domingo, 22 de agosto de 2021

O NOVO ENSINO MÉDIO E A BNCC

   Apesar dos avanços, a educação brasileira ainda enfrenta problemas na atualidade. No Ensino Médio, em particular, há grandes desafios, como garantir uma escola mais atrativa para os jovens, combater a evasão escolar e oferecer um ensino de qualidade.

  A evasão escolar é um fenômeno complexo, que pode resultar de vários fatores, como ingresso precoce no mercado de trabalho, dificuldades de aprendizagem ou de acesso à escola, falta de interesse pelo modelo escolar existente no país, entre outros.

  Em relação à falta de interesse pela escola, especialistas apontam que esse fator é responsável por cerca de 40% da evasão escolar. Entretanto, a questão é: Quais são as razões desse desinteresse pela educação?

  A resposta não é simples, mas estudiosos identificam alguns aspectos, entre os quais está a falta de protagonismo do jovem. Na educação tradicional, o estudante é visto como objeto, destino, alvo, e não como sujeito da aprendizagem. Ele cria muito pouco e não é estimulado a refletir e vivenciar aquilo que é transmitido pelo professor na sala de aula. Enfim, tratado como agente passivo, o estudante não se envolve no processo de ensino e aprendizagem.

  O Ensino Médio brasileiro vinha sendo organizado em 13 disciplinas obrigatórias e com uma abordagem de conteúdos muitas vezes desconectados entre si, mostrando-se pouco atraentes e sem responder às necessidades e às expectativas dos jovens no conteúdo histórico atual.

  Na tentativa de implementar um novo modelo de Ensino Médio, a lei de Reforma do Ensino Médio propôs um currículo diversificado, em uma estrutura que compreende a formação geral básica, incluindo quatro áreas do conhecimento, a formação técnica e profissional e os itinerários formativos. O objetivo é flexibilizar o currículo de modo a possibilitar diferentes arranjos curriculares, que sejam relevantes para o contexto local e possam ser ajustados às diversas realidades das escolas e dos sistemas de ensino.

Algumas mudanças com o Novo Ensino Médio

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC)

  Um passo para concretizar essa proposta foi a aprovação da BNCC do Ensino Médio de 2018, que delimita os direitos e os objetivos de aprendizagem dos estudantes, expressos no desenvolvimento de competências e habilidades. A BNCC não é um currículo, mas, sim, um orientador curricular. Cabe aos estados e municípios elaborarem seus currículos a partir dos princípios e aprendizagens essenciais definidos por ela.

  Na BNCC, competência é definida como a mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos) e habilidades, como práticas cognitivas e socioemocionais.

  O Conselho Nacional de Educação (CNE), responsável por aprovar o texto final em dezembro de 2017, resolveu que, na BNCC, competências e habilidades estão relacionadas aos direitos e objetivos de aprendizagem dos estudantes.

  O conceito de competência é associada à mobilização de conhecimentos e habilidades indispensáveis para a vida em sociedade. Foram definidas dez competências gerais que devem guiar o trabalho de todos os anos e em todas as áreas de conhecimento.

  Entre as competências listadas na base estão: trabalhar em grupo, aceitar as diferenças, lidar com conflitos e argumentar, entre outras. Quatro das dez competências tratam do desenvolvimento de habilidades socioemocionais.

  A proposta da base, no entanto, não é ensinar essas competências de forma isolada. Por isso, o professor terá papel fundamental no processo. Caberá a ele encontrar formas para, de maneira intencional e planejada, aliar o aprendizado dos conceitos ao desenvolvimento das competências. Além das competências gerais, cada área e cada componente curricular possuem suas competências específicas.

  As habilidades dizem respeito às aprendizagens essenciais separadas para cada área, componente curricular e ano. São sempre iniciadas por um verbo que, segundo o texto da Base, "explicita o processo cognitivo envolvido".

Competências gerais da BNCC

  No Ensino Médio, a BNCC apresenta referências que rompem com a organização curricular centrada exclusivamente em componentes curriculares, dando maior espaço para o trabalho com áreas de conhecimento a fim de favorecer as abordagens interdisciplinares.

  Segundo a orientação desse documento oficial, cada escola e sistema de ensino deverão elaborar o próprio currículo, com o intuito de promover o desenvolvimento dos estudantes nas dimensões intelectual, física, emocional, social e cultural. Esse direcionamento implica que, além dos aspectos acadêmicos, as unidades de ensino devem expandir a capacidade dos estudantes de lidar com seu corpo e bem-estar, suas emoções e relações, sua atuação profissional e cidadã, sua identidade e repertório cultural. Nesse princípio, a BNCC defende o princípio de uma educação integral dos estudantes.

  Em síntese, a educação integral deve:

  • Eleger o estudante como foco central e protagonista de seus processos de ensino e aprendizagem.
  • Respeitar a diversidade e a singularidade do estudante no que diz respeito a sexo, etnia, identidade de gênero, orientação sexual, religião ou deficiência.
  • Estimular a participação reflexiva, ativa, propositiva e colaborativa dos estudantes no cotidiano de suas escolas e na relação com seus pares.

  A BNCC também defende a construção de currículos e propostas pedagógicas que atendam mais adequadamente às especificidades locais e à multiplicidade de interesses dos estudantes, estimulando o exercício do protagonismo juvenil.

  O protagonismo deve ser entendido como a capacidade de enxergar-se como agente principal da própria vida, responsabilizando-se por suas atitudes, distinguindo suas ações das dos outros, e expressando iniciativa e autoconfiança. O estudante protagonista acredita que pode aprender e encontrar as melhores formas de fazer isso não apenas individualmente, mas atuando de forma colaborativa e participativa no contexto escolar.

  Nesse sentido, a BNCC propõe que os estudantes deixem de desempenhar um papel de meros espectadores para se tornarem sujeitos ativos do seu processo de aprendizagem e de desenvolvimento pessoal. Portanto, a BNCC sugere que as situações de ensino e aprendizagem devem ser organizadas de modo que os estudantes exerçam, efetivamente, um papel autoral, ativo, criativo e autônomo de (re)construção e de invenção.

  Ao considerarmos esse princípio de autoria e de protagonismo juvenil estaremos atentos à diversidade de cenários e de condições socioculturais nos quais a escola de Ensino Médio está inserida. Dentro dessa diversidade, é preciso promover a equidade.

domingo, 15 de agosto de 2021

REGIMES TOTALITÁRIOS: O FASCISMO

  O totalitarismo é um sistema político caracterizado pelo domínio absoluto de uma pessoa ou partido político sobre uma nação. Dentro do totalitarismo, a pessoa ou partido político no poder controla todos os aspectos da vida pública e da vida privada por meio de um governo abertamente autoritário.

