quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

O LIBERALISMO ECONÔMICO

   Liberalismo é uma filosofia política e moral baseada na liberdade, consentimento dos governados e igualdade perante a lei. Os liberais defendem uma ampla gama de pontos de vistas, dependendo da sua compreensão desses princípios, mas em geral, apoiam ideias como governo limitado, direitos individuais, livre mercado, democracia, secularismo, igualdade de gênero, igualdade racial, internacionalismo, liberdade de expressão, liberdade de imprensa e liberdade religiosa. Amarelo é a cor política mais comumente associada com o liberalismo.

  O liberalismo começou a alcançar notoriedade durante o Iluminismo, quando se tornou popular entre filósofos e economistas. O liberalismo buscou contestar diversas normas sociais vigentes na época, como o  privilégio hereditário, Estado confessional, monarquia absolutista e o direito divino dos reis.

Charge sobre o liberalismo econômico

  As premissas do liberalismo, formuladas por Adam Smith (1723-1790), no contexto do Iluminismo, podem ser assim resumidas: defesa da propriedade privada e do individualismo econômico, liberdade de comércio, da produção e do contrato de trabalho (salários e jornada), sem controle do Estado ou pressão dos sindicatos.

  Em sua obra A riqueza das nações, Smith argumenta que a divisão do trabalho é essencial para o crescimento da produção e do mercado e que a livre concorrência forçaria o empresário a ampliar a produção, buscando novas técnicas, aumentando a qualidade do produto e baixando ao máximo os custos de produção.

  O consequente decréscimo do preço final do produto lançado no mercado segundo a lei da oferta e da procura viabilizaria o sucesso econômico geral. O Estado deveria somente zelar pela garantia da propriedade e da ordem, não lhe cabendo intervir na economia. Segundo Smith, a harmonização econômica ocorreria por meio da "mão invisível" do mercado, princípio segundo o qual a economia de livre mercado, ao permitir a busca da realização dos interesses individuais próprios de cada agente, autorregula-se, favorecendo a todos.

Adam Smith - filósofo e economista britânico nascido na Escócia, é considerado o mais importante teórico do liberalismo econômico

  No caminho aberto por Adam Smith, surgiram outros teóricos do liberalismo clássico, como David Ricardo (1772-1823), autor de Princípios da Economia política e tributação, e Thomas Malthus (1766-1834). Em sua obra Ensaio sobre o princípio da população, Malthus afirma que a natureza impõe limites ao progresso material, já que a população cresce em progressão geométrica, enquanto a produção de alimentos aumenta em progressão aritmética. Para ele, a pobreza e o sofrimento são inerentes à sociedade humana, ao passo que as guerras e as epidemias contribuem para o equilíbrio temporário entre a produção e a população. No entanto, suas previsões demográficas catastróficas não se realizaram devido ao avanço tecnológico na agricultura e na medicina.

Thomas Robert Malthus - economista britânico, matemático, sociólogo, iluminista e clérigo anglicano inglês, é considerado o pai da demografia

  A Lei dos Pobres, votada no Parlamento inglês em 1834, que determinava a centralização da assistência pública, foi reflexo das ideias de Malthus. De acordo com essa lei, os desempregados eram recolhidos às workhouses ("casas de trabalho"), onde ficavam confinados, em condições precárias, à espera de trabalho. Esse sistema, ao mesmo tempo que retirava das ruas boa parte da população miserável e a mantinha sob controle, desestimulava o crescimento populacional e fornecia mão de obra barata ou quase escrava para a indústria nascente.

  Os industriais, interessados em obter a mão de obra mais barata possível, recrutavam mulheres e crianças, algumas com idade inferior a 8 anos, que trabalhavam em troca de alojamento e comida. Em 1802, um decreto parlamentar determinou que crianças oriundas das workhouses não trabalhariam mais de 12 horas diárias. Essa lei, que foi a primeira a regular o trabalho infantil nas indústrias, foi, mais tarde, estendida a todas as crianças operárias.

David Ricardo - economista e político britânico, foi um dos mais influentes economistas clássicos ao lado de Thomas Malthus e Adam Smith

História

  A história do liberalismo abrange a maior parte dos últimos quatro séculos, começando com a Guerra Civil Inglesa (1642-1649) e continuando após o fim da Guerra Fria. O liberalismo começou como uma doutrina principal e esforço intelectual em resposta às guerras religiosas, que ocorreram na Europa durante os séculos XVI e XVII. A primeira encarnação notável da agitação liberal veio com a Revolução Americana de 1776, e do liberalismo plenamente explodiu como um movimento global contra a velha ordem durante a Revolução Francesa de 1789.

  Liberais clássicos, que em geral destacaram a importância do livre mercado e as liberdades civis, dominaram a história liberal no século após a Revolução Francesa. O início da Primeira Guerra Mundial e Grande Depressão aceleraram a tendência iniciada no final do século XIX na Grã-Bretanha para um novo liberalismo que enfatizou um maior papel para o Estado melhorar as condições sociais devastadoras. No início do século XXI, as democracias liberais e suas características fundamentais de direitos civis, liberdades individuais, sociedades pluralistas e o estado de bem-estar haviam prevalecido na maioria das regiões do mundo.

Bandeira com a cor do liberalismo

Impacto e influência

  Os elementos fundamentais da sociedade contemporânea têm raízes liberais. As primeiras ondas do liberalismo popularizaram o individualismo econômico, ao mesmo tempo que expandiam os governos constitucionais e a autoridade parlamentar. Um dos maiores triunfos liberais envolveu a substituição da natureza caprichosa dos governos monárquicos e absolutistas por um processo de tomada de decisão codificado em leis escritas. Liberais procuraram e estabeleceram uma ordem constitucional que prezava pelas liberdades individuais, como a liberdade de expressão e a de associação, um Poder Judiciário independente e o julgamento por um júri público, além da abolição dos privilégios aristocráticos.

  Essas mudanças radicais na autoridade política marcaram a transição do absolutismo para a ordem constitucional. A expansão e promoção dos mercados livres foi outra grande conquista liberal. Antes que eles pudessem estabelecer novas estruturas de mercado, os liberais tiveram que destruir as antigas estruturas do mundo, acabando com as políticas mercantilistas, monopólios reais e diversas outras restrições sobre as atividades econômicas. Tentaram, também, abolir as barreiras internas ao comércio.

