseguiam sustentar a família. Os camponeses sem terra foram para as principais cidades, que ficaram saturadas. As oportunidades de emprego tornaram-se cada vez mais raras, formando uma massa de trabalhadores miseráveis.

Matsuhito ou Meiji, O Grande (1862-1912)

  A política emigratória colocada em prática pelo governo japonês tinha como principal objetivo aliviar as tensões sociais devido à escassez de terras cultiváveis e endividamento dos trabalhadores rurais, permitindo assim a implementação de projetos de modernização.

  Enquanto isso, o Brasil também passava por profundas mudanças. Com o fim do tráfico negreiro, em 1850, o preço de uma pessoa escravizada aumentou e os fazendeiros passaram a contratar mão de obra imigrante europeia para suprir a falta de escravos.

  Assim, percebemos que o estímulo para trazer imigrantes ao Brasil se deu por conta do preconceito racial. Os donos dos cafezais preferiam pagar um estrangeiro branco a um trabalhador negro que já sabia realizar a tarefa.

  Com o advento da República, esta política de eliminação do africano se intensificou. Em 5 de outubro de 1892,  foi aprovada a Lei nº 97 que permitia a imigração de japoneses e chineses ao Brasil.

  A partir da década de 1880, o Japão incentivou a emigração de seus habitantes por meio de contrato com outros governos. Antes do Brasil, já havia emigração de japoneses para os Estados Unidos (principalmente para o Havaí), Peru e México. No início do século XX, também houve grandes fluxos de emigração japonesa para os territórios recém-conquistados da Coreia e de Taiwan. Praticamente todos os imigrantes que formaram grandes colônias na Coreia e Taiwan retornaram ao Japão após a Segunda Guerra Mundial.

  Em abril de 1905, chegou ao Brasil o Ministro Fukashi Sugimura, que visitou diversas localidades no Brasil, sendo bem recebido tanto pelas autoridades locais como pelo povo. O relatório produzido por Sugimura, onde foi descrito a receptividade dos brasileiros, aumentou o interesse do Japão pelo Brasil. Influenciados por este relatório e também pelas palestras proferidas pelo secretário Kumaichi Horiguchi, começaram a surgir japoneses decididos a viajar individualmente para o Brasil.

Cartaz de propaganda da imigração de japoneses para o Brasil e Peru

Chegada dos imigrantes japoneses

  Em 1908, o navio "Kasato Maru" aportou no Porto de Santos, em São Paulo, trazendo 781 japoneses. Não era permitida a vinda de solteiros, somente casados e com filhos. Os imigrantes japoneses assinavam contrato de trabalho de 3, 5 e 7 anos com os proprietários das fazendas e, em caso de descumprimento, deveriam pagar pesadas multas.

  Sem falar o idioma e sem nenhuma infraestrutura preparada para recebê-los, os imigrantes japoneses se deram conta de que haviam sido enganados. À medida que os contratos iam terminando, muitos abandonavam as fazendas de café. Já quem não queria esperar, fugiam para as cidades grandes e para outros estados, como Minas Gerais e Paraná, onde as terras tinham um preço mais acessível.

  Com paciência e determinação, os japoneses conseguiram cultivar lavouras no campo ou abrir negócios na cidade e estabilizar sua vida. Calcula-se que cerca de 190 mil japoneses vieram para o Brasil antes da Segunda Guerra Mundial.

Imigrantes japoneses indo para a colheita de café na década de 1930

Imigração japonesa na Segunda Guerra Mundial

  Durante a década de 1940, o cenário mudou. O Brasil passou a apoiar os Estados Unidos e a Inglaterra na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), enquanto o Japão lutava ao lado da Alemanha e da Itália. Quando o Brasil declarou guerra aos países do Eixo, em 1942, uma série de leis prejudicou as comunidades japonesas, como o fechamento de escolas, associações, clubes esportivos e o uso de símbolos nacionais nipônicos. Além disso, eles tiveram suas vendas prejudicadas, ficaram proibidos de se reunirem e vários imigrantes tiveram suas propriedades e bens confiscados.

  Nas assembleias estaduais se discutia a proibição da vinda do "elemento amarelo" para o país, pois este representaria um perigo para a sociedade.

  Quando a Segunda Guerra Mundial terminou, os imigrantes voltaram a receber as cartas de seus parentes que estavam no Japão e relatavam as dificuldades do país após a guerra. Para a maioria quase absoluta das famílias estabelecidas no Brasil, era o fim do sonho de retornar ao Japão. Os imigrantes se convenceram, então, da necessidade de preparar os filhos para ascender na sociedade brasileira. Para isso, boa parte dos nipo-brasileiros foram do campo para a cidade.

Família de imigrantes japoneses

  O forte antiniponismo continuou no Brasil após a Segunda Guerra Mundial. Nesta época, surgiu a Shindo Renmei,  uma organização terrorista formada por nipo-brasileiros que assassinava os nipo-brasileiros que acreditavam na derrota japonesa. Os assassinatos cometidos pela Shindo Renmei e o sentimento antinipônico da época, causaram vários conflitos violentos entre brasileiros e nipo-brasileiros.

  Por causa de alguns acontecimentos ocorridos após o assassinato do caminhoneiro Pascoal de Oliveira, pelo caminhoneiro japonês Kababe Massame, após uma discussão, em julho de 1946, a população de Osvaldo Cruz, interior de São Paulo, que já estava irritada com os dois assassinatos da Shindo Renmei na cidade, saiu às ruas e invadiu casas disposta a maltratar os japoneses. O linchamento dos japoneses só foi totalmente controlado com a intervenção de um destacamento do Exército, vindo de Tupã.

