quinta-feira, 29 de novembro de 2018

A INTERIORIZAÇÃO NA CHINA

  A via chinesa de desenvolvimento tem sua expressão geográfica, produzida, entre outros fatores, por políticas territoriais empregadas a partir da política de Reforma e Abertura, mas também influenciada pela história da formação territorial deste país: a visão do desenvolvimento já se vislumbra na China Litorânea, e tenta-se, agora, promovê-lo no interior do território.
  O território chinês pode ser dividido em três grandes unidades econômicas regionais: a China Marítima, a China Agrícola e a China Periférica.
  A China Marítima é a principal região econômica e demográfica do país, com intensa urbanização e grande concentração populacional, também nas áreas rurais. Os han (etnia majoritária da China) originaram-se na porção sul dessa região.
Cidade de Hohhot, localizada na região autônoma da Mongólia Interior - China
  A configuração político-territorial da China divide o poder da seguinte maneira: abaixo do governo central, as 22 províncias, as cinco regiões autônomas, gozando de uma autonomia maior que as demais unidades, e as municipalidades, quatro no total, estando diretamente vinculadas ao governo central e tendo um status semelhante ao das províncias. Subordinadas a estas unidades principais, seguem as prefeituras, incluindo aí as prefeituras autônomas, estas ocupadas por minorias étnicas, tendo assim um tratamento diferencial. Em seguida, vêm os departamentos e os distritos, seguidos na escala mais local pelos cantões, e por fim, os vilarejos, como menor unidade.
Mapa da divisão administrativa da China
  Na porção norte, encontra-se a Manchúria, com significativas reservas minerais de carvão e petróleo e, por isso, com grande parte de sua economia girando em torno da indústria pesada.
  A importância da China Marítima começou a ser assegurada a partir do século XIX, quando potências europeias obtiveram concessões coloniais na região e privilegiaram importantes cidades costeiras, como Cantão e Xangai. O poderio econômico e demográfico dessa região foi acentuado com a posterior ocupação japonesa, na década de 1930, e a implantação do regime comunista em 1949.
Cidade de Changchun, na província de Jilin, Manchúria - China
Todavia a instalação das ZEEs (Zonas Econômicas Especiais) pelo governo chinês em áreas litorâneas a partir de 1984, além de aumentar os desequilíbrios entre a China Marítima e as demais regiões do país, colocou em descompasso os ritmos de crescimento intrarregionais: o sul, onde se localizam Cantão e Hong Kong, é a área que mais cresce, deixando para trás Pequim e a estagnada Manchúria. A forte expansão dessa sub-região meridional é determinada pela presença de Hong Kong, hoje a ponte entre a China e os investidores internacionais, e pelo intercâmbio com Taiwan.
Pequim - capital da China
  A abertura econômica conduzida pelo regime restabeleceu os laços históricos entre o litoral meridional do país e a importante diáspora presente em vários países do Sudeste Asiático, que contam com uma expressiva comunidade chinesa. Essas famílias e seus descendentes geraram novos circuitos de negócios e dinamizaram a vida econômica desses países.
Chongqing, um dos quatro municípios da República Popular da China
  Um pouco a oeste da China Marítima localiza-se a China Agrícola, uma unidade regional economicamente diferente, que continua mantendo sua tradição agrária e comporta-se, cada vez mais, como reservatório de mão de obra não qualificada e barata para os centros urbanos do litoral. Como o desenvolvimento econômico tem sido muito mais acelerado nas províncias costeiras do que nas regiões interiores, desde o início deste século cerca de 200 milhões de trabalhadores rurais e seus dependentes deslocaram-se das áreas rurais para as urbanas em busca de trabalho, resultando num dos principais fluxos migratórios intrarregionais da história mundial.
Produção agrícola na China
  A população rural dessa região habita especialmente nos vales dos rios Hoang-Ho, ao norte, e Yang-Tsé, ao sul, onde se encontram os grandes cinturões agrícolas superpovoados do país, em que os cultivos mais importantes são, respectivamente, o de milho, trigo e arroz. Como a China possui a maior população do mundo, evidentemente a demanda por alimentos é muito alta. Nesse sentido, o governo atua de modo a aliar a manutenção de técnicas agrícolas tradicionais às novas técnicas de plantio com ampla mecanização em algumas áreas, uso de sementes selecionadas e engenharia genética para aumentar a produção e suprir a pressão da demanda por alimentos. Mesmo assim, o país continua sendo um dos maiores importadores de grãos do mundo, sendo o Brasil um dos seus principais fornecedores.
Produção de arroz em Longsheng - Guangxi
  A terceira grande unidade regional do país é a que pode chamar de China Periférica, situada ainda mais para o oeste, que, embora corresponda a mais de 65% do território, concentra apenas 10% da população total. Nessa China, três áreas merecem destaque: o Tibete ou Xizang (no sudoeste), o Xinjiang-Uigur, antigo Turquestão Chinês (no nordeste) e a Mongólia Interior ou Nei Menggu (no norte, fazendo fronteira com a Mongólia).
Mudanjiang - Mongólia Interior - China
  O Tibete foi ocupado pelos chineses nos anos 1950 e desde aquela época conta com movimentos de resistência ao domínio de Pequim. Uma considerável proporção dos habitantes do antigo Turquestão Chinês e da Mongólia Interior, áreas estrategicamente importantes para a China, não é de origem han. Na busca de uma ocupação étnica homogênea e dominante do território, o governo chinês tem estimulado migrações han para áreas interiores.
Lhasa - capital do Tibete
  Diante da grande ocupação e das diferenças entre a China Marítima e a China Periférica, em 2006 as autoridades chinesas decidiram-se pela interiorização do desenvolvimento chinês, ou seja, reduzir significativamente as diferenças entre o litoral urbano das ZEEs e o interior. Para isso, investiram pesadamente na construção de infraestrutura nas províncias centrais e estimularam a implementação de empresas nas cidades dessas áreas.
Lanzhou - capital da província de Gansu
  As indústrias têm sido atraídas pela mão de obra um pouco mais barata, benefícios fiscais e novos mercados consumidores que se consolidam. Os resultados já se fazem sentir. Transnacionais e empresas chinesas se fixaram nessas cidades, que vêm crescendo aceleradamente nos últimos anos, com índices superiores aos dos centros urbanos litorâneos.
Ürümqi - capital da região autônoma de Xinjiang
REFERÊNCIA: Silva, Ângela Corrêa da
Geografia: contextos e redes / Ângela Corrêa da Silva, Nelson Bacic Olic, Ruy Lozano. - 2. ed. - São Paulo: Moderna, 2016. p. 176-178. 

