quinta-feira, 20 de outubro de 2022

OS RIOS E A VIDA NA AMAZÔNIA

  Amazônia (também chamada Floresta Amazônica, Selva amazônica, Floresta Equatorial da Amazônia, Floresta Pluvial ou Hileia Amazônica), é uma floresta latifoliada úmida que cobre a maior parte da Bacia Amazônica na América do Sul. Esta bacia abrange 7 milhões de quilômetros quadrados, dos quais 5 milhões e meio de quilômetros quadrados são cobertos pela floresta tropical. Esta região inclui territórios pertencentes a nove nações. A maioria da floresta está dentro do território brasileiro.

  No Brasil, por efeitos de governo e economia, a Amazônia é delimitada por uma área chamada "Amazônia Legal", definida a partir da criação da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), em 1966. É chamada também de Amazônia o bioma que, no Brasil, ocupa 49,29% do território e abrange três das cinco divisões regionais do país (Norte, Nordeste e Centro-Oeste).

Mapa mostrando em destaque a região que compreende a Amazônia Total

   Na Amazônia, a vida e a economia acompanham o ciclo das águas. Para as comunidades tradicionais, conhecer a dinâmica dos rios é fundamental para torná-los fonte de subsistência. O rio é também o caminho, às vezes único, para se deslocar na floresta ou entre vilas e cidades. Pelos grandes rios são transportados passageiros, pequenas cargas e milhares de toneladas de produtos agrícolas e minerais para exportação.

  Além de serem vias de escoamento da produção destinada ao consumo regional e à exportação, os rios são utilizados para transportar produtos importados, como fertilizantes, produtos químicos, materiais elétricos e automóveis, entre outros.

Parque Nacional da Amazônia, no estado do Pará

Principais rios da Região Norte

  • Rio Amazonas

  O Amazonas é o maior rio em volume de água do mundo. Com 6.992,06 quilômetros de extensão, percorre o norte da América do Sul. Possui mais de mil afluentes, sendo que os principais são o Madeira, o Negro e o Japurá. Possui também o maior fluxo de água por vazão do mundo.

  O rio Amazonas tem sua origem na nascente do rio Apurimac (alto da parte ocidental da cordilheira dos Andes), no sul do Peru, e deságua no oceano Atlântico. Ao longo de seu percurso, ainda no Peru, recebe o nome de Carhuasanta, Lioqueta, Apurimac, Ene, Tambo, Ucayali e Amazonas. Ele entra no território brasileiro com o nome de Solimões e, finalmente em Manaus, após a junção com o rio Negro, assim que suas águas se misturam, ele recebe o nome de Amazonas. Sua foz é classificada como mista, por apresentar uma foz em estuário e em delta.

  O barrento Solimões é rico em minerais e microrganismos, o que favorece a reprodução e a variedade de peixes.

O Encontro das Águas na confluência dos rios Negro e Solimões, próximo à cidade de Manaus (AM)

  • Rio Negro

  O rio Negro é o maior afluente da margem esquerda do rio Amazonas. É o sétimo maior rio do mundo em volume de água. Tem sua origem entre as bacias dos rios Orinoco e Amazônica. Conecta-se com o Orinoco através do Canal do Cassiquiare. Na Colômbia, onde está localizada sua nascente, é chamado de rio Guainia. Seus principais afluentes são o rio Branco e o rio Vaupés. Drena a região leste dos Andes na Colômbia. Após passar por Manaus, une-se ao rio Solimões, e a partir dessa união, este último passa a se chamar amazonas.

  Sua coloração escura se deve à decomposição de sedimentos orgânicos, que tornam sua água ácida, com menor variedade de peixes.

Ancoradouro de avionetas no rio Negro, em Manaus (AM)

  • Rio Madeira

  O rio Madeira nasce com o nome de rio Beni, na Cordilheira dos Andes, Bolívia. Ele desce das cordilheiras em direção ao norte, recebendo o rio Mamoré-Guaporé e tornando-se o rio Madeira - um rio de planície que traça a divisória entre o Brasil e a Bolívia. No território brasileiro banha os estados de Rondônia e Amazonas. Possui uma extensão de 3.315 quilômetros e é um dos principais afluentes do rio Amazonas.

  O rio Madeira recebe este nome pois, no período de chuvas, seu nível sobe e inunda grandes porções da planície florestal, trazendo troncos e restos de madeira da floresta, época em que são negociadas pelos madeireiros e transportadas às custas do rio.

  Parte da produção de soja e milho do Centro-Oeste segue para exportação pelo rio Madeira.

Rio Madeira em Porto Velho (RO)

Principais atividades econômicas

  • Pesca

  Os peixes são a principal fonte de proteína animal das populações ribeirinhas. Nos rios da Região Norte, são produzidos 140 mil toneladas de pescados, cerca de 56% da pesca extrativa continental brasileira. A melhor época para a prática da pesca é de outubro a março, quando o nível do rio está baixo.

Pesca do pirarucu, no rio Amazonas

  • Agricultura de várzea

  Os ribeirinhos praticam agricultura nas margens dos rios porque o solo, fertilizado pelos sedimentos trazidos nas cheias, é mais rico do que no restante da floresta. Plantar nesse ambiente, no entanto, exige conhecimentos e técnicas específicas.

  Além das culturas de solo encharcados, como a juta e a malva, os ribeirinhos desenvolvem plantações em canteiros suspensos. Assim, o cultivo de itens de subsistência, como hortaliças, não precisa ser interrompido durante as cheias.

Agricultura de várzea na região da Amazônia

  • Rede logística

  Os rios são um meio eficiente para transportar grandes quantidades de cargas a baixo custo. Além de integrar cidades e regiões no território nacional, eles fazem a integração do Brasil com outros países, através de corredores de circulação de mercadorias.

  Cada comboio de barcaças pode transportar até 32 mil toneladas de carga, o equivalente à capacidade de carga de 850 caminhões.

  Na Bacia Amazônica são feitas, anualmente, 14 milhões de viagens regulares através de 317 linhas hidroviárias de passageiros.

Barcos atracados no porto de Manaus

  • Minas de ferro

  O minério de ferro extraído no Pará é o produto mais transportado pelos rios da Bacia Amazônica.

  O Projeto Grande Carajás (PGC) é um projeto de extração mineral, de produção agrícola, de transformação e beneficiamento mineral e de produção energética, que também inclui infraestrutura logística e de comunicação de uma imensa região do Meio-Norte brasileiro.