  O totalitarismo também é marcado pela forte presença de um militarismo na sociedade e é acompanhado por ações do regime com o objetivo de promover sua ideologia por meio de um sistema de doutrinação da população. Os regimes totalitários utilizam-se do terror como arma política para conter e perseguir seus opositores políticos, e a propaganda é usada de maneira consistente para que a população seja convencida das medidas extremas tomadas por esses regimes.

  O totalitarismo foi um sistema político que esteve no auge durante as décadas de 1920 e 1930. Seu surgimento aconteceu após a Primeira Guerra Mundial e é considerado pelos historiadores como um reflexo causado por toda a destruição causada por esse conflito. Assim, o autoritarismo começou a ganhar força como solução política para as crises que o mundo enfrentava no pós-guerra, conseguindo adeptos mundo afora.

Charge mostrando como funciona o totalitarismo. No regime totalitário é preciso controlar as mentes da população pela força e pela propaganda

  O termo "totalitarismo" surgiu durante a década de 1920 para referir-se ao fascismo italiano. Esse sistema político surgiu com o próprio fascismo italiano, regime que alcançou o poder na Itália em 1922, quando Benito Mussolini tornou-se primeiro-ministro do país. Ao longo da década de 1920, a tendência política mundial pendia para o autoritarismo, e o totalitarismo ganhou considerável força após a ascensão do nazismo ao poder na Alemanha.

  As características básicas do totalitarismo são:

  • Culto ao líder - os três regimes possuíam um forte culto ao líder, e sua imagem era espalhada em todos os locais possíveis;
  • Unipartidarismo - todos os regimes totalitaristas suprimiam a existência dos partidos, e somente o partido do governo tinha a permissão de funcionar;
  • Doutrinação - a população dos regimes totalitários era alvo de intensa doutrinação, que se iniciava com o ensino infantil. Essa doutrinação visava propagar a ideologia do governo;
  • Centralização do poder - o poder político no totalitarismo é centralizado no líder e/ou partido;
  • Uso do terror - o terror era uma arma dos regimes totalitários para amedrontar seus opositores e perseguir grupos enxergados como "inimigos do Estado";
  • Censura - a censura era uma prática comum a jornais e à população em geral. Regimes totalitários não aceitavam críticas e não aturavam a existência de uma oposição;
  • Militarização - exaltação do exército e militarização da sociedade;
  • Criação de inimigos internos e/ou externos - esse mecanismo era utilizado como distração ou justificativa para explicar as ações e o autoritarismo do regime;
  • Nacionalismo exacerbado - o nacionalismo no totalitarismo assumia um viés extremista que pregava a exclusão e perseguição de outros povos ou etnias.

Líderes frequentemente acusados de governar regimes totalitários (da esquerda para a direita e de cima para baixo): Joseph Stalin (ex-secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética), Adolf Hitler (ex-Führer da Alemanha Nacional Socialista), Mao Tsé-tung (ex-presidente do Partido Comunista da China), Benito Mussolini (ex-Duce da Itália) e Kim Il-sung (eterno presidente da Coreia do Norte)

Democracia liberal em xeque

  A ascensão de regimes autoritários na Europa, entre eles o fascista e o nazista, foi um legado da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), caracterizada por uma disputa de nacionalismos rivais pela hegemonia continental, além de expressar a competição entre os países europeus por colônias na Ásia e na África. Aos poucos, alastrou-se por outros continentes, sobretudo com a entrada dos Estados Unidos no conflito, em 1917, a favor da França e do Reino Unido. A participação estadunidense foi crucial para o armistício, que, na prática, foi a derrota alemã.

  Porém, o fato decisivo para a ascensão de ditaduras na Europa Ocidental foi o que ocorreu no Império Russo, que entrou na guerra ao lado de franceses e britânicos, pois era inimigo da Turquia, aliada dos alemães. O Império Russo não era uma democracia liberal, mas um regime absolutista, chefiado pelo czar, que governava um império de várias nacionalidades eslavas, situado em uma região convencionalmente chamada de Eurásia.

Divisão da União Soviética

  O império czarista era pouco industrializado, dominado por uma aristocracia agrária e mal tinha uma classe operária. No entanto, foi ali que irrompeu a primeira revolução socialista no mundo. O flagelo da guerra levou à queda do czar Nicolau II, que abdicou em 1917, abrindo caminho para uma democracia liberal. Formou-se, então, um governo provisório, mas este não durou muito. O Partido Bolchevique - comunista -, liderado por Vladimir Lênin, aproveitou-se da instabilidade política para tomar o poder. Apoiou-se nos sovietes - conselhos ou associações operárias - e, em parte, nos camponeses e nos soldados, que não aguentavam mais lutar em uma guerra que não era deles.

  Ainda em 1917, os bolcheviques conquistaram o poder na Rússia. Tiveram que enfrentar uma guerra civil contra os defensores do czarismo, que durou até 1923, mas venceram. As classes dirigentes da Europa Ocidental ficaram horrorizadas com a emergência de um regime que ameaçava o capitalismo, sobretudo com a possibilidade de uma revolução que se pretendia permanente e internacional, em nome da classe operária mundial.

Soldados e civis se manifestando durante a Revolução Russa de 1917

  O temor da burguesia europeia diante do bolchevismo foi essencial para a ascensão de movimentos anticomunistas de caráter autoritário. Partidos comunistas surgiram em vários países, mas na Itália e na Alemanha apareceram com força. Na Itália, não tentaram uma revolução, mas disputaram eleições com bom desempenho em várias regiões. Na Alemanha houve tentativas de golpes revolucionários, como em Munique e Berlim. Ao fracassar nessas tentativas, passaram a disputar eleições, também com desempenho cada vez melhor.

  Foi nesse contexto que se organizaram movimentos nacionalistas contra o internacionalismo soviético. Esses movimentos, embora condenassem as desigualdades do capitalismo, defendiam os interesses da burguesia contra uma eventual revolução comunista. Assim, em 1919, surgiu na Itália o movimento fascista, liderado por Benito Mussolini (1883-1945), ex-socialista, grande orador e com programa anticomunista. Sua força derivava de milícias uniformizadas - os camisas-negras -, que atacavam os comunistas em toda parte.