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

A LENTA AGONIA DO LAGO CHADE

  Por conta da dimensão, ou apenas por tradição, muitos dos lagos existentes no interior de continentes são definidos como mares, a exemplo do que acontece com os mares Morto, Cáspio e Aral. Todos esses mares (ou lagos) têm algumas características comuns: uma delas é que suas margens são compartilhadas por mais de um país. A orla do Mar Morto é compartilhada entre Jordânia e Israel; o Irã, a Rússia, o Cazaquistão, o Azerbaijão e o Turcomenistão têm litorais junto ao Mar Cáspio; o Mar de Aral situa-se entre o Cazaquistão e o Uzbequistão.
  Todos eles também são alimentados por rios de expressiva importância local ou regional: o rio Jordão deságua no Mar Morto; o Volga no Mar Cáspio e os rios Amu Daria e Sir Daria no Mar de Aral. A forma predatória como têm sido utilizada as águas desses rios provoca enormes danos ambientais e sociais. O caso mais dramático é o do Mar de Aral, cujo volume e área reduziram-se a ponto de ocorrer a sua divisão em dois corpos de água distintos.
Cronologia do Mar de Aral desde a década de 1950
  No interior do continente africano, todas as superfícies líquidas que não possuem ligações com o oceano recebem a denominação de lagos, apesar de alguns deles serem relativamente extensos, como são os casos dos lagos Victória, Niassa, Tanganica e Chade.
  O Lago Chade é um grande lago localizado nas proximidades do centro geográfico do continente, na borda meridional do Saara, local por onde convergem as fronteiras de quatro países: Níger, Chade, Nigéria e Camarões. É um lago de água doce com profundidades inferiores a sete metros. Cerca de 90% das águas que o abastecem vêm do rio Chari e de seu afluente Logone, cujas nascentes situam-se em regiões montanhosas da República Centro-Africana. Assim, é fundamentalmente da parte meridional que o lago recebe a maioria dos fluxos hídricos que o alimentam, já que a parte norte, situada nas áreas semiáridas do Sahel, contribui apenas com volumes pouco expressivo de água, originária de rios temporários. É muito importante economicamente por fornecer água para mais de 20 milhões de pessoas nos quatro países localizados ao seu redor.
  No interior de sua área, ficam os 87 km da fronteira entre o Chade e a Nigéria, entre as duas fronteiras triplas (a do Níger, Chade e Nigéria, e a da Nigéria, Chade e Camarões).
Mapa de localização do Lago Chade
  Grandes variações sazonais do volume de água em lagos são fenômenos comuns, mas ao longo das quatro últimas décadas a extensão do lago Chade diminuiu drasticamente. No início da década de 1960, sua área era de aproximadamente 25 mil km², superfície que se reduziu para 4 mil km² em 2001. Atualmente sua extensão não ultrapassa 1,5 mil km². Hoje, o antigo grande lago não é senão um pântano coberto de vegetação.
  Acredita-se que o Lago Chade foi formado a partir de um mar que secou com as mudanças climáticas dos últimos treze mil anos. A grande demanda de água do lago tem acelerado este processo e acredita-se que o lago pode desaparecer nos próximos anos. Os efeitos do aquecimento global, também podem estar relacionados com este problema.
  A persistente "sangria hídrica" da superfície lacustre é resultado de secas recorrentes, dramáticas, que afetam especialmente a borda setentrional do lago, onde os agricultores tradicionalmente cultivam os solos úmidos quando do recuo das águas, durante a estação seca. Nas últimas décadas, as chuvas na região diminuíram em cerca de 40%.
Lago Chade, no Chade
  Mas o desastre ecológico é também consequência das práticas agrícolas e pastoris da população que vive no entorno do lago. Nos últimos cinquenta anos, essa população mais que dobrou, atingindo 25 milhões de pessoas. Paralelamente, o uso da irrigação quadruplicou nos últimos 25 anos, para responder às necessidades alimentares de um efetivo demográfico cada vez mais numeroso. Além disso, foram desenvolvidos pelos países ribeirinhos outros projetos hidráulicos nos rios que abastecem o lago, com vistas a aumentar a produção de alimentos e produzir energia.
  Pesquisadores americanos, apoiando-se em imagens de satélites e de dados climáticos, analisaram o processo e compararam o peso dos fatores naturais e humanos causadores do ressecamento do lago.
Lago Chade na Nigéria
  A salinidade da bacia norte vem aumentando muito com a entrada de água para o local, ficando cada vez menor, o que vem causando a extinção de muitas espécies animais e vegetais, com posterior crescimento da erosão. A pesca, continua a diminuir, fazendo a população local perder ganhos substanciais, uma vez que as regiões costeiras do lago em Camarões e na Nigéria, estão entre as mais pobres dos respectivos países. A falta de água potável vem crescendo como problema, causando mais casos de diarreia, cólera e tifo.
Vídeo sobre o Lago Chade
  Reunidos em 1964 na Comissão da Bacia do Lago Chade, os países ribeirinhos tentaram levar adiante uma gestão integrada dos recursos hídricos.
  Um pouco mais tarde, negociou-se um projeto de grandes dimensões destinado a possibilitar o desvio de parte das águas de um afluente do rio Ubangui, importante curso fluvial da República Centro-Africana. De acordo com o projeto, essas águas seriam transferidas para um afluente do rio Chari, através de um canal de cerca de 300 quilômetros, desaguando finalmente no Lago Chade. Contudo, a conclusão do acordo depende da anuência dos dois Congos (República do Congo e República Democrática do Congo), países que não possuem terras banhadas pelo lago mas serão afetados pela transposição das águas.
  Se tudo der certo, o Lago Chade será salvo. Nessa hipótese, ele se converterá num polo de cooperação regional. Caso contrário, estará destinado a figurar como uma fonte de tensões e conflitos inscrita em uma região assolada pela miséria.
Visão aérea de parte do Lago Chade
REFERÊNCIA: OLIC. Nelson Bacic. A lenta agonia do Lago Chade. Clube Mundo. São Paulo, ano 17, n. 16. p. 10. out. 2009.