Críticas e elogios

  O liberalismo atraiu críticas e apoios em sua história de diversos grupos ideológicos. O menos amigável aos objetivos do liberalismo foi o conservadorismo. Edmund Burke (1729-1797), considerado por alguns como o primeiro grande proponente do pensamento conservador moderno, o qual ofereceu uma crítica violenta da Revolução Francesa que atacava as pretensões liberais ao poder da racionalidade e à igualdade natural de todos os seres humanos.

Pintura de Edmund Burke, de aproximadamente 1767.

  A social democracia, ideologia que defende a modificação progressiva do capitalismo, surgiu no século XX e foi influenciada pelo socialismo. Porém, ao contrário do socialismo, não é coletivista nem anticapitalista. Definido de forma geral como um projeto que visa corrigir, por meio do reformismo governamental, o que considera como os defeitos intrínsecos do capitalismo, reduzindo as desigualdades.

  Outro movimento associado à democracia moderna, a democracia cristã, tem como objetivo espalhar as ideias sociais católicas, ganhando um grande número de seguidores em alguns países europeus. As primeiras raízes da democracia cristã se desenvolveram como uma reação contra a industrialização e a urbanização associado com o liberalismo laissez-faire do século XIX.

  Também existe uma corrente multipartidarista de centro que elogia o liberalismo como um componente necessário para algumas situações, podendo ser mais de esquerda, mais de direita ou mais liberal.

  Fascistas acusam o liberalismo de materialista e uma falta de valores espirituais. Em particular, o fascismo opõe-se ao liberalismo pelo seu materialismo, racionalismo, individualismo e utilitarismo. Os fascistas acreditam que a ênfase liberal na liberdade individual produz divisão nacional.

Revolução Pernambucana de 1817: movimento separatista do período de dominação portuguesa, tinha como objetivo implantar uma república liberal no Brasil

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

SMITH, Adam. A riqueza das nações: investigação sobre sua natureza e suas causas. São Paulo: Nova Cultural, 1996.

BEAUD,Michel. História do capitalismo: de 1500 aos nossos dias. 5. ed. São Paulo: Brasiliense, 2005.

HOBSBAWM, Eric. A era das revoluções: 1789-1848. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

OS CÂNIONS

  Desfiladeiro, ribanceira, riba ou cânion é uma profunda ravina (acidente geográfico ocasionado pela ação de córregos e enxurradas), formada entre escarpas ou falésias, é a paisagem mais frequente esculpida pela atividade erosiva de um rio em escalas de tempo geológicas, em particular em regiões onde as camadas de rochas sedimentares são intercaladas por camadas de rochas duras e resistentes ao intemperismo.

  O termo abrange também fendas entre dois picos de montanhas, como as cordilheiras. Normalmente, um rio ou córrego e a erosão esculpem essas diversas divisões entre as montanhas.

  A maior parte dos cânions originaram-se por um longo e lento processo de erosão fluvial e eólica denominado de voçoroca. Diferentes camadas rochosas pouco consolidadas a partir de um planalto são erodidas por um curso de água, criando uma vala. As paredes formam-se quando camadas de rochas resistentes à ação são encontradas, de modo que a água continua escavando um vale para baixo, não afetando a rocha dura. Nas rochas calcárias, estes podem adquirir o nome de cânion flúvio-cársico (garganta profunda e estreita).

Grand Canyon, Arizona, Estados Unidos

  Os cânions existem em todos os continentes, sendo paisagens belíssimas e perigosas, formando vales profundos que podem atingir até cinco quilômetros de profundidade. Geralmente, eles se encontram em áreas em que existem rios.

  Esses rios esculpem as rochas ao longo de milhões de anos, e eles podem estar em evidência ou não. Cânions que não possuem água em seus vales profundos, podem ter feito a água ir para outro lugar ou simplesmente ter feito a nascente desaparecer com as mudanças provocadas pelos agentes externos modificadores do relevo.

  Os cânions são vales muito profundos com os lados íngremes, bem verticalizados. Essa profundidade, em alguns deles, pode atingir até cinco quilômetros, o que torna um cânion impressionante e altamente perigoso.

  Em seus vales, podem haver rios, grandes responsáveis pela existência dos vales, mas que não esculpem a paisagem sozinhos. Esses vales são depressões relativas que, ao longo de sua extensão, formam enormes paredões rochosos formados há milhões de anos.

Cânions de Furnas, em Capitólio - MG

  A formação de um cânion ainda é um grande mistério para a geologia. A profundidade de um cânion pode ser obtida por meio de processos erosivos que levam centenas de milhões de anos, sendo uma das maravilhas produzidas pelo tempo geológico.

  As hipóteses sobre a formação dos cânions giram em torno das movimentações das placas tectônicas e do soerguimento de determinadas áreas. Quando há esse soerguimento, as águas que passam entre as áreas levantadas ganham mais espaço e declividade para seguir seu curso, o que acentua o processo erosivo. Durante milhões de anos, o curso d'água, associado com as erosões eólica e pluvial, transformam o relevo em uma grande depressão, com paredões verticais do lado.

  Por meio dos soerguimentos dos terrenos, os rios vão ganhando velocidade e aprofundando seus leitos, pois há declínio em seu curso. Com isso, os paredões vão ganhando altura, e os vales atingem grandes profundidades.

  Há casos de rios que secam depois de milhares de anos, tornando o cânion uma formação rochosa, com paredões íngremes e vales sem curso d'água, apenas com o rastro do rio.

Cânion da Cachoeira dos Fundões, em Carnaúba dos Dantas - RN

  Em sua maioria, os cânions possuem características impressionantes, mostrando sua gigantesca formação, se compararmos com outras paisagens. São formas de relevo moldadas com a ajuda de fatores externos (processos erosivos) e internos (tectonismo) de modificação.

  Ao observarmos um cânion, vemos as camadas rochosas sobrepostas umas às outras, o que pode indicar a "idade" do local. Cada extrato rochoso indica uma época geológica em que tais rochas foram depositadas e/ou transportadas pelos fatores externos, como rios e ventos.