Bolchevique (1920), por Boris Kustodiev

  Na Alemanha, organizou-se o Partido Nacional-Socialista, ou nazista, liderado por Adolf Hitler (1889-1945). Esse partido dizia-se revolucionário e socialista, mas defendia um socialismo nacional, ao contrário do soviético, considerado inimigo. Hitler chegou ao poder como primeiro-ministro, em 1933, com o suporte das classes dominantes da Alemanha. No ano seguinte, já havia acumulado todos os poderes do país e passou a comandar a destruição da democracia alemã.

  A revolução soviética, de um lado, e as revoluções fascista e nazista, de outro, puseram em xeque a legitimidade da democracia liberal que prevalecia na Europa desde a segunda metade do século XIX. Mesmo nos países em que a democracia  liberal se manteve, como a França e o Reino Unido, surgiram movimentos inspirados no fascismo e no nazismo.

  O anticomunismo das burguesias urbanas ou rurais da Europa Ocidental e o medo que tinham de perder seus privilégios abriram caminho para o questionamento do regime democrático representativo. Essa ideia alastrou-se por Espanha, Portugal, Escandinávia, Europa Oriental e América Latina.

Durante o auge do totalitarismo (décadas de 1920 e 1930), uma série de regimes democráticos ruiu para o autoritarismo

FACISMO: NACIONALISMO AUTORITÁRIO

  A participação da Itália na Primeira Guerra Mundial ao lado da França e do Reino Unido ficou conhecida como "vitória mutilada". Isso porque, apesar de integrar a coligação vitoriosa, não foi atendida em suas reivindicações territoriais. Além disso, o país conheceu uma inflação sem precedentes que empobreceu não apenas a classe trabalhadora, mas também a classe média urbana e os pequenos proprietários rurais. O contraste entre o norte industrial e o sul agrícola também provocava forte desequilíbrio econômico do país.

Movimento fascista

  A instabilidade socioeconômica impulsionou a radicalização política, que colocou os partidos liberal-democratas em segundo plano. No campo da esquerda, o Partido Socialista Italiano, com forte base operária, alcançou 32% dos votos nas eleições parlamentares. A ascensão dos socialistas favoreceu greves por melhores salários e condições de trabalho, paralisando a indústria em 1920. Além disso, armazéns e lojas foram saqueados pela multidão. Foi nesse contexto que a ala à esquerda do Partido Socialista fundou, em 1921, o Partido Comunista Italiano. Discordando da direção socialista, os dirigentes adotaram um programa revolucionário, estimulado pela vitória da revolução bolchevique.

  O crescimento político de comunistas e socialistas levou as classes burguesa e agrária a apoiarem alternativas políticas para manter a ordem capitalista. Assim, essas classes apoiaram o fascismo, que fortaleceu suas bases com operários desempregados e membros da classe média empobrecida. a milícia fascista cresceu recrutando militares de baixa patente ou reformados, jovens pequeno-burgueses e criminosos comuns. No início de 1921, os esquadrões fascistas destruíram centenas de seções socialistas e sindicatos ligados a partidos de esquerda.

Logotipo do Partido Nacional Fascista

  Mas Mussolini percebeu que, para ampliar suas bases sociais, era preciso adotar uma linha mais legalista. Estabeleceu, então, uma trégua com o Partido Socialista e a Confederação Geral do Trabalho e conteve a violência dos seus esquadrões. Fundou o Partido Fascista Italiano, que alcançou 200 mil filiados. As lideranças liberais viam os fascistas com bons olhos naqueles "anos vermelhos", assim chamados em razão da ascensão dos partidos de esquerda. O objetivo dos liberais era usar o fascismo para derrubar os comunistas e os socialistas, e depois controlá-lo. Nas eleições de 1921, o desempenho dos fascistas cresceu a ponto de elegerem 35 deputados. Os socialistas perderam trinta, mas os comunistas elegeram quinze deputados. A esquerda continuava forte, embora dividida entre as opções revolucionária ou democrática, e isso favoreceu o fascismo.

  Em 1922, membros do Partido Fascista reunidos em Nápoles decidiram fazer uma manifestação em Roma, partindo de várias cidades, para pressionar pela participação fascista no governo liberal. Precedia da ocupação de prédios públicos e estações ferroviárias, a Marcha sobre Roma ocorreu em 28 de outubro de 1922 e não encontrou resistência, sendo um enorme sucesso. O rei escolheu Mussolini como primeiro-ministro em 30 de outubro. Iniciou-se, assim, a escalada do fascismo no Estado italiano.

Marcha sobre Roma - movimento que levou o fascismo ao poder na Itália

O fascismo no poder

  Entre 1922 e 1925, o fascismo conviveu com as instituições liberais do país, mas reativou sua milícia para intimidar a oposição. Governos locais de orientação socialista foram dissolvidos e a imprensa foi censurada. A polícia colaborava com os militantes nos ataques aos comunistas.

  Em 1924, o líder socialista Giacomo Matteotti (1885-1924) foi sequestrado e morto pelos camisas-negras depois de proferir um discurso, no parlamento, contra a violência dos fascistas nas eleições parlamentares daquele ano, nos quais os fascistas obtiveram 65% dos votos.

  Mussolini recusou a responsabilidade pelo crime, mas os deputados antifascistas abandonaram o parlamento, exigindo a volta da legalidade. Pediram a intervenção do rei, que apelou para a "concórdia nacional". O resultado foi o aniquilamento das oposições e o estabelecimento da ditadura, prisão, exílio e morte de lideranças de esquerda. Em outubro de 1925, o sindicalismo livre foi liquidado, abolindo-se o direito de greve. A primeira grande medida do fascismo foi o chamado corporativismo na administração das relações trabalhistas.

  Ainda em 1925, o Estado declarou a ilegalidade de todos os partidos políticos, exceto o fascista. Mesmo este foi subordinado ao Estado, criando-se um Conselho Fascista como elo entre o partido e Mussolini. Na prática, o partido foi estatizado e passou a controlar o Estado. A democracia liberal entrou em colapso e, apesar de a monarquia ter sido mantida, o rei era uma figura decorativa.