domingo, 18 de novembro de 2018

A CONSTITUIÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS

  Os Estados Unidos da América são conhecidos por ser a maior potência econômica e militar mundial. Embora a China esteja em pleno desenvolvimento econômico e ameaçando essa posição dos norte-americanos, no cenário político internacional os Estados Unidos permanecem altamente influentes.
  Essa influência de ideias norte-americanas chegou ao Brasil de forma forte na metade do século XIX, que culminou com a Proclamação da República brasileira e a formalização do então chamado Estados Unidos do Brasil. A própria Constituição da República de 1891 sofreu grandes influências da Constituição dos Estados Unidos.
  Nesse sentido, compreender a origem e estudar a Constituição dos Estados Unidos da América é entender também a sua influência para a formação da primeira Constituição republicana brasileira e, consequentemente, as que a sucederam.
Capa da Constituição brasileira de 1891
A Convenção de Filadélfia
  Em 1776, após a vitória ante os ingleses, que levou à independência dos Estados Unidos, o Congresso Continental não conseguiu governar o país. Era necessário estabelecer acordos e tratados comerciais, controlar a dívida pública e assegurar a estabilidade da moeda norte-americana. As dificuldades políticas também eram claras: as antigas colônias sempre haviam desfrutado de autonomia não apenas face à metrópole, mas também umas em relação às outras. Havia o ideal de unificar as Treze Colônias independentes, a fim de formarem um país. Ou seja, saírem da condição de confederação e se tornarem uma federação.
  Com a independência, era necessário fundar um Estado capaz de uni-las e criar regras para as relações internas. A base dessa unidade foi dada por uma Constituição, obtida a partir de intensas negociações entre representante das ex-colônias. Ela evitou tratar de temas em que as divergências fossem insuperáveis - por exemplo, a escravidão, que era criticada pelos estados do Norte e defendida pelos representantes do Sul. O resultado foi um documento sucinto e breve, de apenas 4 mil palavras, que oferecia ampla margem a desdobramentos e interpretações. Foi assim que, em 17 de setembro de 1787, reuniram na cidade de Filadélfia representantes das Treze Colônias para debaterem a unificação e a formação de um novo Estado. E foi justamente nessa convenção que foi redigida a Constituição dos Estados Unidos da América, disciplinando como seria a forma de administração do novo Estado.
Momento de assinatura da Constituição dos Estados Unidos da América, por Howard Chandler Christy
  A Constituição determinava ainda a igualdade jurídica entre todos os cidadãos e estabelecia que o governo devia expressar a vontade da maioria dos membros da sociedade civil. Nascia a democracia liberal estadunidense, que também adotou o princípio da tripartição dos poderes, enunciado pelo francês Montesquieu. O objetivo da Carta era claro: equilibrar os eixos e níveis de poder, evitando que um segmento se impusesse aos demais. Segundo o documento, as decisões do executivo deviam ser debatidas e aprovadas pelo legislativo para que se tornassem leis, e vice-versa. O judiciário fiscalizava os outros dois poderes e podia contestar suas decisões.
Primeira página da Constituição dos Estados Unidos
  Em vigor até hoje, a Constituição dos Estados Unidos é a base da nação e da sociedade estadunidenses. Nos seus mais de duzentos anos de vigência, recebeu acréscimos importantes, como a Quinta Emenda, que instituiu garantias aos indivíduos contra abusos da autoridade estatal, e a Décima Terceira Emenda, que aboliu a escravidão (1865).