  Os vales de um cânion são áreas de baixa pressão atmosférica, o que pode indicar a presença de ventos, nuvens e neblinas. Em muitos cânions, é comum a presença de neblinas nos seus picos mais extremos, tornando-o belo e assustador ao mesmo tempo.

Cânion do Xingó, no rio São Francisco, entre os estados de Alagoas e Sergipe

  Há cânions submarinos, como uma espécie de prolongamento do curso de um rio no fundo do mar. Esses cânions possuem o processo de formação parecido com os cânions continentais, porém, com a diferença de estarem submersos.

  Muitos cânions possuem rios sinuosos, cheios de meandros (curvas). Seus paredões rochosos são ideais para a prática de caminhadas, escaladas e fotografias belíssimas, mostrando uma paisagem fascinante. Porém, deve se ter muito cuidado e sempre estar acompanhado de um guia que conheça bem a área onde o cânion se localiza.

Cânion Itaimbezinho, em Cambará do Sul - RS

O acidente no Cânion Furnas, em Capitólio - MG

  A cidade de Capitólio, Minas Gerais, foi palco de um triste episódio envolvendo a queda de uma rocha no cânion da cachoeira de Furnas, no dia 8 de janeiro de 2022, deixando vários mortos e dezenas de feridos, após uma estrutura rochosa desabar sobre embarcações com turistas.

  O estado de Minas Gerais está sendo atingido por fortes temporais desde o fim de 2021, e a Defesa Civil do Estado alertou que poderia ocorrer uma grande enxurrada e que as pessoas deveriam evitar cachoeiras no período de chuvas.

  O lago de Furnas, conhecido como "Mar de Minas" é bastante frequentado por turistas das mais diversas regiões do país.

  A rocha que desabou possui acamamentos e fraturamentos naturais que facilitam os desmoronamentos. Com a formação do lago de Furnas, a parte baixa do paredão rochoso que fica frequentemente em contato com a água passou a sofrer uma saturação decorrente da água e dos constantes embates de ondas, facilitando o desmoronamento. Com a grande quantidade de chuvas, ocorreu também o aumento do processo de erosão fluvial e pluvial, o que pode ter facilitado a queda da estrutura rochosa.


Vídeo mostrando a queda do paredão rochoso em Capitólio - MG. Fonte: YouTube UOL: www.uol.com.br. Acesso em 10/01/2022

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AB'SABER, A. N. 1997. O Homem dos Terraços de Xingó. Relatório de visita e pesquisa na área de Xingó (nov. de 1997). Projeto financiado pela cHESF. Doc. n. 6. Projeto Arqueológico do Xingó. Universidade Federal de Sergipe.

MAIA, R. P. & NASCIMENTO, M. A. N. 2018. Relevos Graníticos do Nordeste Brasileiro. Revista Brasileira de Geomorfologia. V. 18, nº 2.

Jornal O Tempo. https://www.otempo.com.br. Acesso em 10/01/2022

domingo, 9 de janeiro de 2022

OS PROBLEMAS SOCIAIS URBANOS

  O inchaço das cidades, provocado pelo acúmulo de pessoas, e a falta de uma infraestrutura adequada gera transtornos para a população urbana. As grandes cidades brasileiras, bem como no mundo todo, enfrentam diversos problemas, como questões de moradia, desemprego, desigualdade social, saúde, educação, violência e exclusão social.

Desigualdades e segregação socioespacial

  Em qualquer grande cidade do mundo, o espaço urbano é fragmentado, apresentando funções comerciais, financeiras, industriais, residenciais e de lazer. É comum que funções diferentes coexistam não apenas no centro, mas também é bairros que, assim, polarizam seus vizinhos. Por isso, essas cidades são policêntricas.

  Essa fragmentação, quase sempre associada a um intenso crescimento urbano, impedem que os habitantes vivenciem a cidade como um todo, pois se atêm apenas aos fragmentos que fazem parte do seu dia a dia. O lugar de moradia, trabalho, estudo ou lazer é onde se estabelecem as relações pessoais e sociais. Entretanto, em uma metrópole, tais lugares tendem a não ser coincidentes, o que provoca deslocamentos e aumento de congestionamentos. Pode-se dizer, então, que a grande cidade não é um lugar, mas um conjunto de lugares, e que os cidadãos a vivenciam parcialmente. As desigualdades sociais se materializam na paisagem urbana. Quanto mais acentuadas as disparidades de renda entre a população, maiores são as desigualdades de moradia, de acesso aos serviços públicos e, portanto, de oportunidades culturais e profissionais. Consequentemente, a segregação socioespacial, isto é, a separação das classes sociais em bairros diferentes em virtude do poder aquisitivo desigual, e os problemas urbanos são maiores também.

Favela da Rocinha, a maior favela do Brasil, em contraste com os edifícios de São Conrado, no Rio de Janeiro

  O medo da violência urbana e a busca por mais segurança e tranquilidade vêm impulsionando a criação de condomínios fechados, sobretudo nas metrópoles. Para isso, muitas pessoas de alto e médio poder aquisitivo mudam-se para esse tipo de conjunto residencial. Esse fenômeno acentua a segregação socioespacial e reduz os espaços urbanos públicos, uma vez que promove o crescimento de espaços privados e de circulação restrita. Além disso, muitos bairros, ao perderem habitantes, sofrem um processo de deterioração urbana, caso de algumas áreas do centro de grandes cidades, como São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Salvador (BA), Recife (PE), São Luís (MA), entre outras. Muitas prefeituras procuram revitalizar as áreas degradadas das cidades por meio de incentivos fiscais para atrair comerciantes e prestadores de serviços, o que acaba gerando outros problemas como resultado da gentrificação.

  Gentrificação é um conceito criado pela socióloga britânica Ruth Glass (1912-1990), derivado da palavra inglesa gentrification (gentry, "pequena nobreza"), para descrever transformações observadas em alguns bairros operários da cidade de Londres que se tornaram bairros nobres. Em linhas gerais, a gentrificação é a valorização de determinado espaço urbano combinada com a especulação imobiliária e tem ocorrido em muitas cidades, sobretudo em áreas centrais que antes eram desvalorizadas e que, por terem custo de vida mais baixo, abrigavam população de baixa renda.