  Estende-se por cerca de 900 mil km², numa área que corresponde a um décimo do território brasileiro, e que é cortada pelas bacias dos rios Xingu, Tocantins e Araguaia, e engloba terras do leste do Pará, norte de Tocantins e sudoeste, centro e norte do Maranhão.

Vista aérea de uma das minas da Serra dos Carajás, no Pará

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

SOUSA, Rafaela. "Amazônia". Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol. com.br/brasil/amazonia.htm. Acesso em: 18 de outubro de 2022.

TOCANTINS, Leandro. O Rio comanda a vida: uma interpretação da Amazônia. Rio De Janeiro: Livraria J. Olympio, 1983.

quinta-feira, 13 de outubro de 2022

A DECLARAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

   O dia 10 de dezembro traz como marca o Dia Internacional dos Direitos Humanos e constitui-se em mais uma oportunidade de rejeitar que o trabalho digno é um direito humano fundamental. A data abriga a proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos - DUDH -, documento que delineia os direitos humanos básicos, adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1948.

  Nascida no pós-guerra, nos conflitos mais odiosos do mundo, a bomba atômica de Hiroshima e Nagasaki e depois do terror dos campos de concentração nazistas, onde milhões de seres humanos foram cruelmente assassinados em nome da intolerância racial na Alemanha, a declaração veio para reconhecer que a dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e para desenvolver relações amistosas entre nações e promover a paz e a segurança no planeta.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos é um importante documento que estabelece os direitos básicos de todos ser humano

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão

  No contexto da Revolução Francesa, a Assembleia Nacional promulgou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789. No título desse documento, encontram-se os termos homem e cidadão. Tais termos não se confundem: homem designa toda a humanidade, ao passo que cidadão indica a pessoa dotada de direitos políticos. Desse modo, a Declaração possuía o duplo objetivo de indicar os valores comuns a todas as pessoas, influenciando decisivamente a luta contra o absolutismo, e definir a forma de participação política dos cidadãos.

  Para compreendermos a letra desse documento, é importante entendermos as ideias que o geraram. A França no século XVIII era um Estado absolutista, e isso significa que o poder estava centralizado nas mãos do monarca. A classe burguesa possuía interesses conflitantes com essa ordem: no plano político, buscava a expressão de seus ideais, fundados na liberdade; na economia, almejava a superação da organização do trabalho em corporações, o que impedia o desenvolvimento da livre-iniciativa e da liberdade de concorrência; nas relações sociais, propunha uma nova moral; na área jurídica, defendia a autonomia da vontade.

Declaração dos Direitos Humanos e do Cidadão: o patriotismo revolucionário toma emprestado a iconografia familiar dos Dez Mandamentos

  Assim, o processo revolucionário, influenciado pela filosofia iluminista, questionou diversos aspectos da vida humana. É importante ressaltar que, apesar do teor da Declaração, a qual destacava a liberdade, a igualdade e a fraternidade, afirmando em seu primeiro artigo, que "Os homens nascem e são livres e iguais em direitos", um rol de pessoas esteve, na prática, excluído dos direitos nela preconizados, como as mulheres. Em reação a isso, a escritora francesa Olympe de Gouges, publicou, em 1791, a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã.

  A partir da Declaração de 1789, revoluções eclodiram em boa parte do mundo ocidental. Deve ser notado, contudo, que a Revolução Francesa consagrou direitos humanos de primeira geração (ou dimensão), consistentes na proteção do indivíduo contra os abusos do Estado. O valor primordial era a liberdade individual.

Preâmbulo da Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã de 1791

  Os direitos humanos possuem dimensões, ou seja, desenvolvem-se historicamente, e cada direito soma-se a outro já conquistado. De acordo com o jurista e cientista político Paulo Bonavides, são cinco as dimensões de direitos. Além da primeira dimensão, existem os direitos de segunda geração, consistentes na estipulação de direitos sociais, como garantias trabalhistas e o acesso à educação, que impõem uma ação estatal em benefício das pessoas. Seu valor é a igualdade. Há, ainda, os direitos de terceira geração, coletivos ou difusos, que se destinam a todo gênero humano, incluindo ainda os direitos do consumidor e o meio ambiente, tendo como valor a solidariedade/fraternidade; os direitos de quarta geração, que compreendem a democracia, a informação e o pluralismo; e os direitos de quinta geração, que fundam-se na paz.

O Cilindro de Ciro é considerado a primeira declaração dos direitos humanos registrados na história

A Declaração Universal dos Direitos Humanos no pós-Segunda Guerra Mundial

  Os fatos vivenciados no início do século XX deram indícios de que a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, apesar de intentar dirigir-se a toda a humanidade, não foi capaz de garantir o respeito à dignidade de todo e qualquer ser humano. O terror perpetrado pelo nazismo, por exemplo, expôs o abismo entre as teorias da justiça, baseadas unicamente na razão, e a realidade. O aniquilamento de milhares de indivíduos em câmaras de gás foi o último ato de um processo que se iniciou com a perseguição de minorias étnicas e de opositores ao totalitarismo.

  Após o fim da Segunda Guerra Mundial, em 24 de outubro de 1945, fundou-se a Organização das Nações Unidas (ONU), entidade responsável por congregar  esforços mundiais com a finalidade de proteger a humanidade contra a guerra, o extermínio e a desigualdade, promovendo ações conjuntas entre as nações para estabelecer meios concretos de defesa da paz e da dignidade humana. O preâmbulo da Carta das Nações Unidas contém a seguinte mensagem:

  "Nós, os povos das Nações Unidas, resolvidos a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que por duas vezes, no espaço de nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas, e a estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos, e a promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade ampla".

Eleonor Roosevelt exibe a edição em espanhol do Jornal das Nações Unidas contendo a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1949)

  A consciência mundial de que a dignidade humana deveria ser tutelada para além das fronteiras dos Estados, inclusive contra ações estatais que ensejassem tratamento desumano e cruel, reuniu países, órgãos e entidades comprometidas em criar condições pacíficas de convívio internacional, fundados na valorização da diversidade.

  A humanidade deixa de ser a expressão abstrata de uma ideia ou de uma filosofia para manifestar a pluralidade. Desse modo, o princípio da dignidade encontra uma base segura: a vida humana em todas as suas manifestações.