Giacomo Matteotti - político socialista italiano, em foto da década de 1920

  Em 1929, o Estado convocou um plebiscito para que a população avaliasse o governo. Mussolini obteve cerca de 98% dos votos, tornando-se o duce (derivado de dux, termo utilizado na Roma antiga e que significa "chefe") - chefe do partido, do Estado e da nação. As democracias ocidentais viram com bons olhos a ascensão de Mussolini, sobretudo graças à ofensiva anticomunista. Os jornais britânicos e franceses o apresentavam apenas como um personagem extravagante, embora não considerassem que tal regime pudesse servir de modelo para outros países. A avaliação feita pelos jornais internacionais ajudou a naturalizar um comportamento autoritário que ameaçava a ordem democrática, dando forças ao regime. O tempo mostraria que estavam enganados em naturalizá-lo.

  O mito da romanidade foi levado ao extremo, instituindo-se uma autêntica glorificação do Império Romano, como uma alusão ao tempo em que um império poderoso, com sede no mesmo local da então capital italiana, Roma, governava o mundo ocidental. A sociedade foi fascistizada, a começar pela juventude, organizada em classes de idade: os figli della lupa ("filhos da loba", crianças), os balilla (adolescentes) e os avanguardisti (jovens). O lema imposto à juventude era simples: "Crer, obedecer, combater".

Crianças que faziam parte dos figli della lupa ("filhos da loba")

  A universidade livre também foi devorada pelo regime, o que deu origem aos Grupos Universitários Fascistas. Os professores foram obrigados a jurar fidelidade ao fascismo, sob pena de demissão. Manifestações públicas multiplicaram-se em louvor ao fascismo e ao duce. O fascismo tornou-se consenso na sociedade italiana, e as oposições foram eliminadas pelo terror.

  A política econômica do fascismo facilitou a adesão de vários grupos sociais. A política fiscal protecionista estimulou a indústria de bens de consumo e o mercado interno a ponto de a Itália ter sofrido menos com a crise mundial de 1929 do que outros países. Mesmo assim, o desemprego saltou de 300 mil para 1,23 milhão em 1929. Em 1935, voltou a baixar para 765 mil, devido à intervenção do Estado, com sua forte política de obras públicas, sobretudo rodovias, conjugada à redução dos salários.

  A criação do Instituto para a Reconstrução Industrial, em 1933, deu forte impulso aos setores siderúrgico, mecânico e de construção naval, ampliando o número de empregos. Ele foi criado com fundos estatais, que chegaram a concentrar 22% do capital das empresas. No campo, o regime promoveu a Batalha do Trigo, programa destinado a tornar o país autossuficiente na produção de cereais e fixar os agricultores no campo. Mussolini também instituiu tarifas protecionistas para deter a importação de alimentos e favoreceu as pequenas propriedades e os sistemas de parceria. Foi a chamada política da ruralização.

Benito Mussolini (1883-1945)

terça-feira, 20 de julho de 2021

O CIBERESPAÇO

  Ciberespaço é um espaço existente no mundo da comunicação em que não é necessária a presença física do homem para constituir a comunicação como fonte de relacionamento, dando ênfase ao ato da imaginação, necessária para a criação de uma imagem anônima, que terá comunhão com os demais. É o espaço virtual para a comunicação, surge da interconexão das redes de dispositivos digitais interligados no planeta, incluindo seus documentos, programas e dados. O conceito de ciberespaço, ao mesmo tempo, inclui os sujeitos e instituições que participam da interconectividade e o espaço que interliga pessoas, documentos e máquinas. O ciberespaço representa a capacidade dos indivíduos de se relacionar criando redes que estão cada vez mais conectadas a um número maior de pontos, tornando-se as fontes de informação mais acessíveis.

   A automação e a comunicação em rede, que tornaram possível a relação interpessoal, a interatividade e o trabalho colaborativo a distância, contribuíram muito para a reestruturação do mercado. Com a comunicação em rede, consolidou-se a internacionalização das relações de trabalho e de produção e foram estabelecidas novas formas de parceria e contratação - trabalho terceirizado, autônomo, temporário -, extrapolando as relações locais e atingindo diferentes níveis da produção. As consequências desse processo nas relações laborais, na concorrência entre trabalhadores e empresas e nas políticas públicas não são facilmente percebidas. De modo geral, predominam as teorias sobre o desenvolvimento tecnológico de maneira independente e são ignoradas suas repercussões nas relações de produção.

  Entusiasta das novas tecnologias da comunicação e defensor da ideia de que a rede mundial de computadores assegura a democratização do conhecimento, o filósofo francês Pierre Lévy, nascido em 1956, sustenta a ideia de que, conectada, a humanidade poderá unir seus conhecimentos para produzir e desfrutar coletivamente um saber mais amplo. Todo esse patrimônio simbólico apropriado de modo particular e individual é reunido no ciberespaço, termo utilizado pela primeira vez em 1984, na obra Neuromancer, do escritor William Gibson, e passou a ser empregado por pesquisadores para designar o espaço entre a base de dados, as telecomunicações e as redes de computadores. Em uma visão mais ampla, caracteriza uma nova dimensão da experiência humana com base em sua relação com o espaço/tempo virtual.

  A existência do ciberespaço e as possibilidades infinitas de interação, contato e produção coletiva possibilitam aos indivíduos um novo nível de autonomia e de liberdade. Com as novas tecnologias, especialmente a internet, ficou fácil obter informação. O ensino, por exemplo, não depende apenas da presença do aluno em uma instituição educacional, mas também da motivação e da capacidade de gerenciar o próprio aprendizado. As ferramentas tecnológicas contribuem para ampliar o ensino a distância, abrindo possibilidades de formação para os habitantes do meio rural ou de cidades longe dos grandes centros.

  Além da facilidade de formação e permanente possibilidade de atualização dos internautas, as tecnologias de informação também proporcionam o trabalho em rede, que envolve atividades profissionais e formas de prestação de serviço não restrita aos interesses locais. Os grandes conglomerados transnacionais empregam pessoas que vivem em diferentes continentes e podem até trabalhar em equipes multinacionais. Dessa forma, esses profissionais não dependem mais exclusivamente do mercado de trabalho local.

AULAS DO PROFESSOR MARCIANO DANTAS: ASPECTOS FÍSICOS E GEOGRÁFICOS DA EU...

quinta-feira, 15 de julho de 2021

O ACORDO DE PARIS

   O Acordo de Paris é um tratado internacional no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (CQNUMC) e que possui um único objetivo: reduzir o aquecimento global. Esse acordo rege medidas de redução de emissão de gases estufa a partir de 2020, a fim de conter o aquecimento global abaixo de 2°C, preferencialmente em 1,5ºC e reforçar a capacidade dos países de responder ao desafio, num contexto de desenvolvimento sustentável. Esse acordo foi negociado por 195 países em 2015, durante a COP21 (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2015), realizada em Paris, na França, e aprovado em 12 de dezembro de 2015.

