segunda-feira, 16 de julho de 2012

TRANSFORMAÇÕES NO CAMPO E A URBANIZAÇÃO DO CENTRO-SUL

  Nas últimas décadas, tanto o Estado quanto as empresas privadas investiram grandes quantias no estabelecimento de um amplo complexo agroindustrial na região Centro-Sul do Brasil, com base na modernização de monoculturas comerciais (em geral cultivadas em latifúndios), em detrimento das policulturas alimentares (desenvolvidas, sobretudo, em pequenas e médias propriedades rurais.
  As linhas de crédito insuficientes ou com juros bancários altos levaram boa parte dos pequenos e médios produtores rurais ao endividamento e, consequentemente, à perda de suas terras, intensificando o processo de concentração fundiária na região. A disseminação do modelo de desenvolvimento agrícola capitalista, baseado no agronegócio, passou a dispensar, principalmente a partir da década de 1970, um contingente expressivo de trabalhadores, que tiveram suas funções substituídas, em grande parte, pelas tecnologias empregadas nas grandes fazendas.
Agronegócio - responsável pela mudança na agricultura do país
  Todos esses fatores aumentaram a concentração fundiária no Centro-Sul e geraram um intenso processo de êxodo rural, impulsionando grande parte da população da região a abandonar o campo e migrar, sobretudo, para os médios e grandes centros urbanos.
REGIÕES METROPOLITANAS DO CENTRO-SUL
  O Centro-Sul é atualmente o complexo regional mais populoso do país, com cerca de 120 milhões de habitantes, o que corresponde a 63% do total da população brasileira. Apresenta-se também como a região com o maior índice de urbanização: aproximadamente 91% dos seus habitantes vivem em cidades.
  Durante cerca de três décadas (1960 a 1980), o grande afluxo de migrantes e as altas taxas de natalidade desencadearam um intenso processo de urbanização na região, caracterizado pelo crescimento desordenado de seus maiores centros urbanos, como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Curitiba e, em seguida, duas cidades de médio porte, que também foram o destino de muitos migrantes. O rápido e desordenado processo de ampliação da área urbana dessas cidades fez com que, em muitos casos, suas malhas acabassem por se unir às malhas urbanas de municípios próximos, originando aglomerações urbanas ainda maiores. O censo realizado em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) delimitou 36 dessas grandes aglomerações, as quais são denominadas regiões metropolitanas. Segundo esse órgão, 20 delas estão no Centro-Sul, como mostra a tabela abaixo.

REGIÕES METROPOLITANAS DO CENTRO-SUL
NÚMERO DE MUNICÍPIOS
ÁREA (KM²)
NÚMERO DE HABITANTES
(IBGE – 2010)
Belo Horizonte
48
14.240,50
5.414.701
Vale do Aço
26
6.701,00
615.297
Grande Vitória
7
2.331,00
1.687.704
Rio de Janeiro
19
5.326,80
11.835.708
São Paulo
39
7.947,30
19.683.975
Baixada Santista
9
2.405,90
1.664.136
Campinas
19
3.644,90
2.797.137
Curitiba
26
15.418,60
3.174.201
Londrina
11
5.564,50
801.817
Maringá
25
5.577,10
690.303
Florianópólis
22
7.465,70
1.012.233
Vale do Itajaí
16
5.006,40
689.731
Norte/Nordeste Catarinense
20
10.829,50
1.094.412
Foz do Rio Itajaí
9
1.012,40
532.771
Carbonífera
25
5.053,80
550.206
Tubarão
18
4.540,90
356.721
Porto Alegre
31
9.803,10
3.958.985
Goiânia
20
7.315,10
2.173.141
Chapecó
25
4.938,20
403.494
Lages
23
19.090,80
350.532
METROPOLIZAÇÃO E PROBLEMAS URBANOS NO CENTRO-SUL
  O crescimento exacerbado das metrópoles e das cidades médias brasileiras, inclusive as do Centro-Sul, ocasionou uma série de problemas ligados à infraestrutura urbana, como a falta de saneamento básico e de moradia, o aumento do preço da terra, o estrangulamento do sistema viário e a poluição atmosférica, hídrica e dos solos. Além disso, mesmo que o processo de industrialização tenha ampliado sensivelmente os postos de trabalho nos diversos setores de atividades urbanas, a oferta de emprego não cresceu na mesma proporção que a população, fato que tem gerado um gigantesco contingente de desempregados, isto é, pessoas que trabalham no setor informal.
Comércio popular na rua 25 de Março em São Paulo
  Com o empobrecimento de uma grande parcela da população, o processo de urbanização caracterizou-se pelo aumento das desigualdades sociais, imprimindo uma forte segregação socioespacial no interior das cidades, principalmente nas de médio e grande porte.
METRÓPOLES: CENTROS DE DECISÕES
  Ainda que os grandes centros urbanos do Centro-Sul sejam palco de profundos contrastes socioeconômicos, observa-se nessa região, como consequência do desenvolvimento da atividade industrial, um intenso processo de diversificação das atividades ligadas ao setor terciário (comércio e serviços) e um incremento daquelas relacionadas à área educacional e científica (com a implementação de faculdades, universidades e centros de pesquisa). O crescimento do volume das atividades ligadas à área administrativa-financeira transforma os grandes centros urbanos desse complexo regional em sedes de grandes corporações nacionais e multinacionais, de organizações estatais, de importantes instituições financeiras, como bancos, bolsas de valores e empresas de crédito e letras de câmbio, assim como de empresas ligadas à produção cultural e artística, como editoras, redes de televisão, jornais e outros segmentos da mídia. Por tudo isso, o Centro-Sul é considerado a região polarizadora das decisões econômicas, políticas e administrativas do país.
Bovespa - a maior bolsa de valores do Brasil
FONTE: Boligian, Levon. Geografia espaço e vivência, volume único / Levon Boligian, Andressa Turcatel Alves Boligian. -- 3. ed. -- São Paulo: Atual, 2011.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