  A Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada em 10 de dezembro de 1948 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, insere-se nesse processo de consagração e efetivação da dignidade da pessoa humana. O artigo primeiro desse documento traça um paralelo com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão ao afirmar que "Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade". Reafirmam-se direitos já conhecidos, como a liberdade e a igualdade, mas a eles se acrescentam aqueles de terceira geração, que manifestam a proteção universal dos seres humanos e o direito a um ambiente equilibrado, entre outros.

  Cria-se uma ponte entre o passado e o futuro evidenciando que as promessas de liberdade e autonomia e de desenvolvimento econômico e social não foram esquecidas. Com efeito, a existência humana deve ser tutelada integralmente, possibilitando aos indivíduos e aos povos o pleno desenvolvimento de suas diversas habilidades.

  Cabe ressaltar que inúmeros tratados e convenções foram aprovados pela ONU, destacando-se os referentes aos direitos políticos e sociais, das mulheres, crianças e adolescentes, das pessoas com deficiência e à preservação e repressão do genocídio.

  Desse modo, os direitos humanos devem ser compreendidos em termos de reconhecimento e proteção da dignidade comum a todas as pessoas, sem distinção e preconceitos.

A diplomata brasileira Bertha Lutz durante a Conferência de São Francisco, Estados Unidos. Foto de 1945. As reuniões dessa conferência deram origem à ONU. Estudiosos apontam que Bertha foi uma das responsáveis por incluir o termo mulheres na Carta das Nações Unidas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

COMPARATO, Fábio K. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2017.

MAGNOLI, Demétrio. História da Paz. São Paulo: Editora Contexto, 2008.

ORGANIZAÇÃO das Nações Unidas. Carta das Nações Unidas. Disponível em <https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2017/11/A-Carta-das-
Na%C3%B5es-Unidas.pdf>. Acesso em: 13 out. 2022.

terça-feira, 11 de outubro de 2022

A ÁFRICA E AS RELAÇÕES DE TRABALHO E PRODUÇÃO

   Com 30 milhões de quilômetros quadrados e mais de 1,3 bilhão de habitantes, o continente africano apresenta um histórico de intensa exploração no período neocolonial, que durou até o século XX; uma complicada inserção no contexto da Guerra Fria; e guerras inconclusas.

  A África tornou-se o mais pobre dos continentes ao longo dos últimos séculos, mas o ressurgimento econômico africano verificado recentemente faz muitas organizações acreditarem na sustentabilidade do seu desenvolvimento.

Tabela com taxas de crescimento para os países africanos, outros países em desenvolvimento e países de desenvolvimento elevado (2000-2020)

  A África procura atingir metas de crescimento contidas na Agenda 2030 de Desenvolvimento Sustentável e na Agenda 2063, estabelecida em 2015 pela União Africana. A Agenda 2063 objetiva que a África chegue naquele ano como um continente próspero, inclusivo, com meios e recursos para impulsionar seu próprio desenvolvimento sustentável e integrado, com união em torno do pan-africanismo, da justiça social e da paz, valorizando as identidades culturais, valores e éticas comuns. Para isso, essa agenda estipula investimentos em educação, ciência, tecnologia e saúde de alto padrão, além de cidades estruturadas, políticas ambientais sustentáveis e tecnologias de informação.

  A tendência é que tais perspectivas continuem a contribuir para o aquecimento da economia e do mercado de trabalho no continente. Nos últimos anos, o crescimento do PIB médio anual dos países africanos foi superior à média do PIB dos países emergentes.

Gráfico do crescimento do PIB da África em relação à média mundial (2020)

  As taxas de pobreza extrema da população africana vêm apresentando quedas nos últimos anos: em 2018, por exemplo, foi de 33,4%. A expectativa é que caia para 24,7% em 2030, ainda assim, muito acima dos 3% previstos na meta de desenvolvimento sustentável da Agenda 2030. No entanto, a África não é homogênea, e esses índices econômicos mostram-se bastante desiguais, com a economia de alguns países se destacando muito, como Angola, Egito, Marrocos, Nigéria e África do Sul.

  Embora as populações pobres da África tenham se beneficiado do crescimento econômico do período 2000-2017, o consumo da população média aumentou mais rapidamente do que o das populações pobres. Apenas 37 países africanos apresentaram crescimento médio de consumo naquele período, sendo que em apenas 12 deles houve crescimento com inclusão de populações pobres no consumo.

Gráfico com as cinco grandes economias da África e o crescimento do continente

A África na economia global

  É fato que a África adentrou o século XXI demonstrando notáveis índices de crescimento econômico. De acordo com a OCDE (2018), o continente apresentou no período 2000-2017 um crescimento médio de 4,7%, o segundo maior do mundo, só superado pelas economias asiáticas. Por sua vez, o Relatório 2019 do African Development Bank Group afirma que o desempenho econômico africano segue em crescimento. Em 2021, a economia africana cresceria em torno de 4%, porém, ainda insuficiente para reduzir o desemprego e a pobreza.

  Embora com crescimento econômico, a economia africana não possui uma aderência significativa a atividades industriais.

  A maior parte das exportações africanas é de produtos não transformados, ou seja, do setor primário da economia. Por outro lado, nas importações, a maior parte é de produtos transformados, ou seja, do setor secundário, que possuem muito valor agregado.

  A demanda mundial por commodities minerais, principal produto de exportação africana, é o fator mais importante do bom desempenho da balança comercial africana. Contudo, apesar do inegável crescimento econômico verificado no período, o mesmo não se reverteu em um melhor bem-estar para a população.

Gráfico da distribuição por setores de atividades na África (2006-2016)

As relações com a China

  O principal destino das exportações africanas é a China, e os investimentos chineses em países africanos vêm crescendo ano a ano. O país asiático vem se transformando num fundamental parceiro comercial em diversos setores econômicos. Sozinha, a China concentra cerca de um terço de todo o comércio do continente.

  A China investiu solidamente em muitos países africanos em busca de commodities e também tem patrocinado o desenvolvimento industrial de alguns deles. São claras suas intenções geopolíticas e econômicas em estabelecer sua hegemonia na África. Um exemplo dessa parceria  sino-africana foi o anúncio, em 2016, de um fundo bilionário de investimentos, da ordem de 10 bilhões de dólares, focado na aplicação de recursos na indústria, no desenvolvimento tecnológico e na infraestrutura, evidenciando a cooperação entre as partes. Antes a China já havia anunciado um recurso de US$ 20 bilhões para investir em obras estruturais no continente, como portos, ferrovias e usinas e para a exploração mineral, entre outras.