Visão noturna da região central de Londres, Inglaterra

  Quando empresas do setor imobiliário adquirem imóveis nessas áreas com a intenção de reformá-los ou derrubá-los para a construção de novos empreendimentos, começam a pressionar o poder público a fazer reformas "modernizantes", como a abertura de avenidas, instalação de museus e equipamentos culturais, comércios elitistas, até que se torne impossível para moradores de renda mais baixa continuar arcando com os custos de vida  na região. O problema não é a revitalização de uma área antes degradada, mas a especulação imobiliária e financeira, que eleva o preço dos aluguéis e de serviços e que, na prática, efetua a substituição de uma classe social de menor poder aquisitivo por outra com mais recursos financeiros, perpetuando a segregação socioespacial ao marginalizar pessoas mais pobres em regiões periféricas e dificultando-lhes o acesso aos serviços centrais da cidade.

A gentrificação pode se dar pela chegada de novos investidores e moradores a um bairro degradado ou por pressão para obras de revitalização urbana e, consequentemente, aumento do preço dos imóveis e do custo de vida, impossibilitando que moradores que sempre viveram na região tenham condições de arcar com o aumento dos preços.

O problema da moradia

  A cidadania também se expressa nas condições materiais de vida das pessoas. E morar, ter uma casa, um lar, é um direito humano fundamental para que todos tenham segurança física e emocional. Moradia porém é um problema crônico das grandes cidades. Uma de suas causas é o êxodo populacional, pois muitas cidades de países em desenvolvimento não tiveram condições econômicas de absorver a grande quantidade de pessoas que em pouco tempo migraram da zona rural e das cidades menores, aumentando o número de desempregados. Para sobreviver, muitas pessoas se submetem ao subemprego e à economia informal. Como os rendimentos, mesmo para trabalhadores da economia formal, em geral são baixos,  muitos não têm condições de arcar com os altos custos de aquisição de um imóvel ou do aluguel de residências confortáveis e bem localizadas no território municipal, áreas que justamente são as mais valorizadas e, portanto, mais caras. A saída que encontram é partir em busca de imóveis com preços mais baixos na periferia distante, onde a rede comercial e de serviços públicos, como escolas, postos de saúde, equipamentos de lazer e cultura, tende a ser menor ou até ausente, e menos servida pelo sistema de transporte, o que impacta a vida pessoal cotidiana com a perda de horas no ir e vir do trabalho. Ou se veem impelidos a habitar imóveis em condições inadequadas, como os cortiços, ou a formar favelas ou outros tipos de aglomerado subnormal, porém em áreas centrais. Essa é a face mais visível do crescimento desordenado das cidades e da segregação socioespacial.

Favela Dharavi, em Mumbai (antiga Bombaim), Índia, uma das maiores do mundo. Na cidade, 55% da população  vivem em favelas, que cobrem apenas 6% de seu território. A taxa de crescimento  das favelas de Mumbai é maior que a taxa de crescimento urbano geral da cidade.

  De acordo com o Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (agência da ONU sediada em Nairóbi, Quênia, mais conhecida como UN-Habitat), uma ou mais das seguintes características definem um assentamento urbano precário, que o IBGE denomina aglomerado subnormal.

  • Ocupação irregular: as pessoas ocupam terrenos dos quais não possuem título de propriedade.
  • Condições inseguras de habitação.
  • Baixa qualidade estrutural das construções e moradias apertadas e superlotadas.
  • Acesso inadequado e saneamento básico - água potável e tratamento de esgoto - e as demais infraestruturas.

Comunidade Beira Rio, em Recife (PE). Ao fundo, nós temos o RioMar Shopping, o maior do Brasil fora do eixo Rio-São Paulo

  Os governos têm grande parcela de responsabilidade nesse processo, pois não implantaram políticas públicas adequadas, sobretudo no setor habitacional, para enfrentar o problema. Nos países em que políticas públicas foram adequadas, paralelamente ao aumento da oferta de empregos e à elevação da renda e da qualidade de vida, as moradias precárias foram bastante reduzidas ou até mesmo erradicadas.

  Um dos melhores exemplos é Cingapura. De acordo com o Banco Mundial, em 1965, quando o país se tornou independente, 70% de sua população vivia em condições muito precárias: a renda per capita era de 2.700 dólares ao ano, e o desemprego atingia 14% da População Economicamente Ativa (PEA). Após cinco décadas de elevados investimentos públicos em habitação, em infraestrutura urbana e em serviços públicos de qualidade, houve crescimento econômico sustentado, elevação e melhor distribuição de renda, erradicação das submoradias e, consequentemente, melhoria da qualidade de vida da população. Em 2019, segundo o Banco Mundial, Cingapura tinha uma renda per capita de 65.233 dólares, e o desemprego atingia 3,8% da PEA masculina e 4,3% da feminina.

Edifícios residenciais construídos pelo Estado no distrito de Toa Payoh, Cingapura

  A carência de habitações seguras e confortáveis é um problema mundial, mas principalmente nos países em desenvolvimento. Segundo a UN-Habitat, o percentual de pessoas que vivem em assentamentos precários caiu de 46% da população mundial em 1990 para 23% da população urbana mundial em 2014. Ainda é um número muito alto, uma vez que corresponde a quase 1 bilhão de pessoas. O Leste da Ásia é a região com o maior número absoluto de submoradias. Embora a China e a Índia tenham reduzido significativamente a quantidade de pessoas que vivem em moradias precárias, ainda são os países que apresentam os maiores números absolutos. Esses dois países detêm cerca de 36% da população mundial. O Brasil é o quarto país com o maior contingente de moradores em aglomerações subnormais. O maior número relativo de moradores em assentamentos precários aparece na África Subsaariana. Na Nigéria, país com o maior número de habitantes em submoradias nessa região, o percentual de pessoas que vivem em habitações precárias chega à metade da população urbana. Nesse subcontinente há países com percentual bem mais altos, como a República Centro-Africana, onde 93% da população vive em favelas.