OS FLUXOS E O SISTEMA DE TRANSPORTE

  O sistema de transporte é um elemento fundamental das economias nacionais. Os custos de deslocamento incidem sobre os custos das matérias-primas e dos produtos finais destinados aos mercados internos ou à exportação. Sistemas de transportes caros e ineficientes reduzem o potencial de geração de riquezas e a competitividade dos países. No Brasil, o desenho do sistema de transporte reflete as desigualdades regionais.
REDES DE TRANSPORTE: RUGOSIDADES ESPACIAIS
  Nas paisagens coexistem formas espaciais, objetos produzidos pelo trabalho humano em diferentes momentos históricos. Por mais velozes que sejam as mudanças na sociedade, esses objetos nunca são destruídos ou substituídos por outros ao mesmo tempo. Ao contrário, alguns processos novos se adaptam às formas espaciais preexistentes, e a elas atribuem novos papéis. Isso acontece, por exemplo, quando uma região fabril é desativada e os velhos galpões são reaproveitados para novos fins, como grandes restaurantes, danceterias ou áreas de promoção cultural; ou quando uma antiga área portuária se transforma em polo de turismo ou lazer.
Estação das Artes Elizeu Ventania em Mossoró - RN. Antigo prédio do Sistema Ferroviário Federal, foi recuperado pela Petrobras e hoje abriga a maior parte das festas e eventos sociais da cidade.
  O geógrafo Milton Santos chama de "rugosidades" essas formas espaciais produzidas para atender necessidades do passado, mas que resistiram aos processos de transformação social e econômico e continuam a desempenhar um papel  ativo no presente. É o que ocorre, por exemplo, com as redes nacionais de transporte - espelhos dos diferentes modelos de organização da economia que se sucederam ao longo da história de um país.
  No Brasil, as rodovias dominam a matriz de transportes. O sistema rodoviário responde por 59% da matriz, em contraste com os 24% das ferrovias e os 17% das hidrovias e outros meios somados. Para efeitos de comparação com o Brasil, um país também de dimensões continentais como o Canadá tem 46% de ferrovias, 43% de rodovias e 11% de hidrovias e outros. A opção pelas rodovias, responsáveis pelos elevados custos de deslocamento que vigoram no país, foi realizada no contexto da acelerada industrialização que teve lugar em meados do século passado.
Ferrovia Transiberiana - maior ferrovia do mundo, corta a Rússia de leste a oeste
  No final do século XIX e início do século XX, porém, o modelo de transporte adotado no Brasil contemplava, basicamente, as necessidades da economia agroexportadora. Nesse período, o trem era o meio de transporte mais típico. O traçado das redes regionais interligava as áreas produtoras de mercadorias tropicais aos portos, pelos quais a produção era escoada para o mercado externo. No caso da malha ferroviária paulista, que estava a serviço do café, havia uma abertura em leque para as terras do interior e um afunilamento na direção do Porto de Santos.
  Essas redes configuravam as estruturas de "bacia de drenagem", pois se destinavam a escoar produtos minerais e agrícolas para os portos, de onde eles seguiam rumo aos mercados internacionais. Os planos de desenvolvimento de transportes visavam integrar as ferrovias com as hidrovias, uma vez que os rios eram bastante utilizados para a circulação regional. Um plano esboçado pelo engenheiro militar Eduardo José de Moraes ainda no século XIX tinha como objetivo criar um sistema hidroviário integrado.