Gráfico mostrando a distribuição do comércio na África (2000-2016)

  Em 2018, a China divulgou que disponibilizaria 60 bilhões de dólares para serem investidos no projeto Cinturão e Rota - também chamado de Um Cinturão, uma Rota - de construção de estradas, pontes, portos marítimos e infraestrutura de energia e telecomunicações. Parte desse projeto, no Quênia, é a ferrovia Standard Gauge Railway (SGR, na sigla em inglês para Ferrovia Bitola Padrão). A obra está revolucionando os transportes e o comércio no país. A bitola (a largura entre os trilhos ferroviários) deve ser padronizada em toda a sua extensão, para atender as pretensões do projeto, que é extrapolar o país e o continente.

  Desde o seu lançamento, em maio de 2017, o serviço de passageiros SGR, popularmente conhecido como Madaraka Express, tem transportado aproximadamente 4 milhões de passageiros. O serviço teve impacto econômico ao gerar meios de subsistência a muitos cidadãos quenianos, além de criar empregos e transferir tecnologia ao Quênia.

  Outros empreendimentos também se destacam: a linha ferroviária que liga Mombaça a Nairóbi, que é a primeira ferrovia construída no Quênia desde sua independência, em 1963. Além disso, ela foi entregue com 18 meses de antecedência. E, além das obras de infraestrutura relacionadas ao projeto Um Cinturão, uma Rota, Quênia e China assinaram em 2018 acordos de cooperação internacional para facilitar o desenvolvimento de uma cidade inteligente e uma via expressa para descongestionar a capital Nairóbi.

Mapa mostrando o plano da China de extensão de redes de transportes e navegação

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

CHICHAVA, Sergio. Moçambique na rota da China: uma oportunidade para o desenvolvimento? IN: DE BRITO, Luís et al. Desafios para Moçambique 2010. Editor: Instituto de Estudos Sociais e Econômicos, Maputo, 2010.

POTGIETER, Thean. Capacitação para o desenvolvimento sustentável. IN: AMDIN. Revista Africana de Desenvolvimento e Governação do Sector Público, 1ª edição, Volume 2, South Africa.

SOUSA, Rafaela. "África". Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/geografia/africa-continente.htm. Acesso em: 11 de outubro de 2022.

sexta-feira, 7 de outubro de 2022

A CULTURA ERUDITA E A CULTURA POPULAR

   O sociólogo alemão Norbert Elias (1897-1990) chamou de processo civilizador aquele em que costumes são desenvolvidos e aceitos socialmente para controlar o comportamento dos indivíduos com base na definição das regras de que é considerado "correto". Segundo ele, esse processo se definiu durante o Renascimento europeu, no século XVI. A característica fundamental da civilização foi o enrijecimento das regras sociais, que passaram a nortear os modos de se portar em público, à mesa, nas vestimentas e na formar de apreciar expressões artísticas, como música, literatura e teatro. Quem as conhecia e as seguia se diferenciava na sociedade. Isso contribuiu para distinguir os integrantes da nobreza cortesã, os primeiros a adotar tais hábitos, das pessoas que faziam parte dos outros estratos sociais, especialmente da burguesia ascendente, que passaram a imitar os modos e os comportamentos da corte.

  A partir do Renascimento também se modificaram as relações entre a arte e sociedade e, em particular, o conceito de beleza. O ideal de beleza se tornou referência na Antiguidade clássica (por volta do século V a.C.), período em que a cidade-Estado grega de Atenas foi reconhecida como centro disseminador das artes. Em Atenas, foram atribuídas características específicas às expressões artísticas, relacionadas à capacidade de representar algo alegre, agradável e saudável. Retomado no Renascimento, esse ideal de beleza tornou-se um modelo universal, e foi criado um conjunto de princípios que determinavam o que seria a "boa arte".

  Nesse contexto, desenvolveu-se um mercado de arte. A produção artística organizou-se de forma que assegurasse aos artistas algum destaque e importância na sociedade. Eles deixaram de ser reconhecidos apenas como artesãos (como na Idade Média) e passaram a ser respeitados por sua criatividade e originalidade. Contribuiu-se, para isso, a criação de academias e de conservatórios, em que se debatiam e se formulavam regras para a arte e padrões de beleza artística. Mantidas por mecenas, pessoas ricas que financiavam as viagens e a formação de artistas, essas instituições criaram métodos e saberes essenciais para o desenvolvimento da arte considerada "boa".

  Esse conjunto de hábitos e gostos ligados à arte, combinados às regras de civilização ocidental, constitui as bases da denominada cultura erudita.

Festival dos tolos, pintura de Pieter Bruegel, 1570. Celebração medieval que passou a assombra a Igreja Católica

  No decorrer do período do Renascimento, as regras de comportamento passaram a ser cada vez mais incorporadas pelos indivíduos, sobretudo os integrantes da sociedade de corte. Os artistas que buscavam o equilíbrio e o racionalismo para expressar a noção de civilidade em obras musicais, na literatura ou no teatro formaram o movimento chamado Classicismo.

  Essa estratégia chegou ao auge no século XVIII, mas nem todos a seguiam. O compositor austríaco Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791), por exemplo, desafiou os rígidos padrões culturais do período. Não ajustado plenamente às expectativas artísticas da corte, ele buscou autonomia autoral, mas não foi aceito pela sociedade cultural da época e perdeu o encanto pela criação artística. Com 35 anos, foi vítima de uma doença infecciosa fatal e seu corpo acabou enterrado, por motivos até hoje não esclarecidos, em uma vala comum, distante da ostentação palaciana e do público que o consagrou.

  A população que não fazia parte da corte continuou a se expressar culturalmente. Festivais populares cômicos, por exemplo, ocupavam as ruas das cidades europeias para celebrar o fim da colheita (naquela época a economia se baseava na produção agrícola dos feudos). O teórico russo Mikhail Bakhtin (1895-1975) estudou estes festivais e destacou a importância de outro tipo de cultura, alheia às regras estéticas do Classicismo, nas sociedades europeias. Durante esses festivais, entre os quais se incluía o Carnaval, não havia relações sociais hierárquicas e neles as pessoas podiam viver, momentaneamente, a expectativa de uma sociedade sem distinções.

