segunda-feira, 20 de maio de 2024

CABO VERDE: UM PEQUENO PAÍS INSULAR DA ÁFRICA QUE FALA O PORTUGUÊS

   Cabo Verde é um país insular localizado em um arquipélago no Oceano Atlântico central, formado por dez ilhas vulcânicas. Essas ilhas ficam entre 600 e 850 quilômetros a oeste da península senegalesa de Cabo Verde, situada no ponto mais ocidental da África continental. As ilhas de Cabo Verde fazem parte da ecorregião da Macaronésia, juntamente com os Açores, as Ilhas Canárias, a Madeira e as Ilhas Selvagens.

  Cabo Verde foi colônia de Portugal desde o século XV (quando foi descoberto pelos portugueses) até 1975 (quando tornou-se independente), e desempenhou um papel importante no comércio de escravos e das principais rotas de navegação durante o período colonial.

  Santiago é a maior ilha de Cabo Verde, concentrando aproximadamente 50% da população.

Mapa com as ilhas de Cabo Verde

História

  A descoberta de Cabo Verde se deu no século XV, por volta de 1460, tendo sua colonização iniciada logo após a descoberta nas ilhas de Santiago e Fogo. Para incentivar a colonização, a Corte portuguesa estabeleceu uma carta de privilégios aos moradores de Santiago relativa ao comércio de escravos na Costa da Guiné. Na Ribeira Grande, na ilha de Santiago, estabeleceu-se a primeira feitoria, que serviu como ponto de escala para os navios portugueses e para o tráfico e comércio de escravos. Com a abolição da escravidão, Cabo Verde entra em decadência, sobrevivendo por meio de uma economia de subsistência.

Igreja de Nossa Senhora do Rosário, a mais antiga igreja colonial do mundo, construída em 1495, em Cidade Velha, ilha de Santiago

  Visando incentivar o povoamento, em 12 de junho de 1466, D. Afonso V concedeu aos habitantes de Cabo Verde o poder de comercializar em toda a costa da Guiné, com exceção da feitoria de Arquim (monopólio real), podendo levar todas as mercadorias que quisessem, salvo armas, ferramentas, navios e seus apetrechos. As mercadorias adquiridas, após o recolhimento dos impostos régios, podiam ser vendidas em Portugal e seus domínios, ou mesmo fora do reino. O objetivo dessa liberdade era incentivar o povoamento de Cabo Verde e ampliar seu comércio, beneficiando os interesses da Coroa.

  Com a mudança da política portuguesa no norte da África, diante da necessidade de prosseguir a exploração das costas africanas, em 1469, o soberano arrendou a Fernão Gomes o comércio da Guiné por cinco anos, com a obrigação de nesse período se descobrirem cem léguas do litoral africano para o sul.

  Anos mais tarde, em 1497, a Armada, sob o comando de Vasco da Gama, escalou em Cabo Verde, a caminho da Índia, na baía da Ribeira Grande.

Posição do arquipélago nas rotas comerciais portuguesas ou carreira da Índia: percurso seguido na ida (vermelho) e rota de regresso (verde)

  As dificuldades de aproveitamento agrícola nas ilhas foram apontadas desde as suas primeiras descrições. Ainda assim, no século XVI os principais itens da pauta de exportações das ilhas eram: couro, sebo, cavalos, açúcar, aguardente e frutas, como figos, uvas e melões, além da reexportação de tecidos para o continente africano.

  Entre 1513 e 1515, o comércio de escravos estava em expansão. O seu principal centro, a Ribeira Grande de Santiago (atual Cidade Velha), foi elevado à categoria de cidade, tornando-se sede de um Bispado.

  Em 1587, Duarte Lobo foi nomeado primeiro governador de Cabo Verde e, na Ribeira Grande, inicia-se a construção do Forte Real de São Filipe.

Forte Real de São Filipe, em Cidade Velha, Cabo Verde

  Com a abertura do porto da Praia, em 1612, o antigo porto da Ribeira Grande entra em decadência. No contexto da Guerra da Restauração (conjunto de confrontos realizados entre o Reino de Portugal e a Coroa de Castela), em 1650 Cabo Verde passa a administrar o território português da Guiné, situação que se estenderia até 1879.

  Diante da escassez de capitais para o desenvolvimento da região, os Conselhos da Fazenda e Ultramarino, autorizam a fundação da Companhia da Costa da Guiné, em 1664, voltada para o comércio de escravos, colocando fim ao período dos arrendatários individuais e abrindo o das companhias escravagistas. Entre estas, destaca-se a Companhia de Cacheu e Rios da Guiné, que operou entre 1676 e 1682, sendo sucedida, em 1690, pela Companhia do Cacheu e Cabo Verde. Ainda nesse século, destaca-se na pauta de exportações de Cabo Verde o óleo de baleia, com destino ao Brasil.

Pedra Badejo - com uma população de 9.761 habitantes, é a sexta cidade mais populosa de Cabo Verde

  Corsários franceses, sob o comando de Jacques Cassard, assaltam e destroem grande parte da Ribeira Grande, em 1712, causando a transferência da capital para a cidade de Praia, em 1769.

  A extração e o comércio de urzela são declarados monopólio da Coroa Portuguesa, em 1732. Em 1757, a Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão tem os seus privilégios ampliados com exclusividade do comércio no arquipélago de Cabo Verde e na Guiné. Com a extinção desta, em 1778, foi criada a Companhia de Comércio da Costa da África, que atuou entre 1780 e 1786. A partir de 1794, intensifica-se o povoamento na ilha de São Vicente. Em 1814, cessa o comércio de escravos, pouco influenciando na economia das ilhas.

  Em 1817 é aberta a primeira escola primária, em Praia. De 1831 a 1833 há uma grande fome nas ilhas, levando à morte de milhares de pessoas. A ajuda internacional veio por meio dos Estados Unidos, já que Portugal encontrava-se numa guerra civil, a Guerra Civil Portuguesa (1828-1834). Com o advento da navegação a vapor, os ingleses instalam no Porto Grande (Mindelo, ilha de São Vicente), em 1838, um depósito de carvão, sendo esse porto aberto à navegação em 1850. Em 1874, os ingleses trazem os cabos telegráficos. Com o fim do tráfico de escravos, em 1876, diminui o interesse pelo arquipélago.

São Filipe - com uma população de 8.487 habitantes (estimativa 2024) é a sétima cidade mais populosa de Cabo Verde

  A partir da década de 1950, com o surgimento dos movimentos de independência dos povos africanos, Cabo Verde vincula-se a luta pela libertação da Guiné Portuguesa (atual Guiné-Bissau).

  Em 1956, o intelectual de Bafatá (região centro-norte de Guiné-Bissau), Amílcar Cabral, fundou em Bissau, o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC). Exilado em Conacri (capital da República da Guiné), criou uma delegação e sede do partido, sendo assassinado em 1973. Em consequência da Revolução dos Cravos em Portugal, Cabo Verde ganhou sua independência em 1974, sendo declarada em 5 de julho de 1975.

