sexta-feira, 9 de março de 2018

OS POVOS PRÉ-COLOMBIANOS QUE VIVIAM NO NORTE E NA FAIXA CENTRAL DA AMÉRICA

  Muitos povos viviam nas terras que formam a atual América antes da chegada dos europeus. Alguns desses grupos tinham uma organização social e econômica bem desenvolvida. Conhecer povos do passado é fundamental para entender a origem de tradições presentes nos países.
  Além disso, esses povos fazem parte de uma herança cultural relevante, que se expressa na paisagem e nos costumes. A forma como transformam a natureza e produzem o espaço geográfico pode ser encontrada ainda hoje em reservas indígenas, ainda que alguns deles já vivam em cidades.
As primeiras nações, métis e inuítes
  Nas terras que hoje pertencem ao Canadá são reconhecidos três grandes grupos de povos indígenas: as chamadas "primeiras nações", os métis e os inuítes. Em 2011, segundo o Censo do Canadá, eles representavam cerca de 4,3% da população do país, com pouco mais de 1,4 milhão de pessoas de um total de cerca de 32,5 milhões de habitantes. Parte dos povos indígenas vive em reservas, áreas delimitadas e reconhecidas pelo Estado para uso e que colaboram com a manutenção de suas tradições, e parte vive em áreas urbanas.
Daniel Cranmer e Andy Everson (líderes das Primeiras Nações do Canadá) e a premiê da Colúmbia Britânica canadense Christy Clark
  A expressão "primeiras nações" é usada para identificar centenas de povos que ainda hoje mantêm suas tradições.  De acordo com o Censo canadense de 2011, integram as primeiras nações 617 comunidades, que correspondem a 50 povos, com 50 línguas definidas. Fazem parte desse grupo os hurons-wendat, caçadores que viviam em áreas que permitiam a agricultura e plantavam milho, feijão e abóbora.
Índios da nação Huron-Wendat
  Os hurons-wendat é uma comunidade que habita uma reserva no município de Wendake, na província de Quebec. Falantes da língua wendat, da família linguística iroquesa, foram os primeiros indígenas a terem contato com os colonizadores europeus. Atualmente, cerca de 3.500 pessoas vivem nessa província (Quebec). A maioria são católicos e falam o francês. São conhecidos por sua produção de artesanato e objetos tradicionais, como mocassins e raquetes de neve.
Botas artesanais produzidas pelos hurons-wendat
  Outro povo que se destaca nas "primeiras nações" é o tahltan, que fala a língua na-dene ou athabaskan. Assim como os hurons-wendat, esse povo também é caçador, além de pescar e colher frutos silvestres. Habitam uma área a noroeste da Colúmbia Britânica, centrada principalmente no rio Stikine. Atualmente, a comunidade desenvolve atividades para recuperar e manter suas tradições. Uma delas foi a criação de uma página na internet (http://didenekeh.com), na qual é possível aprender o na-dene. Além disso, eles criaram uma associação que busca defender seus direitos e organizar a atividade econômica.
Povos da nação Tahltan
  Os métis são identificados como descendentes gerados do casamento entre europeus com mulheres de origem indígena, uma vez que poucas mulheres europeias atravessaram o oceano na época da colonização. Eles falam o michif, uma língua que surgiu da combinação do francês com línguas nativas. A principal atividade desse povo era a caça de búfalos, mas depois eles passaram a atuar como intérpretes entre colonos e grupos indígenas, já que conheciam as duas tradições.
Pessoas de origem métis
  Os inuítes, são um povo que habita o norte do Canadá, em áreas com temperaturas baixíssimas. Caçadores e pescadores, eles inicialmente utilizavam osso e pele de animais para produzir suas vestimentas. Além disso, desenvolveram técnicas construtivas que geraram abrigos adaptados ao frio. Mais tarde, com a chegada dos europeus, vendiam peles em troca de alimentos. Ainda assim, preservam suas línguas originais, o inuktitut e o inuinnaqtun, idiomas oficiais no Território de Nunavut, reconhecido pelo governo canadense em 1999.
Crianças inuítes
  Os inuítes vivem no Ártico há milhares e conservam grandes experiências de sobrevivência no gelo. Além disso, são caçadores de focas muito habilidosos e grandes pescadores, o que lhes garante uma boa alimentação, mesmo no rigoroso inverno.