  Esses festivais eram manifestações do que podemos chamar de cultura popular tradicional. Algumas características da cultura popular a distinguem da erudita, como o fato de não ter finalidade comercial, mas cumprir a função social de gerar uma forma específica de identificação entre os membros de determinado grupo. Diferentemente do exemplo de Mozart, na cultura popular tradicional não há a extrema valorização da figura do autor, pois geralmente essa produção deriva de um processo de criação coletiva, transmitida oralmente entre gerações. Por conta disso, a cultura popular é erroneamente reconhecida como uma expressão artística primitiva sem complexidade estética, em geral conservadora, pois não busca a inovação.

  De acordo com o historiador inglês E. P. Thompson (1924-1993), essa concepção equivocada deve-se ao fato de a cultura popular ser sempre analisada em contraposição negativa à cultura erudita - ligada a setores econômicos e politicamente dominantes da sociedade. Conforme essa ideia, em razão de sua "superioridade", a cultura erudita deveria ser tomada como modelo a ser seguido, por contar com elementos representativos da civilização. Essa é uma visão etnocêntrica, muito criticada pelos antropólogos.

  Durante o século XVIII, a relação da subordinação da cultura popular à cultura erudita dominou o interesse dos estudos pelas artes populares, consideradas representativas de um passado remoto que envolvia estranhos rituais ou hábitos. A procura por objetos culturais populares, alimentou uma onda de colecionismo entre estudiosos europeus denominados folcloristas. Thompson afirmou que, em sua maioria, os folcloristas viam a cultura popular como inferior, sendo expressão de indivíduos privados de alfabetização, que apenas perpetuavam seus costumes por meio da transmissão oral.

A luta entre o Carnaval e a Quaresma (detalhe), pintura de Pieter Bruegel, O Velho, 1559. Acredita-se que o Carnaval como festa da subversão da ordem, como apontado por Bakhtin, tenha origem medieval. Durante o período dessa festa popular, as pessoas poderiam extravasar seus desejos sem julgamento antes de se submeterem aos jejuns, às restrições e às orações do período da Quaresma.

  Para compreender quem de fato produziu cultura popular e que de forma na Europa entre os anos 1500 e 1800, o historiador inglês Peter Burke, nascido em 1937, definiu "povo" como o estrato social que não fazia parte nem da burguesia nem da aristocracia. Em uma análise mais detalhada, descobriu-se que havia várias camadas culturais no que genericamente se denominava "povo".

  Na ânsia de separar aquilo que não pertencia à cultura erudita, estudiosos ergueram um "muro" para deixar de um lado todas as expressões consideradas incultas, não civilizadas, como as camponesas, as urbanas (como o Carnaval parisiense) e as originadas das manifestações dos andarilhos, os quais misturavam abordagens e interpretavam as influências religiosas e regionais que encontravam pelos caminhos que trilhavam.

  Em sua pesquisa, Burke percebeu que havia contrastes e interações entre as manifestações culturais desenvolvidas em distintas condições geográficas (terras altas e baixas, fronteiras e áreas centrais, regiões costeiras e interioranas). Agrupada na categoria única de cultura popular, toda essa diversidade havia sido deixada em segundo plano.

  Tal visão também ignorou uma forma específica de contato entre culturas, que Mikhail Bakhtin chamou de carnavalização. Segundo ele, as manifestações populares tendem a expressar os padrões da cultura dominante de forma invertida, por meio do riso, da máscara, do grotesco e da paródia. Esse autor considerava o Carnaval não apenas uma festa popular, mas também uma manifestação do desejo de subversão da ordem estabelecida.

Carnaval - uma das maiores manifestações culturais do mundo, faz parte da cultura popular

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BURKER, Peter. Cultura popular e transformação social. In: Cultura popular na Idade Moderna: Europa 1500-1800. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

ORTIZ, Renato. As ciências sociais e a cultura. Tempo Social, v. 14, n. 1, maio 2002. Disponível em: <https://www.scielo.br/scielo. Acesso em: 05/10/2022.

quinta-feira, 29 de setembro de 2022

MULHERES CHEFES DE FAMÍLIA NO BRASIL

  A história das conquistas femininas no Brasil está sendo escrita com o esforço das mulheres de diversas gerações, as quais, mesmo em meio a contextos desfavoráveis, mantiveram a convicção em uma sociedade com direitos iguais e sem preconceito de gênero.

  A igualdade de gênero é reconhecida no artigo 5º da Constituição Brasileira de 1988: "Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição". A lei dá sustentação para o projeto de sociedade mais justa, porém a conquista do fim do preconceito é um trabalho diário a ser exercido em todas as esferas sociais.

  Entre as mudanças em curso na sociedade brasileira está o aumento significativo das famílias chefiadas por mulheres nas duas últimas décadas. Isso demonstra uma alteração no comportamento social e econômico da população, que atribuía quase que exclusivamente aos homens a chefia da família.

  Essa mudança está relacionada a fatores como o aumento do índice de escolarização das mulheres, que facilitou a inserção feminina no mercado de trabalho, e também a alterações econômicas na composição de renda da família, pois o rendimento das mulheres deixou de ser complementar para ser prioritário nas despesas domésticas. A chefia feminina também tem relação com a mudança nos modelos de arranjo familiar.

  Os arranjos familiares "unipessoal feminino" e "mulher com filhos" (que cuida dos filhos sem cônjuge) são chefiados por mulheres  e já ocupam proporção de destaque no país. Observa-se ainda um expressivo crescimento da chefia das mulheres nos arranjos de núcleo duplo (quando há presença do homem e da mulher, tendo ou não filhos residindo juntos). Nesses núcleos, a chefia era exercida majoritariamente pelos homens.

  A ampliação da chefia feminina não acontece com a mesma intensidade no mercado de trabalho. De acordo com a Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios (Pnad), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2016, 60,9% dos cargos de chefia em empresas eram ocupados por homens, enquanto que 39,1% eram ocupados por mulheres.