Barracos de uma favela em Jacarta, Indonésia

  Na tentativa de encaminhar soluções para diversos problemas urbanos, entre os quais os assentamentos precários, foi realizada em Istambul, na Turquia, em 1996, a Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos - Habitat II. A primeira reunião, Habitat I, aconteceu em Vancouver, Canadá, em 1976; e a Habitat III ocorreu em Quito, Equador, em 2016.

  A Habitat II reuniu representantes dos países-membros da ONU e de diversas ONGs. Nesse encontro, ficou decidido que os governos deveriam criar condições para que o acesso à moradia segura, habitável, salubre e sustentável fosse universalizado. Diversos governos, porém, entre os quais os Estados Unidos e o Brasil, foram contra a proposta de que a habitação fosse considerada um direito universal do cidadão e, portanto, garantida pelo Estado, para não serem cobrados judicialmente pela não garantia desse direito.

  Em diversas cidades do mundo, tanto nos países em desenvolvimento quanto nos desenvolvidos, pessoas sem-teto se organizam para lutar pelo direito à moradia urbana adequada e por melhores condições de vida. Uma ou outra dessas organizações tem atuação nacional, mas a maioria delas atua localmente. Há também organizações com atuação internacional, como a TETO (ou TECHO, em espanhol), organização não-governamental (ONG) criado em 1997, no Chile, que atua em quase toda a América Latina.

Favela em Cuautepec, Cidade do México

REFERÊNCIAS BIBLIOGRFICAS

HARVEY, David. Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo: Martins Fontes, 2014.

LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. 5. ed. São Paulo: Centauro, 2009.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

AS CONCEPÇÕES DE TRABALHO

   O trabalho é o fator de produção mais importante. Usualmente, os economistas medem o trabalho em termos de horas dedicadas (tempo), salário ou eficiência.

  O trabalho é a essência do homem. O que distingue o homem dos animais é a sua consciência e a intencionalidade para o trabalho. O trabalho humano pode ser de ordem intelectual ou corporal. No trabalho humano há a liberdade de criação e de tempo.

  As ações humanas sobre a natureza redefiniram as condições necessárias à vida: a princípio, apenas alimentação e abrigo, mas, com o desenvolvimento da vida em sociedade, novas necessidades e soluções surgiram ou foram criadas. É usual denominar trabalho como as atividades humanas que visam à obtenção de algum objetivo, ou seja, que têm uma finalidade. Tais atividades partilhadas entre homens e mulheres pela sobrevivência do grupo foram se transformando ao longo de milhares de anos. A plantação já foi tarefa quase exclusiva das mulheres no alvorecer do Período Neolítico e do surgimento da agricultura, entre 12 e 10 mil anos atrás, para os povos que associavam o cultivo à fecundidade da mulher. Uma peça de roupa que hoje é resultado da aplicação do trabalho de diferentes pessoas em diferentes indústrias (uma produz o fio de algodão, outra aplica a tinturaria, outra corta e costura, outra vende, outras gerenciam todas essas etapas e outras lucram) já foi tarefa de um único trabalhador artesão nas sociedades pré-capitalistas.

Trabalhador estadunidense no começo do século XX

O conceito de trabalho

  A palavra trabalho deriva do latim tripalium ou tripalus, uma ferramenta de três pernas que imobilizava cavalos e bois para serem ferrados. Curiosamente era também o nome de um instrumento de tortura usada contra escravos e presos, que originou o verbo tripaliare, cujo primeiro significado era "torturar". Os gregos e os romanos diferenciavam o trabalho criativo (dos artistas e elites) do trabalho braçal ou penoso (escravos).

  • Trabalho criador = "Ergoni" (grego) e "Opus" (latim)
  • Trabalho braçal = "Ponosi" (grego) e "Labor" (latim)

  Nesse sentido insere-se também a antiga tradição bíblica do trabalho como castigo, ao condenar o homem comum expulso do paraíso (Adão) à labuta para ganhar o pão de cada dia ("tu comerás o teu pão, no suor do teu rosto").

  No mundo contemporâneo a atuação profissional da maioria das pessoas acontece nos setores  da indústria e, principalmente, de serviços que se caracterizam, geralmente, por grandes fábricas e escritórios.

  Porém, não podemos nos limitar a essas duas representações sobre o trabalho. Isso porque, em primeiro lugar, as áreas de atuação profissional vão muito além de fábricas e escritórios e, em segundo lugar, porque trabalho é um conceito com múltiplos sentidos e que é utilizado por diferentes áreas do conhecimento e extrapola uma atividade profissional remunerada.

  Nas Ciências da Natureza, em especial na Física, trabalho é um conceito que relaciona uma força ao deslocamento de um corpo.

  Em termos mecânicos, o trabalho é uma quantidade de energia transferida pela aplicação de uma força a um corpo que o desloca em determinada direção.

  O trabalho, para as Ciências Humanas, é a aplicação da energia de um indivíduo para a realização de uma tarefa, para a realização de um objetivo.

  Quando um agricultor manuseia uma enxada para plantar sementes que em pouco tempo vai germinar e se tornar alimentos, o trabalho realizado pode ser descrito como a energia que o lavrador transfere à enxada que resulta na força empregada no revolvimento do solo.

Para algumas ciências, como a Física, o trabalho está relacionado à força exercida por um determinado corpo

  O trabalho está presente na vida dos seres humanos desde os tempos mais remotos, seja por meio da coleta de alimentos ou da caça de animais, seja pela construção dos abrigos mais rudimentares para se proteger e ter as necessidades básicas minimamente atendidas. Diferentes sociedades criaram mitos sobre uma época em que os seres humanos não precisavam trabalhar para sobreviver. Nas sociedades ocidentais e cristãs talvez o mito mais difundido seja o de Adão e Eva.

  Nessa versão, o primeiro homem e a primeira mulher criados por Deus viviam no Paraíso: o Jardim do Éden, repleto de árvores com diversos frutos, bastando colhê-lo para se alimentar e viver. Nenhum trabalho ou esforço eram necessários para a manutenção da vida. Deus disse a Adão e Eva que eles poderiam colher os frutos que quisessem, a não ser o da árvore do conhecimento. Eva, ludibriada pela serpente, colhe e oferece a Adão o fruto dessa árvore, que ambos comem. Por descumprirem a ordem de Deus foram expulsos do Paraíso. Desde então, eles e os demais seres humanos são obrigados a "lavrar a terra de que fora tomado". "No suor do teu rosto comerás o teu pão" (Gênesis 3: 19,23).