  Em 1980, o presidente de Guiné-Bissau, Luís Cabral, foi deposto. Nesse ano, o PAIGC realizou em Cabo Verde, um congresso de emergência devido às mudanças políticas em Guiné-Bissau. Em 1981, todos os laços com Guiné-Bissau foram rompidos. Em 1982, por mediação de Angola e Moçambique, as relações entre os dois países foram retomadas.

  Em 1984, uma seca reduziu as colheitas cabo-verdianas. O sistema de distribuição de alimentos e a eficiente gestão estatal evitaram a proliferação da fome pelo país.

  Em 1986, o "Segundo Plano de Desenvolvimento", deu prioridade ao setor privado da economia e ao combate à desertificação. O objetivo era recuperar mais de cinco mil hectares de terra e colocar em operação um sistema único de administração e distribuição das reservas hídricas do país.

  Em 1992 o país ganhou uma Constituição multipartidária, mudando a bandeira, o emblema e o hino nacional (que anteriormente era o mesmo que o da Guiné-Bissau), e converteu o país em uma democracia semipresidencialista.

Tarrafal - com uma população de 6.452 habitantes (estimativa 2024) é a oitava cidade mais populosa de Cabo Verde

Geografia

  Cabo Verde é um arquipélago localizado ao largo da costa da África Ocidental. As ilhas vulcânicas que o compõem são pequenas e montanhosas. O país é constituído por dez ilhas, das quais nove são habitadas e vários ilhéus desabitados.

  Geologicamente, as ilhas são compostas principalmente por rochas ígneas, com estruturas vulcânicas e detritos piroclásticos que compõem a maior parte do volume total do arquipélago. As rochas vulcânicas e plutônicas são distintamente básicas.

  Anomalias magnéticas identificadas nas imediações do arquipélago, indicam que as estruturas que formam as ilhas datam de aproximadamente 125-150 milhões de anos.

  O Pico do Fogo é o maior vulcão ativo na região e também o ponto mais elevado do país, com uma altitude de 2.829 metros acima do nível do mar.

Pico do Fogo, localizado na ilha do Fogo, é o ponto mais elevado de Cabo Verde

  Extensas salinas são encontradas nas ilhas de Sal e Maio. O arquipélago de Cabo Verde encontra-se localizado na zona climática subsaheliana, com um clima árido e semiárido. A Corrente das Canárias modera a temperatura. A média anual raramente é superior a 25ºC com mínimas sempre acima de 20ºC.

  A estação chuvosa, de agosto a outubro, é muito irregular e geralmente com escassa pluviosidade, em especial nas ilhas de São Vicente e Sal. As ilhas de Santo Antão, Santiago e Fogo, ocorrem as maiores pluviosidades.

  A estação mais seca, de dezembro a julho, é caracterizada por ventos constantes. A chamada "bruma seca", trazida pelo vento harmatão das areias do deserto do Saara, chega a provocar a interrupção dos serviços nos aeroportos.

Estrada da Baía das Gatas, na ilha de São Vicente

Demografia

  Os cabo-verdianos são descendentes de africanos e também de alguns povos europeus, que incluem na sua grande maioria portugueses. Há uma miscigenação de várias etnias da Alta Guiné, além de muitas vezes terem uma mistura significativa de não-africanos. Há também cabo-verdianos que têm antepassados judaicos vindos do Norte da África, principalmente nas ilhas de Boa Vista, Santiago e Santo Antão. Grande parte dos cabo-verdianos emigrou para outros países, principalmente para os Estados Unidos, Portugal e França.

  Há um grande número de jovens no país. O IDH do país era de 0,661 em 2023, considerado médio. A expectativa de vida em 2023 era de 74,5 anos. A taxa de natalidade é de 13,1/mil, a de mortalidade de 6,0/mil e a mortalidade infantil é de  de 10,6/mil. A taxa de fecundidade do país é de 1,9 filho/mulher. A escolaridade é elevada para os padrões africanos, onde 90,9% da população é considerada alfabetizada. A taxa de urbanização é de 66,9%. Grande parte dos cabo-verdianos professam a religião católica, seguido de protestantes e minorias muçulmanas, judaicas e outras religiões.

  O português é a língua oficial do país, porém, o francês e o inglês são lecionados no ensino secundário. Cabo Verde é membro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, e desde 1996 é membro da Organização Internacional da Francofonia. O inglês é falado por uma comunidade de imigrantes nigerianos, que residem em Praia.

Sal Rei - com uma população de 5.648 habitantes (estimativa 2024) é a nona maior cidade de Cabo Verde

Economia

  Cabo Verde possui uma economia subdesenvolvida, sofrendo com carência de recursos. As principais atividades econômicas desenvolvidas nas ilhas são a agricultura, a riqueza marinha, o setor de serviços (que corresponde a 80% do PIB) e o turismo, atividade que mais vem ganhando relevância na economia.

  A agricultura sofre com os constantes períodos de seca e carece de uma melhor infraestrutura e modernização das técnicas agrícolas. Os principais produtos agrícolas cultivados no país são o milho e o feijão, que se destina principalmente para abastecer o mercado interno. São cultivados também produtos da hortifruticultura, café, banana e cana-de-açúcar. O setor de pescados também é bastante importante para a economia.

Assomada - com uma população de 12.562 habitantes (estimativa 2024) é a quarta cidade mais populosa de Cabo Verde

  Cabo Verde tem muitos emigrantes espalhados pelo mundo, que contribuem com remessas financeiras significativas para o país.

  A localização estratégica de Cabo Verde, no cruzamento das vias aéreas e marítimas no meio do Atlântico tem sido reforçada por melhorias significativas no porto de Mindelo (Porto Grande) e nos aeroportos internacionais do Sal e de Praia.

  Os principais portos são Mindelo e Praia, mas todas as outras ilhas habitadas possuem instalações portuárias menores.

  As perspectivas econômicas futuras do país dependem fortemente da manutenção dos fluxos de ajuda e cooperação estrangeira, do incentivo ao turismo, das remessas do exterior, da terceirização do trabalho para países africanos e do impulso do programa de desenvolvimento do governo.

Porto Novo - com uma população de 9.850 habitantes (estimativa 2024) é a quinta cidade mais populosa de Cabo Verde



Cultura

  A cultura de Cabo Verde caracteriza-se por uma miscigenação de elementos europeus e africanos.

  O povo cabo-verdiano é conhecido por sua musicalidade, bem expressa por manifestações populares como o Carnaval de Mindelo, cuja importância faz com que a cidade seja conhecida nos dias dos festejos momescos como "Brazilim", ou "pequeno Brasil". Na música há diversos gêneros musicais próprios, dos quais se destacam a morna, o funaná, a coladeira e o batuque.