  Da mesma forma que a Declaração de Independência, a Constituição assumiu valores e princípios iluministas. Amplos debates acompanharam sua elaboração e prosseguiram depois da votação que a confirmou. Um grupo de pensadores conhecidos como "federalistas" escreveu mais de oitenta artigos, analisando cada aspecto da Carta e associando-os às ideias de autores europeus, como John Locke e Jean-Jacques Rousseau. O iluminismo havia cruzado o oceano e afirmava-se na América. O caminho de volta também foi rápido. Muitos franceses também acompanharam a independência dos Estados Unidos e os documentos estadunidenses influenciaram as lutas que desembocaram na Revolução Francesa.
As Treze Colônias, que deram início a formação territorial dos Estados Unidos
Artigo I
  O primeiro artigo da Constituição é dividido em dez seções que tratam do Congresso Nacional, em especial a sua composição, competência etc.
  O Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, que é formado pelo Senado e pela Câmara de Representantes.
  O Senado é composto por dois senadores de cada Estado para um mandato de seis anos, enquanto que a Câmara de Representantes é formada por membros eleitos pelo povo de cada Estado.
Câmara dos Representantes dos Estados Unidos
Artigo II
  O segundo artigo trata do Poder Executivo. Essa função é exercida por um presidente eleito para um mandato de quatro anos. Nessa função, o presidente detém poderes para administrar os interesses da União, além de ser o "chefe supremo do Exército e da Marinha dos Estados Unidos, e também da Milícia dos diversos estados, quando convocados ao serviço ativo dos Estados Unidos".
  Nessa parte destaca-se a possibilidade de afastamento do presidente, vice-presidente e funcionários civis quando forem indiciados e condenados por traição, suborno ou outros delitos ou crimes graves.
Casa Branca - localizada em Washington D.C, é a sede do governo dos Estados Unidos
Artigo III
  Ainda seguindo a tripartição de poderes idealizada por Montesquieu, o terceiro artigo traz dispositivos referentes ao Poder Judiciário. O poder jurisdicional é exercido pela Suprema Corte e pelos tribunais. É nesse capítulo que vemos uma grande diferença se comparado com o sistema judiciário brasileiro. É que a grande maioria dos crimes é apurada por meio de um júri: "O julgamento de todos os crimes, exceto em casos de impeachment, será feito por júri, tendo lugar o julgamento do mesmo Estado em que houverem ocorrido os crimes; e se não houverem ocorrido em nenhum dos Estados, o julgamento terá lugar na localidade que o Congresso designar por lei".
Edifício da Suprema Corte dos Estados Unidos, em Washington D.C.
  Os outros quatro artigos seguintes tratam de algumas regras aplicadas para o melhor funcionamento do Estado, como a indissolubilidade dos estados federados e a garantia da forma republicana de governo nos estados: "Os Estados Unidos garantirão a cada Estado desta União a forma republicana de governo e defendê-lo-ão contra invasões; e, a pedido da Legislatura ou do Executivo, estando aquela impossibilitada de se reunir, o defenderão em casos de comoção interna".
Capitólio dos Estados Unidos, em Washington D.C. - sede do Congresso Nacional dos Estados Unidos
REFERÊNCIA: Campos, Flávio de
Oficina de história: volume 2 / Flávio de Campos, Júlio Pimentel Pinto, Regina Claro. -- 2. ed. -- São Paulo: Leya, 2016.

