quinta-feira, 19 de março de 2020

OS RIOS VOADORES: SISTEMAS DE NUVENS NA AMAZÔNIA E NOS ANDES

  O clima de diversos locais do mundo é influenciado por cursos de água atmosféricos, popularmente conhecidos como "rios voadores". Trata-se de imensas massas de vapor de água decorrentes da evaporação dos oceanos, nas faixas próximas às áreas quentes do planeta. Essas massas de umidade, acompanhadas de nuvens, são transportadas pelas correntes de ar em alta velocidade e por longas distâncias, precipitando em outras regiões, distantes da área de origem.
  Os rios voadores são cursos de água atmosféricos (aéreos ou flutuantes), formados por massas de ar carregadas de vapor de água, muitas vezes acompanhados por nuvens, e são propelidos pelos ventos. Essas correntes de ar invisíveis carregam umidade da Bacia Amazônica para o Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil. São invisíveis em determinada região da Amazônia e sobrevoam em meio a copa das árvores. Eles não têm margens como os rios terrestres, porém realizam a mesma função de transportar umidade e vapor de água, advindos da evapotranspiração das árvores.
  Essa umidade, nas condições meteorológicas propícias, como uma frente fria vinda do sul, se transforma em chuva. É essa ação de transporte de enormes quantidades de vapor de água pelas correntes aéreas que recebe o nome de rios voadores.
Esquema do sistema "rios voadores"
  Para bombear a água ela suga a umidade evaporada pelo Oceano Atlântico próximo à Linha do Equador e é carregada pelos ventos alísios, formando-se assim, as nuvens. Quando chegam sobre a mata, com a influência do calor e já carregadas, ficam mais pesadas que o ar e caem em forma de chuva. Posteriormente, as árvores evapotranspiram sob o sol e a floresta devolve toda a água que absorveu para a atmosfera na forma de vapor de água. O ar é carregado e continua sendo transportado rumo a curvatura do Acre, uma vez que por causa da Cordilheira dos Andes, não passa direto, seguindo pela Bolívia e Paraguai até chegar aos estados brasileiros de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Minas Gerais, Pará, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Antes, precipita levemente próximo às montanhas, dando origem aos rios amazônicos.
  A América do Sul é influenciada pelo rio voador que tem origem nas áreas equatoriais do Oceano Atlântico. Ao se deslocarem para o interior do continente, os rios voadores ganham força com a umidade que se evapora das árvores da Floresta Amazônica. Estima-se que eles circulem na atmosfera a uma altura de até dois quilômetros. Ao adentrar pela porção norte do continente sul-americano, encontram a Cordilheira dos Andes e, em decorrência da redução da pressão atmosférica conforme aumenta a altitude do relevo, precipitam nas cabeceiras da bacia hidrográfica do rio Amazonas, retroalimentando o sistema de umidade da região.
Esquema dos chamados "rios voadores"
  Também provocam chuvas a grandes distâncias, como na Bacia do Rio da Prata, que abrange a porção sul do Brasil, o norte da Argentina, o Uruguai e o Paraguai. São extremamente importantes para as produções agrícolas e industrial e para o abastecimento de água das cidades.
  A vazão dos rios flutuantes é equivalente à vazão dos rios amazônicos, lançando cerca de 200.000 m³/s. Isso acontece porque uma árvore bombeia para a atmosfera mais de 300 litros de água em um dia, sendo que uma árvore maior pode evapotranspirar mais de mil litros por dia.
  A umidade levada para o Sudeste e o Centro-Oeste do Brasil garante a estas regiões capacidade para não se tornarem desertos, uma vez que outras regiões na mesma faixa subtropical são desérticas, como a Austrália, o Kalahari, a Namíbia e o Atacama.
  Ter consciência da influência da Floresta Amazônica na vida de todo brasileiro, seja por causa do uso cotidiano da água pelos cidadãos, pelo uso na agricultura ou na criação de animais, é estratégico para que ela seja protegida do desmatamento. A permanência da Floresta garante nosso suprimento de água e, consequentemente, de alimentos.
Chuva na Amazônia