  A partir dos anos 1980, ocorreu uma inversão do fluxo migratório entre o Brasil e o Japão. Os nipo-descendentes e seus cônjuges, com ou sem ascendência japonesa, e seus filhos mestiços ou não, passaram a emigrar para o Japão à procura de melhores oportunidades de trabalho. Estes emigrantes brasileiros são conhecidos como dekasseguis.

Imigrantes japoneses cuidando da plantação de café

Influência cultural japonesa no Brasil

  Uma das contribuições da colônia japonesa no desenvolvimento brasileiro é o campo das artes plásticas, onde a arte dos nipo-brasileiros chega a ser denominada "escola nipo-brasileira". A constância dos nipo-brasileiros em participar dos salões, exposições e eventos foi decisivo para chamar a atenção e manter contatos entre os artistas.

  No final da década de 1970, os nipo-brasileiros tinham uma situação diferente no que se diz em matéria de interação, situação contrária se comparada aos tempos da Segunda Guerra Mundial, quando eram vistos com desconfiança pela população e pelo governo.

  O Bairro da Liberdade, na cidade de São Paulo, representa um exemplo da influência japonesa no Brasil, com vários pórticos vermelhos de templos xintoístas. Restaurantes de yakisoba, sushi e sashimi, estabelecimentos de karaokê e supermercados nos quais se pode comprar o natto e vários tipos de molho de soja. Até mesmo o drinque brasileiro mais famoso, a caipirinha, ganhou uma versão japonesa com saquê: a sakerinha.

Típicos postes de iluminação com luminárias japonesas instaladas nas ruas do Bairro da Liberdade, em São Paulo - SP

  Os imigrantes japoneses aperfeiçoaram as técnicas agrícolas e de pesca dos brasileiros. Ajudaram na difusão de técnicas de produção de alimentos através da hidroponia e da plasticultura. É notável o seu trabalho na aclimatação ou desenvolvimento de vários tipos de frutas e vegetais antes desconhecidos no Brasil, no qual os japoneses trouxeram mais de 50 tipos de alimentos, entre os quais o caqui, a maçã-fuji, a mexerica-poncã e o morango. Como consequência, os estados que receberam os imigrantes tiveram um aumento na renda e elevação do PIB. Com a oferta de novos alimentos, eles mudaram os hábitos alimentares dos brasileiros, introduzindo vários produtos que não faziam parte da dieta nacional.

  Além das novas tecnologias na área agrícola desenvolvida pelos imigrantes japoneses, outra característica dos agricultores nipo-brasileiros foi a do cooperativismo. Graças ao modo de produção desenvolvido pelos imigrantes, foram instalados cinturões verdes próximos aos principais centros urbanos, garantindo autossuficiência em verduras, legumes, frutas e produtos animais, como ovos e frangos. A mentalidade associativista, deu origem às grandes cooperativas agropecuárias que serviram de modelo para várias iniciativas de organização do mercado. Outra contribuição trazida pelos agricultores japoneses foi a técnica inovadora da agricultura intensiva, resultado de técnicas de plantio desenvolvidas no Japão, já que esse país, devido à falta de espaço, produzia-se grande quantidade em áreas pequenas, diferentemente do que era produzido no Brasil, que tinha como base a produção em latifúndios.

Armazém japonês em São Paulo, em 1940

  A fruticultura, anteriormente restrita às propriedades próximas aos centros consumidores, com a influência dos imigrantes, expandiu-se para as diferentes cidades do interior do estado de São Paulo e outros estados brasileiros, havendo o emprego das mais avançadas tecnologias.

  Pelo fato de o Brasil ser um país tropical, técnicos e agrônomos brasileiros não acreditavam que fosse possível produzir maçã no território brasileiro, sendo que o país importava a fruta da Argentina, até que o agrônomo japonês Kenshi Ushirozawa demonstrou ser possível produzir maçã em Santa Catarina com qualidade superior à importada do país vizinho. Com base na experiência catarinense, a Cooperativa Agrícola de Cotia (localizada em Cotia - SP e fundada por imigrantes japoneses em 1927), organizou a implantou um assentamento de produtores rurais no município de São Joaquim (SC), onde seus associados passaram a produzir maçãs, principalmente na variedade fuji, que logo substituíram as maçãs importadas na década de 1980. Até a década de 1970, a maior parte do melão consumido no Brasil era importado da Espanha e do Chile, mas isso mudou na década de 1980, quando as importações foram substituídas pelos melões produzidos em território brasileiro, principalmente por agricultores descendentes de imigrantes japoneses.

  Vale destacar também a introdução da pimenta-do-reino na região de Tomé-Açu, no Pará, que viria a ser chamado de "diamante negro" da Amazônia. Através dos imigrantes japoneses, Tomé-Açu tornou-se o maior produtor mundial de pimenta-do-reino.

Imigrantes japoneses no Pará, na década de 1920

  Os imigrantes japoneses também inovaram nas atividades pesqueiras desenvolvidas no Brasil, com a introdução de novas técnicas e conhecimentos de navegação, que resultaram no aumento da produção. Uma delas foi a introdução de embarcações construídas com base nas que eram utilizadas no Japão. Outra mudança foi com relação às redes de pesca, pois na época eram utilizadas no Brasil redes de algodão, que se deterioravam rapidamente. Os imigrantes banhavam as redes na água onde ferviam cascas de plantas de mangue, o que aumentava sua resistência. Outra inovação foi a montagem de aparatos para pendurar as redes, permitindo a visualização do formato e do caimento, como se estivesse no mar e, assim, eles percebiam a necessidade de eventuais reparos e a adequação do formato da malha.

  Outra introdução implementada pelos japoneses foram as boias de vidro para a flutuação e as portas de ferro para abrir a rede, desenvolvimento tecnológico que propiciou o aumento da produtividade.