  Nesse documento, os Estados se comprometeram a manter a temperatura média global abaixo dos níveis verificados antes da Primeira Revolução Industrial.

A principal meta do Acordo de Paris é reduzir a emissão de gases causadores do efeito estufa, emitidos, principalmente, pelas indústrias

  Para que o Acordo tivesse êxito, os países assumiram compromissos voluntários de reduzir as emissões de gases do efeito estufa. Qualquer país pode abandonar o acordo até quatro anos após sua ratificação. Os países que ratificaram o acordo devem apresentar um documento com seus compromissos de redução nas emissões, as ações e os prazos para atingir as metas estabelecidas.

  O Acordo de Paris também prevê a revisão, a cada cinco anos, dos compromissos feitos por cada país. A primeira revisão está prevista para 2025 e deve apresentar avanço nos resultados. As metas propostas são diferentes para os países desenvolvidos e para os países subdesenvolvidos.

  Os maiores emissores de dióxido de carbono do mundo são a China e os Estados Unidos. Em 2020, 31.400 toneladas megatoneladas de CO2 foram lançadas na atmosfera.

  Em 1° de julho de 2017, o então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou a saída do país do Acordo de País, se juntando à Síria e Nicarágua. Em 20 de janeiro de 2021, no primeiro dia de mandato, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, anunciou a volta do país ao Acordo.

Mapa de 2017 mostrando a posição dos países a respeito do Acordo de Paris

  Os oceanos e a atmosfera esquentam ano após ano por causa das massivas emissões de gases de efeito estufa (GEE). Os maiores vilões são a queima dos combustíveis fósseis e o desmatamento das florestas, que são as responsáveis por renovar o oxigênio do nosso planeta.

  Dentre os principais pontos do Acordo de Paris, estão:

  • esforços para limitar o aumento da temperatura a 1,5°C;
  • recomendações quanto à adaptação dos países signatários às mudanças climáticas, em especial para os países menos desenvolvidos, de modo a reduzir a vulnerabilidade a eventos climáticos extremos;
  • estimular o suporte financeiro e tecnológico por parte dos países desenvolvidos para ampliar as ações que levam ao cumprimento das metas para 2020 dos países menos desenvolvidos;
  • promover o desenvolvimento tecnológico e a transferência de tecnologia e capacitação para adaptação às mudanças climáticas;
  • proporcionar a cooperação entre a sociedade civil, o setor privado, instituições financeiras, cidades, comunidades e povos indígenas para ampliar e fortalecer ações de mitigação do aquecimento global.
  O Brasil foi um dos países signatários do Acordo, ratificado pelo Congresso em 2016. O presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, desde sua campanha presidencial, manifestou a intenção de retirar o Brasil do acordo, mas, depois de eleito, em vista da pressão política, desistiu da ideia. Também desistiu da realização da COP25 no Brasil, em 2019, alegando falta de verbas para a organização, que foi realizada em Santiago, no Chile.

quarta-feira, 14 de julho de 2021

O ESTADO MODERNO

   O termo Estado data do século XIII e se refere a qualquer país soberano, com estrutura própria e politicamente organizado, bem como designa o conjunto das instituições que controlam e administram uma nação.

  Para o filósofo da Antiguidade grega Aristóteles (c.384-322 a.C.), alguns animais têm predisposição para agir em grupos a fim de realizar atividades próprias a sua espécie, como caçar para obter alimentos. Conforme Aristóteles, os seres humanos também têm essa característica, mas - diferentemente dos animais não dotados de razão, que se agrupam por serem incapazes de viver isoladamente - tendem a viver em comunidade, pois, dessa forma, podem se afastar da selvageria, da iniquidade, da crueldade e da estupidez. Aristóteles considera que a comunidade política é o lugar natural do ser humano. Essa consideração é a base de uma das mais conhecidas formulações da história da filosofia: o ser humano é, naturalmente, um animal político.

  De acordo com o filósofo, o ser humano é mais político que as abelhas, as formigas ou todos os outros animais que vivem reunidos e cujas tarefas se restringem à reprodução, à proteção e à manutenção da vida, pois é o único a se comunicar por linguagem verbal e, portanto, pode expressar muito mais do que a mera sensação de prazer ou de sofrimento. Em razão desse atributo, o ser humano pode perceber e manifestar o bem e o mal, o útil e o prejudicial, o justo e o injusto.

Busto de Aristóteles. Cópia romana de de uma escultura de Lísipo

  O filósofo britânico Thomas Hobbes (1588-1679) contestou a teoria política de Aristóteles ao sustentar a ideia de que o acordo estabelecido entre os seres humanos não pode ser considerado natural, na medida em que é fruto de um pacto voluntário e artificial, ou seja, um contrato social. Na Idade Moderna prevaleceu essa noção de contrato social, também conhecida como contratualismo, que norteou as teorias, como a de Hobbes, de acordo com as quais a autoridade civil é concedida a alguém por um acordo tácito ou explícito entre os que aceitam fazer parte da sociedade e se submeter a seu poder.

  Conforme o filósofo britânico, as pessoas concordam em instituir um Estado que torne possível a convivência segundo a razão. Nesse sentido, o Estado não é um fator natural, mas um produto da vontade humana.

Thomas Hobbes (1588-1679)

  Para os pensadores contratualistas, o poder só tem caráter político quando é (ou deveria ser) legitimado pelo contrato. Eles teorizam sobre as sociedades sem se voltar, necessariamente, para exemplos históricos de como o governo de determinado Estado se estabeleceu. Por isso, é possível dizer que os contratualistas operam no registro do dever ser, em outros termos, preocupam-se mais em refletir sobre como as coisas devem ser, e não como são de fato.

  Os contratualistas fundamentaram, em grande medida, a consolidação do Estado moderno como uma instituição política resultante da reunião consentida de um grupo de indivíduos e detentor de autoridade soberana no interior do território que lhe corresponde. Essa soberania é exercida pelo domínio do uso legítimo da força. A entidade política dispõe de uma constituição racionalmente redigida que orienta a formulação de um sistema legal para determinar os limites de ação dos cidadãos. Ela conta também com um aparato administrativo ordenado por regras racionais e operado por funcionários especializados.