  A dieta do cabo-verdiano é baseada em peixes e alimentos básicos como o milho, arroz e feijão. Um prato popular servido em Cabo Verde é a cachupa, um cozido de milho, feijão e peixe ou carne.

Ponta do Sol - com uma população de 4.831 habitantes (estimativa 2024) é a décima cidade mais populosa de Cabo Verde

ALGUNS DADOS SOBRE CABO VERDE

NOME: República de Cabo Verde

INDEPENDÊNCIA: de Portugal, em 5 de julho de 1975

CAPITAL: Praia

Visão aérea da cidade de Praia

GENTÍLICO: cabo-verdiano (a)

LÍNGUA OFICIAL: português

GOVERNO: Republica Semipresidencialista Unitária

LOCALIZAÇÃO: oeste da África (Oceano Atlântico)

ÁREA: 4.033 km² (166º)

POPULAÇÃO (ONU - Estimativa para 2024): 568.385 habitantes (166°)

DENSIDADE DEMOGRÁFICA: 140,93 hab./km² (71º). Obs: a densidade demográfica, densidade populacional ou população relativa é a medida expressa pela relação entre a população total e a superfície de um determinado território.

CRESCIMENTO POPULACIONAL (ONU - Estimativa 2024): 2,23% (41°). Obs: o crescimento vegetativo, crescimento populacional ou crescimento natural é a diferença entre a taxa de natalidade e a taxa de mortalidade de uma  determinada população.

CIDADES MAIS POPULOSAS (Estimativa para 2024):

Praia: 166.143 habitantes

Praia - capital e maior cidade de Cabo Verde

Mindelo: 73.798 habitantes

Mindelo - segunda maior cidade de Cabo Verde

Santa Maria: 24.902 habitantes

Santa Maria - terceira maior cidade de Cabo Verde

PIB (FMI 2023): US$ 2,53 bilhões (186º). Obs: o PIB (Produto Interno Bruto), representa a soma (em valores monetários) de todos os bens e serviços finais produzidos numa determinada região (quer sejam países, estados ou cidades), durante um período determinado (mês, trimestre, ano).

PIB PER CAPITA (FMI 2023): US$ 4.451 (118°). Obs: o PIB per capita ou renda per capita é o Produto Interno Bruto (PIB) de um determinado lugar dividido por sua população. É o valor que cada habitante receberia se toda a renda fosse distribuída igualmente entre toda a população.

Países ou territórios por PIB per capita em 2023

  >$60,000
  $50,000 - $60,000
  $40,000 - $50,000
  $30,000 - $40,000
  $20,000 - $30,000
  $10,000 - $20,000
  $5,000 - $10,000
  $2,500 - $5,000
  $1,000 - $2,500
  $500 - $1,000
  <$500
  Sem dados

IDH (ONU - 2023): 0,661 (131°). Obs: o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) é uma medida comparativa usada para classificar os países pelo seu grau de desenvolvimento econômico e a qualidade de vida oferecida à população. Este índice é calculado com base em dados econômicos e sociais, variando de 0 (nenhum desenvolvimento humano) a 1 (desenvolvimento humano total). Quanto mais próximo de 1, mais desenvolvido é o país. No cálculo do IDH são computados os seguintes fatores: educação (anos médios de estudos), longevidade (expectativa de vida da população) e PIB per capita. A classificação é feita dividindo os países em quatro grandes grupos: baixo (de 0,0 a 0,500), médio (de 0,501 a 0,800), elevado (de 0,801 a 0,900) e muito elevado (de 0,901 a 1,0).

Mapa-múndi representando as quatro categorias do Índice de Desenvolvimento Humano, baseado no relatório publicado em 2024, com dados referentes a 2022

  0,800 – 1,000 (muito alto)
  0,700 – 0,799 (alto)
  0,555 – 0,699 (médio)
  0,350 – 0,554 (baixo)
  Sem dados

EXPECTATIVA DE VIDA (OMS - 2023): 74,5 anos (84º). Obs: a expectativa de vida refere-se ao número médio de anos para ser vivido por um grupo de pessoas nascidas no mesmo ano, se a mortalidade em cada idade se mantém constante no futuro, e é contada da maior para a menor.

Planisfério com a expectativa de vida dos países

TAXA DE NATALIDADE (ONU - 2023): 13,1/mil (73º). Obs: a taxa de natalidade é a porcentagem de nascimentos ocorridos em uma população em um determinado período de tempo para cada grupo de mil pessoas, e é classificada do maior para o menor.

Mapa com a taxa de natalidade dos países

TAXA DE MORTALIDADE (CIA World Factbook 2023): 6,0/mil (137º). Obs: a taxa de mortalidade ou coeficiente de mortalidade é um índice demográfico que reflete o número de mortes registradas, em média por mil habitantes, em uma determinada região por um período de tempo e é classificada do maior para o menor.

TAXA DE MORTALIDADE INFANTIL (CIA World Factbook - 2023): 10,6/mil (119°). Obs: a taxa de mortalidade infantil refere-se ao número de crianças que morrem no primeiro ano de vida entre mil nascidas vivas em um determinado período, e é classificada do menor para o maior.

Mapa da taxa de mortalidade infantil no mundo

TAXA DE FECUNDIDADE (CIA World Factbook 2023): 1,9 filhos/mulher (94º). Obs: a taxa de fecundidade refere-se ao número médio de filhos que a mulher teria do início ao fim do seu período reprodutivo (15 a 49 anos), e é classificada do maior para o menor.

Mapa da taxa de fecundidade de acordo com o CIA World Factbook de 2020

TAXA DE ALFABETIZAÇÃO (CIA World Factbook - 2023): 90,9% (134º). Obs: essa taxa refere-se a todas as pessoas com 15 anos ou mais que sabem ler e escrever.

Mapa da taxa de alfabetização no mundo em 2020

TAXA DE URBANIZAÇÃO (CIA World Factbook - 2023): 66,9% (84°). Obs: essa taxa refere-se a porcentagem da população que mora nas cidades em relação à população total.

Mapa da taxa de urbanização no mundo em 2020

MOEDA: Escudo cabo-verdiano

RELIGIÃO: católicos (73,2%), protestantes (17,3%), muçulmanos (2,4%), judeus (1,5%), outras religiões/sem religiões (5,6%).

Igreja Nossa Senhora de Fátima, em Assomada

DIVISÃO: o território de Cabo Verde encontra-se subdividido em concelhos, que se subdividem em freguesias. São 22 concelhos e 32 freguesias. A nível administrativo, logo abaixo do governo, encontram-se os municípios, que administram os concelhos, e abaixo destes, as juntas de freguesias, que administram as freguesias. Os municípios são constituídos por uma câmara municipal - órgão executivo - e por uma assembleia municipal - órgão deliberativo.