domingo, 11 de novembro de 2018

DESERTIFICAÇÃO NO BRASIL

  Conforme definição utilizada na Conferência Rio-92, a desertificação consiste no processo de degradação do solo provocado por fatores diversos, dentre eles as atividades humanas e as variações climáticas. Suas consequências estendem-se à fauna, à flora e aos recursos hídricos, reduzindo assim a qualidade de vida da população local.
  A desertificação é um processo que intensifica a aridez dos solos em áreas áridas, semiáridas e sub-úmidas secas. Este processo ocorre em razão das atividades humanas ou de fatores de ordem natural. Em diferentes graus de intensidade, há o comprometimento da fertilidade e uso dos solos.
  A desertificação também transforma regiões com distintos níveis de vulnerabilidade em desertos. Áreas que já apresentam escassez de umidade, quando submetidas a determinados fatores - naturais ou antrópicos - transformam-se em áreas desertificadas.
Mapa destacando as áreas com risco de desertificação
  A maior preocupação dos pesquisadores e ambientalistas é com relação aos fenômenos de desertificação provocados pela ação humana. Uma vez que o processo é intensificado e acelerado, provoca impactos de maior dimensão nas áreas já propensas à aridez do solo. A ação antrópica sobre áreas vulneráveis tem provocado expressiva redução da vegetação e da capacidade produtiva dos solos.
  São causas da desertificação:
  • desmatamento das áreas vulneráveis - a retirada da cobertura vegetal original é, talvez, o principal fator humano da desertificação;
  • construção de áreas de pastagem para a pecuária extensiva;
  • uso do solo de maneira inadequada à serviço da agricultura intensiva;
  • irrigação de pastos e lavouras com água de mananciais com escassez ou fragilidade hídrica;
  • a atividade mineradora impacta significativamente o solo e a biodiversidade no local e arredores em que se instala, intensificando, assim, o processo de desertificação;
  • queimadas, tanto para a "limpeza" do solo para agricultura e pecuária, como resultado da urbanização.
Área desertificada em Senegal - África
  São consequências da desertificação:
  • extinção da vegetação nativa e da biodiversidade da região desertificada;
  • erosão e salinização do solo - fenômenos que agravam ainda mais a infertilidade do solo;
  • redução das terras agricultáveis e consequente diminuição da produção de alimentos;
  • a extinção da vegetação, dos rios, fontes de evaporação, causam mudanças no clima. Elevam-se as temperaturas e caem drasticamente as precipitações. As alterações climáticas são causas e consequências da desertificação;
  • surgimento e intensificação dos fluxos migratórios, uma vez que, sem áreas agricultáveis, a população das regiões desertificadas precisam migrar para sobreviver;
  • outros impactos sociais como: fome, conflitos pela posse da terra e refugiados ambientais.
Barcos enferrujam em área do Mar de Aral que virou deserto
  No Brasil, as áreas suscetíveis estão localizadas em oito estados da região Nordeste (Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe) e também no norte de Minas Gerais, no chamado Semiárido brasileiro. Trata-se de uma área de 980.133 km², que corresponde a 12% do território brasileiro. Portanto, uma área mais extensa que o bioma da Caatinga.
  Segundo o Instituto Nacional do Semiárido (Insa), existem, no Semiárido, seis áreas que sofrem com o avanço da desertificação: Cabrobró (PE), Gilbués (PI), Inhamuns (CE), Irauçuba (CE), Jaguaribe (CE) e Seridó (RN).
  O ano de 2015 foi considerado pela ONU o Ano Internacional dos Solos e também nesse ano foi sancionada no Brasil a Política de Combate à Desertificação, que "visa instituir mecanismos de prevenção, proteção, preservação, conservação e recuperação dos recursos naturais em todo o território nacional".
Mapa do Brasil indicando as áreas suscetíveis ao processo de desertificação
Cabrobró
  Localizada no semiárido de Pernambuco, a região de Cabrobró passa por um acelerado processo de degradação da terra, o que faz dessa área um núcleo de desertificação.
  Uma das causas da desertificação na região é o mau uso do solo, pois com a retirada da vegetação o solo fica exposto, tornando o processo de degradação da terra acelerado.
  A região apresentou crescimento populacional a partir da expansão da pecuária e do advento da irrigação. No entanto, o uso de águas com teores elevados de sais e o uso inadequado dos ciclos de molhamento, sem condições adequadas de drenagem, levaram à salinização do solo.
Cabrobró - PE
  Os impactos das gotas de chuva em solo seco sem vegetação faz com que os nutrientes sejam removidos, causando a sua salinidade e tornando-o infértil.
  Do ponto de vista ambiental, os danos relacionados a essas práticas resultaram na exposição do solo e erosão, no empobrecimento da Caatinga e na degradação dos recursos hídricos. As temperaturas elevadas e o solo exposto, também dificultam a sobrevivência da biota local.