  Os inuítes são povos tradicionais que aprenderam a conviver com o clima polar e sua região. Ao longo de sua história, desenvolveram técnicas para a caça e a pesca em condições muito adversas, sob temperaturas muito baixas. Suas habilidades tradicionais permitiram a construção de moradias com materiais simples, mas que oferecem razoável segurança e conforto em relação às condições naturais. Possuem conhecimento astronômico muito rico, assim como a habilidade de se orientarem em meio à uniformidade das áreas cobertas por gelo. Atualmente, poucos deles vivem de acordo com suas tradições mais antigas. O contato com os europeus resultou na assimilação de técnicas, costumes e hábitos diferentes da sua tradição, inclusive são praticantes do cristianismo.
Inuíte em frente à sua habitação, o iglu
Cherokee e diné
  Nas terras que hoje pertencem aos Estados Unidos também havia muitos povos indígenas. De acordo com o Censo de 2010 dos Estados Unidos, declararam ter origem indígena cerca de 3,5 milhões de pessoas, distribuídos em reservas e em áreas urbanas. Estimativas dos pesquisadores apontam que eles eram cerca de 8 a 10 milhões antes da chegada dos europeus.
  Entre os grupos indígenas, os que se encontram em maior número são os cherokee (pouco mais de 875 mil indivíduos declararam ao Censo de 2010 ter origem nesse grupo indígena) e os navajo (cerca de 310 mil declararam-se oriundos desse grupo.)
Tribos indígenas dos Estados Unidos
  O grupo cherokee possui 144 escolas de nível básico e superior. Desse modo, conseguem manter sua língua, o cherokee, que foi unificada em um código em 1820. Por isso é possível encontrar textos antigos nesse idioma, bem como obras ocidentais traduzidas para a língua. A agricultura é praticada pelas mulheres, e a caça, pelos homens.
  O idioma cherokee é da família iroquois, que é uma língua polissíndeta escrita com um silabário (alfabeto em que cada símbolo representa uma sílaba inteira, não um único fonema), inventado pelo líder indígena Sequoyah. Acredita-se, atualmente, que já havia uma silabário ancestral que teria inspirado Sequoyah a criar o sistema.
Índios cherokee
  O povo navajo prefere usar a palavra diné para autorreferir-se. A língua usada por eles é o diné bizaad, que, como no caso dos cherokee, tem origem no ramo athabaskan. Eles eram caçadores. Hoje vivem em reservas e, também, em áreas urbanas.
  Os navajos entraram em conflito com os colonizadores espanhóis e mexicanos no fim do século XVIII e início do século XIX. Seus contatos com os espanhóis foi curto, mas importante, pois introduziram cavalos, ovinos e caprinos, o que deu grande impulso na economia. Em 1846, os navajos assinaram seu primeiro tratado com o governo dos Estados Unidos, mas alguns conflitos com as tropas do exército, motivados pela ganância, levaram às hostilidades em 1849.
Índios navajos
Olmecas e zapotecas
  Também havia povos que habitavam a região que se estende do atual México Meridional até a Guatemala. De acordo com dados do Instituto Nacional de Estadística y Geografia do México, 6% da população do país, estimada em 105 milhões de habitantes, falava ao menos uma língua indígena.
Territórios indígenas do México
  Na faixa que vai da Guatemala ao sul do México estavam os olmecas, no período de 1250 a.C. a 400 a.C.. Estudos de arqueólogos apontaram que essas terras permitiam o cultivo do milho, pois eram férteis e também ocorriam chuvas regulares e temperaturas elevadas na região. Além de serem ótimos escultores, criaram também o primeiro calendário astronômico de que se tem notícia. Por isso, muitos arqueólogos acreditam que eles influenciaram as culturas que os sucederam.
  Os olmecas são a designação do povo e da civilização que estiveram na origem da antiga cultura pré-colombiana da Mesoamérica e que se desenvolveram nas regiões tropicais durante o período pré-clássico, próximo de onde hoje estão localizados os estados mexicanos de Vera Cruz e Tabasco. Crê-se que a cultura olmeca tenha sido a civilização-mãe de todas as civilizações mesoamericanas que se desenvolveram posteriormente.