  As ilhas são tradicionalmente divididas em duas regiões geográficas (sem significado administrativo): Barlavento (ou "do lado de onde sopra o vento"), as que estão situadas mais ao norte; e Sotavento, as quatro ilhas do sul.

  • Ilhas de Barlavento - Santo Antão, São Vicente, Santa Luzia (desabitada), São Nicolau, Sal e Boa Vista. Pertencem ainda ao grupo de Barlavento os ilhéus desabitados de Branco e Raso, situados entre Santa Luzia e São Nicolau, o ilhéu dos Pássaros, em frente a cidade de Mindelo, na ilha de São Vicente, e os ilhéus Rabo de Junco (na costa da ilha do Sal),  de Sal Rei e do Baluarte (na costa da ilha de Boa Vista).
  • Ilhas de Sotavento - Maio, Santiago, Fogo e Brava. O ilhéu de Santa Maria, em frente à cidade de Praia, na ilha de Santiago; os ilhéus Grande, Rombo, Baixo, de Cima, do Rei, Luís Carneiro e o ilhéu Sapado (situados a cerca de 8 quilômetros da ilha Brava) e o ilhéu da Areia (junto à costa dessa mesma ilha).

Mapa das ilhas de Cabo Verde

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ALBUQUERQUE, Luís de. O descobrimento das ilhas de Cabo Verde. In: SANTOS, Maria Emília Madeira; ALBUQUERQUE, Luís de (coord.). História Geral de Cabo Verde (vol. 1). Lisboa: Instituto de Investigação Científica de Portugal. Cidade da Praia: Instituto de Investigação Cultural de Cabo Verde, 2001.

BARDELOS, Christiano José de Senna. Subsídios para a História de Cabo Verde. Cidade da Praia: Instituto da Biblioteca Nacional e do Livro, 2003.

FRANCISCO, Wagner de Cerqueira e. Cabo Verde. Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/geografia/cabo-verde.htm. Acesso em: 09/04/2024.

quinta-feira, 4 de abril de 2024

O PROBLEMA DE MORADIA

   A cidadania também se expressa nas condições materiais de vida das pessoas. E morar, ter uma casa, um lar, é um direito humano fundamental para que todos tenham segurança física e emocional. Moradia, porém, é um problema crônico das grandes cidades. Uma de suas causas é o êxodo populacional, pois muitas cidades de países em desenvolvimento não tiveram condições econômicas de absorver a grande quantidade de pessoas que em pouco tempo migraram da zona rural e das cidades menores, aumentando o número de desempregados. Para sobreviver, muitas pessoas se submetem ao subemprego e à economia informal. Como os rendimentos, mesmo para trabalhadores da economia formal, em geral são baixos, muitos não têm condições de arcar com os altos custos de aquisição de um imóvel ou do aluguel de residências confortáveis e bem localizadas no território municipal, áreas que justamente são as mais valorizadas e, portanto, mais caras. A saída que encontram é partir em busca de imóveis com preços mais baixos na periferia distante, onde a rede comercial e de serviços públicos, como escolas, postos de saúde, equipamentos de lazer e cultura, tende a ser menor ou até ausente, e menos servida pelo sistema de transporte, o que impacta a vida pessoal cotidiana com a perda de horas no ir e vir do trabalho. Ou se veem impedidos a habitar imóveis em condições inadequadas, como os cortiços, ou a formar favelas ou outros tipos de aglomerado subnormal, porém, em áreas centrais. Essa é a face mais visível do crescimento desordenado das cidades e da segregação socioespacial.

Favela em Nairóbi, Quênia

  De acordo com o Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (agência da ONU sediada em Nairóbi, Quênia, mais conhecida como UN-Habitat), uma ou mais das seguintes características definem um assentamento urbano precário, que o IBGE denomina aglomerado subnormal:

  • Ocupação irregular: as pessoas ocupam terrenos dos quais não possuem título de propriedade.
  • Condições inseguras de habitação.
  • Baixa qualidade estrutural das construções e moradias apertadas e superlotadas.
  • Acesso inadequado a saneamento básico - água potável e tratamento de esgoto - e a demais infraestruturas.

Barracos de uma favela em Jacarta, Indonésia

  Os governos têm grande parcela de responsabilidade nesse processo, pois não implantaram políticas públicas adequadas, sobretudo no setor habitacional, para enfrentar o problema. Nos países em que políticas públicas foram adequadas, paralelamente ao aumento da oferta de empregos e à evolução da renda e da qualidade de vida, as moradias precárias foram bastante reduzidas ou até mesmo erradicadas.

  Um dos melhores exemplos é Cingapura. De acordo com o Banco Mundial, em 1965, quando o país se tornou independente, 70% de sua população vivia em condições muito precárias, a renda per capita era de 2.700 dólares ao ano, e o desemprego atingia 14% da População Economicamente Ativa (PEA). Após cinco décadas de elevados investimentos públicos em habitação, em infraestrutura urbana e em serviços públicos de qualidade, houve crescimento econômico sustentado, elevação e melhor distribuição de renda, erradicação das submoradias e, consequentemente, melhoria da qualidade de vida da população. Em 2022, segundo o Banco Mundial, a renda per capita era de 82.807,63 dólares e o desemprego de 1,8%.

Cidade de Cingapura, uma das mais desenvolvidas da Ásia

  A carência de habitações seguras e confortáveis é um problema mundial, mas principalmente nos países em desenvolvimento. Segundo a UN-Habitat, o percentual de pessoas que vivem em assentamentos precários caiu de 46% da população urbana mundial em 1990 para menos de 23% da população mundial em 2020. Ainda é um número muito alto, uma vez que corresponde a mais de 1 bilhão de pessoas. O Leste da Ásia é a região com maior número absoluto de submoradias. Embora a China e a Índia tenham reduzido significativamente a quantidade de pessoas que vivem em moradias precárias, ainda são os países que apresentam os maiores números absolutos. É preciso lembrar que, juntos, eles detêm cerca de 36% da população mundial. O Brasil é o quarto país com o maior contingente de moradores em aglomerados subnormais. O maior número relativo de moradores em assentamentos precários aparece na África Subsaariana. Na Nigéria, país com o maior número de habitantes em submoradias nessa região, o percentual de pessoas que vivem em habitações precárias chega à metade da população urbana. Nesse subcontinente, no entanto, há países com percentuais bem mais altos, como a República Centro-Africana, onde 93% da população urbana vive em favelas.

Makoko, em Lagos, Nigéria, uma das favelas mais antigas da África, construída sobre palafitas

  Na tentativa de encaminhar soluções para diversos problemas urbanos, entre os quais os assentamentos precários, foi realizada em Istambul, na Turquia, em 1996, a Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos - Habitat II. A primeira reunião, Habitat I, aconteceu em Vancouver, Canadá, em 1976; e a Habitat III ocorreu em Quito, Equador, em 2016.