Escultura em homenagem aos 100 anos da imigração japonesa, em Santos - SP

quarta-feira, 29 de setembro de 2021

A REVOLUÇÃO DE JASMIM NA TUNÍSIA

   A Revolução de Jasmim, também chamada Revolução Tunisiana de 2010-2011, é uma sucessão de manifestações insurrecionais ocorrida na Tunísia entre dezembro de 2010 e janeiro de 2011, que levou à saída do presidente da República, Zine El Abidine Ben Ali, que ocupava o cargo desde 1987.

  País de colonização francesa, que se tornou independente em 1956, a Tunísia era governada em 2010 por Zine El Albidine Ben Ali. O ditador criou um sistema no qual foi reeleito cinco vezes.

  A família de Ben Ali comandava os negócios de setores estratégicos do país, como o turismo, que nos últimos anos foi uma aposta do governo. Entretanto, oferecer suas belezas naturais e seu patrimônio histórico à visita de turistas como forma de gerar riqueza causou desconforto entre a população. Muita gente começou a questionar essas ações, dando origem a mais uma fonte de insatisfação contra o governo de Ben Ali, que era acusado de ser antidemocrático e corrupto.

Zine El Abidine Ben Ali (1936-2019) - ditador e ex-presidente da Tunísia

  Em 18 de dezembro de 2010, um jovem chamado Mohamed Buazizi ateou fogo ao próprio corpo como forma de protesto contra a corrupção policial. Buazizi tinha uma barraca de frutas, que foi confiscada pela polícia porque o jovem se recusou a pagar propina. A ação do jovem foi o estopim para que começasse uma onda de protestos pelo país.

  Os protestos na Tunísia prosseguiram ao longo de janeiro de 2011, estimulados por um excessivo aumento dos preços dos alimentos básicos, que veio a aumentar a insatisfação popular diante do elevado desemprego, das más condições de vida da maior parte da população tunisiana e da corrupção do governo.

  O presidente Zine el-Abidine Ben Ali, no poder há 24 anos, exigiu a cessação de disparos indiscriminados das forças de segurança contra os manifestantes e afirmou que deixaria o poder em 2014, prometendo também liberdade de imprensa para todos os meios de comunicação, incluindo a internet.

  O povo se reuniu em diversas situações nas ruas, com presença maciça dos jovens, até que, em 14 de janeiro de 2011, Ben Ali fugiu da Tunísia para a Arábia Saudita. Os vários enfrentamentos com a polícia do governo deram resultado positivo para os manifestantes. Como as manifestações foram muito bem-sucedidas e duraram menos de um mês, esse movimento popular contra o governo de Ben Ali foi chamado de Revolução de Jasmim; era a primeira "flor que brotava" da Primavera Árabe.

Manifestantes antigoverno agitando a Bandeira da Tunísia, em 23 de janeiro de 2011

  Logo após a saída do presidente Ben Ali, foi formado um novo governo de transição até a posse de outros dirigentes eleitos. O Conselho Constitucional da Tunísia designou o presidente do Parlamento, Fouad Mebazaâ, como Presidente da República de forma interina, com base no artigo 57 da Constituição do país. Essa nomeação e a constituição de um novo governo dirigido pelo primeiro-ministro demissionário Mohamed Ghannouchi não resolveram a crise. O controle de oito ministérios pelo partido de Ben Ali, o Rassemblement Constitutionnel Démocratique, é contestado pelo oposição e pelos manifestantes.

  Em 27 de janeiro, sob a pressão popular e sindical, um novo governo, sem os caciques do antigo regime, é anunciado pelo primeiro-ministro Ghannouchi, mantido na função. As manifestações e a violência continuaram após essa data. O povo tunisiano pressionou por mudanças políticas e sociais mais amplas. O premier Ghannouchi anunciou sua demissão em 27 de fevereiro de 2011. Um Tribunal de Túnis proibiu a atuação do antigo partido governante e confiscou todos os seus recursos. Um decreto do Ministro do Interior proibiu também a "polícia política", que eram forças especiais usadas para intimidar e perseguir ativistas políticos durante o regime de Ben Ali.

  A Tunísia é vista pela comunidade internacional como o único caso de sucesso da Primavera Árabe. Eleições foram realizadas e as tensões entre as forças islâmicas e laicas não se converteram em um confronto armado graças ao papel de mediação da sociedade civil que, por isso, obteve o Nobel da Paz em 2015.

14 de janeiro de 2011: com barricadas e incêndios, manifestantes tentam impedir a passagem da polícia

  A tragédia pessoal de Pingas desencadeou os protestos que acabaram por provocar uma onda revolucionária que envolveu toda a Tunísia e espalhou-se pelo Mundo Árabe, do Norte da África ao Oriente Médio, alastrando-se por Egito, Líbia, Argélia, Bahrein, Iêmen, Marrocos, Jordânia e Síria, países que, durante décadas, viveram sob ditaduras - muitas das quais apoiadas pelo Ocidente, embora acusadas de violações constantes dos direitos humanos e de impor severas restrições da liberdade de expressão. Além disso, as populações desses países têm convivido com altos índices de desemprego e pobreza apesar de as elites dirigentes acumularem fortunas.

Mapa com os países que enfrentaram os protestos da Primavera Árabe

terça-feira, 28 de setembro de 2021

PRESENÇA AFRICANA NO BRASIL

   Presente em diversas civilizações ao longo da história, a escravidão é uma das modalidades mais antigas de exploração do homem pelo homem. No Egito, na Grécia Clássica ou no Império Romano, boa parte das atividades produtivas era desenvolvida através do uso de escravos, normalmente obtidos a partir da detenção de inimigos de guerra. Com o passar dos anos, o trabalho escravo pôde ser observado em tantas outras sociedades, adquirindo características específicas de seu tempo.