Monumento 1, uma das quatro cabeças colossais encontradas em La Venta, com altura aproximada de 3 m3tros
  Os zapotecas criaram um sistema de escrita em que usavam glifos, que são símbolos gravados, para separar as letras. Acredita-se que esse sistema constituiu a base da escrita para as civilizações posteriores.
  Os zapotecas também construíram cidades monumentais, como Monte Alban (400 a.C a 700 d.C.), que está situada no estado de Oaxaca, no México. Estima-se que cerca de 50 mil pessoas viveram na cidade em seu auge. Considerada Patrimônio da Humanidade pela Organização das Nações Unidas, a Ciência e a Cultura (Unesco), essa cidade também era reconhecida por abrigar rituais religiosos, alguns envolvendo sacrifícios humanos. Os zapotecas desenvolveram uma agricultura muito variada e para ter boas colheitas rendiam culto ao Sol, à chuva, à terra e ao milho.
Monte Alban
Maias e toltecas
  Os maias surgiram por volta de 1000 a.C., e seu Império se estendia das terras da atual Guatemala até o Vale do Yucatán, no México. Conhecedor do calendário astronômico dos olmecas e da escrita zapoteca, esse povo também edificou grandes pirâmides.
  Ao contrário de outras civilizações, os maias não se organizaram politicamente através de uma estrutura de poder político centralizado. O esplendor da sociedade maia é fundamentalmente explicado pelo controle e as disciplinas empregadas no desenvolvimento da agricultura. Entre os vários alimentos que integravam a dieta alimentar dos maias, destacam-se o milho (produto de grande consumo), o cacau, o algodão e o agave. Para ampliar a vida útil de seus terrenos, os maias costumavam organizar um sistema de rotação de culturas.
Ruínas da antiga cidade-Estado maia de Zaculeu, nas terras altas da Guatemala
  O processo de organização da sociedade maia era bastante rígido e se orientava pela presença de três classes sociais. No topo da hierarquia encontramos os governantes, os funcionários de alto escalão e os comerciantes. Logo em seguida, vinham os funcionários públicos e os trabalhadores especializados. Na base da pirâmide ficavam os camponeses e trabalhadores braçais.
  Os maias criaram inovações técnicas na Astronomia. Eles construíram observatórios, como o Chichén Itzá (550 d.C.), por meio dos quais realizaram observações da Lua e de outros astros, como Vênus. Esses avanços técnicos os tornaram militarmente superiores a outros povos, que foram dominados pelos maias nessa época.
Chichén Itzá - localizado em Yucatán, México - mais importante cidade da antiga civilização maia
  Após o declínio de Teotihuacán, os toltecas, oriundos de áreas mais ao norte, ocuparam o México Central. Entre as cidades que construíram, Tula (900 d.C.) era a capital do Império, na qual se estima que viveram cerca de 30 mil pessoas. Ocuparam Chichén Itzá por cerca de 200 anos. A antiga capital tolteca revela pistas sobre as crenças e comportamentos de seus habitantes.
  No fim do século XII, Tula foi praticamente destruída, marcando o declínio dos toltecas. Mas ainda se encontram esculturas desse povo no sítio arqueológico que abrigou a cidade, a 84 quilômetros da capital mexicana. Com o aparecimento dos chichimecas, povo bárbaro que deu origem posteriormente ao Império Asteca, o império tolteca entrou em declínio.
Guerreiros toltecas representados pelos famosos Atlantes de Tula, no México
Mexicas
  Os mexicas, também chamados de astecas pelos colonizadores e historiadores europeus, consideravam-se descendentes dos toltecas, aos quais admiravam pela capacidade de construir enormes esculturas. Estima-se que os mexicas chegaram ao Vale do México entre 1200 e 1300 d.C., onde, em 1325, edificaram Tenochtitlán, cidade hoje enterrada no mesmo sítio que abriga a Cidade do México.
  Na época, Tenochtitlán estava localizada em uma ilha no Lago Texcoco. Ela foi alagada pouco antes da chegada dos espanhóis e praticamente reconstruída em poucos anos. Dotada de um sofisticado sistema de distribuição de água, chegou a abrigar mais de 100 mil pessoas.
Representação de Tenochtitlán, capital e maior cidade asteca
  Assim como os maias, os mexicas valorizavam os militares, o que os levou a dominar e escravizar muitos povos. O seu amplo domínio chegou ao seu apogeu no início do século XVI, e Montezuma II foi o maior imperador mexica.
