terça-feira, 28 de setembro de 2021

PRESENÇA AFRICANA NO BRASIL

   Presente em diversas civilizações ao longo da história, a escravidão é uma das modalidades mais antigas de exploração do homem pelo homem. No Egito, na Grécia Clássica ou no Império Romano, boa parte das atividades produtivas era desenvolvida através do uso de escravos, normalmente obtidos a partir da detenção de inimigos de guerra. Com o passar dos anos, o trabalho escravo pôde ser observado em tantas outras sociedades, adquirindo características específicas de seu tempo.

   No período colonial da América portuguesa, o continente africano se caracterizava pela enorme riqueza e diversidade cultural, contando com a presença de variados povos, reinos, impérios, cidades dinâmicas e populosas, portos movimentados e intensos fluxos comerciais, além de considerável desenvolvimento técnico e do uso da escrita em algumas sociedades.

  Nos reinos africanos, desde a Antiguidade, pessoas eram escravizadas e vendidas para mercados da Europa e da Ásia em decorrência de guerras entre distintas etnias. Em geral, tornavam-se cativas as pessoas aprisionadas em guerras, as que cometiam crimes ou as que não conseguiam pagar suas dívidas.

Pintura de Gustave Boulanger (1824-1888), retratando um mercado de escravos na Antiguidade

  Foi a partir do século XV, quando os europeus criaram novas rotas de comércio para as Índias, ocupando e colonizando a costa atlântica da África, que a venda de escravizados passou a ser uma atividade comercial muito lucrativa, sendo ampliada em escala intercontinental. Em troca de vários produtos, os chefes africanos forneciam seus cativos para os traficantes europeus, que os traziam para a América em navios.

  A vinda de escravizados para o Brasil atendia duas atividades principais: à nascente economia canavieira nordestina, à extração de pedras preciosas na região de Minas Gerais, à economia cafeeira no século XIX e ao próprio tráfico, muito lucrativo para as potências europeias. Por vários séculos, o trabalho dos escravizados sustentou a economia colonial no Brasil.

  Entretanto, o trabalho escravo não se fazia presente somente nessas grandes atividades. As casas das famílias coloniais mais abastadas, por exemplo, possuíam um bom número de serviçais, os "escravos domésticos". Havia ainda os "escravos tigres" cujas obrigações eram de extrema importância em tempos de precário saneamento básico: deveriam levar tonéis cheios de fezes das casas ao local de despejo mais próximo. Por razões óbvias, tais escravos também eram chamados de "enfezados".

  Muitos escravos gozavam de grande confiança de seus senhores. Alguns, inclusive, eram escolhidos para comercializarem seus produtos em lugares distantes do cativeiro. Conhecidos como "escravos de ganho", circulavam pelas cidades e em outros centros de comércio, exemplificando o relevante grau de autonomia que alguns escravos possuíam.

Uma família brasileira do século XIX sendo servida por escravos, pintado por Jean-Baptiste Debret

  A proveniência dos escravos percorria toda a costa oeste da África, passando por Cabo Verde, Congo, Quíloa e Zimbábue. Dividiam-se em três grupos: sudaneses, guinenos-sudaneses muçulmanos e bantus. Cada um desses grupos representava determinada região do continente e tinha um destino característicos no desenrolar do comércio.

  Os sudaneses dividiam-se em três subgrupos: iorubas, gegês e fanti-ashantis, Esse grupo tinha origem do que hoje é representado pela Nigéria, Daomei (atual Benin) e Costa do Ouro (região da costa da Guiné) e seu destino geralmente era a Bahia. Já os bantus, grupo mais numeroso, dividiam-se em dois subgrupos: angola-congoleses e moçambiques. A origem desse grupo estava ligada ao que hoje representa Angola, República Democrática do Congo (ex-Zaire) e Moçambique (correspondentes ao centro-sul do continente africano) e tinha como destino Maranhão, Pará, Pernambuco, Alagoas, Rio de Janeiro e São Paulo. Os guineanos-sudaneses muçulmanos dividiam-se em quatro subgrupos: fula, mandinga, haussas e tapas. Esse grupo tinha a mesma origem e destino dos sudaneses, a diferença estava no fato de serem convertidos ao islamismo.

  A travessia dos africanos escravizados para a América podia durar até 40 dias em embarcações superlotadas. A falta de higiene, ventilação, água e comida faziam com que muitos adoecessem. Cerca de 20% dos cativos morriam antes de chegar ao Brasil.