   No período colonial da América portuguesa, o continente africano se caracterizava pela enorme riqueza e diversidade cultural, contando com a presença de variados povos, reinos, impérios, cidades dinâmicas e populosas, portos movimentados e intensos fluxos comerciais, além de considerável desenvolvimento técnico e do uso da escrita em algumas sociedades.

  Nos reinos africanos, desde a Antiguidade, pessoas eram escravizadas e vendidas para mercados da Europa e da Ásia em decorrência de guerras entre distintas etnias. Em geral, tornavam-se cativas as pessoas aprisionadas em guerras, as que cometiam crimes ou as que não conseguiam pagar suas dívidas.

Pintura de Gustave Boulanger (1824-1888), retratando um mercado de escravos na Antiguidade

  Foi a partir do século XV, quando os europeus criaram novas rotas de comércio para as Índias, ocupando e colonizando a costa atlântica da África, que a venda de escravizados passou a ser uma atividade comercial muito lucrativa, sendo ampliada em escala intercontinental. Em troca de vários produtos, os chefes africanos forneciam seus cativos para os traficantes europeus, que os traziam para a América em navios.

  A vinda de escravizados para o Brasil atendia duas atividades principais: à nascente economia canavieira nordestina, à extração de pedras preciosas na região de Minas Gerais, à economia cafeeira no século XIX e ao próprio tráfico, muito lucrativo para as potências europeias. Por vários séculos, o trabalho dos escravizados sustentou a economia colonial no Brasil.

  Entretanto, o trabalho escravo não se fazia presente somente nessas grandes atividades. As casas das famílias coloniais mais abastadas, por exemplo, possuíam um bom número de serviçais, os "escravos domésticos". Havia ainda os "escravos tigres" cujas obrigações eram de extrema importância em tempos de precário saneamento básico: deveriam levar tonéis cheios de fezes das casas ao local de despejo mais próximo. Por razões óbvias, tais escravos também eram chamados de "enfezados".

  Muitos escravos gozavam de grande confiança de seus senhores. Alguns, inclusive, eram escolhidos para comercializarem seus produtos em lugares distantes do cativeiro. Conhecidos como "escravos de ganho", circulavam pelas cidades e em outros centros de comércio, exemplificando o relevante grau de autonomia que alguns escravos possuíam.

Uma família brasileira do século XIX sendo servida por escravos, pintado por Jean-Baptiste Debret

  A proveniência dos escravos percorria toda a costa oeste da África, passando por Cabo Verde, Congo, Quíloa e Zimbábue. Dividiam-se em três grupos: sudaneses, guinenos-sudaneses muçulmanos e bantus. Cada um desses grupos representava determinada região do continente e tinha um destino característicos no desenrolar do comércio.

  Os sudaneses dividiam-se em três subgrupos: iorubas, gegês e fanti-ashantis, Esse grupo tinha origem do que hoje é representado pela Nigéria, Daomei (atual Benin) e Costa do Ouro (região da costa da Guiné) e seu destino geralmente era a Bahia. Já os bantus, grupo mais numeroso, dividiam-se em dois subgrupos: angola-congoleses e moçambiques. A origem desse grupo estava ligada ao que hoje representa Angola, República Democrática do Congo (ex-Zaire) e Moçambique (correspondentes ao centro-sul do continente africano) e tinha como destino Maranhão, Pará, Pernambuco, Alagoas, Rio de Janeiro e São Paulo. Os guineanos-sudaneses muçulmanos dividiam-se em quatro subgrupos: fula, mandinga, haussas e tapas. Esse grupo tinha a mesma origem e destino dos sudaneses, a diferença estava no fato de serem convertidos ao islamismo.

  A travessia dos africanos escravizados para a América podia durar até 40 dias em embarcações superlotadas. A falta de higiene, ventilação, água e comida faziam com que muitos adoecessem. Cerca de 20% dos cativos morriam antes de chegar ao Brasil.

Mapa mostrando as principais rotas de comércio de escravos na África

Escravidão no Brasil: resistências e alternativas

  Na sociedade colonial, os brancos ocupavam a condição de proprietários de terra, camponeses, trabalhadores urbanos ou aventureiros. Mesmo desempenhando os mais diversos papéis no sistema produtivo e na hierarquia social, tinham uma característica comum: eram pessoas livres em uma sociedade movida pelo trabalho de escravizados.

  Em 1535 chegou à Salvador (BA), o primeiro navio com negros escravizados. Este é o marco do início da escravidão no Brasil, que só terminaria 353 anos depois, em 13 de maio de 1888, com a Lei Áurea.

  As primeiras pessoas a serem escravizadas na colônia foram os indígenas. Posteriormente, negros africanos seriam capturados em possessões portuguesas como Angola e Moçambique e regiões como o Reino de Daomé, e trazidos à força ao Brasil para serem escravizados.

  Entre 1551 e 1850, aportaram no Brasil aproximadamente 5,5 milhões de africanos escravizados pertencentes a diversas etnias, com costumes, religiões e línguas diferentes, vindos da Ilha de São Tomé, de Angola (pelos portos de Luanda e Benguela), da Costa da Mina (que hoje corresponde ao litoral de Gana à Nigéria) e de Moçambique. Mesmo após a proibição do tráfico de escravizados, decretada em 1850, pelo menos 6,5 mil africanos desembarcaram de navios clandestinos entre 1851 e 1855.

Quadro de Johann Moritz Rugendas (1802-1858), retratando o interior de um navio negreiro

  Os africanos começaram a chegar à colônia portuguesa da América em meados do século XVI. Os primeiros grupos de escravizados foram comprados pelos senhores de engenho da Zona da Mata nordestina. No século XVII, com a expansão da cultura canavieira, a economia escravocrata se estendeu até o Maranhão. No século XVIII, a descoberta de metais preciosos na região de Minas Gerais impulsionou ainda mais o mercado escravista.