  Dessa forma, o mito da queda relaciona o trabalho à sobrevivência dos seres humanos: se não trabalharmos, não nos alimentaremos. O trabalho responde às necessidades que são próprias da condição humana, necessidades essas ligadas à sua vida econômica.

O pecado original e a expulsão do Paraíso, de Michelangelo Buanarroti (1475-1564), 1509. Uma das obras-primas do artista, é uma das cenas do conjunto de afrescos pintados na Capela Sistina, Vaticano, sobre passagens da Bíblia, tanto do Antigo Testamento quanto do Novo Testamento

  Na Antiguidade, especialmente entre os gregos, o trabalho era majoritariamente realizado pelos escravos, sobretudo àqueles que, à época, contavam para a economia, como produção e fabricação de bens.

  Foi preciso esperar até a modernidade, com a ascensão da burguesia ao poder nas sociedades ocidentais, para que o trabalho fosse redefinido como trabalho assalariado, "trabalho pelo qual se paga", trabalho livre. Desde então, o trabalho até se revestiu de dignidade, emergindo a visão de que aquele que não trabalha é indigno, um desocupado, por vadiagem, preguiça ou acomodação.

Pintura de Gustave Boulanger (1824-1888) retratando um mercado de escravos na Grécia Antiga

O trabalho como exploração

  Qualquer que seja a visão que tenhamos sobre o trabalho (se manual ou intelectual, se dignificante ou punitivo), todas elas partem de um mesmo ponto: o trabalho envolve algum grau ou etapa de transformação da natureza ou da matéria com vistas à produção de algo que tenha alguma importância para alguém, ou que seja visto como válido pela sociedade em que está inserido.

  Na sociedade capitalista moderna, o trabalho parece algo individual, dependente apenas do indivíduo. Ele é, contudo, essencialmente social. Nenhuma empresa, nenhum empreendedor produz todos os materiais e componentes necessários para a confecção do produto que fabrica. Tomemos como exemplo uma empresa que produz celulares. Ela não produz o chip, a tela, o plástico, os circuitos: reúne todas essas peças produzidas por outras empresas a fim de fabricar o celular. Muitas vezes, nem mesmo fabrica, apenas projeta e desenvolve o produto e terceiriza a fabricação para outra empresa. Esse fato nos revela que o trabalho é configurado a partir de uma divisão social.

Fluxograma geral da desmontagem de telefones celulares e baterias com a respectiva diversidade de componentes

  No interior de uma mesmo empresa, o trabalho também é dividido em funções, que podemos separar em dois grandes grupos: os gestores e os subordinados. Esses dois grupos também estão sujeitos a novas divisões: diretores e gerentes coordenam o trabalho de mecânicos, engenheiros e pintores em uma montadora automobilística, por exemplo. Enquanto os trabalhadores produzem o produto que será vendido no mercado, gestores acompanham e coordenam o trabalho dos demais.

  Essa divisão entre grupos de acordo com diferentes funções no processo produtivo também ocorria em outras sociedades em que o trabalho estava estruturado de diferentes formas: escravos e homens livres, servos e senhores feudais, etc. São hierarquizações formadas por estratos sociais (vem do latim stratum, "camada") segundo as diferentes funções que grupos desempenham no processo produtivo.

  A sociologia busca a compreensão dessa constituição das hierarquizações e suas desigualdades, designada estratificação social, por meio do qual "vantagens e recursos tais como riqueza, poder e prestígio são distribuídos sistemática e desigualmente nas ou entre sociedades".

Pirâmide social mostrando a estratificação de uma sociedade  bastante desigual

  Uma das representações mais comuns da estratificação social é o gráfico na forma de triângulo, no qual as camadas menos favorecidas se encontram na base e as camadas de maior nível socioeconômico se encontram no topo. Mas a estratificação social não é exatamente a mesma em toda época ou em todo lugar. Os modos de organização social mudam muito de uma sociedade para outra, mas, de forma geral, podemos destacar três grandes sistemas de estratificação social: as castas, os estamentos e as classes sociais.

  O sistema de castas é uma forma de estratificação social que leva em consideração fatores como linguagem familiar, ofícios, tradições, religiosidade e uma noção cultural de pureza ou impureza de indivíduos pertencentes a determinadas famílias. Não há mobilidade social. A Índia, por exemplo, é um país de religião hinduísta marcado pela existência de castas, sendo a mais elevada os brâmanes (atividades religiosas e intelectuais) e a mais baixa os sudras (atividades serviçais); há também os párias (sem castas). Embora as castas tenham sido banidas por lei na Índia, permanecem nas relações sociais, principalmente na zona rural.

Pirâmide representando o sistema de castas. Apesar de banidas por lei, as castas ainda sobrevivem na Índia rural

  O sistema de estamentos é aquele nos quais as camadas se definem a partir das atividades desempenhadas e do status social, mas sem os aspectos religiosos nem as noções de pureza características das castas. As sociedades estamentais se distinguem ainda por seu baixo nível de mobilidade social. Diferentemente das castas, nas quais um indivíduo jamais muda sua posição na sociedade, a mudança de um estamento a outro pode acontecer, embora muito difícil. O exemplo mais tradicional de um sistema estamental é a Europa na época da Idade Média.

  O sistema de classes é aquele em que as camadas sociais se definem principalmente a partir das diferenciações de ordem econômica e no qual é possível a mobilidade social. Em um sistema de classes a desigualdade econômica está geralmente associada a uma desigualdade de capital cultural e de poder político. Desigualdade de capital cultural porque são geralmente as camadas mais ricas que têm mais acesso a bens culturais, como escolarização e outros meios de acesso à informação e ao conhecimento. Desigualdade de poder político porque geralmente também são as camadas mais altas aquelas que detêm maior capacidade de atuação nas instituições políticas.