  Entretanto, uma crença religiosa foi uma das razões do fim do Império. Os mexicas acreditavam que o deus Quetzalcóatl retornaria à Terra como humano, vindo do Oriente. Foi justamente do Oriente que surgiu Hernán Cortés (1485-1547), comandante espanhol que, montado em seu cavalo, foi associado ao deus mexica. Ele foi recebido no palácio de Montezuma II, que morreu pouco depois da chegada do colonizador.
Representação que marca a luta entre os espanhóis e os mexicas
  Os mexicas tinham armas e maior contingente, mas foram insuficientes para combater as armas de fogo e as armaduras espanholas. Isso resultou no pleno domínio dos mexicas pelos espanhóis. Em 1521, doenças como varíola e sarampo, trazidas pelos europeus, dizimaram a população mexica, que, segundo estimativas, chegou a cerca de 1 milhão de indivíduos, um décimo do que era antes dos conflitos com os invasores.
Sociedade mexica
REFERÊNCIA: Ribeiro, Wagner Costa
Por dentro da Geografia, 8º ano / Wagner Costa Ribeiro. - 3. ed. - São Paulo: Saraiva, 2015.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

A REGIÃO DE FLANDRES E O SEPARATISMO NA BÉLGICA

  Flandres é uma região localizada no norte da Bélgica. Nessa região, a língua predominante é o holandês (neerlandês), embora o dialeto local desta língua seja conhecida popularmente por flamengo, mesmo nome dado aos seus habitantes. Considera-se que o flamengo e o holandês seja uma mesma língua, embora com algumas variações regionais ao nível da terminologia. Ao sul da Bélgica, encontra-se a região da Valônia.
  A população flamenga é de origem predominantemente holandesa e a sua gênese remonta ao período em que Flandres ainda fazia parte dos Países Baixos (popularmente conhecida como Holanda). Há também uma diversidade de povos vindos de diferentes partes do mundo.
Mapa da Bélgica
  Durante a ocupação espanhola, muitos protestantes abandonaram a região (que hoje possui uma maioria católica) e mudaram-se para a República das Sete Províncias Unidas dos Países Baixos. Historicamente, a região de Flandres não possui uma religião oficial, mas predomina o catolicismo.
  Flandres é uma região administrativa e política belga criada desde a criação do país. Possui um governo, parlamento e receitas próprias, e tem procurado maior autonomia, sendo atualmente a de maior poder econômico da Bélgica.
  Flandres é dividido em províncias, cada uma com uma cidade principal. As províncias com suas respectivas capitais são: Antuérpia (Antuérpia), Limburgo (Hasselt), Flandres Oriental (Gent), Flandres Ocidental (Bruges) e Brabante Flamengo (Leuven). A capital da Bélgica, Bruxelas, é uma região autônoma, mas se localiza na região de Flandres.
Mapa da Bélgica dividido em regiões
  Devido sua localização estratégica (bem no meio das rotas comerciais da Europa e com a presença de grandes portos), Flandres tem uma história marcada por mudanças de poder,  conquistas e casamentos com intuitos políticos.
  Essa região da Bélgica é bastante famosa por sua arte flamenga (grande produção de cerveja artesanal, chocolate e a famosa Folha-de-Flandres) e por ser o berço de famosos artistas de estilo, principalmente grandes pintores (Jan Gossaert, Joachim Patinir, Jean Clouet, Rosso Fiorentino, Francesco Primaticio, Eyck, Rogier van de Weyden, Peter Paul Rubens, Hans Memling, Hugo van der  Goes, Hieronymus Bosch, Peter Bruegel, dentre outros).

Caronte atravessando o Estige, obra de Joachim Patinir
  As cidades de Flandres preservam toda a riqueza de sua história, do seu legado cultural e sua identidade. Pode-se visitar castelos e ver  as majestosas casas das guildas medievais em Bruxelas ou Antuérpia, dentre outras centenas de atrações.
  Todos os monumentos e locais de interesse estão concentrados numa pequena área, o que facilita o passeio, seja qual for a cidade escolhida. Flandres é também é famosa pela sua cerveja, pelos seus deliciosos chocolates e queijos e por sua fina culinária.
