terça-feira, 4 de novembro de 2014

A GRANDE DISPUTA PELA ÁSIA CENTRAL

  A Ásia Central é uma região que compreende as estepes, montanhas e desertos entre o leste do mar Cáspio e o centro-oeste da China, o norte do Irã e Afeganistão e o sul da Sibéria, porém, nunca houve uma demarcação oficial da área. As mudanças constantes de clima na região forçaram grandes movimentos migratórios dos seus habitantes, permitindo trazer tribos indo-europeias e hunos para o oeste, arianos e turcos para o norte, entre outros povos. É formada por cinco países: Cazaquistão, Uzbequistão, Tadjiquistão, Turcomenistão e Quirguistão, nos quais predominam populações eslavas e de origem turca, estas últimas majoritariamente islâmicas.
  Essa região também é conhecida como Turquistão, que quer dizer "terra dos turcos", ou turcomanos (povos dos quais se originaram os turcos).
  Nessa região, Estados Unidos, Rússia, União Europeia e China travam uma intrincada batalha pela região em torno do Mar Cáspio. Rica em petróleo e gás natural, marcada por regimes instáveis e disputas religiosas, ela pode ser o centro de grandes conflitos no século XXI.
HISTÓRIA
  A história da Ásia Central tem sido determinada principalmente pelo clima e geografia da região. A aridez da Ásia Central faz com que a prática da agricultura e a sua distância para o mar o torna muito isolada do comércio. Por causa disso, poucas grandes cidades se formaram na região, e a área foi dominada durante milênios pelos povos nômades das estepes.
A aridez marca a paisagem da Ásia Central
  As relações entre os nômades das estepes e as populações sedentárias da Ásia Central têm sido controversas. O estilo de vida nômade era bem adequado para a prática da guerra e os cavaleiros das estepes estavam entre os povos da segunda maior potência militar do mundo, mas foram limitados pela falta de unidade interna.
  O domínio dos nômades terminou no século XVI, quando as armas de fogo permitiram aos povos sedentários controlar a região. Desde então, Rússia, China e outras potências expandiram seus domínios pela região.
  O estilo de vida da região, que havia permanecido praticamente inalterado desde o ano 500 a.C. começou a desaparecer depois do ano 1500. Durante os séculos XIV e XV, desenvolveu-se a navegação e os europeus, que já haviam sido beneficiados com a Rota da Seda, ao encontrar na sua extremidade ocidental sob o governo muçulmano, estabeleceram as primeiras rotas oceânicas, principalmente entre o Leste Asiático, Índia, Europa e Oriente Médio, deixando a Ásia Central de fora desse comércio. A desunião da região após a queda do Império Mongol tornou o comércio pela Rota da Seda mais perigoso e imprevisível, diminuindo essa importante fonte de renda.
Rota da Seda
  O domínio dos nômades diminuiu bastante desde o princípio do século XV, quando os povos sedentários foram gradualmente conquistando a Ásia Central. O último império das estepes foi o dos dzungares, que conquistaram grande parte do Turquestão e da Mongólia.
  No século XVIII, os imperadores da dinastia Manchu, originários da parte leste das estepes, conquistaram a parte ocidental e a Mongólia, assumindo o controle de Xinjiang em 1758. A ameaça mongol tinha acabado e a China anexou grande parte da Mongólia Interior. O domínio chinês atingiu o coração da Ásia Central. Já a Mongólia Exterior e Xinjiang não se tornaram províncias do império chinês, mas eram administradas diretamente pela dinastia Manchu.
Expansão das dinastias chinesas
  No século XIX, a expressão "grande jogo" tornou-se lendária com Kim, romance de Rudyard Kipling, que fazia alusão à disputa das grandes potências para consolidar seus impérios e desarticular os dos rivais. Na época, o que estava em jogo era chamado de "as Índias", a joia da coroa britânica cobiçada pela Rússia imperial. A disputa durou um século e acabou em 1907, quando Londres e São Petersburgo entenderam-se sobre a divisão de suas zonas de influência, com a criação de um Estado amortecedor entre elas: o Afeganistão. O acordo valeu até 1991.