quinta-feira, 12 de março de 2020

AS ESTAÇÕES DO ANO

  As estações do ano são primavera, verão, outono e inverno. Cada uma delas tem duração aproximada de três meses, contemplando, portanto, os doze meses do ano.
  Na órbita que a Terra descreve ao redor do Sol, há quatro posições que indicam o início e o fim de cada estação. Duas delas recebem o nome de solstício - ocorrem nos dias 21 de dezembro e 21 e junho -, e as outras duas recebem o nome de equinócio - dias 21 de março e 23 de setembro.
  Inicialmente, o ano era dividido em duas partes:
  • o período quente (em latim "ver") era dividido em três partes: o Prima Vera (literalmente "primeiro verão"), de temperatura e umidade moderadas; o Tempo Veranus (literalmente "tempo da frutificação"), de temperatura e umidades elevadas; e o Estivum (em português traduzido como "estio"), de temperatura elevada e baixa umidade.
  • o período frio (em latim "hiems") era dividido em duas fases: o Tempus Autumnus (literalmente "tempo do ocaso"), em que as temperaturas entram em declínio gradual; e o Tempus Hibernus, a época mais fria do ano, marcada pela neve e ausência de fertilidade.
Diagrama que representa as estações do ano
  Posteriormente, para ajustar as estações à posição exata dos equinócios e solstícios, correlacionados com a influência da translação associada à mudança no eixo de inclinação da Terra, convencionou-se, no Ocidente, dividir o ano em quatro estações. Porém, em certas culturas, o ano é dividido em cinco estações, como a China. Países como a Índia, divide o ano em três estações: uma quente, uma fria e uma chuvosa.
  Já no continente africano, países como Angola, só tem duas estações: a das chuvas, quente e úmida; e a cacimbo, seca e ligeiramente mais fresca, principalmente à noite.
Figura esquemática que mostra as estações do ano
  A palavra "solstício" significa "Sol que se detém". Por causa da inclinação do eixo terrestre e da posição da Terra em relação ao Sol, no dia 21 ou 22 de dezembro ocorre o solstício de verão no Hemisfério Sul e o solstício de inverno no Hemisfério Norte: os raios solares incidem perpendicularmente sobre o Trópico de Capricórnio. Nessa data, o Hemisfério Sul tem o dia mais longo do ano, quando se inicia o verão; o Hemisfério Norte tem o dia mais curto do ano, marcando o início do inverno.
  Em 20 ou 21 de junho acontece o contrário: solstício de inverno no Hemisfério Sul e solstício de verão no Hemisfério Norte. Neste dia os raios solares incidem perpendicularmente sobre o Trópico de Câncer. É o início do verão no Hemisfério Norte, com o dia mais longo que a noite, e no Hemisfério Sul tem início o inverno, com a noite mais longa e o dia mais curto (as datas podem variar dependendo do ano bissexto).
Insolação da Terra no ano de 2013
  A palavra "equinócio" significa "dias e noites iguais", ou seja, indica que a duração do período claro (dia) é igual à do período escuro (noite). Os equinócios ocorrem em 20 ou 21 de março e 22 ou 23 de setembro, quando os raios solares incidem perpendicularmente sobre a linha do Equador, iluminando os dois hemisférios.
  O equinócio de 20 ou 21 de março anuncia o início da primavera no Hemisfério Norte e do outono no Hemisfério Sul. Já o equinócio de 22 ou 23 de setembro marca o início do outono no Hemisfério Norte e da primavera no Hemisfério Sul. Essas datas podem variar decorrente do ano bissexto.
  Na zona tropical, por exemplo, onde está localizada a maior parte do território brasileiro, é mais difícil perceber as diferenças entre uma estação e outra. Essa é a zona de maior insolação do planeta, o que mantém a temperatura do ar atmosférico elevada durante o ano todo. Apenas nos estados brasileiros situados ao sul do Trópico de Capricórnio e em lugares situados em altitudes mais elevadas o inverno é mais frio.
  Na zona temperada, as estações do ano são bem definidas: no inverno, as temperaturas são baixas e pode nevar em muitos lugares; no outono e na primavera, as temperaturas ficam amenas; e, no verão, elas costumam ser mais elevadas.  Nas zonas polares, as quatro estações do ano também não são bem demarcadas. As temperaturas são sempre baixas, geralmente inferiores a 0 ºC.
Figura esquemática que mostra uma planta durante as 4 estações do ano
  As estações do ano se repetem todos os anos. Os povos antigos já as percebiam e regulavam suas atividades diárias em função delas: o plantio, a colheita, a época de se proteger do frio etc. No entanto, as estações do ano não são bem definidas em todos os lugares da Terra, pois variam de acordo com a latitude.
  O inverno é a estação mais fria das quatro estações do ano nos climas temperados. O inverno no Hemisfério Norte é chamado "inverno boreal", e o do Hemisfério Sul é chamado "inverno austral".
  No inverno, as noites são mais longas que os dias, visto que a incidência de raios solares é menor. Durante essa estação, várias espécies de aves migram do seu lugar de origem para outras áreas com o intuito de fugir do frio.
  No Hemisfério Norte o inverno tem início no dia 21 ou 22 de dezembro e termina com o equinócio da primavera, no dia 20 ou 21 de março (dependendo do ano bissexto). No Hemisfério Sul, o inverno tem início no dia 20 ou 21 de junho e vai até o dia 22 ou 23 de setembro, quando se inicia a primavera.
Inverno na região temperada - as plantas ficam ociosas
  A primavera é a estação do ano que se segue ao inverno e precede o verão. É tipicamente associada ao reflorescimento da flora terrestre.
  A primavera do Hemisfério Norte é chamada de "primavera boreal" e a do Hemisfério Sul é chamada de "primavera austral". A primavera boreal tem início no dia 20 ou 21 de março e termina no dia 20 ou 21 de junho. A primavera austral tem início no dia 22 ou 23 de setembro e termina no dia 21 ou 22 de dezembro.
Primavera na região temperada - as plantas voltam a crescer
  O verão caracteriza-se por ser a estação mais quente do ano. Neste período, as temperaturas permanecem elevadas, os dias são mais longos e as noites são mais curtas. Geralmente, o verão é também o período do ano reservado às férias.
  No Hemisfério Norte, o verão é chamado de "verão boreal" e no Hemisfério Sul é chamado "verão austral". O verão boreal tem início com o solstício de verão, que acontece no dia 20 ou 21 de junho, e termina no dia 22 ou 23 de setembro com o equinócio de outono (dependendo do ano bissexto). O verão austral tem início no dia 21 ou 22 de dezembro e vai até o dia 20 ou 21 de março, quando ocorre o equinócio do outono.
Verão nas regiões temperadas - nessa época as plantas crescem
  O outono é a estação do ano que sucede ao verão e antecede o inverno. É caracterizado por queda na temperatura e pelo amarelar e início da queda das folhas das árvores, que indica a passagem de estações (exceto nas regiões próximas ao Equador).
  O outono no Hemisfério Norte é chamado de "outono boreal" e no Hemisfério Sul é chamado de "outono austral". O outono boreal tem início no dia 22 ou 23 de setembro e termina no dia 21 ou 22 de dezembro. O outono austral tem início no dia 20 ou 21 de março e termina no dia 20 ou 21 de junho.
Nas regiões temperadas durante o outono, as árvores ficam amareladas e liberam suas folhas