A Descida da Cruz - obra de Peter Paul Rubens, e que está exposta na Catedral de Antuérpia
  Conhecida por sua cultura da moda e como o centro mundial de diamantes, Antuérpia fica a cerca de 46 quilômetros da capital Bruxelas. Possui uma população de 523.432 habitantes (estimativa 2018) e é a cidade do pintor Peter Paul Rubens.
  Os principais pontos turísticos da cidade são: a Estação Central - Antwerpen Centraal Station - (construída no século XIX e considerada a mais bonita da Europa), o Castelo Het Steen (construído no início da Idade Média, é considerada a construção mais antiga da cidade), a Catedral de Nossa Senhora (Onze Lieve Vrouwekathedraal - construída no século XIV, possui uma torre de 123 metros de altura), o Forte Steen, o Grote Maarkt, entre outras.
Castelo Het Steen
O SEPARATISMO BELGA
  A história da fundação da Bélgica como país promoveu o surgimento de movimentos separatistas flamengos e valões. Do lado de Flandres, partidos como o Nieuw-Vlaamse Alliantie (Nova Aliança Flamenga) e o extremamente conservador Vlaams Belang (Interesse Flamengo) lutam pela separação da região.
  Questões socioeconômicas e étnicas são as principais causas da tensão entre duas regiões na Bélgica. Ao norte predomina a comunidade flamenga, na região de Flandres. Por meio de seu partido conservador, os flamengos querem a separação da região sul, conhecida como Valônia, onde a maioria da população é de origem francesa.
Antuérpia - Bélgica
  Esta questão tem sua gênese no passado da Bélgica, quando a Valônia era a região mais rica e o seu povo menosprezava Flandres e tudo o que dela vinha, pelo fato de se considerar que os flamengos eram de condições mais modestas. Nesse período, os flamengos foram oprimidos por falarem uma língua diferente do francês, considerada como inferior, e possuíam poucos ou quase nenhum direito civil, se comparados com os seus compatriotas da Valônia. Quando a situação se inverteu, muitos flamengos que se sentiam injustamente oprimidos, adotaram uma posição radical.
Boom - Bélgica
  Uma das grandes questões discutidas hoje é o conservadorismo dos valões. Apesar de o holandês ser uma das línguas oficiais da Bélgica, poucos francófonos fazem questão de o aprender, optando até mesmo pelo inglês, quando se trata de se comunicar com seus compatriotas do norte. Em contrapartida, os flamengos esforçam-se por aprender o francês (língua oficial da Valônia), assim como o alemão, que é falado em uma pequena parte do país (numa zona junto à fronteira alemã e que faz, oficialmente, parte da Valônia).
Grote Maarkt - Antuérpia
  Esta complexa situação está na origem da profunda crise política vivida pela Bélgica desde 2009, cujo aspecto mais visível é a dificuldade em constituir governo (como aconteceu em 2010-2011, quando o país ficou 541 dias sem governo). Entre os flamengos verifica-se uma significativa tendência para se defender a separação da Bélgica, ou seja, para obter a independência total de Flandres. A maioria, no entanto, rejeita esta solução, sendo favorável a uma maior autonomia. Por outro lado, existem camadas da juventude belga, tanto na Valônia como em Flandres, que começaram a manifestar-se em 2011 contra o bloqueio político provocado pelo conflito entre as regiões, ridicularizando-o sob a designação de "guerra das batatas fritas".
Essen - Bélgica
  Embora a dissolução de um Estado-membro da União Europeia levaria a admissão automática de estados resultantes, existem na Europa discrepâncias sobre a sua adequação, pois acredita que poderia ser o caminho para continuar a encorajar o separatismo em outras regiões, como o País Basco e a Catalunha na Espanha, ou a Escócia no Reino Unido.
  Em relação a isto e, dada a heterogeneidade cultural da população belga e suas semelhanças respectivas com os países próximos, alguns círculos conservadores propõem a dissolução da Bélgica e sua integração com os países vizinhos: Flandres aos Países Baixos, Valônia à França e a comunidade germanófona do leste da Valônia à Alemanha. Propõe-se também que, em tal caso, a cidade de Bruxelas se torne um assunto federal, administrado diretamente pela União Europeia, que agiria como a capital do bloco.