  Na prática, em uma sociedade de classes, é raro, mas não proibido ou impossível, que apenas pela via do mercado uma pessoa que tenha nascido em uma família pobre suba na escala social e se torne um milionário, ou vice-versa. Mas há situações em que a mobilidade social pode ser significativa, como no caso da implementação de programas sociais que retirem milhões de famílias da miséria, ou de uma crise econômica que leve a um "achatamento" das classes sociais. De qualquer modo, o conceito de classes se aplica às sociedades nas quais a desigualdade social não é vista como tendo origem na natureza ou como fruto de um desígnio divino, mas como resultado das ações humanas.

Pirâmide de uma sociedade estamental durante a Idade Média

  Segundo a teoria marxista, a relação entre classes é sempre de contraposição, uma explora o trabalho da outra. Daí a frase de Karl Marx de que a história da humanidade é a "história da luta de classes". Na sociedade capitalista, na qual o trabalho assume a forma assalariada, as classes que compõem o processo produtivo são os capitalistas (ou a burguesia), que detêm os meios de produção, e os trabalhadores (ou o proletariado ou operariado), que, por não possuírem nada além do seu corpo e sua energia, vendem sua força de trabalho em troca de um salário.

  Esse processo pelo qual o trabalhador, despossuído de meios, vende sua força de trabalho resulta na alienação. A palavra alienação vem do latim alienare, "que não pertence a si". Por vender sua força de trabalho, nem a atividade realizada nem o produto que é produzido pelo trabalhador pertencem a ele.  O trabalhador não escolhe como vai trabalhar nem em que ritmo e, muitas vezes, nem sequer escolhe o que vai produzir.

  Entre a burguesia e o operariado, eixos da sociedade capitalista, existem outros grupos sociais (pequenos negócios, pequenas e médias propriedades, funcionários públicos, profissionais liberais, etc.) denominados classe média, um grupo não homogêneo e oscilante na atuação social e política, segundo a visão marxista.

  Para Marx, classe social é uma categoria histórica, como burguesia e proletariado, ligada ao desenvolvimento das sociedades, fundamental para a concepção das relações sociais com seus antagonismos.

Karl Marx (1818-1883)

  Para o sociólogo Max Weber, diferentemente de Marx, para quem o eixo analítico está na produção social e na exploração do trabalho, é o indivíduo o elemento central da explicação da realidade social. Weber toma como chave de sua análise a ação social, realizada pelo agente ou agentes.

  Assim, Weber utiliza o termo classe referindo-se às oportunidades da vida, às conquistas do que se deseja e se consegue do mercado, juntando com outras duas dimensões de desigualdade, o poder e o prestígio. "O enfoque multidimensional de Weber amplia a análise da classe, como ajuda a explicar as complexidades da posição e relações de classes, em especial se as relações são consideradas no contexto das três dimensões de desigualdade e dos fatos que a afetam".

Max Weber (1864-1920)

Trabalho em comunidades tradicionais

  No Brasil, de acordo com o Decreto n. 6.040/2007 em seu artigo 3º inciso I, Povos e Comunidades Tradicionais são "grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem  como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição". As comunidades tradicionais podem ser formadas por caboclos, indígenas, posseiros negros e até colonos de ascendência europeia. São homens e mulheres cuja identidade está ligada à terra e ao trabalho comunitário.

  Para as comunidades tradicionais, sobretudo aquelas remanescentes de quilombos, a grande questão que se coloca ainda nos dias de hoje é a obtenção oficial da propriedade da terra. Sempre houve um esforço para consolidação dos espaços ocupados por essas comunidades, haja visto que, desde 1850, com a promulgação da Lei de Terras, o governo brasileiro impediu a entrega gratuita de terras pelo Estado, forçando a compra dos lotes, reforçando o poder das elites proprietárias e praticamente impedindo o acesso à terra aos escravizados que seriam libertos décadas depois. Essa luta secular resultou na aprovação do artigo 68 no Ato das Disposições Transitórias, pela Constituição de 1988.

Mapa do Brasil mostrando as Terras Quilombolas tituladas em 2017

  Um traço marcante das comunidades tradicionais é o esforço para a manutenção de suas memórias e de seus elementos simbólicos que compõem a identidade dos grupos. Um dos elementos de manutenção das culturas tradicionais é a forma como o trabalho é desempenhado. Nele é comum o uso de recursos naturais de modo equilibrado porque há a preocupação em manter a estrutura construída para as gerações posteriores, que são, geralmente, comunidades marcadas pela economia de subsistência. Diferentemente de outras, as comunidades tradicionais consideram o território como elemento simbólico e mítico, um lugar no qual seus valores são constantemente reconstruídos em conexão com seu passado e conhecimento ancestrais, produzindo um modo de vida associativo e/ou coletivo. Ou seja, o ritmo de reprodução do modo de vida social se dá em compasso com o ritmo natural.

  Dessa forma, o trabalho mantém uma profunda interdependência com a natureza, o desejo de viver em comum, as redes de solidariedade, a partilha igualitária dos valores de uso e dos valores monetários, a posse comunitária da terra e de outras riquezas inscritas nas comunidades e a não exploração de outro indivíduo como eixo estruturante da organização social.

  Muitas vezes o termo "tradicional" pode ser compreendido, carregado de significado pejorativo que faz referência a algo ultrapassado, "atrasado", que se opõe ao que é novo e moderno. São tradições que carregam uma perspectiva de vida e visão de mundo que podem não ser compreendidas de acordo com os paradigmas da sociedade moderna, causando uma certa estranheza com relação à produção material e imaterial da vida cotidiana. No entanto, é importante salientar que as comunidades tradicionais preconizam outro modo de vida, que pode conviver em harmonia com as conquistas da modernidade e até mesmo incorporá-las para o melhoramento do seu bem-estar.

Comunidade caiçara no município de Cananeia (SP). Um exemplo de uma comunidade tradicional

REFERÊNCIAS:

BRASIL. Secretaria de Especial de Direitos Humanos (SEDH). Terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos - PNDH 3. Brasília: 2010.

ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? - Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 9ª ed. São Paulo: Editora Cortez, 2003.

MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2010.

CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. São Paulo: Brasiliense, 2017.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

O USO DA VIOLÊNCIA NA DIVULGAÇÃO DE NOTÍCIAS

  Nos últimos anos, a discussão sobre as consequências graves de notícias espalhadas por diversos meios se acentuou. O termo fake news passou a integrar o cotidiano de muita gente e integrou debates políticos de variados países.

  Notícias falsas, ou fake news, em inglês, são uma forma de imprensa marrom (veículos de comunicação sensacionalistas), que consiste na distribuição deliberada de desinformação ou boatos via jornal impresso, televisão, rádio, ou ainda online, como nas mídias sociais. Este tipo de notícia é escrito e publicado com a intenção de enganar, a fim de se obter ganhos financeiros ou políticos, muitas vezes com manchetes sensacionalistas, exageradas ou evidentemente falsas para chamar a atenção. Uma fala, um texto, uma reportagem que divulga informação mentirosa sobre algo ou alguém, são chamadas de fake news. Por essa lógica, as fake news existem desde quando os seres humanos começaram a se comunicar entre si. Mentir para alguém pode ser considerado falar uma fake news.

  No entanto, não usamos o termo fake news para apontar toda e qualquer mentira ou informação errada. As fake news são, primeiramente, ligadas à imprensa. Mas o termo se popularizou na era da internet, com notícias propagadas por jornais, emissoras, grupos e movimentos políticos, que atingem grande número de pessoas.

  Um jornal pode dizer uma data errada em reportagem. Quando isso acontece, é possível que o veículo publique uma errata corrigindo o equívoco. Já a fake news não é uma notícia que contém uma informação equivocada. Ao contrário, várias fake news são histórias completamente inventadas. Fake news, portanto:

  • são divulgadas para grande número de pessoas, sobretudo por meio da internet;
  • não são uma notícia verdadeira que contêm pequeno erro, mas notícias cujo conteúdo é inteiramente falso.

Repórteres com várias formas de "notícias falsas", de uma ilustração de 1894, por Frederick Burr Opper

Os usos das fake news

  Em alguns casos, chamamos de fake news notícias que têm informação falsa no título. Nesse caso, nem sempre a matéria conta alguma mentira, o título falso é apenas uma estratégia de click bait - manchete de notícia sensacionalista ou falsa que visa chamar a atenção para aumentar o número de clicks em uma matéria ou página para aumentar as receitas de publicidade online.

  Existem muitos usos possíveis das fake news. Um candidato político em campanha pode inventar uma história sobre seu adversário para ganhar uma eleição. Um grupo religioso pode divulgar informações falsas sobre outra religião, a fim de atacar uma crença diferente da sua. No mundo comercial e empresarial, as fake news pode ter a função de derrubar um adversário. Uma empresa pode mentir sobre sua concorrente a fim de ganhar novos consumidores. Por fim, alguém pode inventar uma fake news afim de propagar o ódio. Por exemplo, uma pessoa racista pode fabricar uma fake news contra um negro, ou uma pessoa que quer se vingar de outra espalha mentiras a seu respeito.

  Se é verdade que as notícias falsas propagadas pela imprensa existem bem antes da internet, também é verdade que, com a internet e as diversas redes sociais, começou uma prática nova de fake news. Em diversas campanhas políticas do mundo todo, há empresas que trabalham unicamente para divulgar informações erradas e mentirosas.

  A lógica da internet favorece o rápido compartilhamento de uma mentira. Um exemplo é a televisão: se alguém vê uma notícia falsa, pode acreditar nela e comentar com seus amigos próximos. Mas se alguém recebe uma notícia falsa, pode acreditar nela e pelo celular, bastam alguns cliques para que muitas pessoas recebam essa notícia. A internet permite a viralização e faz com que leitores crédulos trabalhem para os propagadores das fake news.

  Muitas vezes as pessoas envolvidas em uma fake news são atacadas. Os ataques podem ser virtuais ou não. Alguém acusado falsamente de cometer um crime pode receber e-mails ameaçadores, mas pode ser atacado fisicamente. Depois de muitos casos de pessoas atacadas e prejudicadas por causa das fake news, diversos países começaram a discutir leis que punissem a prática dessas notícias.

Como combater uma fake news

  Não existe uma forma rápida de acabar com as fake news, pois suas forças estão tanto nos seus criadores quanto nas pessoas que as divulgam. Na maior parte das vezes, é difícil identificar os seus criadores e isso dificulta muito a luta contra elas, porém, diversos especialistas apontam caminhos para que as pessoas comuns deixem de ser um instrumento de propagação das fake news.

  Os especialistas apontam que a principal arma contra as fake news é o senso crítico, ou seja, a nossa capacidade de receber informações, refletir sobre elas e saber agir em caso de dúvidas. Para isso, recomenda-se seguir alguns passos quando recebemos ou lemos uma notícia:

1º passo: se a notícia for uma matéria de um jornal ou de um site, não leia apenas o título, pois muitas vezes os títulos são criados para chamar a atenção do leitor e podem distorcer a informação.

2º passo: tenha cuidado com notícias sensacionalistas, pois esse é um recurso utilizado pelos criadores de fake news para mexer com as emoções do leitor, induzindo-o a aceitar de forma acrítica as informações.

3º passo: verifique se a notícia tem algum autor. Em caso positivo, se for alguém que você não conhece, pesquise sobre ele.

4º passo: se a notícia for de algum site que você não conhece, navegue pela página para descobrir mais sobre ele e verificar sua credibilidade. Normalmente, os sites têm uma aba chamada "Quem somos", onde é possível verificar os responsáveis, saber se há e-mail ou telefone de contato etc.

5º passo: sempre verifique a data de publicação das notícias e a localidade onde as situações ocorreram. É muito comum recebermos imagens ou notícias em que a data, o local ou as pessoas retratadas não se referem ao fato noticiado.

6º passo: tenha sempre mais de uma fonte de informação, não se restrinja aos mesmos sites ou noticiários. Ter referências variadas ajuda a conferir a veracidade das informações. E ouvir mais de um ponto de vista contribui para a formação do senso crítico.

7º passo: antes de repassar qualquer informação, procure saber se ela é verdadeira.

Cartaz sobre fake news

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