domingo, 8 de março de 2020

OS QUILOMBOLAS E OS QUILOMBOS

  Para fugir dos maus-tratos e da submissão do colonizador, os escravizados resistiram de diversas maneiras. Uma delas foi a formação de quilombos, para onde negros, além de indígenas e mestiços fugiam. Nos quilombos, considerados fortalezas escondidas no meio da mata, eles se organizavam, plantavam, criavam animais e viviam em liberdade.
  A palavra "quilombo" tem origem nos termos "kilombo" (Quimbundo) e "ochilombo" (Umbundo), estando presente também em outras línguas faladas ainda hoje por diversos povos Bantus que habitam a região de Angola, na África Ocidental. Originalmente, designava apenas um lugar de pouso, utilizado por populações nômades ou em deslocamento. Posteriormente, passou a designar também as paragens e acampamentos das caravanas que faziam o comércio de cera, escravos e outros itens cobiçados pelos colonizadores. Significava também "acampamento guerreiro", capital, povoação, união. Porém, foi só no Brasil que o termo "quilombo" ganhou o sentido de comunidades autônomas de escravos fugitivos. Os moradores dessas comunidades são chamados de quilombolas.
Comunidade quilombola de Curiaú, no Amapá
  No Brasil houve diversos quilombos, tanto pequenos quanto grandes. Parte da produção quilombola era usada para a sobrevivência da sua população, parte era comercializada com comunidades vizinhas.
  O quilombo mais conhecido, sempre lembrado pelos livros de história, foi Palmares, instalado na Serra da Barriga, em Alagoas, mas pelo menos dois mil outros deram origem a comunidades hoje chamadas de remanescentes de quilombo ou quilombolas.
  Os quilombos eram entendidos pelo Conselho Ultramarino do governo português de 1740 como "todo agrupamento de negros fugidos que passe de cinco, ainda que não tenham ranchos levantados em parte despovoada nem se achem pilões neles".
  Alguns quilombos se formaram a partir da compra de muitas terras de escravos alforriados, alguns receberam áreas por meio de herança, outros grupos se mantiveram em fazendas decadentes.
  Os escravos fugiam das fazendas entre os séculos XVI e XIX e se abrigavam nos quilombos para se defenderem do sistema escravista e resgatarem a cosmovisão africana e os laços de família perdidos com a escravização. Neles existiam manifestações religiosas e lúdicas, como a música e a dança.
Comunidade quilombola Boa Vista dos Negros, em Parelhas (RN)
  De acordo como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), atualmente existem cerca de 3 mil comunidades quilombolas. Os moradores dessas comunidades lutam para obter o direito às terras que vêm sendo ocupadas desde o tempo de escravização. Visam, assim, garantir sua sobrevivência, sem perder suas tradições e seu modo de vida. Atualmente, as comunidades quilombolas passam por um processo de reconhecimento legal de sua existência por parte dos governos nacionais e das organizações internacionais.
  As comunidades quilombolas, de acordo com certos critérios, podem pleitear ao Estado brasileiro:
  • o reconhecimento oficial como comunidade quilombola, pela Fundação Cultural Palmares;
  • o título de propriedade da terra, como consta na Constituição Federal de 1988;
  • o acesso ao projeto de sustentabilidade, preservação e valorização de seus patrimônios histórico-culturais, assegurados nos Artigos 214, 215 e 216 da Constituição do Brasil.
Mapa do Brasil sobre a distribuição das comunidades quilombolas
O Quilombo dos Palmares
  o Quilombo dos Palmares foi o mais importante quilombo da era colonial brasileira. Localizava-se na Serra da Barriga, na então Capitania de Pernambuco, região hoje pertencente ao município de União dos Palmares, no estado de Alagoas.
  O auge do Quilombo dos Palmares ocorreu na segunda metade do século XVII, constituindo-se no mais emblemático dos quilombos formados no período colonial. Resistiu por mais de um século e se transformou em um símbolo de resistência do africano à escravidão. Seu primeiro líder foi Ganga Zumba (Grande Senhor), um escravo nascido no Reino do Congo por volta de 1630, e sucedido por seu sobrinho Zumbi, que foi um dos pioneiros na resistência contra a escravidão na América.
Mirante da Serra da Barriga
  À época das invasões holandesas no Brasil (1624-1625 e 1630-1654), com a perturbação causada nas rotinas dos engenhos de açúcar, registrou-se um crescimento da população em Palmares, que passou a formar diversos núcleos de povoamento (mocambos), nos quais os principais foram:
  • Cerca Real do Macaco - o maior centro político do quilombo, contando com cerca de 1.500 habitações;
  • Subupira - centralizava as atividades militares, contando com cerca de 800 habitações;
  • Zumbi - era o líder do povo. Tornou-se símbolo da luta dos afro-brasileiros contra a opressão e a discriminação;
  • Dandara - esposa de Zumbi, liderava as falanges femininas do exército palmarino.
Zumbi dos Palmares (1655-1695)
  Segundo historiadores, em 1670 a população do Quilombo dos Palmares chegou a 20 mil pessoas. Essa população sobrevivia graças à caça, à pesca, à coleta de frutas (goiaba, caju, abacate, entre outras) e à agricultura (feijão, milho, mandioca, banana, laranja e cana-de-açúcar). Praticavam também o artesanato (cestos, tecidos, cerâmica, metalurgia), onde os excedentes eram comercializados com as populações vizinhas, e os colonos chegavam a alugar terras para o plantio e a trocar alimentos por munição com os quilombolas.
  Com a expulsão dos holandeses do Nordeste do Brasil, acentuou-se a carência de mão de obra para a retomada de produção dos engenhos de açúcar da região. Dado o elevado preço dos escravos africanos, os ataques a Palmares aumentaram, visando a recaptura de seus integrantes.
Lagoa Encantada dos Negros
  A prosperidade de Palmares atraía a atenção e receio, e o governo federal sentiu-se obrigado a tomar providências para afirmar o seu poder sobre a região. Em carta à Coroa Portuguesa, um governador-geral reportou que os quilombos eram mais difíceis de vencer do que os holandeses.
  Foram necessários cerca de 18 expedições, organizadas desde o período de dominação holandesa, para erradicar definitivamente o Quilombo dos Palmares. Após várias investidas, o governador e capitão-general da Capitania de Pernambuco, Caetano de Melo e Castro, contratou o bandeirante Domingos Jorge Velho e o capitão-mor Bernardo Vieira de Melo para erradicar de vez a ameaça dos escravos fugitivos na região. O quilombo passou a ser atacado pelas forças do bandeirante e, em 1694, após um ataque frustrado, as forças dos bandeirante iniciaram uma empreitada vitoriosa, com um contingente de seis mil homens, bem armados e municiados. Um quilombola, Antônio Soares, foi capturado e, mediante a promessa de Domingos Jorge Velho de que seria libertado em troca da revelação do esconderijo do líder, Zumbi foi encurralado e morto em uma emboscada em 20 de novembro de 1695.
  A cabeça de Zumbi foi cortada e conduzida para Recife, onde foi exposta em praça pública no Pátio do Carmo, no alto de um mastro, para servir de exemplo a outros escravos. Sem a liderança de Zumbi, por volta de 1710, o quilombo se desfez por completo.
Pátio do Carmo, em Recife (PE) - aqui a cabeça de Zumbi dos Palmares foi exposta
A Fundação Cultural Palmares
  A Fundação Cultural Palmares é uma entidade pública brasileira vinculada ao Ministério da Cultura, instituída pela Lei Federal nº 7.668, de 22 de agosto de 1988.
  A entidade teve seu Estatuto aprovado pelo Decreto nº 418, de 10 de janeiro de 1992, e tem como missão os preceitos constitucionais de reforços à cidadania, à identidade, à ação e à memória dos segmentos étnicos dos grupos formadores da sociedade brasileira, além de fomentar o direito de acesso à cultura e à indispensável ação do Estado na preservação das manifestações afro-brasileiras.
Comemoração de 27 anos da Fundação Cultural Palmares, em 2015