Bruxelas - capital da Bélgica
REFERÊNCIA: Projeto Apoema geografia 9 / Cláudia Magalhães... [et al]. -- 2. ed. -- São Paulo: Editora do Brasil, 2015. -- (Projeto Apoema; v.9).

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

A DIVISÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (DIT)

  Um dos grandes acontecimentos do século XX foi o fim dos impérios coloniais entre 1945 e 1975. As novas nações independentes, em sua maioria localizadas na África e na Ásia, passaram a fazer parte do grande bloco de países subdesenvolvidos, então chamados Terceiro Mundo, do qual também faziam parte as antigas colônias da América, com exceção dos Estados Unidos e do Canadá.
  Nesse contexto, estabeleceu-se a Divisão Internacional do Trabalho (DIT), denominação clássica que caracterizava as relações entre os países desenvolvidos e os países subdesenvolvidos não industrializados.
  A DIT é uma divisão produtiva em âmbito internacional. Os países emergentes ou em desenvolvimento que obtiveram uma industrialização tardia e que possuem economias ainda frágeis e passíveis de crises econômicas, oferecem aos países industrializados um leque de benefícios e incentivos para a instalação de indústrias, tais como a inserção parcial ou total de impostos, mão de obra abundante e barata, entre outros.
  Com a independência política do então Terceiro Mundo e a oligopolização dos mercados, as empresas multinacionais, hoje chamadas, mais apropriadamente, transnacionais, mantiveram a sede em seu país de origem e abriram unidades de produção em países subdesenvolvidos para conseguir menores custos de matéria-prima, mão de obra, incentivos fiscais e mercado consumidor. Isso criou condições para que esses países se industrializassem. Foi o que aconteceu com Brasil, México, Argentina, Índia e África do Sul, em uma primeira etapa, e, mais tarde, com Cingapura, Taiwan, Coreia do Sul e Hong Kong, os chamados Tigres Asiáticos.
  Com a industrialização de alguns países subdesenvolvidos e a crescente movimentação de capitais na economia mundial, outra Divisão Internacional do Trabalho passou a vigorar com a DIT clássica, expressando as relações entre os países desenvolvidos e os países subdesenvolvidos industrializados.
  Essa nova DIT é muito mais complexa, pois envolve o fluxo de mercadorias e de capital, de ambos os lados, isto é, os novos países industrializados deixaram de ser unicamente fornecedores de matéria-prima para os países desenvolvidos.
  A DIT direciona uma especialização produtiva global, já que cada país fica designado a produzir um determinado produto ou partes do mesmo, dependendo dos incentivos oferecidos em cada país. Esse processo se expandiu na mesma proporção que o capitalismo. Nesse sentido, um exemplo que pode ser dado é a montagem de um automóvel realizado na Argentina, porém, com componentes oriundos de diferentes países, como a parte elétrica e eletrônica de Taiwan, borrachas da Indonésia e assim por diante. Isso ocorre porque cada país oferece atrativos. Desta forma, o custo do produto final será menor, aumentando os lucros.
  Em meados do século XX, com a superação da crise, a economia retomou seu crescimento, fazendo com que a concentração empresarial se tornasse mais complexa. Foi quando surgiram os conglomerados, constituídos por empresas que diversificam sua produção para dominar a oferta de determinados produtos ou serviços. Geralmente, esses conglomerados são administrados por holdings (empresa criada para administrar outras), que pode ser definida como o estágio mais avançado do capitalismo monopolista.
  Também nesse período surgiram nova invenções, como os primeiros computadores (1946), o transistor (componente eletrônico utilizado como amplificador e interruptor de sinais elétricos) e os satélites artificiais, e novos materiais, como diversos tipos de plástico (desenvolvidos pela indústria petroquímica), fertilizantes agrícolas e inúmeros outros produtos que envolvem tecnologia de ponta e vultosos investimentos controlados por grandes corporações empresariais.
  Como consequência da utilização de novas tecnologias, o capitalismo foi se tornando informacional e incorporou cada vez mais o conhecimento à atividade produtiva, levando a economia a iniciar sua jornada rumo à globalização, aprimorando cada vez mais a DIT.
  Após a segunda metade do século XX, os computadores e as tecnologias de comunicação se aperfeiçoaram e permitiram o armazenamento de dados e a transmissão de informação com velocidade cada vez maior. Isso tornou possível a reestruturação do modo de produção capitalista, fazendo com que esse sistema entrasse na era informacional.