  O contratualismo não foi uma corrente ou escola de pensamento homogênea. Os britânicos Thomas Hobbes e John Locke (1632-1704) e o genebrino Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) eram contratualistas, mas suas obras e seus ideais políticos eram bem diferentes.

John Locke - filósofo inglês conhecido como o "pai do liberalismo"

  Além disso, alguns autores da filosofia política moderna não eram contratualistas. O filósofo florentino Nicolau Maquiavel (1469-1527), por exemplo, tinha uma maneira realista de refletir sobre a política. Ele deixou de lado os regimes desejados, imaginados e fictícios (aqueles que deveriam ser) e se ocupou dos existentes (aqueles que de fato eram). O francês Montesquieu (1689-1755), por sua vez, estudou Maquiavel e os contratualistas, mas suas principais reflexões relacionavam-se à necessidade de divisão dos poderes em um regime político.

  Esses cinco filósofos políticos, foram os principais a exporem os elementos teóricos formadores do Estado moderno.

Nicolau Maquiavel - reconhecido como o fundador do pensamento e da ciência política moderna

  O Estado moderno surgiu entre os séculos XV e XVI a partir da união dos diversos feudos existentes no continente europeu, quando os reis aproveitaram a crise do feudalismo para retomar o poder, e seu processo de surgimento se acelerou no Renascimento, com profundas transformações nos mecanismos de governo e no exercício do poder. Esse processo foi apoiado pela burguesia, uma classe social que se fortaleceu com este tipo de Estado.

  O Estado moderno tinha uma identidade, era organizado, estruturado e formal; ele foi politicamente reconhecido por isso e o poder foi centralizado. A sua formação teve várias consequências a nível político e econômico.

  A formação do Estado moderno é dividida, para fins de estudos, em quatro fases: o Estado moderno, Estado liberal, crise no Estado liberal e Estado democrático liberal.

  O Estado moderno nasceu com o desenvolvimento do capitalismo mercantil registrado em Portugal, na França, Inglaterra e Espanha. Nas quatro nações, o Estado moderno surge a partir da segunda metade do século XV e, posteriormente, é observado seu surgimento também na Itália.

O frontispício do livro Leviatã, de Thomas Hobbes. A obra defende um estado com um governo forte, frente ao que é tido como "anarquia"

  A crise do feudalismo foi a responsável pelo surgimento do Estado moderno. No modelo feudal, não havia Estados Nacionais centralizados. Os senhores feudais eram quem exerciam os poderes políticos sobre seus domínios, sem ter que responder a um poder central estabelecido.

  Cada feudo tinha a própria autonomia política. Igualmente, poderia estar submisso a um reino maior, como era o caso do Sacro Império Romano Germânico, o soberano inglês e o Papa.

  O poder dos senhores feudais era partilhado com o governo das cidades medievais autônomas, que eram conhecidas como comunas. Estas tinham autonomia para regulamentar o comércio, estabelecer impostos, garantir a liberdade dos cidadãos e controlar os processos judiciais.

Figurinha mostrando como funcionava o poder durante o feudalismo

terça-feira, 29 de junho de 2021

OS DIREITOS HUMANOS

   A expressão direitos humanos pode ser conceituada como a tutela - em outros termos, a proteção - geral e universal da humanidade. Ela transcende a ideia de que as pessoas pertenceriam a um Estado nacional e que competiria a ele regular com exclusividade direitos e deveres individuais e coletivos. Reconhece-se, assim, que indivíduos e coletividades, nas quais se incluem grupos étnicos, minorias, refugiados, entre outros, merecem proteção dentro e fora de seus respectivos Estados. Desse modo, os direitos humanos se baseiam no princípio da dignidade da pessoa humana, segundo o qual todo e cada ser humano deve ser respeitado em suas integridades física, psíquica, afetiva, intelectual e existencial.

  Apesar de o senso comum acreditar que direitos humanos são uma espécie de entidade que dá suporte a algumas pessoas ou que são uma invenção para proteger alguns tipos de pessoas, eles, na verdade, são muito mais do que isso.

  O reconhecimento de direitos inatos, ou seja, direitos que nascem com o ser humano e dele não podem se separar, encontrou respaldo em muitos documentos legais, que resultaram de lutas e reivindicações. Apesar de os direitos humanos se referirem a todos os membros da espécie humana, sem distinções de gênero, idade, etnia, condição social etc., existe ainda o reconhecimento de direitos específicos para proteger grupos historicamente vulneráveis, como mulheres e crianças.

  Os direitos humanos não são uma invenção, e sim o reconhecimento de que, apesar de todas as diferenças, existem aspectos básicos da vida humana que devem ser respeitados e garantidos.

  A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi redigida a fim de resguardar os direitos já existentes desde que houve qualquer indício de racionalidade nos seres humanos. Assim sendo, ela não criou ou inventou direitos em seus artigos, mas se limitou a escrever oficialmente aquilo que, de algum modo, já existia anteriormente à sua redação.

  No plano filosófico, a existência humana sempre foi uma questão importante. Encontramos, por exemplo, em Platão (c. 428-347 a.C.), Aristóteles (c. 384-322 a.C.) e Aurélio Agostinho (354-430) reflexões sobre a ética e a virtude. Nesses sistemas filosóficos, o ser humano reflete sobre a sua relação consigo mesmo, com outras pessoas e, no caso de Agostinho, com Deus, decorrendo dessa capacidade de se relacionar a preocupação com os valores que orientam sua conduta.

  Na modernidade, a razão humana buscava superar a arbitrariedade do poder absolutista, em que os súditos não podiam desfrutar de autonomia. São defendidos, então, direitos inerentes à pessoa, como os da personalidade, os referentes ao nome, à integridade física e à cidadania. Com base nessas ideias que ocupavam os pensadores da época, o filósofo Immanuel Kant concebeu o ser humano como um fim em si mesmo. Nessa concepção de direitos, o ser humano é detentor de uma dignidade inerente a ele e que não está à venda, nem pode ser usurpada sem que se desrespeitem preceitos humanitários básicos. Por conseguinte, a dignidade de cada um requer condutas éticas que efetivem a solidariedade necessária para o desenvolvimento das capacidades de todas as pessoas, de modo que todos possam delas usufruir de maneira livre e autônoma.