  A Habitat II reuniu representantes dos países-membros da ONU e de diversas ONGs. Nesse encontro, ficou decidido que os governos deveriam criar condições para o acesso à moradia segura, habitável, salubre e sustentável fosse universalizado. Diversos governos, porém, entre os quais o dos Estados Unidos e o do Brasil, foram contra a proposta de que a habitação fosse considerada um direito universal do cidadão e, portanto, garantida pelo Estado, para não serem cobrados judicialmente pela não garantia desse direito.

  Em diversas cidades do mundo, tanto nos países em desenvolvimento quanto nos desenvolvidos, pessoas sem-teto se organizam para lutar pelo direito à moradia urbana adequada e por melhores condições de vida. Uma ou outra dessas organizações tem atuação nacional, mas a maioria delas atual localmente. Há também organizações com atuação internacional, como a TETO (ou TECHO, em espanhol), organização não governamental (ONG) criada em 1997, no Chile, que atua em quase toda a América Latina, até mesmo no Brasil.

Militantes do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) em protesto para reivindicar moradias populares, no vão livre do MASP, na Avenida Paulista, São Paulo

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

HARVEY, David. Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo: Martins Fontes, 2014.

LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. 5 ed. São Paulo: Centauro, 2009.

terça-feira, 26 de março de 2024

A INDÚSTRIA 4.0

   O termo "indústria 4.0" originou-se de um projeto de alta tecnologia do governo alemão com o objetivo de associar a automação industrial ao uso de máquinas conectadas para a fabricação de produtos cada vez mais personalizados e baseados em análises de grande quantidade de dados. Em 2013, o grupo de trabalho da Indústria 4.0, liderado pelo físico Henning Kagermann, publicou o relatório Recommendations for implementing the strategic iniative Industrie 4.0, sob o patrocínio do Ministério da Educação e Pesquisa da Alemanha. Desde então, esse conceito, que engloba as principais inovações tecnológicas dos campos de automação e tecnologia da informação (TI), vem sendo amplamente utilizado nas empresas pioneiras em alta tecnologia.

Figurinha mostrando a evolução da indústria

  O grupo de trabalho do projeto alemão caracterizou a indústria 4.0 considerando seis princípios:

1. Tempo real: capacidade de coletar e tratar dados de forma instantânea, permitindo reagir aos acontecimentos em tempo real.

2. Interoperabilidade: capacidade dos sistemas de se conectarem com outros sistemas. Quanto maior a conectividade entre os sistemas, maior a capacidade de coleta de dados e a capacidade de tomada de decisões em tempo real. A integração entre os dados coletados na indústria e sistemas de outros setores, como marketing, operações e financeiro, permite decisões rápidas e integradas.

3. Virtualização: tecnologias de realidade virtual e realidade aumentada, muito conhecidas nos jogos eletrônicos e no cinema, têm um enorme potencial para a indústria, trazendo a representação de uma cópia virtual das fábricas inteligentes, permitindo que os profissionais visualizem produtos e comportamentos de equipamentos. Com a virtualização é possível ainda rastrear e monitorar remotamente todos os seus processos.

4. Descentralização: princípio que estabelece que cada pessoa (ou máquina) é capaz de implementar melhorias na produção com base nos dados que recebe. Sem a indústria 4.0, um grande sistema central lida com cada mínima decisão envolvendo as mais diversas áreas da indústria, o que toma mais tempo.

5. Modularidade: o século XXI trouxe um grande aumento na busca por personalização de produtos. Com a coleta de um grande número de dados de produção e consumo, a produção direciona-se para a personalização, com seus componentes sendo baseados em módulos capazes de permitir o acoplamento ou desacoplamento de recursos, segundo a demanda da fábrica. Isso permite flexibilidade na alteração de tarefas em comparação com o modelo anterior. Um bom exemplo de entendimento da modularidade é a indústria automobilística, que utiliza o conceito há alguns anos. Um único modelo de carro permite que a indústria venda tipos diversos de acessórios modulares complementares.

6. Orientação a serviços: princípio de que os softwares  são orientados a disponibilizar soluções como serviços, conectados com toda a indústria. Assim, a conexão entre trabalhadores e máquinas torna-se vital para a realização de determinadas tarefas.

Princípios da Indústria 4.0

  A indústria 4.0 é resultante, portanto, de uma linha contínua de inovação e integração de diversas tecnologias. Ela vem sendo tratada por muitos como a Quarta Revolução Industrial por ter em comum o objetivo de tornar as máquinas mais inteligentes, integrando sistemas físico-cibernéticos, o que implica um grau de complexidade bem mais elevado do que as Revoluções Industriais anteriores.

  Quando falamos em revolução na indústria, não tratamos de uma novidade que impacte localmente o processo de alguns fabricantes. Para ser tratado como uma revolução, o impacto da produção deve acontecer em escala mundial e multissetorial. Assim, a tendência tecnológica que observamos aqui se dá pela combinação de novos conceitos e novas tecnologias.

Esquema mostrando como funciona da Indústria 4.0

Internet das coisas e sistemas integrados da indústria 4.0

  A aplicação da internet das coisas na indústria 4.0 é encontrada, por exemplo, em fábricas integradas por sensores que capturam grandes quantidades de dados por toda a empresa e permitem a gestão de dispositivos de forma remota. Dessa forma, um dos primeiros impactos da internet das coisas sobre a produção industrial está em sua otimização, sem que, muitas vezes, haja a necessidade de intervenção humana.

  O monitoramento do desempenho da produção praticamente em tempo real pode ser feito desde a obtenção da matéria-prima até a embalagem e a distribuição dos produtos. A análise desses dados proporciona rapidez nas respostas, ajustando operações e identificando pontos de melhoria nos processos, com ganhos potenciais em custos e segurança.

Tecnologias da indústria 4.0

  A internet das coisas e os sistemas integrados permitem ainda o controle de estoques por meio da identificação por radiofrequência (RFID), um tipo de etiqueta que captura dados. É a mesma tecnologia dotada em cancelas de pedágio  e estacionamentos ou no monitoramento do desempenho de maratonistas em corrida. Ao receberem um número de série único, cada etiqueta identifica o produto por meio de um microchip. A partir daí, o controle do produto no estoque é muito mais eficiente. A etiqueta faz a identificação automática do produto e de todas as informações dele no sistema da empresa, prevenindo assim o roubo e as trocas de mercadoria e ainda reduzindo os erros de armazenamento. A inteligência artificial pode, em combinação com essa tecnologia, solicitar a reposição de determinado produto em estoque quando este atinge um nível crítico, por exemplo.