  As condições de escravidão no Brasil eram as piores possíveis e a vida útil de uma pessoa escravizada adulta não passava de 10 anos.

  Após a sua captura na África, os seres humanos escravizados enfrentavam a perigosa travessia da África para o Brasil nos porões dos navios negreiros, onde muitos morriam antes de chegar ao destino.

  Após vendidos, passavam a trabalhar de sol a sol, recebendo uma alimentação de péssima qualidade, vestindo trapos e habitando as senzalas. Normalmente, tratava-se de locais escuros, úmidos e com pouca higiene, adaptado para evitar fugas.

  Errar não era permitido e poderia ser punível com castigos dolorosos. Eram proibidos de professar sua fé ou de realizar suas festas e rituais, tendo que fazer isso às escondidas. Afinal, a maioria das pessoas escravizadas vinham da África já batizadas e era suposto que abraçassem a fé católica. Daí surge o sincretismo que verificamos no Candomblé praticado no Brasil.

  As mulheres negras eram exploradas sexualmente e usadas como mão de obra para trabalhos domésticos. Não era incomum que as mulheres escravizadas recorressem ao aborto para impedir que seus filhos não tivessem a mesma sorte.

Mercado de escravos no Recife, pelo desenhista alemão Zacharias Wagner (entre 1637 e 1644). Pernambuco foi o berço da escravidão indígena e africana no Brasil

  Desde os primeiros tempos da colonização, os escravizados protagonizaram inúmeros episódios de rebelião na forma de insubmissão, violência contra os feitores e fuga para os sertões para resistir à escravidão e aos maus-tratos. Quando fugiam, os capitães do mato perseguiam as pessoas escravizadas. A maior parte dos rebelados era recapturada, mas muitos conseguiam escapar e refugiar-se em quilombos. A obtenção da liberdade só era conseguida quando escapavam para os quilombos ou quando conseguiam comprar a carta de alforria.

  As comunidades quilombolas se formaram a partir de variadas situações de resistência territorial, social e cultural.

  Atualmente, as comunidades remanescentes de quilombolas lutam pela regularização de seus territórios. Apesar de a Constituição Federal de 1988 garantir o direito à terra, a entrega de títulos tem demorado a acontecer. Por essa razão, as comunidades enfrentam diversos conflitos para garantir a permanência de seus integrantes nas terras que já ocupam historicamente.

  Após a abolição da escravatura, uma quantidade muito reduzida de libertos conseguiu comprar terras ou as recebeu como pagamento por prestação de serviços ou por doações, e conseguiu formar grupos que mantiveram e reproduziram seu modo de vida. A grande maioria dos negros libertos, no entanto, fixou-se nas áreas periféricas das cidades brasileiras.

Quadro de 1824 do pintor inglês Edward Francis Finden, retratando um mercado de escravos no Rio de Janeiro

domingo, 19 de setembro de 2021

OS ATAQUES TERRORISTAS

  Terrorismo é o uso da violência, física ou psicológica, por meio de ataques localizados a elementos ou instalações de um governo ou da população governada, de modo a incutir medo, pânico e, assim, obter efeitos psicológicos que ultrapassem largamente o círculo das vítimas, incluindo o restante da população do território. É utilizado por uma grande gama de instituições como forma de alcançar seus objetivos, como organizações políticas, grupos separatistas e até por governos no poder.

  O terrorismo originou-se no século I d.C., quando um grupo de judeus radicais, chamados de sicários (Homens de Punhal), atacavam cidadãos judeus e não judeus que eram considerados a favor do domínio romano. Nessa época também havia uma grande perseguição aos cristãos pelo Império Romano, que praticava práticas terroristas para acusar os cristãos de tais crimes. Outros indícios que confirmam as origens remotas do terrorismo são os registros da existência de uma seita muçulmana, no final do século XI d.C., que se dedicou a exterminar seus inimigos no Oriente Médio. Dessa seita teria surgido a origem da palavra "assassino". Mas foi no século XXI que ele se acentuou e que o discurso terrorista virou assunto recorrente na mídia Ocidental.

Cristãos sendo usados como tochas humanas, na perseguição sob Nero, por Henry Siemiradzki. Museu Nacional, Cracóvia, Polônia, 1876.

Terrorismo moderno

  O terrorismo moderno tem sua origem no século XIX no contexto europeu, quando grupos anarquistas viam no Estado seu principal inimigo. A principal ação terrorista naquele período visava à luta armada para constituição de uma sociedade sem Estado - para isso, os anarquistas tinham como principal alvo algum chefe de Estado, e não seus cidadãos.

  Durante a segunda metade do século XIX, as ações terrorista tiveram uma ascensão. Porém, no século XX, houve uma expansão dos grupos que optaram pelo terrorismo como forma de luta. Como consequência dessa expansão, o raio de atuação terrorista aumentou, surgindo novos grupos, como os separatistas bascos na Espanha, os curdos na Turquia e no Iraque, os muçulmanos na Caxemira e as organizações paramilitares racistas de extrema-direita nos Estados Unidos. Um dos seguidores dessa última organização foi Timothy James McVeigh, terrorista que assassinou 168 pessoas em 1995, no conhecido Atentado de Oklahoma.

  Com o desenvolvimento da ciência e tecnologia no século XX, as ações terroristas passaram a ter um maior alcance e poder por meio de conexões globais sofisticadas, uso de tecnologia bélica de alto poder destrutivo, redes de comunicação (internet), entre outros.