Área em processo de desertificação em Cabrobró - PE
Gilbués
  O município de Gilbués está localizado no sudoeste do estado do Piauí, e é conhecido mundialmente pela intensa degradação ambiental que ocorre em seu território, sendo considerado, pelas organizações nacionais e internacionais, a maior área em processo de desertificação do Brasil.
Gilbués - PI
  São várias as causas do processo de degradação ambiental em Gilbués, sendo a principal delas a fragilidade natural do solo, seguida do manejo incorreto na agricultura, desmatamento, pecuária extensiva, uso descontrolado do fogo, estradas mal planejadas e a extração ilegal de garimpos de diamantes.
Área em processo de desertificação em Gilbués - PI
Inhamuns
  A microrregião do Sertão de Inhamuns compreende os municípios de Aiuaba, Arneiroz, Catarina, Parambu, Saboeiro e Tauá. Caracteriza-se por elevada população, regimes de precipitações médias anuais baixas, combinados com altas temperaturas médias anuais e grandes áreas rurais para as atividades de natureza agropastoril. Essa região vem sofrendo na última década, com o processo de degradação do solo.
Parambu - CE
  Dentre os fatores que contribuem para a intensificação do processo de desertificação na região estão a acidez e a baixa fertilidade do solo para o cultivo agrícola, associado ao desflorestamento e à consequente devastação da fauna e da flora local.
Área em processo de desertificação no município de Tauá - CE
Irauçuba
  O município de Irauçuba está localizado na parte setentrional do Ceará, estando distante 150 quilômetros da capital Fortaleza. Irauçuba, foi a primeira cidade do Brasil a criar um Plano de Ação Municipal de Combate à Desertificação e, por esse motivo, recebeu um certificado de reconhecimento das mãos da Ministra do Meio Ambiente do Brasil, Izabella Teixeira, em junho de 2014, emitido pelo programa Dryland Champions, da Convenção das Nações Unidas pelo Combate à Desertificação (UNCCD), órgão das Nações Unidas que trata desse tema.
Irauçuba - CE
  Irauçuba apresenta alguns problemas ambientais graves, que podem ser vistos e sentidos pela população do município, como: desertificação, falta de saneamento ambiental e de água potável para uma boa parte de sua população, entre outros.
  Os principais motivos que estão provocando o processo de desertificação em Irauçuba e nos municípios vizinhos, são: falta de educação ambiental, manejo incorreto dos recursos naturais, a pecuária extensiva, o desmatamento, entre outros.
Área desertificada no município de Irauçuba - CE
Jaguaribe
  O Vale do Jaguaribe é uma região socioeconômica do Ceará, que compreende os municípios de Alto Santo, Ererê, Ibicuitinga, Iracema, Jaguaretama, Jaguaribara, Jaguaribe, Limoeiro do Norte, Morada Nova, Palhano, Pereiro, Potiretama, Quixeré, Russas, São João do Jaguaribe e Tabuleiro do Norte.
Jaguaribe - CE
  A pecuária e o algodão, ciclos econômicos que deram origem à formação territorial dos sertões do Médio Jaguaribe, são atualmente apontados como chave para o entendimento do processo de desertificação nesta área, em especial no município de Jaguaribe, considerado como o núcleo regional de ocorrência deste processo.
Área em processo de desertificação no município de Jaguaribe - CE
Seridó
  Localizado na região centro-sul do Rio Grande do Norte e no centro-norte da Paraíba, o Núcleo de Desertificação do Seridó abrange uma área em torno de 2,3 mil km². Os municípios do que fazem parte desse núcleo são: Acari, Carnaúba dos Dantas, Cruzeta, Currais Novos, Equador e Parelhas (RN); Barra de São Miguel, Baraúna, Cacimba de Areia, Camalaú, Caraúbas, Congo, Coxixola, Cubati, Frei Martinho, Gurjão, Juazeirinho, Nova Palmeira, Parari, Patos, Pedra Lavrada, Picuí, Santa Luzia, Santa Terezinha, Santo André, São João do Tigre, São José do Sabugi, São José dos Cordeiros, São Mamede, Seridó, Serra BrancaTaperoá, Tenório e  Várzea (PB).
Picuí - PB
  Essa região é considerada um dos principais núcleos de desertificação do Brasil, e se encontra em forte estágio de degradação ambiental, o que contribui para um grande desequilíbrio ecológico na região, afetando a fauna, a flora e toda a vida humana.
  O intenso processo de degradação ambiental verificado nessa região é fruto da histórica ocupação com as atividades agropecuárias, acentuada, posteriormente, pela atividade mineradora associada ao clima semiárido rigoroso predominante. Porém, os efeitos mais graves vieram surgir com o advento da atividade ceramista, grande consumidora de matéria-prima vegetal (lenha) como fonte de energia.
Área em processo de desertificação no município de Carnaúba dos Dantas - RN
REFERÊNCIA: Almeida, Lúcia Marina Alves de
Fronteiras da globalização / Lúcia Marina Alves de Almeida, Tércio Barbosa Rigolin. -- 3. ed. -- São Paulo: Ática, 2016.