Gráfico mostrando a distribuição das famílias por tipo de arranjo familiar

REFERÊNCIA:

IPEA. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/retrato/indicadores_chefia_familia.html>. Acesso em: 28/09/2022.

segunda-feira, 26 de setembro de 2022

O HOLOCAUSTO

  Holocausto é o nome que se dá para o genocídio cometido pelos nazistas ao longo da Segunda Guerra Mundial e que vitimou aproximadamente seis milhões de pessoas entre judeus, ciganos, homossexuais, testemunhas de Jeová, deficientes físicos e mentais, opositores políticos, entre outros. De toda forma, o grupo que teve mais vítimas no Holocausto foi o dos judeus. Estes, por sua vez, preferem referir-se a esse genocídio como Shoah, que em hebraico significa "catástrofe".

  A perseguição aos judeus pelos nazistas começou antes mesmo do início da Segunda Guerra Mundial. No entanto, foi durante o conflito que os nazistas colocaram em prática a chamada "solução final", ou seja, a política de extermínio em massa da população judaica, que ficou conhecida como Holocausto ou Shoah.

  Homens, mulheres e crianças eram levadas à força para campos de concentração e extermínio. Nesses locais eram divididos em grupos e obrigados a trabalhar em condições precárias, sem higiene e com pouquíssima comida. Os que não morriam de fome, doenças ou exaustão eram assassinados em câmaras de gás ou por fuzilamento.

  Os campos de concentração mais letais eram Treblinka e Auschwitz, localizados na Polônia. Em Treblinka foram executados de 870 mil a 925 mil pessoas, ao passo que em Auschwitz foram mortos cerca de 1 milhão de judeus, de 70 mil a 74 mil poloneses, 21 mil ciganos e 15 mil prisioneiros de guerra. Ao todo, morreram nos campos de concentração e em execuções em massa promovidas pelos nazistas em outros lugares aproximadamente 6 milhões de judeus, 1,8 milhão de poloneses, 312 mil sérvios, até 250 mil pessoas com deficiência, cerca de 1.900 testemunhas de Jeová e até 250 mil ciganos, além de milhares de homossexuais, civis soviéticos e prisioneiros de guerra.

  Com o fim da guerra, o mundo tomou conhecimento das atrocidades cometidas pelos nazistas contra o povo judeu e cresceu a pressão internacional para a criação de um Estado nacional judaico na região histórica da Palestina.

Mapa do Holocausto na Europa, entre 1939 e 1945, com todos os campos de extermínio, a maioria dos campos de concentração e as principais rotas de deportação (em castelhano)

Origem

  Alguns autores sustentam que a partir da Idade Média, a sociedade e a cultura alemã tornaram-se repletas de aspectos antissemitas e que havia uma ligação ideológica direta entre os pogroms (perseguição deliberada de um grupo étnico ou religioso) medievais e os campos de extermínio nazistas.

  A segunda metade do século XIX viu o surgimento na Alemanha e na Áustria-Hungria do movimento völkisch, desenvolvido por pensadores como Houston Stewart Chamberlain e Paul de Lagarde. O movimento apresentava um racismo com uma base biológica pseudocientífica, onde os judeus eram vistos como uma raça em um combate mortal com a raça ariana pela dominação do mundo. O antissemitismo völkisch inspirou-se em estereótipos do antissemitismo cristão, mas difere dele porque os judeus eram considerados uma raça, não uma religião.

Saqueando o Judengasse, um gueto judeu em Frankfurt, em 22 de agosto de 1614

  Em um discurso perante o Reichstag (instituição política do Sacro  Império Romano-Germânico) em 1895, o líder völkisch Hermann Ahlwardt chamou os judeus de "predadores" e de "bacilos da cólera", que deviam ser "exterminados" para o bem do povo alemão. Em seu livro best-seller Wenn ich der Kaiser wär (Se eu fosse o Kaiser), de 1912, Henrich Class, o líder do grupo völkisch Alldeutscher Verband, pediu que todos os judeus alemães fossem destituídos de sua cidadania e fossem reduzidos à Fremdenrecht (estrangeiro). Class também pediu que os judeus fossem excluídos de todos os aspectos da vida alemã, proibidos de possuir terras, ocupar cargos públicos ou de participar do jornalismo, de bancos e de profissões liberais. Class definia como judeu alguém que era membro da religião judaica no dia em que o Império Alemão foi proclamado, em 1871, ou qualquer pessoa com pelo menos um avô judeu.

  Durante o Império Alemão, o movimento völkisch e o racismo pseudocientífico tornaram-se comuns e aceitos por toda a Alemanha, sendo que as classes profissionais educadas do país, em particular, adotaram uma ideologia de desigualdade humana. Embora os partidos völkisch tenham sido derrotados em eleições para o Reichstag em 1912, sendo quase dizimados, o antissemitismo foi incorporado nas plataformas dos principais partidos políticos do país. O Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães (Partido Nazista, NSDAP) foi fundado em 1920 como um desdobramento do movimento völkisch e adotou a ideologia antissemita.

Desenho antissemita de Charles Lucien Léandre, reproduzindo a teoria da conspiração judaica que controlaria o mundo

  Grandes mudanças científicas e tecnológicas na Alemanha durante o século XIX e início do século XX, juntamente com o crescimento do Estado de bem-estar social, criaram esperanças generalizadas de que a utopia estava próxima e que em breve todos os problemas sociais poderiam ser resolvidos. Ao mesmo tempo, era comum a visão de mundo racista, darwinista social e eugenista, que classificava algumas pessoas como biologicamente superiores a outras.

  Após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), o clima otimista pré-guerra deu lugar à desilusão conforme os burocratas alemães perceberam que os problemas sociais eram mais insolúveis do que pensavam, o que os levou a colocar uma ênfase maior em salvar os biologicamente "aptos", enquanto os biologicamente "inaptos" deviam ser eliminados.

  Cerca de 100 mil soldados judeus alemães, lutaram pelo Império Alemão durante a Primeira Guerra Mundial. Em 1919, foi criada a Reichsbund Jüdischer Frontsoldater (associação de soldados judeus alemães veteranos de guerra). Seu objetivo era combater os DolchstoBlegende ("Lenda da Punhalada pelas Costas"), que acusava os judeus, entre outros, de serem traidores da pátria e culpados pela derrota alemã. Cerca de 12 mil soldados judeus morreram durante a guerra, servindo ao Exército Imperial Alemão.