  A internet das coisas na indústria 4.0 também é pensada para possibilitar a melhoria da segurança e da proteção individual: câmeras e sensores capturam dados que são processados por sistemas especializados e informam atitudes inadequadas ou perigosas, disparando automaticamente ações de proteção e prevenção, ou induzem ao autodesligamento de máquinas com mau funcionamento, de forma a evitar acidentes, e informam a necessidade de manutenção.

  Com o controle integrado e automatizado e a disponibilidade de grandes volumes de dados em tempo real, problemas de qualidade do produto são corrigidos quase que instantaneamente, liberando ao mercado lotes de produtos mais bem acabados do que os do estágio anterior da industrialização, que dependiam da verificação humana para os padrões de qualidade.

Com bilhões de dispositivos que funcionam à base de sensores inteligentes, a internet das coisas pode ser utilizado nos campos mais diversos

REFERÊNCIA:

CSACOMANO, J. B.; SÁTYRO, W. C. Indústria 4.0: conceitos fundamentais. São Paulo: Blusher, 2018.

terça-feira, 19 de março de 2024

A INDEPENDÊNCIA DOS ESTADOS UNIDOS

   O poder absolutista europeu se fortaleceu em paralelo à expansão marítima e à formação de colônias ao redor do mundo. Contudo, à medida que a estrutura colonial passou a emitir sinais de colapso, diante do desejo dos colonos em traçar caminhos próprios e efetivar um rompimento definitivo com as metrópoles, o absolutismo começou a ruir.

  O primeiro sinal do conflito que se delineava no período viria de um dos elos mais frágeis do mundo colonial: as Treze Colônias Inglesas da América do Norte. Elas protagonizariam o primeiro processo de independência na América.

Mapa destacando as Treze Colônias da América Inglesa

  Em toda a América, as principais e mais prósperas colônias europeias foram construídas por portugueses e espanhóis, com a transferência de grandes recursos: capital, tecnologia, equipamentos e, sobretudo, pessoas das mais diferentes origens, etnias e condições sociais.

  Esses esforços resultaram em inúmeros e bem sucedidos núcleos populacionais, muitos deles marcados por sólidos centros urbanos, intenso comércio, riquezas e até mesmo universidades.

  Grande parte dos colonos que seguia para esses locais desejava uma rápida permanência, contando com riqueza imediata, mas acabaram encontrando inúmeras dificuldades para retornar, sobretudo com a demora em fazer fortuna. Permaneciam, assim, na colônia por longo tempo, sob o rígido controle da metrópole.

Mapa da América Colonial

  No caso de muitas das colônias inglesas da América do Norte, os caminhos foram diferentes. No início das Grandes Navegações, a Inglaterra era um reino de importância diminuta na Europa. Seu projeto colonial tinha uma estrutura bem menor que aquela demonstrada por portugueses e espanhóis. Iniciado cerca de um século depois do ibérico, quase sem apoio do governo, foi protagonizado por muitos súditos em fuga dos conflitos religiosos.

  O resultado foi um desenvolvimento colonial lento e precário, com poucas interferências da metrópole no cotidiano dos colonos. Na costa leste da América do Norte, iriam assim se consolidando as treze colônias autônomas e com profundas diferenças entre si.

  Com o passar do tempo, a situação do reino inglês, até então secundário no cenário europeu, mudou. A burguesia inglesa se consolidou como classe dominante, e a promoção de mudanças no plano econômico empreendida por ela deu à Inglaterra uma posição de destaque na Europa.

  Diante disso, segundo o historiador Leandro Karnal, é possível encontrar a razão para o início do processo de independência das Treze Colônias americanas observando os rumos tomados pela sociedade inglesa. A falta de um projeto de colonização sistemático fez consolidar entre os colonos ingleses um espírito de autonomia que se manifesta fortemente quando o governo inglês buscou estabelecer vínculos coloniais tradicionais, com o objetivo de tornar as posses americanas rentáveis para os negociantes da metrópole.

As possessões coloniais europeias na América do Norte em meados do século XVIII, com as Treze Colônias no leste (vermelho claro) na América Britânica

O caminho da intolerância

  Os séculos XVII e XVIII, na Europa, foram marcados por inúmeros conflitos, envolvendo reinos como Inglaterra, França e Espanha. As casas dinásticas disputavam o poder, a hegemonia no continente e a posse de territórios fora do continente. Essa conjuntura provocou, na América do Norte, frequentes alterações nas fronteiras coloniais.

  No caso dos ingleses, quando os conflitos se estendiam pela América, era comum o envolvimento dos colonos e mesmo dos povos nativos, com a mobilização de combatentes e recursos. A constância dessas batalhas, porém, levou os colonos a perceber que seus propósitos eram completamente inversos aos da metrópole - cada qual desejando caminho distinto para a sociedade. A situação provocou o progressivo distanciamento entre as duas partes.

  Os conflitos com o inimigo externo ajudaram a consolidar também entre os habitantes das Treze Colônias, uma espécie de identidade embrionária. Tornaram, por fim, rotineira a mobilização e a formação de exércitos entre os colonos.

  A Guerra dos Sete Anos (1756-1763) - que envolveu vários países e reinos europeus e opôs França e Inglaterra - teve importância fundamental nos processos que estavam prestes a acontecer. Ao marcar a saída definitiva dos franceses dos territórios da América do Norte, os colonos ingleses se perceberam  menos necessitados da proteção e dos vínculos com a metrópole, ao mesmo tempo que passaram a sentir maior interesse dos britânicos nos negócios coloniais.

Operações da Guerra dos Sete Anos em 1756

  A interferência do governo tinha múltiplos objetivos, como obter recursos para arcar com as despesas das guerras e garantir, de um lado, maior fornecimento de matéria-prima para as fábricas da Revolução Industrial (entre elas o algodão utilizado no setor têxtil) e, de outro, consumidores para os produtos dessas mesmas fábricas.

  As ingerências do governo inglês na América aumentaram significativamente, passando a intervir na regulação dos negócios e no aumento dos impostos. Acendia-se assim um barril de pólvora que inflamava o desejo por autonomia dos colonos.

  A busca por essa autonomia surgiria, primeiro, nas colônias do norte, menos dependentes dos negócios com a metrópole. Essas colônias haviam consolidado um intenso comércio com outras áreas coloniais do Caribe, com a África e mesmo com as colônias ibéricas do sul. Com o interesse do governo inglês em interferir nas colônias da América, todo esse dinamismo ficava ameaçado.

Formação dos estados norte-americanos desde 1750 até os dias atuais

No (antigo) espírito mercantilista

  O governo inglês, para sustentar seus anseios políticos e econômicos, buscou intensificar seus vínculos coloniais. Na América, isso se traduziu em normas e impostos, como a chamada Lei do Açúcar (Sugar Act), de 1764, que interferia na organização do comércio realizado nas colônias, sobretudo aquelas do norte.