  A partir da década de 1970, o conhecimento tornou-se tão importante que empresas passaram a investir bilhões de dólares em pesquisa e desenvolvimento (P&D). Nessa nova etapa da DIT, os avanços tecnológicos podem agregar mais valor aos produtos fabricados ou serviços oferecidos e proporcionar melhorias na produção por meio do processamento de informações e da expansão das atividades que fazem parte do setor terciário, como atividades financeiras, os transportes e os serviços em geral.
  Surge, assim, uma sociedade pós-industrial, chamada sociedade da informação, que se torna parte de uma economia global, devido às novas tecnologias de comunicação e de transporte. Os principais componentes dessa economia, como consumo, circulação, trabalho, matéria-prima, tecnologia e mercado funcionam em escala mundial, daí chamarmos globalização esse processo de fortalecimento do capitalismo.
  Assim, a dependência econômica dos fluxos informacionais garante poder a quem domina e controla suas tecnologias, tornando as regiões excluídas cada vez menos importantes no cenário da economia global e consolidando uma nova Divisão Internacional do Trabalho, na qual é possível distinguir:
  • produtores de alto valor, que mantêm seus negócios com base no trabalho informacional: centros industriais de alta tecnologia (informática, biotecnologia, robótica, telecomunicações, aeroespaciais, etc.), os chamados tecnopolos, como Bangalore (Índia), Campinas, São Carlos e São José dos Campos - SP (Brasil), Vale do Silício (Estados Unidos), Tsukuba (Japão), Taedok (Coreia do Sul), dentre outras;
  • produtores de grandes volumes, com trabalho de menor custo: países e regiões que obtêm grande produção com mão de obra não qualificada (de baixo custo), como México, Brasil, Argentina, China, dentre outros;
  • produtores de matérias-primas que são recursos naturais: a maioria dos países da África, da América Latina e da Ásia, que são produtores e exportadores de minérios e de produtos agrícolas. Esse grupo enfrenta também o fato de as matérias-primas estarem desvalorizadas em relação aos produtos de alta tecnologia;
  • produtores cujo trabalho perde valor nesse sistema: regiões nas quais o desemprego é expressivo e crescem o trabalho informal e o subemprego.
Bangalore - Índia
  Assim, a nova DIT não segue as fronteiras nacionais. As diversas categorias podem ser encontradas em um mesmo país, seja ele desenvolvido, seja ele em desenvolvimento. Um exemplo disso é o Brasil, que apresenta centros de alta tecnologia (Campinas, São José dos Campos e São Carlos); regiões com agroindústrias, como o planalto ocidental paulista, onde se encontram as cidades de Araçatuba, Presidente Prudente, Catanduva, entre outras; e centros produtores de matérias-primas minerais e agrícolas, como o Complexo de Carajás, no Pará.
Unidade de produção de laticínios da Nestlé, em Araçatuba - SP
  Três fatores conjugados dão aos lugares a diversificação de excelência: o conhecimento de altas tecnologias, o nível educacional da população e a mão de obra qualificada.
  A Divisão Internacional do Trabalho também provoca desigualdades. Os países emergentes ou em desenvolvimento, como México, Argentina, Brasil e outros, adquirem tecnologias a preços altos, enquanto que os produtos exportados pelos países citados não atingem preços satisfatórios, favorecendo os países ricos.
REFERÊNCIA: Almeida, Lúcia Marina Alves de
Fronteiras da globalização / Lúcia Marina Alves de Almeida, Tércio Barbosa Rigolin. -- 3. ed. --São Paulo: Ática, 2016.

sábado, 13 de janeiro de 2018

NOLLYWOOD: A INDÚSTRIA DO CINEMA NIGERIANO

  Duzentos filmes por mês e mais de 250 milhões de dólares por ano. Esses são os números que fizeram com que Nollywood, a indústria cinematográfica da Nigéria, se destacasse como a segunda maior indústria do cinema mundial em número de filmes produzidos por ano (só perdendo para Bollywood, a indústria cinematográfica da Índia, sediada na cidade de Mumbai), à frente até mesmo da poderosa Hollywood e a terceira em rendimentos.