Edifício Federal Alfred P. Murrah após o Atentado de Oklahoma City

Terrorismo no século XXI

  No início do século XXI, principalmente após os ataques terroristas aos Estados Unidos, estudiosos classificaram o terrorismo em quatro formas:

  • Terrorismo revolucionário - surgiu no século XX e seus praticantes ficaram conhecidos como guerrilheiros urbanos marxistas (maoístas, castristas, trotskistas e leninistas);
  • Terrorismo nacionalista - fundado por grupos que desejavam formar um novo Estado-nação dentro de um Estado já existente (separação territorial), como no caso do grupo terrorista separatista ETA (Euskadi Ta Askatasuna -Pátria Basca e Liberdade) na Espanha (o povo Basco não se identifica como espanhol, mas ocupa o território espanhol e é submetido ao governo da Espanha);
  • Terrorismo de Estado - é praticado pelos Estados nacionais e seus atos integram duas ações. A primeira seria o terrorismo praticado contra a sua própria população. Foram exemplos dessa forma de terrorismo: os Estados totalitários fascistas e nazistas, a ditadura militar brasileira e a ditadura Pinochet no Chile. A segunda forma constituiu-se como uma luta contra a população estrangeira (xenofobia);
  • Terrorismo de organizações criminosas - são atos de violência praticados por fins econômicos e religiosos, como nos casos da máfia italiana, do Cartel de Medellín, da Al Qaeda, entre outros.

Corpos de guerrilheiros da Guerrilha do Araguaia com as mãos amarradas na década de 1970. Essa guerrilha praticava um terrorismo revolucionário

O Atentado de 11 de Setembro de 2001

   No dia 11 de setembro de 2001, membros da rede terrorista Al-Qaeda, constituída por extremistas islâmicos, sequestraram quatro aviões nos Estados Unidos. Dois deles foram lançados sobre as torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York; outro sobre o Pentágono, a sede do Departamento de Defesa do país, próximo à capital Washington. O último foi derrubado pelas forças militares oficiais. Este foi o maior ataque estrangeiro ao território estadunidense desde 1812, ano da guerra contra o Canadá, então colônia inglesa.

  Os ataques terroristas de 2001 mataram cerca de 3 mil pessoas. A resposta do governo dos Estados Unidos, nos anos seguintes, foi de reafirmação de seu poder militar por meio da Doutrina Bush, uma espécie de cruzada contra o que o então presidente estadunidense, George W. Bush, denominou "eixo do mal". A ação dirigia-se contra grupos e países que contestavam a hegemonia dos Estados Unidos, como a Coreia do Norte, o Irã e o Iraque. A primeira incursão da Doutrina Bush, no entanto, foi no Afeganistão, país que estava sob o regime Talibã, grupo fundamentalista islâmico, e que abrigava bases de operação da Al-Qaeda.

Vídeo mostrando o momento do ataque às torres do World Trade Center

  Apoiado por outros países, como o Reino Unido, os ataques estadunidenses foram extensos e provocaram grandes destruições. Em poucas semanas, o governo afegão seria vencido e substituído por representantes de grupos mais alinhados com os Estados Unidos. O controle territorial, porém, se estenderia por longos anos, mais precisamente até o final de 2014, quando oficialmente a missão foi encerrada. Ao final da década de 2010, porém, as ações militares dos Estados Unidos ainda continuavam na região, principalmente em áreas de atuação de grupos fundamentalistas.

  Desde 14 de abril de 2021, quando o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, anunciou a retirada de todas as tropas americanas do Afeganistão, os talibãs começaram a assumir o controle do país, retomando definitivamente o poder no país desde agosto de 2021.

Militantes do Talibã

A Guerra do Iraque

  Após o Afeganistão, o alvo do governo dos Estados Unidos foi o Iraque, sob a alegação de suspeita de produzir armamentos de destruição em massa e de patrocinar o terrorismo internacional, o que era negado pelo governo local, comandado à época pelo ditador Saddam Hussein (1937-2006). Em 2003, mesmo sem a autorização da ONU, uma coalizão de países sob a liderança de Estados Unidos e Reino Unido deu início à invasão do Iraque.

  Assim como ocorreu no Afeganistão, os ataques foram intensos e provocaram grandes estragos, com a desorganização da sociedade local. Em algumas semanas, o governo de Saddam Hussein foi destituído. Investigações revelaram, entretanto, que o Iraque não possuía armas de destruição em massa e que vários relatórios dos países agressores tinham sido forjados para justificar a guerra.

  A presença das tropas estadunidenses e de aliados no território iraquiano se estenderia por longos anos, mas com intenso movimento de resistência, o que provocou a morte de mais de 100 mil pessoas. Oficialmente, as tropas estadunidenses só se retirariam do país em 2011. Longe de haver estabilidade, o governo local se viu imerso em diversos conflitos internos, muitos deles envolvendo grupos islâmicos fundamentalistas. Com isso, tropas dos Estados Unidos mantiveram-se presentes no país nos anos seguintes.

Dois tanques de guerra americanos M1 Abrams das forças de ocupação da Coalizão em frente ao monumento das "Mãos da Vitória", no centro de Bagdá, em 2003

O aumento do extremismo

  As intervenções estrangeiras dos últimos anos no Oriente Médio resultaram em inúmeras consequências, entre elas o fortalecimento de grupos extremistas após a Guerra do Iraque (2003-2011). Muitos desses grupos se estruturaram para resistir à ocupação do país, promovendo ações suicidas e práticas terroristas para atingir as principais potências internacionais, mas que também se voltavam contra a população local.

  Foi assim que ali se fortaleceu um grupo extremista ligado à Al-Qaeda, que a partir de 2006 passaria a se identificar como Estado Islâmico (EI), cujo principal objetivo era delimitar um território na região para reunir a população sunita, o segmento majoritário do islamismo. Após a saída das tropas estadunidenses do país, em 2011, o EI intensificou sua atuação, que ganharia maior abrangência com a eclosão de uma guerra civil na Síria.