  A medida reduzia os impostos sobre o melaço vindo do estrangeiro e aumentava as taxas sobre produtos como açúcar, artigos de luxo e vinhos. Intensificava também o rigor na fiscalização e no combate ao contrabando. O objetivo era intensificar os negócios com as colônias inglesas das Antilhas e, ao mesmo tempo, dificultar os negócios dos colonos no Caribe, em especial a compra do açúcar usado para fabricar rum, produto que trazia grandes lucros em negócios realizados na África.

  A reação dos colonos foi intensa. Começaram a questionar se o Parlamento inglês teria o direito de aumentar os tributos na América sem a representação dos colonos naquele órgão. Recorria-se, para isso, a uma antiga tradição inglesa, consolidada nos tempos medievais com a Magna Carta: o aumento do tributo só era possível com a concordância dos súditos representados no Parlamento. Os colonos, na época, não tinham direito a essa representação.

  Outras leis restritivas seriam ainda decretadas pela metrópole, como a proibição da emissão de papel de crédito na América. Além disso, tornava-se ainda obrigatório aos colonos a hospedagem e o fornecimento de alimentos aos soldados ingleses na América. Com isso, o governo pretendia economizar nos custos de manutenção das tropas na colônia, que tinham a função de reprimir os colonos.

  Mas a goda d'água que fez explodir as tensões foi a Lei do Selo, de 1765. A medida exigia que os contratos, jornais, cartazes e quaisquer documentos oficiais fossem taxados: o símbolo do cumprimento da lei, nesse caso, era a aplicação de um selo. As manifestações contrárias foram intensas, inclusive com o boicote à compra dos produtos ingleses - o que fez os rendimentos britânicos decaírem na América. Foi organizado ainda o Congresso da Lei do Selo, que resultou na Declaração dos Direitos e Reivindicações.

Um jornal de 1765 falando sobre a Lei do Selo

  O documento reforçava a lealdade dos colonos ao governo inglês. Porém, reafirmava as reivindicações pela igualdade de direitos no reino, sobretudo no que se referia à representação no Parlamento. Pressionado, o governo acabou por revogar a medida, o que não significou recuo nas intenções da metrópole. Nos meses seguintes viriam novos impostos e mais leis restritivas.

  As tensões se multiplicavam diante das imposições da metrópole. Em Boston, no ano de 1770, manifestações contrárias ao governo inglês resultaram na morte de cinco colonos e outros tantos feridos. Esse episódio ficou conhecido como O massacre de Boston.

O massacre de Boston

  Com o aumento da tensão nas colônias, o governo inglês outorgou à Companhia das Índias Orientais, então com graves problemas financeiros, o monopólio do comércio do chá nas colônias inglesas. Isso provocou o aumento do preço do produto, levando os colonos a boicotar sua compra.

  A liderança das mulheres foi fundamental para o sucesso do boicote. Organizadas em diversas associações, elas também passaram a a incentivar a troca de produtos ingleses por objetos feitos em casa. A manifestação mais marcante, porém, seria no porto de Boston, em que 150 colonos, disfarçados de indígenas invadiram um barco que transportava chá e jogaram o produto no mar.

  A reação do Parlamento inglês foi dura, com a promulgação das chamadas Leis Intoleráveis. Entre outras limitações aos colonos, essas leis restringiam o direito de reunião e exigiam o imediato pagamento dos prejuízos à Companhia, com o porto devendo permanecer fechado até a quitação.

Litografia de 1846 por Nathaniel Currier chamada A Destruição do Chá no Porto de Boston

Enfim, autonomia

  A década de 1770, na Europa, foi marcada pela contestação ao absolutismo. As ideias iluministas se expandiram por diferentes locais, chegaram à América e influenciaram grupos de colonos ingleses que se opunham à política da metrópole.

  A princípio, esses grupos defendiam a formação de uma espécie de contrato social, entre os colonos e o governo inglês, que garantissem direitos como a participação na elaboração das leis que se referiam às colônias ou que afetavam a vida dos colonos.

  Na América inglesa, inclusive, à semelhança da Europa iluminista, existiam várias associações secretas, como os Filhos da Liberdade, empenhados em discutir e elaborar estratégias contra a tirania do governo.

  O sentimento de oposição ao arbítrio real seria, inclusive, o principal ponto a unir os habitantes das Treze Colônias em torno de um projeto de independência, em especial na região norte.

  Contudo, o desejo de autonomia não era compartilhado por todos. Diversos grupos temiam que a luta contra a tirania e por liberdade resultasse em um dilacerante conflito, insuflando até os grupos mais pobres, sobretudo os escravizados, a brigar pelos mesmos princípios.

A marcha para o vale Forger, por William B. T. Trego

  Nesse clima de contestação, em 1774, realizou-se o Congresso Continental da Filadélfia, que reuniu representantes de doze das Treze Colônias inglesas. O documento final reafirmava a lealdade dos colonos aos ingleses, mas pedia o fim das leis restritivas e condições para o desenvolvimento local. O governo inglês se mostrou receptivo, mas aumentou o efetivo militar na América.

  O aumento do contingente militar ampliou os choques armados entre os soldados ingleses e as tropas ligadas aos colonos. As tensões aumentaram e, em 1775, foi convocado o Segundo Congresso da Filadélfia, agora com a participação das Treze Colônias. Entre os representantes, muitos se entusiasmavam com a ideia da separação, vendo na quebra dos vínculos coloniais a solução para todos os problemas, enquanto outros viam o ato com muitas reticências. O governo real, diante dessa situação, declarou as colônias em estado de rebeldia.

  Em 1776, os congressistas da Filadélfia decidiram pela autonomia, com a divulgação, em 4 de julho de 1776, da Declaração de Independência: nasciam os Estados Unidos da América. Mais do que isso, pela primeira vez rompiam-se os vínculos coloniais e buscava-se colocar em prática os princípios iluministas. A população, constituída de ex-colonos, aceitou com entusiasmo a formação da nova república.

Declaração de Independência dos Estados Unidos

Construir o país

  Para combater o movimento pela independência, o poderoso governo inglês enviou à América um numeroso exército apoiado pela marinha e por soldados mercenários, a que se somaram inúmeros grupos de colonos contrários à separação.

  Para combater esse poderio, os rebelados estadunidenses formaram o Exército Continental sob a liderança de George Washington (1732-1799). Por todo o novo país, surgiram também inúmeras milícias, formadas por pequenos grupos de populares.

  Os conflitos entre os dois lados foram intensos, com batalhas violentas e cruéis. A princípio, o poderio bélico da metrópole só conseguiu ser contido graças ao uso de táticas semelhantes às de guerrilha, nas quais os ex-colonos exploraram o fato de conhecer bem as características locais. No decorrer dos combates, os rebelados receberam  apoio da França e da Espanha, reinos interessados na derrota inglesa.