  Durante a Primeira Guerra Mundial, a isenção do serviço militar muçulmano foi removido pelos russos, provocando a Revolta da Ásia Central de 1916, ou Revolta dos Basmachi, uma revolta dos habitantes da Ásia Central contra o Império Russo. Quando a Revolução Russa de 1917 ocorreu, um Governo Provisório de Reformadores Jadid, também conhecido como Conselho de Muçulmanos do Turquestão se reuniram em Kokand e declararam a autonomia do Turquestão. Este novo governo foi rapidamente esmagado pelas forças do Soviete de Tashkent, e os estados semi-autônomos de Bukhara e Khiva também foram invadidos. As principais forças de independência foram rapidamente esmagadas, mas os guerrilheiros conhecidos como Basmachis continuaram a combater os comunistas até 1924.
Tashkent - capital do Uzbequistão
  Depois de ter sido conquistada pelas forças russas, a Ásia Central Soviética experimentou uma onda de reorganização administrativa. Em 1918, os bolcheviques configuraram a República Soviética Socialista Autônoma do Turquestão, e Bukhara e Khiva também se tornaram uma república soviética. Em 1919, a Comissão de Conciliação para os Assuntos do Turquestão é criada, objetivando melhorar as relações entre os habitantes locais e os comunistas. Novas políticas foram introduzidas, respeitando os costumes e a religião.
  Em 1920, a República Socialista Soviética Autônoma do Quirguistão, que abrangia, além do Quirguistão, o Cazaquistão moderno, foi criada, sendo renomeado República Socialista Soviética Autônoma do Cazaquistão em 1925. Em 1924, os soviéticos criaram a República Socialista Soviética do Uzbequistão e a República Socialista Soviética do Turcomenistão. Em 1929, a República Socialista Soviética do Tadjiquistão foi dividido a partir da República Socialista Soviética do Uzbequistão. O Oblast Autônomo do Quirguistão tornou-se uma república socialista em 1936.
Antiga União Soviética
  Essas fronteiras pouco tinham a ver com a composição étnica, mas o soviéticos achavam que era importante dividir a região, pois viam no pan-turquismo e no pan-islamismo como duas ameaças, o que limitava a divisão do Turquestão. Os soviéticos sistematizaram as línguas e culturas locais e, objetivando quebrar o laço existente entre a Ásia Central com o Irã e a Turquia, fecharam a fronteira sul da região, fazendo com que as viagens e o comércio que a região tinha com esses países fossem direcionados para o norte através da Rússia.
  Durante a Segunda Guerra Mundial, os soviéticos transferiram milhões de refugiados e centenas de fábricas para a Ásia Central, já que era uma região relativamente segura, transformando essa área em um importante complexo industrial da União Soviética.
Prisioneiros em um zindan - prisão tradicional da Ásia Central
  De 1988 a 1992, uma imprensa livre e um sistema multipartidário desenvolveu-se nas repúblicas da Ásia Central impulsionados pela perestroika e pela glasnost, reformas que ocorreram na União Soviética e que promoveram a decadência do socialismo e o fim da URSS. Na Ásia Central essas reformas foram chamadas de Primavera da Ásia Central. Com a independência das repúblicas soviéticas, a disputa pela região só tem aumentado, principalmente após a descoberta de petróleo e gás natural.
  Atualmente, embora tenham mudado os métodos e as ideias em nome das quais as potências agiam, o objetivo continua o mesmo. Trata-se de colonizar, de um modo ou de outro, a Ásia Central, a fim de neutralizarem-se uns aos outros. O gás e o petróleo são cobiçados por si próprios, mas também funcionam como um modo de influenciar a região.
Nativo do Turcomenistão com suas roupas tradicionais e seu dromedário
  Desde a queda da União Soviética, os novos Estados independentes veem no petróleo um meio de alimentar o orçamento e reforçar sua independência em relação a Moscou. No final dos anos 1990, a empresa norte-americana Chevron esteve de olho na bacia petrolífera de Tenguiz, uma das maiores do mundo, situada no oeste do Cazaquistão. Em 1993, essa empresa passou a controlar 50% de suas reservas. Do outro lado do mar Cáspio, o presidente do Azerbaijão, Gueidar Aliev assinou, em 1994, o "contrato do século", com empresas petrolíferas estrangeiras, para a exploração do campo Guneshli-Chirag-Azeri.