Militante do Estado Islâmico carregando a bandeira do grupo

  Iniciado em 2011, o conflito sírio teve origem na chamada Primavera Árabe, um conjunto de manifestações populares que se arrastou por diversos países do Oriente Médio e do Norte da África a partir de 2010 e que resultou na queda de diversos governos locais, como ocorreu na Tunísia e no Egito. Na Síria, o governo permaneceu devido a uma forte repressão imposta a seus opositores, o que provocou intensa reação da população local contra o regime comandado por Bashar al-Assad. O cenário de conflito favoreceu a atuação do Estado Islâmico na Síria, que passou a colaborar com os rebeldes que lutavam contra o governo.

Explosão de um carro bomba feita na base aérea de Menagh, em território sírio, em 2017, executada por um suicida ligado ao Estado Islâmico. Conforme o grupo ia perdendo terreno e influência, seus militantes passaram a realizar centenas de atentados (a maioria suicidas) contra cidades da Síria e do Iraque e por outras regiões do Oriente Médio.

  Nos anos seguintes, o acirramento da guerra civil na Síria provocou uma dramática movimentação de refugiados, principalmente em direção a países vizinhos e à Europa, onde encontraram forte resistência para sua aceitação.

  Em 2014, extremistas do EI na Síria e no Iraque declararam a formação de um califado nos territórios ocupados. O grupo passou a chamar a atenção do mundo todo devido à adoção de práticas de extrema violência, divulgando vídeos com a execução sumária de seus prisioneiros, entre eles, cidadãos estrangeiros naturais das grandes potências.

  A situação levou o governo dos Estados Unidos a anunciar estratégias militares para combater o EI, especialmente por meio de ataques aéreos aos territórios controlados pelos extremistas. Porém, a partir de então, viu-se a disseminação de ataques terroristas assumidos pelo grupo em diversos países do mundo.

  Em novembro de 2015, um desses ataques ocorreu em Paris, na França, provocando a morte de 130 pessoas. Os alvos foram uma casa de espetáculos, um estádio de futebol e uma área repleta de restaurantes. No ano seguinte, os ataques se repetiram em Bruxelas, na Bélgica, no aeroporto e em uma estação de metrô, fazendo 32 vítimas fatais.

Em laranja, o território reivindicado pelo Estado Islâmico

FONTE: Palavra de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas: Mundo contemporâneo: tensões, conflitos e cooperação / Arno Aloísio Goettems ... [et al.]. São Paulo: Palavras Projetos Editoriais 2020 (pág. 134/135)

quinta-feira, 9 de setembro de 2021

A GUERRA DO VIETNÃ

  A Guerra do Vietnã, iniciada em 1959 e estendida até 1975, foi o enfrentamento entre o Vietnã do Norte e o Vietnã do Sul, ambos lutando pela unificação do país sob seu domínio. O conflito no Vietnã contou, a partir de 1965, com a participação ativa dos Estados Unidos, o qual lutou ao lado das tropas do Vietnã do Sul contra as forças do Vietnã do Norte. A atuação americana nessa guerra fez parte de sua política de contenção do comunismo em nível internacional durante o período da Guerra Fria.

   Ao longo dos anos 1960, a agressividade da política externa do governo estadunidense se ampliou. O maior exemplo foi o envolvimento nos conflitos do Vietnã, que se originaram no processo de descolonização com a divisão do território em duas partes: uma próxima aos princípios comunistas e outra adepta ao capitalismo. Os Estados Unidos intervieram militarmente no embate, com o propósito de derrotar os defensores do comunismo. A iniciativa, porém, resultou em grande desastre militar, com graves consequências à população vietnamita

  Ao longo de 11 anos, o governo estadunidense mobilizou grandes recursos para ocupar a região. Em 1964, eram cerca de 150 mil soldados envolvidos na guerra - quatro anos depois, o número ultrapassava os 500 mil homens. As tropas contavam ainda com tecnologias bélicas avançadas e bastante destrutivas, inclusive armas químicas, que provocaram a morte tanto de soldados vietnamitas quanto da população local.

  No início do conflito, a opinião pública estadunidense defendeu os ataques. A resistência vietnamita, porém, impossibilitou uma vitória rápida, obrigando a crescente mobilização de recursos e soldados, inclusive com a morte de um número considerável de indivíduos enviados ao combate. Nos Estados Unidos surgiram movimentos pacifistas e defensores de direitos civis, que passaram a lutar pelo fim do conflito e pela retirada das tropas estadunidenses do Vietnã. Ainda assim, o governo só começou a retirar seus exércitos do país em 1973. Dois anos depois, a guerra chegou ao fim, com a unificação do país e a tomada do poder pelos comunistas, para grande descontentamento dos Estados Unidos.

Mapa do Vietnã com a divisão do país em Vietnã do Norte (vermelho) e Vietnã do Sul (azul)

Nomes para a guerra

  Vários nomes foram aplicados ao conflito. Guerra do Vietnã é o nome mais comumente usado. Também tem sido chamado de Segunda Guerra da Indochina e Conflito do Vietnã.

  As principais organizações militares envolvidas na guerra foram, de um lado, o Exército da República do Vietnã (ARVN) e as Forças Armadas dos Estados Unidos, e, por outro lado, o Exército Popular do Vietnã (PAVN - mais comumente chamado de Exército do Vietnã do Norte), e a Frente Nacional para a Libertação do Vietnã do Sul (FNL, mais conhecido como Vietcongue), uma força de guerrilha  comunista do Vietnã do Sul.