segunda-feira, 2 de março de 2020

A DISSOLUÇÃO DO SEGUNDO MUNDO

  Após a Segunda Guerra Mundial, durante a Guerra Fria, o mundo se encontrava bipolarizado entre os Estados Unidos, capitalista, e a União Soviética, socialista. A rivalidade entre os países capitalistas e socialistas baseava-se, em grande parte, no desenvolvimento de suas economias e de seus modelos de produção, o que impulsionou as corridas armamentista e espacial.
  Nesse contexto de Guerra Fria, o demógrafo francês Alfred Sauvy utilizou o termo Terceiro Mundo, em artigo escrito em 1952, para se referir aos países economicamente mais frágeis e com pouca influência política nas decisões mundiais. Com base nesse conceito, teve origem uma nova regionalização do mundo, que classificou os países em Primeiro, Segundo e Terceiro Mundo.
  O Primeiro Mundo correspondia aos países capitalistas desenvolvidos, como Estados Unidos, Canadá, os países da Europa Ocidental, Japão, Austrália e Nova Zelândia. O Segundo Mundo era formado pelos países socialistas, como União Soviética, China, Cuba, países da Europa Oriental. O Terceiro Mundo representava os países capitalistas menos desenvolvidos, como os países da América Latina, da África, da Ásia e da Oceania que não se enquadrava no Primeiro nem no Segundo Mundo.
  Primeiro Mundo: os Estados Unidos e seus aliados
  Segundo Mundo: a União Soviética e seus aliados
  Terceiro Mundo: países não-alinhados ou neutros
  A partir da segunda metade do século XX, as expressões Primeiro, Segundo e Terceiro Mundo se popularizaram e passaram a ser utilizados nos meios de comunicação e em estudos sobre a desigualdade entre os países.
  Entretanto, com a desestruturação da União Soviética, no final da década de 1980, a expressão Segundo Mundo tornou-se obsoleta. Muitos países socialistas passaram a adotar o capitalismo como sistema econômico. A maior parte desses países passou a apresentar, após a dissolução da União Soviética, níveis de desenvolvimento econômico e social comparáveis aos dos países do Primeiro Mundo.
  A Teoria dos Mundos apresenta uma análise de um mundo já histórico, não condizendo mais com a realidade pós-Guerra Fria em que vivemos, uma vez que com a queda do Muro de Berlim e o colapso da União Soviética, e consequentemente o brusco colapso do socialismo no Leste Europeu, a dissolução da Iugoslávia e a abertura econômica chinesa levou o mundo na década de 1990 a experimentar a hegemonia do capitalismo como sistema econômico global.
Mudanças nas fronteiras nacionais soviéticas após o fim da Guerra Fria
  Com o colapso econômico e ideológico do Segundo Mundo, o termo entrou em total desuso, embora alguns ainda venham a fazer uso erroneamente dos termos Primeiro e Terceiro Mundo, ao se referir aos países ricos e pobres, respectivamente. Atualmente, as diferenças entre os mundos se combinam em vários aspectos, sendo atualmente mais utilizado os termos Países do Norte e Países do Sul e também países desenvolvidos e países subdesenvolvidos, que também recebem críticas sobre sua abrangência.
  No mundo bipolar da Guerra Fria, havia um grande abismo socioeconômico entre os países capitalistas ricos e pobres. Desde o fim da Guerra Fria, especialmente no século XXI, o mundo experimenta uma larga queda na desigualdade econômica entre nações, com as clássicas nações ricas estagnadas e vários antigamente pobres experimentando um período de florescimento da classe média e desenvolvimento técnico-industrial.
  Atualmente, vários autores estão considerando uma nova definição para "Segundo Mundo", que seria composto pelos países de economia emergente, tais como os países que fazem parte do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), Argentina, México, entre outros, por apresentarem ora características do Primeiro Mundo, ora do Terceiro Mundo.
Divisão do mundo de acordo com critérios econômicos em Países do Norte e Países do Sul
  A União Soviética foi dissolvida em 26 de dezembro de 1991, como resultado da declaração nº 142-H do Soviete Supremo da União Soviética. A declaração reconheceu a independência das antigas repúblicas soviéticas e criou a Comunidade dos Estados Independentes (CEI). No dia anterior, o presidente soviético Mikhail Gorbachev, o oitavo e último líder da União Soviética, renunciou, declarou seu cargo extinto e entregou seus poderes - incluindo o controle dos códigos do arsenal nuclear soviético - para o presidente russo Bóris Iéltsin. Naquela noite, às 19:32, a bandeira soviética foi baixada do Kremlin de Moscou pela última vez e substituída pela bandeira russa pré-revolucionária.