Os direitos humanos na história

  Do ponto de vista histórico, os direitos humanos representam uma longa luta pelo reconhecimento da liberdade, resultando na recusa à violência e à subjugação. Nesse sentido, foi preciso estabelecer regras de convívio com o objetivo de diminuir ou impedir conflitos na Antiguidade, destacando-se o Código de Hamurabi, do século XVIII a.C., que se baseava na reciprocidade entre a ação e a punição, e o Cilindro de Ciro, documento que, segundo alguns estudiosos, defendia no século VI a.C., a liberdade religiosa na Babilônia após sua conquista por Ciro II.

  O Código de Hamurabi representa o conjunto de leis escritas, sendo um dos exemplos mais bem preservados desse tipo de texto oriundo da Mesopotâmia. Acredita-se que foi escrito pelo rei Hamurabi, aproximadamente em 1772 a.C. É um monumento monolítico talhado em rocha de diorito, sobre o qual se dispõem 46 colunas de escrita cuneiforme acádica, com 282 leis em 3.600 linhas.

  Os artigos do Código de Hamurabi descreviam casos que serviam como modelos a serem aplicados em questões semelhantes. Para limitar as penas, o Código anotou o Princípio de Talião, sinônimo de retaliação. Por esse princípio, a pena não seria uma vingança desmedida, mas proporcional à ofensa cometida pelo criminoso.

Monumento original do Código de Hamurabi onde se tem a gravura das leis

  O Cilindro de Ciro é um cilindro de argila, atualmente dividido em vários fragmentos, no qual está escrita uma declaração em grafia cuneiforme acadiana, em nome do xá, Ciro, o Grande. Ele data do século VI a.C. (539 a.C.), e foi descoberto nas ruínas de Babilônia na Mesopotâmia, atual Iraque, em 1879.

  O texto no cilindro elogia Ciro, o Grande, listando sua genealogia como um rei de uma linhagem de reis. O rei da Babilônia, Nabonido, que foi derrotado e deposto por Ciro, é denunciado como um ímpio opressor do povo da Babilônia e suas origens humildes são implicitamente contrastadas com a herança de Ciro. O texto diz que o vitorioso rei Ciro foi recebido pelo povo da Babilônia como seu novo governante e entrou na cidade em paz. Ele apela ao deus Marduque, pedindo que ele proteja e ajude Ciro e seu filho Cambises II. Ele exalta os esforços de Ciro como um benfeitor dos cidadãos da Babilônia responsável por melhorar suas vidas, repatriar os povos deslocados e restaurar templos e santuários religiosos pela Mesopotâmia e em outros lugares na região. Ele conclui com uma descrição do trabalho de Ciro de reparar as muralhas da Babilônia, na qual ele teria encontrado uma inscrição similar de um rei antigo da Babilônia.

O Cilindro de Ciro, hoje no Museu Britânico: a primeira declaração dos direitos humanos

Na Idade Média, a Magna Carta, de 1215, limitou na Inglaterra o poder do rei João Sem-Terra e estabeleceu que homens livres não poderiam ser condenados sem julgamento.

  A Magna Carta é forma reduzida do título, em latim, da Magna Charta Libertatum, seu Concordiam inter regem Johannen at barones pro concessione libertatum ecclesiae et reni angliae (Grande Carta das liberdades, ou concórdia entre o rei João e os barões para a outorga das liberdades da Igreja e do rei inglês), um documento de 1215 que limitou o poder dos monarcas da Inglaterra, especialmente o do rei João, que o assinou, impedindo assim o exercício do poder absoluto. Resultou de desentendimentos entre João, o Papa e os barões ingleses acerca das prerrogativas do soberano. Segundo os termos da Magna Carta, João deveria renunciar a certos direitos e respeitar determinados procedimentos legais, bem como reconhecer que a vontade do rei estaria sujeita à lei. Considera-se a Magna Carta o primeiro capítulo de um longo processo histórico que levaria ao surgimento do constitucionalismo.

Uma das cópias certificadas da Magna Carta preparadas em 1215

  Em 1776, a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América consagrou a ideia de que "todos os homens são criados iguais, dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a procura da felicidade".

  A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, proclamada em 1789 durante a Revolução Francesa, preconizava que a liberdade e a igualdade eram direitos inalienáveis à humanidade.

  Nessa concepção mais trabalhada na modernidade, o indivíduo, enquanto membro da comunidade humana, possui direitos que dele não podem ser retirados, sem que disso resulte uma agressão à sua própria natureza. Mas para que tais direitos sejam respeitados basta que sejam reconhecidos como inerentes à humanidade ou é preciso de leis para efetivá-los.

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789

segunda-feira, 28 de junho de 2021

ÉTICA E CIDADANIA

  Ética ou filosofia moral é, na filosofia, o estudo do conjunto de valores morais de um grupo ou indivíduo. A palavra "ética" vem do grego ethos e significa caráter, disposição, costume, hábito, sendo sinônimo de "moral", do latim mos, mores (que serviu de tradução para o termo grego mais antigo, significando também costume, hábito).

  Cidadania é a prática dos direitos e deveres de um indivíduo (pessoa) em um Estado. Os direitos e deveres de um cidadão devem andar sempre juntos, uma vez que o direito de um cidadão implica necessariamente numa obrigação de outro cidadão. Conjunto de direitos, meios, recursos e práticas que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo.

  Na filosofia clássica, a ética não se resumia apenas aos hábitos ou costumes socialmente definidos e comuns, mas buscava a fundamentação teórica para encontrar o melhor modo de viver e conviver, isto é, a busca do melhor estilo de vida, tanto na vida privada quanto em público. A ética incluía a maioria dos campos de conhecimento que não eram abrangidos  na física, metafísica, estética, na lógica, na dialética e nem na retórica. Assim, a ética abrangia os campos que atualmente são denominados antropologia, psicologia, sociologia, economia, pedagogia, às vezes política e até mesmo educação física e dietética, campos direta ou indiretamente ligados ao que influi na maneira de viver ou estilo de vida.

A tirinha apresenta alguns termos estreitamente ligados à ética e à cidadania. a noção de liberdade pressupõe que temos o poder de escolher não só agir, mas também que tipo de ação desempenhamos, boa ou má, justa ou injusta, entre outras qualificações possíveis.
  Toda reflexão sobre ética é, em alguma medida, uma reflexão sobre qual seria a melhor maneira de viver em comunidade. Podemos compreender a ética como a parte do pensamento filosófico que reflete sobre princípios e valores que orientam o comportamento humano e que estão presentes em qualquer realidade social. Investigar se um comportamento é adequado ou inadequado, que ações podem ser entendidas como boas ou más, são atitudes que se referem ao campo da ética.