Ilustração em um postal austríaco de 1919 sobre a Lenda da Punhalada pelas Costas

  As tensões econômicas da Grande Depressão levaram muitos da comunidade médica alemã a defender a ideia da eutanásia de deficientes físicos e mentais "incuráveis", como medida de economia de custos para liberar dinheiro para outros pacientes. Até os nazistas chegarem ao poder, em 1933, já existia uma tendência na política social alemã para salvar os racialmente "valiosos", enquanto buscava livrar a sociedade dos "indesejáveis".

  A propaganda nazista esforçava-se para apresentar o judeu como o grande inimigo do Reich e do povo alemão. Em 1935, um destes esforços, o ministro da propaganda do III Reich, Joseph Goebbeis, escolheu Hessy Levinsons Taft como modelo de "bebê ariano ideal". Entretanto, ele não sabia que ela, na realidade, era uma criança judia.

  Hitler deixava seu ódio aos judeus explícito. Em seu livro Mein Kampf, ele avisou sobre sua intenção de expulsá-los da vida política, intelectual e cultural da Alemanha. Ele não escreveu que iria tentar exterminá-los, mas acredita-se que ele tenha sido mais explícito em privado.

Soldados nazistas em frente a uma loja em Berlim colando uma placa com os dizeres "Alemães! Defendam-se! Não comprem de judeus".

O antissemitismo nazista

  O Holocausto foi o resultado final de um processo de construção do ódio de uma nação contra um grupo específico que vivia na Europa. O antissemitismo na Alemanha não surgiu com o nazismo e remonta a meados do século XIX, em movimentos nacionalistas, além de ter sido manifestado por personalidades alemãs da época, como Hermann Ahlwardt e Wilhelm Marr.

  Quando partido nazista surgiu, em 1920, o antissemitismo era um elemento que já fazia parte da plataforma do partido, e os historiadores acreditam que Adolf Hitler tornou-se antissemita em algum momento de sua juventude, quando vivia em Viena, capital da Áustria. A presença do antissemitismo no nazismo durante sua fundação, era perceptível no programa do partido, que afirmava que nenhum judeu poderia ser considerado cidadão alemão.

  Os nazistas falavam que os judeus possuíam um plano de dominação mundial e criticavam contundentemente o liberalismo econômico e o capitalismo financeiro, pois afirmavam que ambos eram dominados pelos judeus. Um dos exemplos claros dessa ideia (situada na época das teorias da conspiração utilizadas para acusar os judeus) foi um livro de origem russa e autor desconhecido que foi sucesso de venda na Alemanha: "Os protocolos dos sábios de Sião".

Símbolo de exemplo doTratado de Sião

  Quando os nazistas assumiram o poder na Alemanha, em 1933, o processo de exclusão e de violência contra os judeus foi iniciado de maneira progressiva. O discurso nazista, aliado à doutrinação realizada na sociedade alemã, tornou os judeus bodes expiatórios e vítimas de perseguição intensa, não só por parte do governo, mas também pelos civis.

  Uma das primeiras ações tomadas pelos nazistas contra os judeus, foi uma lei, aprovada em 7 de abril de 1933, chamada Berufsbeamtengesetz (Lei para Restauração do Serviço Público Profissional). Essa lei proibia definitivamente os judeus de atuarem em cargos públicos. Outras leis do tipo foram aprovadas para outros ofícios, como médicos e advogados. Além das leis, os judeus eram alvos de ataques promovidos pelas tropas de assalto nazistas (SA) e tinham suas lojas boicotadas a nível nacional.

  Com o passar do tempo, novas ações contra os judeus foram sendo organizadas na Alemanha. Essa perseguição forçou milhares de judeus a fugirem do país, mas muitos não conseguiram, pois nenhum país estava disposto a recebê-los. Na década de 1930, duas medidas tomadas por Hitler simbolizaram o reforço do antissemitismo na Alemanha: as Leis de Nuremberg e a Noite dos Cristais.

Membros da SA à frente de uma loja de comércio judeu durante o boicote nazista aos negócios dos judeus, em 1 de abril de 1933

Leis de Nuremberg

  As Leis de Nuremberg foram um conjunto de três leis aprovadas, no ano de 1935, que legislavam sobre a miscigenação, a bandeira e a cidadania alemã. As duas leis que se relacionavam diretamente com o antissemitismo na Alemanha eram a Lei de Proteção do Sangue e da Honra e a Lei de Cidadania do Reich.

  A primeira lei tratava a respeito da miscigenação, proibindo o casamento de judeus com não judeus, além de proibir também as relações sexuais de judeus com não judeus. Essa lei também falava que judeus não poderiam ter empregadas domésticas com idade inferior a 45 anos nem portar as cores do Reich (preto, vermelho e branco).

  A segunda tratava a respeito da cidadania, basicamente definindo quem era cidadão e quem não era. Segundo essa lei, todas as pessoas que tivessem 3/4 de sangue judeu ou fossem praticantes do judaísmo seriam consideradas judias e automaticamente não teriam direito à cidadania. Com isso, os judeus eram considerados apenas "sujeitos de Estado" e eram pessoas que tinham de cumprir suas obrigações, mas não tinham direito a receber nada do que um cidadão receberia.

Capa do Diário Oficial alemão Reichsgesetzblatt com a publicação das leis datadas em 16 de setembro de 1935

Noite dos Cristais

  A Noite dos Cristais foi um marco na história do antissemitismo porque oficializou um ponto de partida para o aumento da violência contra os judeus na Alemanha. Esse acontecimento passou-se em 1938 e é definido como um pogrom, ou seja, um ataque violento que é organizado contra um grupo específico.

  Esse ataque aconteceu em represália ao assassinato de Ernst vom Rath, um diplomata alemão, por um estudante judeu de 17 anos que queira vingar-se da expulsão de seus pais da Alemanha. Dias após o diplomata alemão ser atacado em Paris, uma ordem foi emitida por Hitler e Goebbels para que ações de violência fossem organizadas como forma de intimidar os judeus.

  Os ataques da Noite de Cristal iniciaram-se na noite de 9 de novembro de 1930 e estenderam-se até a metade do dia seguinte. Membros do partido nazista, a maioria à paisana, partiram para um ato de violência inédita na Alemanha. Casas, estabelecimentos, orfanatos e sinagogas foram atacadas com os agressores destruindo o que encontravam pela frente, agredindo as pessoas que estavam nesses locais e, por fim, incendiando as construções.