  Anteriormente, de agosto a dezembro, todas as repúblicas individualmente, incluindo a Rússia, se separaram da União. Na semana anterior da dissolução formal da URSS, 15 repúblicas - todas, exceto os Estados bálticos (Estônia, Letônia e Lituânia) e a Geórgia - assinaram o Protocolo de Alma-Ata, estabelecendo formalmente a CEI e declarando que a União Soviética tinha deixado de existir. As revoluções de 1989 e a dissolução da URSS, bem como a queda do Muro de Berlim e a reunificação da Alemanha, assinalaram o fim da Guerra Fria.
Mapa da CEI
  Várias ex-repúblicas soviéticas têm mantido laços estreitos com a Federação Russa, o Estado sucessor da URSS, e formaram organizações multilaterais, como a Comunidade Econômica Eurasiática (que reúne Bielorrússia, Cazaquistão, Quirguistão, Tadjiquistão e Rússia), a União da Rússia e Bielorrússia (entidade supranacional que compreende a Federação Russa e a Bielorrússia), a União Aduaneira da Eurásia (UAE - que compreende Armênia, Bielorrússia, Cazaquistão, Quirguistão e Rússia) e a União Econômica Eurasiática (que tem como membros Armênia, Bielorrússia, Cazaquistão, Quirguistão e Rússia, e como país observador a Moldávia), para reforçar a cooperação econômica e militar. Algumas, no entanto, se distanciaram e se juntaram à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e à União Europeia.
Projeto de formação Euro-asiático da Rússia
REFERÊNCIA: Araribá mais: geografia. Editora Moderna: editor responsável César Brumini Dellore. 1. ed. - São Paulo: Moderna, 2018.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

O QUADRILÁTERO FERRÍFERO: MAIOR PRODUTOR DE MINERAIS METÁLICOS DO BRASIL

  O Quadrilátero Ferrífero se estende por uma área aproximada de 7.000 km², na porção central do estado de Minas Gerais, e representa uma área geologicamente importante do Pré-Cambriano brasileiro devido a suas riquezas minerais, principalmente ouro, ferro e manganês. É a região mais rica de Minas Gerais e a economia é diversificada e bastante industrializada.
  A região do Quadrilátero Ferrífero é delimitada com base em um critério econômico. É a maior produtora nacional de minério de ferro. De toda a produção nacional, sai da região 60% do minério produzido no país. Abrange os seguintes municípios: Alvinópolis, Barão de Cocais, Belo Horizonte, Caeté, Congonhas, Igarapé, Itabira, Itabirito, Itatiaiuçu, Itaúna, Jeceaba, João Monlevade, Mariana, Mateus Leme, Moeda, Nova Lima,  Ouro Preto, Ouro Branco, Raposos, Rio Acima, Rio Manso, Rio Piracicaba, Sabará, Santa Bárbara, Santa Luzia, São Gonçalo do Rio Abaixo, São Joaquim de Bicas e Sarzedo. De acordo com estimativa a do IBGE para 2020, a  população dessa região é de 3.864.470 habitantes.
Placa explicativa sobre o Quadrilátero Ferrífero dentro do Parque Estadual da Serra do Rola-Moça
  Foi importante polo aurífero na época do ciclo do ouro. O povoamento teve início com a mineração no século XVII. Com a sua decadência, no fim do século XVIII, a região ficou estagnada.
  Na passagem do século XVIII para o XIX, surgiram os primeiros trabalhos científicos apresentando noções de geologia da porção centro-sudeste do estado de Minas Gerais. A partir daí, esta área foi se consolidando como objeto de pesquisas geológicas. Passado pouco mais de um século, a região ficou conhecida mundialmente como uma das maiores províncias minerais do planeta. No fim do século XIX, com a fundação de Belo Horizonte, houve um novo surto de povoamento.
Mapa geológico do Quadrilátero Ferrífero
  Na região do Quadrilátero Ferrífero encontra-se parte de duas das mais importantes bacias hidrográficas do estado de Minas Gerais: os rios Doce e das Velhas.
  A produção do Quadrilátero Ferrífero abastece as usinas siderúrgicas nacionais e produz, em grande parte, para exportação através da Vale S.A., antiga CVRD (Companhia Vale do Rio Doce). O minério é escoado através da Estrada de Ferro Vitória-Minas até os terminais do Porto de Tubarão, em Vitória, capital do Espírito Santo.
  Existe também o transporte por dutos, chamado mineroduto, ligando Mariana a Anchieta, no estado de Espírito Santo, com extensão de aproximadamente 400 quilômetros e atravessando 25 municípios.
  Está em construção um mineroduto ligando o município de Alvorada de Minas até o Complexo Portuário do Açu, em São João da Barra, no estado do Rio de Janeiro. O comprimento do duto é de 525 quilômetros, passando por 32 municípios. O transporte pelo duto terá a duração de três dias, utilizando bombas de alta pressão.
Produção de minério de ferro na região do Quadrilátero Ferrífero
REFERÊNCIA: Torrezani, Neiva Camargo
Vontade de saber: geografia: 7º ano: ensino fundamental: anos finais / Neiva Camargo Torrezani. - 1. ed. - São Paulo: Quinteto Editorial, 2018.