 Devido a esse acordo, a Rússia começou a pressionar os países da Ásia Central, pois via a perda de importantes reservas de petróleo que estavam a seu favor e a diminuição do seu poder na região. Moscou esperava que a convivência com Aliev fosse melhor do que com seu antecessor, o nacionalista antirrusso Alboulfaz Eltchibey, primeiro presidente do Azerbaijão independente, derrotado por um golpe em junho de 1993, alguns dias antes de assinar importantes contratos com as maiores petrolíferas anglo-saxãs.
Duchambe - capital do Tadjiquistão
  Excelente conhecedor das engrenagens do sistema soviético, Gueidar Aliev, ex-general da KGB (sigla soviética que significa Comitê de Segurança do Estado, principal organização de serviços secretos da ex-URSS) e antigo membro da direção do Partido Comunista, negociou, em segredo, com as petrolíferas russas para preparar o terreno de um acordo com Moscou: a Lukoil (maior empresa petrolífera e pública de capital aberto da Rússia) obteve 10% do consórcio Guneshli-Chirag-Azeri.
ASPECTOS FÍSICOS DA ÁSIA CENTRAL
  Com uma área de aproximadamente 4 milhões de km², a Ásia Central apresenta relevo de planícies e planaltos no leste, além de  montanhas na divisa com o Oriente Médio.
  A vegetação é constituída basicamente por estepes (formação vegetal rasteira dominada por gramíneas em regiões marcadas por baixas precipitações) e espécies típicas de áreas desérticas. Esse tipo de paisagem natural ocorre em razão do predomínio de climas secos, semiáridos e áridos da região.
  Dois grandes rios, o Syr Daria e o Amu Daria, destacam-se na rede hidrográfica da região, que apresenta muitos cursos de água temporários, devido aos baixos índices pluviométricos.
Ponte sobre o rio Syr Daria, no Uzbequistão
DIFICULDADES POLÍTICAS E ECONÔMICAS
  A Ásia Central é marcada por conflitos entre etnias, agravados no passado pela relação comercial desigual com a Rússia. Somados ao clima desfavorável para a agricultura, esses conflitos favoreceram o surgimento de economias e estruturas precárias, marcadas pela instabilidade política e pela miséria da população.
  Como exemplos da precariedade socioeconômica da região, pode-se citar o Quirguistão e o Tadjiquistão, países que ocupam, respectivamente, a 125ª posição (0,628) e a 133ª posição (0,607) no ranking do IDH da ONU (2013).
Astana - capital do Cazaquistão
 ECONOMIA DA ÁSIA CENTRAL
  Com o declínio do socialismo e o fim da União Soviética, abriu-se caminho para que os países da Ásia Central promovessem a proclamação da independência, a partir de 1991. Isso levou os cinco países da Ásia Central a ingressarem na Comunidade dos Estados Independentes (CEI), associação criada por ex-repúblicas da URSS.
  O surto de independência na Ásia Central promoveu diversas mudanças na configuração política e econômica da região. Algumas mudanças ocorreram quase que simultaneamente, como a implantação de processos eleitorais e a abertura da economia, abrindo espaço para a entrada do capitalismo e do capital estrangeiro.
  A configuração da economia da Ásia está largamente ligada ao setor primário, principalmente no segmento da agricultura, pecuária e extrativismo mineral.
Bishkek - capital do Quirguistão
  Na produção agrícola, destaca-se o cultivo de algodão e frutas. Para o desenvolvimento da agricultura emprega-se técnicas de irrigação de maneira intensiva, objetivando garantir a produtividade e o abastecimento interno de alimentos. Na produção pastoril, a região tem como principais criações ovinos e caprinos. A atividade agrícola exerce uma enorme relevância para a composição da Ásia Central.
  Quanto ao extrativismo mineral, a região abriga em seu subsolo jazidas de diversos tipos de minérios, destacando-se o carvão mineral e o minério de ferro, no Cazaquistão e no Quirguistão, e petróleo e gás natural no Uzbequistão, Turcomenistão e Cazaquistão. Existem ainda indústrias de beneficiamento, como as siderúrgicas, petroquímicas, alimentícias e têxteis.