quarta-feira, 31 de outubro de 2018

O POVO DONGRIA KONDH

  Uma das tribos mais antigas da Índia enfrenta uma ameaça renovada de destruição depois que uma nova licitação legal foi lançada pelo governo do estado para abrir suas terras ancestrais à exploração de uma gigante britânica de mineração.
  O movimento surpresa contra a tribo Dongria Kondh, no empobrecido estado de Orissa, chocou ativistas que acreditavam que um veredito final para salvar a tribo havia alcançado em uma decisão histórica em 2013.
  Ser um Dongria Kondh significa viver nas montanhas de Niyamgiri, no estado de Orissa, na Índia - eles não vivem em outro lugar. Os Dongria cultivam as encostas, plantam culturas no meio da floresta e coletam frutos silvestres e folhas para a venda. Existem mais de 8 mil membros da tribo vivendo em aldeias espalhadas nas montanhas de Niyamgiri. Chamam-se Jharnia, que significa "protetor dos córregos", pois ele protege as suas montanhas sagradas e os rios que dão a vida que se ergue na sua floresta densa.
  Até hoje, os Dongria Kondh sobrevivem buscando e caçando na espessa floresta de Orissa, complementando sua existência com o cultivo de hortifrútis, que eles trocam nos mercados locais de ferramentas de metal e bugigangas.
  Eles falam Kui, uma língua que poucas pessoas de fora entendem, e reverenciam seu lar nas montanhas como uma encarnação de sua divindade Niyam Raja.
Mulheres Dongria Kondh
  Todo o ciclo de semeadura e colheita é controlado por dharani penu, que deve ser reverenciado antes e depois da época de cultivo. Elementos naturais, água, pedras, rochas, animais são todos pensados para ter alma, que é para ser reverenciada. Assim, a crença politeísta e animista é guiada pela proximidade com os humores e ritmos da natureza, exigindo respeito e cooperação com as forças naturais. Isso reflete no modo de vida praticado pela comunidade e em suas relações socioculturais. As colinas de Niyamgiri, moradas de Niyamraja, são portanto, inteiramente sagradas, e as práticas cotidianas de vida, habitação e subsistência são, portanto, profundamente integrantes da capacidade de vida sagrada de Niyamgiri.
  Até 1835, quando encontraram os colonos britânicos pela primeira vez, a tribo realizava sacrifícios humanos - uma prática que os britânicos os forçaram a parar.
  Embora o modo de vida dos Dongria Kondh sempre tenha experimentado mudanças devido à crescente interação com o mundo exterior, a economia de mercado e o ataque da ameaça de uma indústria extrativista trouxe uma mudança radical no mundo Dongria Kondh. 
  Para os Dongria Kondh, a colina Niyam Dongar é a casa de seu deus, Niyam Raja. Para a transnacional inglesa Vedanta, é um depósito de 2 bilhões de dólares em bauxita. Os Dongria e tribos vizinhas Kondh, que também reverenciam Niyam Raja, estão determinados a proteger a montanha sagrada. Eles realizam bloqueios de estradas, uma corrente humana e inúmeras manifestações contra a empresa.
Sacerdotisas realizam ritual antes de irem buscar sementes de milho
  Os Dongria Kondh cultivam mais de 20 variedades de painço em seus campos, além de lentilhas e oleaginosas. Na década de 1970, eles foram induzidos a produzir hortifrutigranjeiros e a cultivar abacaxi, laranja, limão e banana em grande escala. Eles coletam uma grande variedade de produtos florestais, como broto de bambu, gengibre selvagem, cogumelos, entre outros produtos.
  A tradicional sociedade Dongria Kondh sempre se baseou em uma estrutura familiar rígida envolvendo pessoas de diferentes gerações e estas foram marcadas por clãs demarcados geograficamente, onde cada clã era identificado por um nome de animal macho. A identificação do clã é ainda classificada por sobrenome, onde o sobrenome do membro masculino mais velho da família mais poderosa do clã é geralmente usado par denotar aquele clã em particular.