Mapa mostrando as principais rotas de comércio de escravos na África

Escravidão no Brasil: resistências e alternativas

  Na sociedade colonial, os brancos ocupavam a condição de proprietários de terra, camponeses, trabalhadores urbanos ou aventureiros. Mesmo desempenhando os mais diversos papéis no sistema produtivo e na hierarquia social, tinham uma característica comum: eram pessoas livres em uma sociedade movida pelo trabalho de escravizados.

  Em 1535 chegou à Salvador (BA), o primeiro navio com negros escravizados. Este é o marco do início da escravidão no Brasil, que só terminaria 353 anos depois, em 13 de maio de 1888, com a Lei Áurea.

  As primeiras pessoas a serem escravizadas na colônia foram os indígenas. Posteriormente, negros africanos seriam capturados em possessões portuguesas como Angola e Moçambique e regiões como o Reino de Daomé, e trazidos à força ao Brasil para serem escravizados.

  Entre 1551 e 1850, aportaram no Brasil aproximadamente 5,5 milhões de africanos escravizados pertencentes a diversas etnias, com costumes, religiões e línguas diferentes, vindos da Ilha de São Tomé, de Angola (pelos portos de Luanda e Benguela), da Costa da Mina (que hoje corresponde ao litoral de Gana à Nigéria) e de Moçambique. Mesmo após a proibição do tráfico de escravizados, decretada em 1850, pelo menos 6,5 mil africanos desembarcaram de navios clandestinos entre 1851 e 1855.

Quadro de Johann Moritz Rugendas (1802-1858), retratando o interior de um navio negreiro

  Os africanos começaram a chegar à colônia portuguesa da América em meados do século XVI. Os primeiros grupos de escravizados foram comprados pelos senhores de engenho da Zona da Mata nordestina. No século XVII, com a expansão da cultura canavieira, a economia escravocrata se estendeu até o Maranhão. No século XVIII, a descoberta de metais preciosos na região de Minas Gerais impulsionou ainda mais o mercado escravista.

  As condições de escravidão no Brasil eram as piores possíveis e a vida útil de uma pessoa escravizada adulta não passava de 10 anos.

  Após a sua captura na África, os seres humanos escravizados enfrentavam a perigosa travessia da África para o Brasil nos porões dos navios negreiros, onde muitos morriam antes de chegar ao destino.

  Após vendidos, passavam a trabalhar de sol a sol, recebendo uma alimentação de péssima qualidade, vestindo trapos e habitando as senzalas. Normalmente, tratava-se de locais escuros, úmidos e com pouca higiene, adaptado para evitar fugas.

  Errar não era permitido e poderia ser punível com castigos dolorosos. Eram proibidos de professar sua fé ou de realizar suas festas e rituais, tendo que fazer isso às escondidas. Afinal, a maioria das pessoas escravizadas vinham da África já batizadas e era suposto que abraçassem a fé católica. Daí surge o sincretismo que verificamos no Candomblé praticado no Brasil.

  As mulheres negras eram exploradas sexualmente e usadas como mão de obra para trabalhos domésticos. Não era incomum que as mulheres escravizadas recorressem ao aborto para impedir que seus filhos não tivessem a mesma sorte.

Mercado de escravos no Recife, pelo desenhista alemão Zacharias Wagner (entre 1637 e 1644). Pernambuco foi o berço da escravidão indígena e africana no Brasil

  Desde os primeiros tempos da colonização, os escravizados protagonizaram inúmeros episódios de rebelião na forma de insubmissão, violência contra os feitores e fuga para os sertões para resistir à escravidão e aos maus-tratos. Quando fugiam, os capitães do mato perseguiam as pessoas escravizadas. A maior parte dos rebelados era recapturada, mas muitos conseguiam escapar e refugiar-se em quilombos. A obtenção da liberdade só era conseguida quando escapavam para os quilombos ou quando conseguiam comprar a carta de alforria.

  As comunidades quilombolas se formaram a partir de variadas situações de resistência territorial, social e cultural.

  Atualmente, as comunidades remanescentes de quilombolas lutam pela regularização de seus territórios. Apesar de a Constituição Federal de 1988 garantir o direito à terra, a entrega de títulos tem demorado a acontecer. Por essa razão, as comunidades enfrentam diversos conflitos para garantir a permanência de seus integrantes nas terras que já ocupam historicamente.

  Após a abolição da escravatura, uma quantidade muito reduzida de libertos conseguiu comprar terras ou as recebeu como pagamento por prestação de serviços ou por doações, e conseguiu formar grupos que mantiveram e reproduziram seu modo de vida. A grande maioria dos negros libertos, no entanto, fixou-se nas áreas periféricas das cidades brasileiras.

Quadro de 1824 do pintor inglês Edward Francis Finden, retratando um mercado de escravos no Rio de Janeiro

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