terça-feira, 28 de janeiro de 2020

OS ÍNDIOS APURINÃ

  Dispersos em locais próximos ao rio Purus, os Apurinã, que se autodenominam Popuküre, compartilham um rico complexo cosmológico e ritual. Sua história é fortemente marcada pela violência dos dois ciclos da borracha na região amazônica. Hoje lutam pelos direitos a algumas de suas terras que ainda não foram reconhecidas e que são recorrentemente invadidas por madeireiros.
  Os Apurinã vivem em diversas terras indígenas, sendo duas com os Paumari do Lago Paricá e Paumari do Lago Marahã, e uma com os índios Torá, na terra de mesmo nome. Sua língua pertence à família maipure, do tronco aruaque. A língua mais próxima seria dos Machineri, na região do alto rio Purus.
  O território habitado pelos Apurinã, no século XIX, era o médio rio Purus - rio do Sepatini ou do rio Paciá ao Laco. Mas os Apurinã são um povo tradicionalmente migrante e, hoje, seu território se estende do baixo rio Purus até Rondônia. Há áreas Apurinã nos municípios Boca do Acre, Pauini, Lábrea, Tapauá, Manacapuru, Beruri, Manaquiri, Manicoré (este último na Terra Indígena Torá), todas no estado do Amazonas, além de índios Apurinã morando em várias cidades do país, e uma aldeia na Terra Indígena Roosevelt, dos índios Cinta-Larga, com quem alguns são casados.
Área em que os índios Apurinã habitam
  Os Apurinã da região de Pauini são divididos em dois clãs: Xoaporuneru e Metumanetu. O pertencimento a um destes grupos é determinado pela linhagem paterna. Para cada um dos clãs há proibições naquilo que se pode e que não se pode comer: os Xoaporuneru não podem consumir certos tipos de inambu, e aos Metumanetu é proibido comer porco-do-mato. O casamento correto é entre Xoaporuneru e Metumanetu, pois o casamento entre membros de um mesmo clã é o mesmo que casar entre irmãos.
  Os primeiros pesquisadores, viajantes e missionários a percorrer o rio Purus, na segunda metade do século XIX, afirmavam que os Apurinã, ainda que morassem a alguma distância da beira do rio, vinham para as margens do Purus para pescar e apanhar tartarugas. Na época em que chegaram os não-índios, muitos Apurinã se refugiaram  no alto de igarapés, e outros, quando trabalharam em seringais, moraram em locais isolados.
Índios Apurinã
  Os Apurinã tiveram contato sistemático com os não-índios no contexto da exploração da borracha. No século XVIII, o rio Purus começou a ser explorado por comerciantes itinerantes, na busca das chamadas "drogas do sertão": cacau, copaíba, manteiga de tartaruga e borracha. Alguns destes itinerantes se estabeleceram e começou a haver benfeitorias para exploração, ainda no baixo Purus. Nas décadas de 50 e 60 do século XIX, aconteceram várias expedições para reconhecer e mapear o rio: nesta época, segundo relatos, alguns Apurinã já trabalhavam para os não-índios.
  O rio Purus foi povoado por causa da borracha. A exploração começou entre os anos de 1870 e 1880, e nessa época, o rio já estava todo povoado por não-índios. A decadência da borracha ocorreu na década de 1910, quando começou a produção asiática, com a qual a brasileira não conseguiu competir. Sem o mercado, os seringais foram abandonados. Os seringueiros e índios permaneceram, e voltaram a produzir para a subsistência (isso, muitas vezes, era proibido nos seringais) e a vender outros produtos, como a castanha-do-pará.
Rio Purus, em Santa Rosa do Purus - AC
  A borracha teve um novo boom com a Segunda Guerra Mundial. Os Aliados precisavam da borracha, e os seringais asiáticos estavam em poder do Eixo. Na primeira metade do século XX, cerca de 50 mil nordestinos foram enviados para a Amazônia para trabalhar como seringueiros, denominados de "soldados da borracha". Com o fim da guerra, findou também o mercado. Após este período, os seringais foram financiados pelo governo. A retirada dos subsídios levou a uma nova queda da produção, em 1985.
  Os Apurinã tiveram inserções diferentes nos seringais: grupos inteiros foram mortos, alguns vendiam seus produtos, outros trabalhavam como seringueiros; alguns trabalharam desde o princípio, outros tiveram contatos com não-índios somente na época dos "soldados da borracha".
  As histórias Apurinã falam de massacres, torturas, da experiência de terem sido escravos, das relações pessoais, de compadrio, das batalhas e guerras pela terra. Após a queda da borracha, nenhum produto a substituiu com a mesma importância e nenhuma outra estrutura de produção se estabeleceu com igual força na região.
Apunirã do rio Peneri, em 1984
  O Serviço de Proteção aos Índios (SPI) teve um posto no rio Seruini, afluente do rio Purus, entre os atuais municípios de Pauini e Lábrea (AM). O Posto Marienê foi fundado em 1913, após um conflito em que morreram cerca de quarenta Apurinã e sete seringueiros. O auge do posto, empreendimento com metas produtivistas, foi entre as décadas de 1920 e 1930. Depois, o posto decaiu e foram inúmeras acusações de corrupção. No início da década de 1940, o posto estava desativado. O local do posto é, hoje, a aldeia Marienê.