  Esse sistema de classificação de clãs dentro da comunidade Dongria Kondh é um processo de divisão de clãs, que também é semelhante à sociedade nativa americana, onde havia uma presença de distribuição dispersa de clã por toda a terra.
Moradia Dongria Kondh
  O corpo político e de decisão sócio-político da comunidade Dongria Kondh é também conhecido como Kutumba. Para tornar o trabalho do corpo mais eficiente, a Kutumba é então dividida em dois grupos: um que funciona no nível do clã ou Kuda Kutumba, e outro no nível do assentamento, ou Nayu Kutumba. O manejo de cada clã é então feito de acordo com uma divisão mais ao nível da raiz, na qual um grupo separado de pessoas é dedicado a tratar dos assuntos religiosos e políticos dos Dongria Kondh, formando quatro grupos funcionais ou punjás.
  Os punjás dos Dongria Kondh são: jani, pujari, bismajhi e mandal. O kuda kutumba preside o mandal matha, que administra os assuntos de um determinado clã e um agrupamento de aldeias. Preside e resolve disputas relacionadas a grupos interétnicos e inter-religiosos.
  Os Dongria Kondh adotaram um sistema de transmitir valores culturais e tradicionais aos adolescentes e jovens de suas aldeias através de dormitórios exclusivo para jovens. As mulheres dongrias também recebem status igual na sociedade em questões como o novo casamento da viúva, possuindo propriedade sem a interferência de seus maridos e filhos.
  A estrutura da família Dongria Kondh depende de qual clã a pessoa pertence, pois a exogamia do clã é praticada nesta comunidade que, de acordo com algumas pessoas, é um processo de tabu do incesto que prevalece entre essas comunidades em seus costumes. Estes exogâmicos grupos de clãs resultaram na existência de grupos de clãs dominantes, devido a um processo de casamento e parentesco que se formou durante um longo período de tempo.
Mulheres Dongria Kondh
Disputa de mineração
  Em 1997, a Sterlite Industries, uma parte do grupo Vedanta Resources, apresentou propostas para construir uma refinaria de alumínio na localidade vizinha de Lanjigarh e extrair bauxita das Niyamgiri Hills como matéria-prima para a refinaria, como uma joint venture com a estatal Orissa Mining Corporation. A refinaria foi aberta em 2006, mas o desenvolvimento da mineração foi interrompido por ação legal, e descobriu-se que a construção da refinaria infringiu as leis relativas à proteção ambiental e aos direitos das pessoas locais. A empresa argumentou que a mineração em Niyamgiri deveria prosseguir, uma vez que permitiria que o alumínio fosse produzido mais economicamente do que trazer matéria-prima de distâncias maiores.
  O desenvolvimento da mineração foi suspenso pelo governo da Índia em 2010, com a afirmação de que a empresa desrespeitou a lei e desconsiderou os direitos dos Dongria Kondh. Em 2013, a Suprema Corte da Índia, ordenou que o governo de Odisha consultasse as tribos locais, citando a proteção concedida aos grupos tribais e florestais sob a Lei dos Direitos Florestais de 2006. Doze conselhos de aldeia Dongria Kondh foram consultados e todos rejeitaram a proposta da mineração.
  Em janeiro de 2014, o Ministério do Meio Ambiente, Floresta e Mudança Climática da Índia anunciou que estava recusando a liberação da mina. O governo do estado de Odisha, desde então, pediu, sem sucesso, permissão do Supremo Tribunal para reiniciar o esquema.
Refinaria Vedanta
REFERÊNCIA: Garcia, Valquíria Pires
Projeto mosaico: geografia: ensino fundamental / Valquíria Pires Garcia, Beluce Bellucci. 1. ed. - São Paulo: Scipione, 2015.

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