  O cinema da Nigéria tem crescido nos últimos anos e, embora seja um mercado extremamente informal, teve uma grande explosão de produção nos últimos anos que tem chamado a atenção mundial por suas características únicas. Todas as produções são realizadas em vídeo.
Produção de cinema na Nigéria
  O mercado da Nigéria é exclusivamente de homevídeo (com 90% da produção sem distribuição oficial, legalizada), pois praticamente não existem mais salas de cinema no país. Com este panorama, não é possível apontar com alguma precisão o tamanho desta indústria.
  Com temas de interesse da população, como divulgação religiosa, tradições e dilemas do cotidiano da África moderna, o cinema nigeriano atrai pessoas em todo o país e também em outras partes do continente.
  Os custos não ultrapassam os 40 mil dólares por produção. Os filmes são feitos com câmeras de vídeo digital, e a representação é feita de maneira quase caseira, em salas com cerca de 20 cadeiras, uma televisão e um aparelho de DVD.
Filme nigeriano
  Sem salas de cinema, a Nigéria conta com cerca de 15 mil videoclubes e locadoras, e em quase todo tipo de comércio pode-se encontrar filmes para vender ou alugar. Estima-se que cada filme venda cerca de 25 mil cópias. No entanto, não é possível saber o número de locações de cada cópia e quantas pessoas assistem a cópia por cada locação. Os preços das cópias e das locações são compatíveis com os preços do mercado pirata, na tentativa de poder competir de igual para igual, mas mesmo assim a pirataria também é um problema grave na Nigéria, país onde a grande maioria da população é de baixa renda.
  Nascida na década de 1960, Nollywood enfrentou dificuldades no início, devido aos altos custos das produções. Ainda na década de 1980, a abertura televisiva no país garantiu as primeiras concessões e logo cada estado possuía sua emissora. A limitação de conteúdos estrangeiros na televisão fez com que os produtores de Lagos, capital nigeriana, passassem a produzir peças de teatro televisionadas. Mas a consagração se deu em meados da década de 1990, quando Kenneth Nnebue utilizou cassetes de filmes importados para produzir seu próprio filme e distribuir entre sua rede de contatos. O sucesso do filme resultou em diversas novas produções caseiras que invadiu toda a Nigéria.
  O sucesso desta indústria reside principalmente na temática dos filmes ter um apelo direto com o público local, por tratar de preocupações, conflitos e realidades que frequentam o noticiário e o imaginário da população nigeriana. Os temas mais frequentes são AIDS, corrupção, prostituição, religião e ocultismo.
  A produção é realizada em diferentes línguas, assim como acontece em Bollywood. Na Nigéria, cerca de 40% da produção é em inglês, 35% em iorubá, 17,5% em hauçá e os 7,5% restantes em outras línguas e dialetos locais. Nollywood também começa a conquistar espaço em outros países da África, com seus atores fazendo sucesso na região entre Gana e Zâmbia, e vai aos poucos ganhando prestígio internacional.
  A repercussão da produção nacional de vídeo na Nigéria tem chamado também a atenção do governo local e, nos últimos anos, surgiram ações como a criação da Comissão de Filmes Nigeriana, uma escola de cinema e a criação de um stúdio, o Tinapa Film Studio, que foi construído pelo governo nigeriano em parceria com a companhia privada norte-americana Dream Entertainment. O governo também estuda a criação de um fundo de U$ 40 milhões para a produção de filmes.
  A inserção do cinema na Nigéria é atrelada com o fim do sistema colonial imposto pelos britânicos. Após a independência do país, o governo nigeriano utilizou a rede de televisão e fomentou a produção de filmes que convergissem com as políticas e ideologias desse novo governo, como uma ferramenta de propaganda. Nas décadas de 1960 e 1970, a produção de filmes nigeriana para a televisão apresentou aspectos que visavam uma espécie de descolonização na mente. Para o novo governo, os filmes televisivos acabavam servindo como um link de relações públicas. Com o boom do petróleo, na década de 1970, a economia do país começou a se firmar, possibilitando o financiamento e investimento estatal para o setor cinematográfico.
REFERÊNCIA: Silva, Ângela Corrêa da
Geografia: contextos e redes / Ângela Corrêa da Silva, Nelson Bacic Olic, Ruy Lozano. - 2.ed. - São Paulo: Moderna, 2016.

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