  O Posto Marienê reuniu muitos Apurinã em um só local. De acordo com a ideologia do SPI, sua missão era trazer os Apurinã para a "civilização", fazendo deles "trabalhadores úteis" ao país.
  Entre 1977 e 1979, a Ajudância da Funai no Acre fez os primeiros levantamentos na região de Pauini. Nessa época, começam a haver conflitos em torno da terra e a resistência, por parte dos índios, contra invasões e exploração. Na região de Pauini, no igarapé de Tacaquiri, os Apurinã, aí moradores, liderados por João Lopes Brasil -o Lopinho -, foram contra o projeto da prefeitura de passar uma estrada por dentro da área. Nos anos seguintes, os conflitos prosseguiram e a possibilidade da estrada é sempre uma sombra para os moradores da região. Outro conflito foi com as empresas madeireiras, que continua até os dias atuais.
Posto Marienê, em 1979
Festas e rituais Apurinã
  As festas Apurinã, que recebem o nome genérico de Xingané (em Apurinã, kenuru), incluem desde pequenas cantorias noturnas até grandes eventos, com convites para muitas aldeias, farta comida, vinho de macaxeira, banana, patauá e combustível para os participantes. Em algumas ocasiões são feitas festas para acalmar a sombra de um morto, na sequência e nos anos seguintes do falecimento.
  O Xingané inicia como um ritual de confronto. Os convidados chegam armados, pintados e enfeitados pela mata. Vêm gritando. Os da casa vão encontrar, também armados. Quando se encontram, avançam os líderes, iniciando uma discussão (em português denominam esse diálogo de cortar sanguiré, em Apurinã, katxipuruãta) rápida e alta, com as armas sempre apontadas para o peito um do outro. Atrás deles encontram-se os acompanhantes, de prontidão com suas armas também apontadas para os que discutem. Quando abaixam a voz, abaixam também as armas e os líderes tomam rapé na mão um do outro.
  No início da discussão, afirma-se que não se conhece o outro e perguntam quem ele é. Vem, então, o sanguiré, uma fala pessoal, sempre encerrada com a afirmação de quem se é filho e neto.
  Uma festa já não praticada, mas considerada muito importante é a dos Kamatxi. Esta festa contava com a presença dos Kamatxi, seres que moram em buritizais e que vinham por ocasião da festa. Eram utilizadas flautas e as mulheres ficavam encerradas em uma casa, não podendo ver nada.
Ritual do Xingané
  O princípio das doenças e da cura "pajé" Apurinã são as pedras. A pedra é, ao mesmo tempo, o que lhe permite curar e o que lhe permite causar doenças e matar. Segundo vários relatos, na iniciação do pajé, o primeiro passo deve ser passar meses na mata, jejuando ou comendo muito pouco e mascando katsowaru. Também se deve evitar relações sexuais. Quando o pajé recebe uma pedra, ele a introduz no corpo e assim vai introduzindo todas as pedras que recebe ou que, no futuro, vai tirar do corpo dos doentes.
  Um pajé cura utilizando katsoparu, folha que se masca, e awire, rapé. O pajé tem o seu próprio katsoparu e awire, mas a pessoa que solicita a cura, em geral, é responsável por providenciá-los para a ocasião. O pajé deve mascar o katsoparu e tomar muito rapé. Às vezes, a cura é feita de forma privada, na casa do doente; mas, muitas vezes, todos conversam, mascam, até que o pajé dê início à sessão. Ele cura chupando o local. Muitas vezes mostra a pedra e explica qual a doença, como o doente a adquiriu e o que deve fazer. Explica se é feitiço ou ação de um bicho da mata. Ele introduz a pedra no corpo e pode, então, recomendar remédios ou tratamentos. Os remédios, em geral, são plantas, mas podem também ser remédios industriais, de farmácia.
Pajé Isaka, em área atingida por incêndios em 2019
  Um dos problemas mais comuns para um pajé resolver são os bichos que puxam, levam consigo o espírito de crianças. Há uma série de alimentos que o pai e a mãe devem evitar quando a criança ainda é pequena - até que ela tenha cerca de dois anos. Os principais são os peixes e caças de grande porte, mas também feijão, cachaça, coco, abacaxi, katsoparu, manga. Esses últimos não levam a sombra, mas prejudicam a saúde da criança, uma vez que, pelo leite da mãe, ala absorveria o alimento. Durante a noite, o espírito do pajé vai resgatar a sombra da criança. Este movimento é perigoso. Se for um pajé fraco, pode, por exemplo, ficar preso na entrada de um buraco de peixe e morrer. O pajé chega com chuva e trovão, momento em que a criança respira novamente.