Tropas britânicas marchando em Concord, na colônia de Massachussetts, em abril de 1775

  Esse apoio estrangeiro foi decisivo e a última grande batalha ocorreu em 1781, no atual estado da Virgínia. O reconhecimento internacional da independência veio em 1783, quando o governo inglês assinou um tratado que previa indenização aos franceses e espanhóis. Apesar da vitória, era preciso ainda dar formato ao novo país e consolidar a união entre as treze antigas colônias.

  Seguindo os princípios iluministas, foi elaborada uma constituição. Os debates foram intensos, começando pela discussão da estrutura do novo Estado: se deveria existir um governo central fortalecido ou se seria garantida a plena autonomia das antigas colônias. Aprovado em 1790, o texto era inovador, transformando os Estados Unidos em uma república federativa, com ampla autonomia para os estados e com o poder dividido em três instâncias (executivo, legislativo, judiciário), cabendo o comando do país a um presidente.

Declaração de Independência, por John Trumbull, 1817-1819

  Garantia-se ainda a representatividade dos cidadãos, sobretudo dos grupos que haviam liderado aquele processo, em especial os grandes comerciantes, os latifundiários e os intelectuais urbanos.

  No entanto, se por um lado, grande parte dos habitantes do país foi excluída da participação política, como os pobres, as mulheres e pessoas escravizadas, por outro, o texto garantia outras liberdades: religiosa, de imprensa, de reunião e associação, de contestar o governo, de portar armas para defesa, de ter um julgamento justo. Por seu caráter sintético, generalista e abrangente, a Constituição mantém-se até os dias atuais.

A primeira página da Constituição dos Estados Unidos. Lê-se acima a frase We, the People (Nós, o povo)

Reflexos

  A independência estadunidense obteve grande repercussão na Europa e na América. No Velho Continente, a quebra do vínculo colonial colaborou para acentuar a crise do absolutismo, reforçando a ideia de liberdade, a soberania popular e a luta contra a tirania. Para as colônias de toda a América, o processo serviu como parâmetro para diversos movimentos de independência, sobretudo na porção espanhola.

  A independência intensificou ainda o movimento de expansão territorial dos antigos colonos ingleses, sobretudo na direção oeste do país recém-formado, onde predominavam os povos indígenas. O movimento deixou em aberto ainda diversos conflitos, como as profundas diferenças entre o norte e o sul do país, que se estenderiam ao longo do século XIX - alguns deles levando a grandes conflitos, como a Guerra de Secessão.

Washington cruzando o rio Delaware em 25 de dezembro de 1776, de Emanuel Leutze, 1851. George Washington foi o primeiro presidente dos Estados Unidos

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

FERNANDES, Luiz Estevam de Oliveira; FERREIRA, João Paulo Mesquita Hidalgo. Formação da América Inglesa. In: Nova História Integrada - Ensino Médio - volume único. Campinas: Companhia da Escola, 2005.

KARNAL, Leandro (org.). História dos Estados Unidos: das origens ao século XXI. São Paulo: contexto, 2008.

LIMA, Lizânias de Souza; PEDRO, Antônio. Rebeliões e revoluções na América. In: História da civilização ocidental. São Paulo: FTD, 2005.

segunda-feira, 11 de março de 2024

A CRUCIFICAÇÃO E O CIRCO ROMANO

  No mundo Ocidental, as execuções públicas são antigas e os maiores exemplos disso são do tempo do Império Romano, que durou mais de 500 anos. O caso que se tornou mais emblemático foi o de Jesus Cristo. Segundo relato dos Evangelhos, ele foi sentenciado à morte como agitador na província romana da Judeia, após o governador ser pressionado pelos fariseus, que então dirigiam o templo hebreu. Jesus foi condenado por aclamação da multidão, quando Pilatos colocou em votação quem ele deveria libertar, Jesus ou Barrabás, um criminoso comum. Jesus foi açoitado, humilhado, obrigado a carregar a pesada cruz pelas ruas de Jerusalém até o monte Gólgota, sendo insultado de todas as maneiras no percurso. Uns e outros se apiedaram, mas a maioria apoiou com entusiasmo a Via Crucis e depois assistiu à crucificação.

Monte Gólgota, a leste de Jerusalém. Lugar onde, segundo a Bíblia, Jesus foi crucificado

  Os Evangelhos podem ser lidos do ponto de vista religioso, mas também podem ser tomados como fontes históricas. Eles contêm relatos específicos sobre um tipo de execução largamente praticado no Império Romano contra ladrões, assassinos e rebeldes. Na época, prevalecia a ideia de que criminosos deviam ser escravizados ou executados com crueldade diante de todos.

  A morte cruel era tão valorizada no Império Romano que foram construídas arenas, locais reservados ao combate de gladiadores, em geral escravizados por agentes comerciais para lutar no circo romano, espaço de entretenimento a céu aberto. Por vezes, combatentes em condições desiguais eram postos, propositalmente, para lutar uns contra os outros. Quando um gladiador submetia outro, aguardava o veredito do imperador, que decidia pela vida ou pela morte do vencido com base nas manifestações da multidão.

Coliseu de Roma, anfiteatro localizado no centro da capital italiana, foi construído entre 72-80 d.C., era utilizado para combate entre gladiadores e espetáculos públicos

  Nessas arenas, havia também batalhas entre leões e elefantes, que acabavam em muito sangue e mortes. Na maioria das vezes, cobrava-se ingresso dos espectadores, mas havia ocasiões em que a entrada era gratuita. A gratuidade desse tipo de espetáculo levou à consagração da ideia de que o Império Romano promovia uma política de panem et circenses, ou seja, de "pão e circo". Segundo essa ideia, tendo pão e diversão, o povo ficaria quieto e satisfeito.

O destino de um gladiador derrotado era decidido pelo público

  No tempo do imperador Nero, que governou de 54 d.C. a 68 d.C., as primeiras comunidades cristãs de Roma foram perseguidas e executadas. Pedro, fundador da Igreja cristã por designação de Jesus, foi crucificado. A maioria dos cristãos, porém, foi levada ao circo romano, em grupos de vinte e trinta pessoas, para se defrontar com leões e tigres famintos. A crônica da época registra que muitos corriam das feras até serem alcançados e devorados. Outros ficavam quietos, rezando, certos de que morreriam como mártires e teriam uma vida melhor no paraíso celeste. Em resumo: no Império Romano, a crueldade e a morte atroz eram parte de um espetáculo bastante popular.

"A última prece dos mártires cristãos", por Jean-Léon Gérôme (1883)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

JÚNIOR, Jason José Guedes; CÂNDIDO, Maria Regina. Gladiadores e o Império: os poderes nas arenas romanas (séculos I e II). Nearco: revista eletrônica de antiguidade, vol. 1, ano VIII, n. 1, 2015.

GARRAFFONI, Renata Senna. Gladiadores na Roma Antiga. São Paulo: Annablume, FAPESP, 2005.

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