Asgabate - capital do Turcomenistão
O DESASTRE NO MAR DE ARAL
  Situado na Ásia Central, entre o Uzbequistão e o Cazaquistão, o Mar de Aral era o quarto maior mar interior da Terra, com 66.100 km². Suas águas eram renovadas e alimentadas pelos rios Syr Daria e Amu Daria. O desvio da água desses dois rios para projetos de irrigação consumiu 90% da água que chegava ao Aral. O resultado foi desastroso: o mar perdeu mais de 80% do seu volume. O que antes era um grande lago hoje consiste em grandes extensões de areia e sal, transformando em um grande deserto de sal. A concentração de sal dobrou e, com a perda de água, a indústria pesqueira, que empregava cerca de 60 mil pessoas acabou. A maioria de espécies de peixes desapareceu e a fauna que vivia em suas margens foi reduzida significativamente.
Mar de Aral em três décadas distintas
  Em toda a bacia do Aral existem mais de 5 mil lagos, a maior parte na região dos rios Amu Daria e Syr Daria. Sua morte foi prevista há quase 50 anos, quando o então governo soviético desviou os dois rios que alimentavam para irrigar plantios de algodão. Os agrotóxicos poluíram 15% das águas, também castigadas pelos efeitos das barragens de 45 usinas hidrelétricas. A floresta que cercava suas margens praticamente acabou. Dessa forma, o volume da água que chega ao lago não é suficiente para compensar a evaporação diária, o que faz seu nível diminuir a cada ano.
  Com a erosão e a retirada exagerada de água, o Aral recebe anualmente 60 milhões de toneladas de sal carregadas pelos rios. O sal e os pesticidas agrícolas se infiltraram no solo, contaminaram os lençóis freáticos, tornaram impossível a lavoura e elevaram a níveis epidêmicos doenças como o câncer. O Aral pode desaparecer se nada for feito para modernizar os sistemas de irrigação e adotar práticas ambientais menos agressivas.
O lago deu lugar ao Aralkum - um deserto de sal e poluentes sólidos
UM NOVO OLEODUTO EXPRESSA O PROJETO DE DOMINAÇÃO DE WASHINGTON
  Nos anos 1990, para justificar a penetração na bacia do Cáspio, os Estados Unidos começaram a superestimar as reservas de hidrocarbonetos que a bacia continha. Falavam em 243 bilhões de barris e só perdia para a Arábia Saudita. Hoje, estima-se, que tais reservas contenham apenas 50 bilhões de barris de petróleo e 9,1 trilhões de metros cúbicos de gás - ou seja, 4 a 5% das reservas mundiais. Os Estados Unidos só ousaram mentir sobre a quantidade de reservas porque queriam o oleoduto estratégico conhecido como BTC (Baku-Tbilisi-Ceyhan - um dos maiores oleodutos do mundo, que transporta óleo por 1.776 quilômetros, indo de Baiku, no Azerbaijão, até Ceyhan, na Turquia) a qualquer preço.
Oleoduto BTC
  Desde 2002, esse jogo de influências se intensifica. Em favor da guerra contra o terrorismo, travada no Afeganistão desde os atentados de 11 de setembro, os militares norte-americanos intensificam suas ações comerciais e militares na ex-URSS. Washington instalou bases militares no Cazaquistão e no Uzbequistão, prometendo reparti-las assim que os radicais islâmicos fossem erradicados. Quando era presidente dos Estados Unidos, George W. Bush utilizou esse engajamento militar maciço na Ásia Central para selar a vitória da Guerra Fria contra a Rússia, conter a influência da China e manter o cerco em torno do Irã.
  Com o surgimento de novos grupos radicais islâmicos e o aumento da violência no Oriente Médio, os Estados Unidos resolveram permanecer com as bases militares instaladas na Ásia Central.
  Na medida em que Pequim também entra nos negócios da Ásia Central e em que a Europa acelera os projetos de captação de gás no mar Cáspio - após a guerra do gás russo-ucraniana, de janeiro de 2006 - o jogo está bastante complicado. Petróleo, segurança, disputas de influência e batalhas ideológicas: é preciso apostar em todos os cenários para fincar dos dados no "grande jogo".
Dutos de petróleo para a Europa
FONTE: Silva, Ângela Corrêa da. Geografia: contextos e redes / Ângela Corrêa da Silva, Nelson Bacic Olic, Ruy Lozano. - 1. ed. - São Paulo: Moderna, 2013.

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