  Os pajés Apurinã trabalham com sonhos. Neles, seu espírito sai, visita outros lugares, cumpre tarefas. Outros espíritos guiam o pajé nestas jornadas: os bichos, ou chefes de bichos (hãwite) com quem trabalha. Cada pajé possui o seu, ou os seus: onça, cobra, mapinguari, entre outros. Outro problema comum, em crianças e em adultos, são as flechadas de "bichos", "flechadores" (kipuatitirã). Trata-se dos "chefes" (hãwite). Um varador novo é especialmente perigoso. Banha-se as crianças com a planta pipioca (kawaky) como prevenção, ou uma mulher espirra o leite de seu peito. As crianças são as menos resistentes aos flechadores, podendo morrer em decorrência destes ataques.
  Os pajés visitam várias terras, embaixo da terra onde se mora, embaixo do rio, até mesmo o céu, onde está Tsora - se forem fortes. Quanto mais forte é o pajé, menos limites há para o seu espírito. Se é assim em vida, em morte também o é. Os pajés não morrem, alguns falam, se encantam. No momento da sua morte, ouve-se um estrondo. Na morte de pajés antigos, eles davam instruções precisas de como queriam ser enterrados para que pudesse sair dos seus túmulos. em alguns casos, os túmulos dos pajés permanecem limpos. Em outros, conta-se que eles são vislumbrados entre bandos de animais, como queixadas. Na sua maioria, entretanto, vão para a Terra Sagrada.
Apurinã da aldeia Maracanã
Produtos feitos pelos Apurinã
  Grande parte das mulheres faz vassouras (que são amplamente vendidas), além de, em alguns casos, balaios e cestas. As redes de trama aberta, maqueiras, muito raras hoje em dia, são tecidas com enviras (entrecascas de diferentes espécies de árvores).
  Artefatos de cerâmica são feitos de barro misturado ao pó derivado da queima da casca da árvore caripé. Utilizada para evitar as rachaduras na cerâmica, a casca da árvore é queimada, pisada no pilão até virar pó, que é peneirado e misturado ao barro. A cerâmica é envernizada com breu (resina) de jatobá, conferindo um aspecto brilhante à peça, em tons que vão do amarelo ao vermelho. São feitos, algumas vezes, também desenhos, com água e sal, passados na peça após a queima e antes de passar o breu do jatobá.
  Muito utilizados também são os estojos de rapé, feitos de aruá (caracol), sernambi (resíduo de borracha) e pequenos círculos de metal. Os katokana, ou mexikana, tubos para aspirar o rapé, são feitos de ossos de animais.
  Fazem parte também da cultura tradicional dos Apurinã, as cascas (aãta), canoas de casca da árvore jutaí. Hoje, elas são mais comuns nas comunidades no alto dos igarapés. A casca de jutaí é muito leve e propícia para a agilidade que os igarapés exigem. Para fazer, tira-se a casca da árvore, na época das chuvas, abre-se com fogo e faz-se o banco com outra madeira.
Cerâmica Apurinã
A importância da mandioca para os Apurinã
  A mandioca tem uma grande importância na base alimentar para o povo Apurinã. No interior da comunidade, cada família tem a sua roça.
  Como são distantes da aldeia, em certos períodos, as famílias chegam a transferir sua morada para lá.
  A lida com a mandioca se inicia na estação seca, quando os homens Apurinã preparam o terreno da roça, fazem a limpeza e queimam, conforme o sistema de coivara.
  O plantio é uma atividade que envolve toda a família: enquanto os homens abrem as covas para, junto com um filho, irem enterrando a maniva (caule da mandioca que serve como muda), a mãe vai cobrindo as covas com terra.
  Quando as raízes estão crescidas, são arrancadas da terra pelos homens, que já preparam as manivas para o próximo plantio. São eles que levam a produção de mandioca para a aldeia, onde fica a Casa de Farinha, local onde é fabricada.
  As mulheres descascam e lavam as raízes da mandioca para os homens ralarem.
Índias Apurinã descascando a mandioca
  Como a quantidade a ser produzida é, em geral, grande, utilizam uma pequena máquina rústica, chamada caititu (em alusão talvez aos catetos, porcos silvestres que atacam roças de mandioca).
  É também o homem quem espreme a massa no tipiti, um cilindro trançado de cipó, cuja extremidade superior é amarrada ao alto de uma estrutura de troncos finos. Um travessão preso à extremidade inferior vai puxando, de modo a retirar da massa todo o seu líquido.
  Num grande forno abastecido a lenha, a farinha é esparramada no tacho de cobre onde, com o auxílio de uma pá, os homens a torram. Os Apurinã consomem a mandioca na forma de farinha, beiju e caiçuma - bebida fermentada.
  A farinha associada ao peixe é a base da dieta Apurinã, que é complementada por frutas silvestres como piquiá, bacuri, cacau bravo, buriti, abacaba, açaí e patuá.
Produção de farinha em uma aldeia Apurinã
REFERÊNCIA: Funai/ Museu do Índio. A cultura da mandioca pelos Apurinã
Silva, Axé
Tempo de geografia: 6º ano / Axé Silva, Jurandyr Ross. - 4. ed. - São Paulo: Editora do Brasil, 2018 (Coleção tempo).

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