  Essa preocupação diz respeito à comunidade porque só posso agir bem ou mal em relação a pessoas que são, direta ou indiretamente, afetadas por minhas ações e que partilham comigo determinado conjunto de valores. Um indivíduo isolado, apartado de todo convívio, estaria condenado a uma existência aquém da moralidade. É no interior de um corpo social que se definem as regras do certo e do errado. Há, portanto, uma implicação mútua entre a busca pela vida boa e a busca pela melhor forma de organização política, ou seja, entre a ética e a cidadania, entendida como a condição de uma pessoa que faz parte de uma comunidade política e que detém direitos e deveres. Cada sociedade institui seus próprios costumes e estabelece os parâmetros que irão orientar seus membros na construção de uma vida feliz.

  Essa relação íntima entre ética e cidadania pode ser identificada com especial clareza nos primórdios da filosofia ocidental. O surgimento da discussão filosófica a respeito das questões referentes ao bem e ao mal é, efetivamente, indissociável de uma nova forma de sociabilidade e participação em decisões coletivas. A filosofia e a ética são inseparáveis do indivíduo da democracia no panorama político grego.

Buon Governo (detalhe), afresco de Ambrogio Lorenzetti. Na ética platônica, a Sabedoria (alto) e a Justiça (centro) são as virtudes fundamentais para a boa condução tanto da vida particular como do Estado
O cidadão da pólis grega

  A democracia ateniense estava estruturada na diferenciação entre cidadãos e não cidadãos: apenas homens livres adultos nascidos em Atenas, filhos de pais atenienses, dispunham do título de cidadão e dos direitos a eles associados. A cidadania grega fundamenta-se, então, na desigualdade.

  No âmbito restrito da atividade política, contudo, reina uma absoluta igualdade. Os cidadãos atenienses submetem-se igualmente às leis elaboradas e referendadas em assembleias públicas, nas quais cada um deles tem igual direito à palavra. A igualdade política se efetiva, assim, como autonomia. Isto é, os cidadãos são eles próprios, responsáveis por construir as normas segundo as quais a vida comunitária deve ser conduzida.

  Apesar de a história da cidadania ser antiga, ela não é uma constante: ainda hoje, milhões de pessoas não têm acesso a ela ou não podem exercê-la plenamente, pois vivem sob regimes pouco democráticos ou autoritários.

O mapa mostra o índice de democracia no mundo, que considera critérios como processo eleitoral e pluralismo, participação política, funcionamento do governo e liberdades civis, atribuindo notas de 0 a 10. A observação dos dados revela que há muito a ser conquistado no que concerne à cidadania.




domingo, 27 de junho de 2021

EDUCAÇÃO FINANCEIRA

   Há situações na vida em que é preciso tomar decisões financeiras, como por exemplo:

  • comprar um produto à vista ou parcelado;
  • guardar dinheiro na poupança ou comprar um celular novo;
  • financiar a casa própria ou morar de aluguel;
  • pagar uma conta antecipadamente com desconto ou no dia do vencimento, sem desconto.

  Decidir o que fazer nesses momentos exige a avaliação de vários fatores. Saber fazer escolhas conscientes com base em informações e ciente dos riscos e das oportunidades é o que se denomina educação financeira.

  A educação financeira tem por propósito auxiliar os consumidores na administração dos seus rendimentos, nas suas decisões de poupança e investimento, no seu consumo consciente e na prevenção de situações de fraude. Esta educação ganha importância com o aumento progressivo da complexidade dos mercados financeiros, e com as atuais mudanças demográficas, econômicas e políticas.

  Desde o surgimento do sistema capitalista, as pessoas tiveram a necessidade de se adaptar ao novo conceito de dinheiro e a suas variáveis (mais complexas, comparativamente aos sistemas econômicos anteriores). As novas relações de troca, domínio e poder fundamentaram as bases econômico-sociais vigentes ainda nos dias de hoje.

  A educação financeira surge como resposta para orientar a tomada de decisões, informando sobre os serviços financeiros ofertados, sobre necessidades e desejos de consumo, de necessidades de poupança, financiamento e juros, investimentos e rendimentos. Por ser entendida como o conjunto de informações que auxilia as pessoas a lidarem com a sua renda, com a gestão do dinheiro, com os gastos e empréstimos monetários, poupança e investimentos de curto e longo prazo. A difusão da educação financeira permite que as pessoas aproveitem as oportunidades de produtos e serviços ofertados de uma forma consciente.

  Na educação financeira, além de compreender os conceitos e os mecanismos das negociações é necessário desenvolver estratégias que ajudem a verificar se uma compra é feita por necessidade, em que a utilidade e os benefícios do produto adquirido foram analisados e ponderados, ou por impulso, isto é, a aquisição do produto foi consequência exclusivamente de um ato sem a reflexão necessária. Essa diferenciação é chamada de consumo e consumismo.

  O consumo é a aquisição de produtos essenciais à vida e ao bem-estar. As compras são feitas conscientemente, ou seja, os prós e os contras do produto e da quantidade adquirida foram devidamente analisados.

  O consumismo rompe com a relação da necessidade à sobrevivência e do consumo consciente. É a aquisição excessiva de bens e produtos desnecessários ou sem utilidade imediata.

  Pessoas consumistas costumam vincular o ato de comprar a sentimentos, isto é, compram motivados por uma emoção ou buscam no objeto adquirido uma felicidade que, muitas vezes, é momentânea.

  O hábito consumista pode virar um vício e, consequentemente, desencadear vários problemas, desde dívidas financeiras volumosas, passando pela falta de dinheiro para comprar produtos e serviços essenciais à vida, até o desenvolvimento de doenças psíquicas, como depressão, síndrome do pânico ou oniomania (doença do consumo compulsivo).

  Outra consequência do hábito consumista é a geração de resíduos. A cada dia, as pessoas utilizam mais recursos naturais em decorrência do excesso do consumo e do constante aumento da produção. O modo como o ser humano vive hoje, principalmente nos grandes centros urbanos, causa impacto tanto na natureza, pela exploração de seus recursos, quanto no resultado de seu uso. O consumismo desenfreado é um dos principais geradores de resíduos, um dos grandes desafios das políticas ambientais atuais e futuras.

ADSENSE

Pesquisar este blog