Museu em Hanói com as armas utilizadas na Guerra do Vietnã em exposição

Pré-guerra

  A Guerra do Vietnã é considerada pelos historiados um desdobramento direto da guerra travada na década de 1950, na região, pela independência e contra o domínio colonial francês. O Vietnã, juntamente com Camboja e Laos, formou, durante décadas, a Indochina Francesa e, após a Segunda Guerra Mundial, viu o poder colonial francês ser enfraquecido. O resultado desse conflito foi a consolidação do fim do domínio francês na região com a independência do Vietnã, Laos e Camboja.

  No caso do Vietnã, a independência aconteceu de maneira mais complexa, pois o país estava dividido em duas grandes forças antagônicas. Essa divisão foi ratificada na Conferência de Genebra, em 1954, em que foi estipulado que o Vietnã do Norte teria como capital Hanói e seria governado pelos comunistas de Ho Chi Minh, e o Vietnã do Sul, com capital em Saigon (atual Ho Chi Minh), seria governado por Bao Dai, aliado dos Estados Unidos.

  Apesar da divisão existente, na mesma Conferência de Genebra, determinou-se a realização de eleições livres para formar um governo que promovesse a unificação dos países. No entanto, a escalada da tensão entre as duas partes e as diferenças ideológicas fizeram com que o governo do Vietnã do Sul recusasse a realização dessas eleições.

Conferência de Genebra de 1954, na qual promoveu a divisão do Vietnã

  Tanto o governo do Norte quanto o do Vietnã do Sul apresentavam posturas ditatoriais e repressivas. O norte, por exemplo, promovia julgamentos sumários, fuzilamentos em massa e confinamentos em campos de trabalho forçado, enquanto o Sul desenvolvia um governo extremamente corrupto e ditatorial, que impôs perseguição a dissidentes e suspeitos de adesão ao comunismo.

  A partir de 1955, esses governos desenvolveram campanhas um contra o outro, além de aliarem-se a potências internacionais que poderiam dar-lhes suporte em caso de conflito. O Vietnã do Norte passou a contar com o apoio da União Soviética, e o Vietnã do Sul foi apoiado pelos Estados Unidos. A crescente tensão precipitou pequenos conflitos entre as tropas das duas forças, o que conferiu ares de guerra civil a partir de 1959.

Camponeses presos suspeitos de serem Vietcongue sob detenção do exército dos Estados Unidos, em 1966

Participação americana na guerra

  Durante os primeiros anos do conflito, os Estados Unidos não se envolveram diretamente e mantiveram sua atuação apenas no fornecimento de armas e na ação de conselheiros norte-americanos que preparavam as tropas do Vietnã do Sul para as batalhas. Apesar do apoio estadunidense, as tropas vietcongues (nome usado em referência aos vietnamitas comunistas do Norte) levavam a vantagem no conflito.

  O governo de Diem, que estava no poder desde 1955, passou por um forte enfraquecimento e enfrentou inúmeros protestos no Vietnã do Sul. Isso levou os Estados Unidos a apoiarem conspirações internas que articularam o golpe e a execução de Diem em 1963. Pouco tempo depois, o assassinato do presidente americano John F. Kennedy fez com que os Estados Unidos assumissem uma nova postura no conflito.

  Com a morte de Kennedy, o vice, Lyndon Johnson, ocupou a presidência dos Estados Unidos e, durante o seu governo, o país passou a atuar diretamente no conflito com o envio de tropas. A entrada dos norte-americanos no conflito aconteceu após o Incidente do Golfo de Tonquim. Nesse incidente, a embarcação USS Maddox foi supostamente atacada duas vezes por torpedeiros norte-vietnamitas (o segundo ataque nunca foi comprovado). Isso foi utilizado como pretexto por Lyndon Johnson para autorizar o ataque ao Vietnã do Norte e o envio de tropas.

O presidente americano Lybdon B. Johnson na assinatura da Resolução do Golfo de Tonquim, que dava autoridade para a Casa Branca levar à nação a guerra no sudoeste da Ásia

  A entrada dos Estados Unidos na guerra motivou o envio de 184 mil soldados ao final de 1965. Esse número cresceu gradativamente nos anos seguintes, chegando a 429 mil soldados, em 1966, e 543 mil em abril de 1969. A presença estadunidense no conflito também promoveu intensos bombardeios no Vietnã e nos vizinhos Camboja e Laos.

  A participação dos Estados Unidos na guerra, no entanto, não conseguiu a derrota das forças vietcongues. Utilizando-se do conhecimento geográfico das matas e de táticas de guerrilha, os vietcongues tornaram as batalhas desgastantes para as forças norte-americanas. Além disso, o uso de armamentos, como as bombas incendiárias Napalm, os ataques contra civis e o grande número de norte-americanos mortos no conflito impulsionaram uma campanha na imprensa dos Estados Unidos pela saída do país do conflito.

Soldados americanos inspecionando vilas vietnamitas em busca de soldados do Vietcongue

  Essas pressões da sociedade e da imprensa norte-americana levaram o presidente Richard Nixon a assinar um cessar-fogo e, em 1973, concluiu a retirada das tropas americanas do Vietnã. Sem esse apoio, o Vietnã do Sul não conseguiu conter as tropas comunistas e, em 1975, os vietcongues conquistaram a cidade de Saigon, realizando a unificação do Vietnã sob o comando dos comunistas em 1976.

  Estima-se que, em decorrência desse conflito, os Estados Unidos tiveram por volta de 58 mil baixas, enquanto os exércitos do Vietnã do Sul 225 mil baixas e do Vietnã do Norte 1,1 milhão de soldados.

Os vietcongues construíram um complexo sistema de túneis que lhes possibilitava transportar armamentos, socorrer feridos, estocar munições e enviar tropas para os locais de combate. Foi assim que conseguiram derrotar as tropas norte-americanas e do Vietnã do Sul

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