  Ao fim do pogrom, milhares de estabelecimentos foram destruídos e, apesar do número oficial de mortos ser de 91, estima-se que o número de mortos nesse ataque tenha sido de milhares. A Noite dos Cristais também inaugurou o aprisionamento de judeus em campos de concentração, pois, durante o pogrom, 30 mil judeus foram presos e encaminhados para Dachau, Buchenwald e Sachsenhausen.

Loja de um judeu com a vidraçaria destruída por conta do pogrom por conta da Noite dos Cristais

Solução final

  Com o início da Segunda Guerra Mundial, em 1939, a cúpula do partido nazista começou a discutir "soluções" sobre como tratar a "questão judia" na Europa. O aprisionamento de judeus em campos de concentração foi iniciado ainda na década de 1930. Esses locais, no entanto, não haviam sido preparados para serem locais de extermínio como aconteceu durante a guerra.

  Quando a guerra começou, os judeus do Leste da Europa começaram a ser agrupados em guetos, um local específico da cidade que era cercado pelas tropas nazistas e separado especificamente para o abrigo de judeus. Os guetos agrupavam-nos para que mais tarde fossem enviados para os campos de concentração e extermínio.

  Além disso, os nazistas debatiam soluções a serem colocadas em prática para lidar com a "questão judia", e duas dessas foram amplamente debatidas. Na primeira, os nazistas tentaram obter autorização para deportar os judeus para a União Soviética, mas Stalin não aceitou recebê-los. Outro plano ficou conhecido como Plano Madagascar, em que os nazistas cogitaram deportar os judeus da Europa para a ilha de Madagascar, na África.

  Por toda a Europa, os judeus eram aglomerados e transportados para os guetos e campos de concentração em vagões de trem.

Judeus húngaros após desembarcarem dos trens em Auchwitz II na Polônia ocupada, em maio de 1944. Os que eram enviados para a direita (reichts) iam para os campos de trabalho forçado; os que iam para a esquerda (links) eram assassinados nas câmaras de gás. Os prisioneiros do campo são visíveis em seus uniformes listrados

Grupos de extermínio

  Quando a Solução Final foi elaborada, o que estava na mente de Heydrich e Himmler era: "os judeus que não pudessem trabalhar teriam que sumir, e os fisicamente capazes de trabalhar seriam usados como mão de obra em algum lugar na União Soviética conquistada até que morressem". Os primeiros judeus vítimas desse plano foram alvo dos Einsatzgruppen, os grupos de extermínio.

  Esses grupos de extermínio atuaram na Polônia, nos Países Bálticos e na parte do território soviético que os nazistas estavam ocupando. A atuação deles era simples: promover a limpeza sistemática de judeus dessas áreas por meio de fuzilamentos. Os judeus dessas localidades eram reunidos em um local específico, posicionados nus em frente a uma vala comum e fuzilados um a um até que toda a população judia desses locais estivesse morta.

  Durante esses fuzilamentos, os grupos de extermínio também executaram outras pessoas como as que tinham colaborado com os soviéticos. O fuzilamento organizado pelo Einsatzgruppen que mais ficou conhecido recebeu o nome de Massacre de Babi Yar, quando os judeus de Kiev foram reunidos em um ponto da cidade e fuzilados durante um período de 36 horas. Esse massacre resultou na morte de cerca de 33.761 pessoas, que foram depositadas em uma vala comum.

Uma vala comum dentro do campo de extermínio de Bergen-Belsen, na Alemanha

Os campos de extermínio

  A solução encontrada pelos nazistas foi a de promover a execução de judeus em câmaras de gás, que foram sendo instaladas nos campos de concentração. Além disso, foram construídos seis campos de extermínio cujo intuito era unicamente promover a execução de judeus. A diferença é que, nos campos de concentração, os judeus, além de executados, também tinham sua mão de obra explorada ao máximo.

  As câmaras de gás para a execução de judeus foi uma ideia exportada do Programa de Eutanásia, também conhecido como Aktion T4. Nesse programa, os nazistas executavam os que eram considerados inválidos, ou seja, aqueles que possuíam algum tipo de distúrbio mental ou deficiência física.

  Os campos de extermínio, construídos pelos nazistas a partir do segundo semestre de 1941, foram: Chelmno, Belzec, Sobibor, Treblinka, Auschwitz e Majdanel. Todos esses campos localizavam-se na Polônia, e o primeiro deles a ser construído foi o de Belzec - local no qual foi desenvolvida uma câmara de gás à base de monóxido de carbono e que matava suas vítimas por asfixia. Depois, outros campos foram construídos, e os nazistas começaram a utilizar Zyklon-B para assassinar os prisioneiro.

Cremação de corpos em Auschwitz, em agosto de 1944

Julgamento de Nuremberg

  Depois que os nazistas renderam-se, em maio de 1945, muitos deles e seus colaboradores, que atuaram diretamente no Holocausto, foram presos e levados a julgamento no Tribunal Militar Internacional de Nuremberg. Os julgamentos em Nuremberg estenderam-se durante nove meses e condenaram alguns nazistas à morte por enforcamento, enquanto outros receberam penas de prisão perpétua ou por certa quantidade de tempo.

  Entre os condenados à morte por enforcamento, estavam Hermann Göring, chefe de Luftwaffe (força aérea), e Joachim von Ribbentrop, ministro das Relações Exteriores da Alemanha. Entre os condenados à prisão perpétua, estavam Rudolf Hess, vice-líder do partido nazista, e Erich Raeder, comandante da Kriegsmarine (marinha alemã).

Memorial aos Judeus Mortos da Europa, em Berlim, Alemanha

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

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GOLDHAGEN, Daniel J. Uma dívida moral: A Igreja Católica e o Holocausto. Editora Notícias, Coleção Biblioteca de História, 2004.

MAGNOLI, Demétrio (org.) História da paz. São Paulo: Contexto, 2008.

MAGNOLI, Demétrio (org.) História das guerras. São Paulo: Contexto, 2008.

MARTINEZ, Paulo. Os nacionalismos. São Paulo: Scipione, 1996.

MONIZ BANDEIRA, L. A. A desordem mundial: o espectro da dominação total: guerras por procuração, terror, caos e catástrofes humanitárias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.

CYTRYNOWICZ, Roney. Memória da Barbárie. São Paulo: EDUSP/Nova Stella, 1990.

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https://brasilescola.uol.com.br/historiag/holocausto.htm. Acesso em 14/09/2022.

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