  Com a emergência da economia urbano-industrial, as ferrovias e hidrovias foram paulatinamente perdendo importância para a rede rodoviária. Na década de 1930 esboçou-se uma nova diretriz na política nacional de transporte, que passou a privilegiar a construção de grandes rodovias. Washington Luís, presidente da República entre 1926 e 1930, adotou como lema de seu mandato a frase "governar é construir estradas". Nas décadas seguintes, essa política seria fortalecida pela criação da Petrobras e pelo desenvolvimento da indústria automobilística.
  A opção rodoviária, adotada naquela época, é atualmente uma das maiores dificuldades logísticas do país, pois teve como resultado um sistema de transporte caro e ineficiente, que traz impactos negativos tanto para a economia quanto para o meio ambiente.
Mapa rodoviário do Brasil
  Embora no Brasil existam grandes extensões de rios navegáveis, o país não dispõe de um sistema hidroviário. O sistema ferroviário, praticamente abandonado nos últimos 80 anos, hoje apresenta enormes trechos desativados ou subaproveitados.
  No que diz respeito às rodovias, apesar da presença de estradas modernas e construídas com os mais avançados recursos da engenharia, predominam os trechos esburacados e em péssimas condições. Cerca de 16% delas foram privatizadas e receberam investimentos nas últimas décadas, ainda que tenham se tornado extremamente caras tanto para os carros de passeio quanto para os caminhões de carga, em virtude das elevadas tarifas de pedágio.
  Entre as rodovias públicas, cerca de 80% da malha foi classificada como deficiente, ruim ou péssima por uma pesquisa da Confederação Nacional do Transporte (CNT).
BR-230 (Transamazônica) - Trecho entre Altamira e Marabá, no Pará
  A situação da maior parte da malha ferroviária brasileira também é bastante precária. Enquanto a maioria dos países desenvolvidos dispõe de um sistema ferroviário moderno, que permite tráfego das locomotivas de até 300 km/h, os trilhos no Brasil têm mais de 100 anos, e por eles passam trens vagarosos.
  Além disso, muitos trechos da malha foram cercados por cidades: um levantamento feito pela MRS Logística, que opera a malha sudeste da antiga Rede Ferroviária Federal, aponta a existência de 11.000 cruzamentos com estradas no Brasil. A necessidade de desacelerar nos trechos próximos a cidades e estradas obriga os trens de carga brasileiros a andarem numa velocidade de 25 km/h, ao passo que em outros países a velocidade média é de 80 km/h.
Grande parte da rede ferroviária do Brasil encontra-se sucateada
  Atualmente, onze linhas férreas estão convertidas em atrações turísticas. A maior delas, com 664 km de extensão é a que liga a capital do Espírito Santo, Vitória, à capital mineira. A menor, com somente 4 km, fica na cidade do Rio de Janeiro: o Trenzinho do Corcovado.
  Em muitos casos, a transformação de trechos ferroviários desativados em caminhos turísticos foi iniciativa dos apaixonados por trens; gente que gostava de ver as locomotivas correr sobre os trilhos e lembrar com saudade da época áurea do transporte ferroviário de passageiros no país. Reunidos em associações, esses militantes preservam a memória ferroviária brasileira, recuperam locomotivas e vagões e procuram colocá-los novamente em atividade.
Trem Turístico puxado por uma "Maria Fumaça" que liga São João Del Rey a Tiradentes - MG
  Algumas rodovias brasileiras desempenharam (e ainda desempenham) papel estratégico na integração do território nacional.
  O Nordeste e o Sul do país foram conectados ao Sudeste por meio da BR-116 e, depois, da BR-101. Nas décadas de 1950 e 1960, as capitais do Centro-Oeste e Brasília foram ligadas ao Sudeste.
  Em seguida, Brasília e Cuiabá tornaram-se os trampolins para a integração da Amazônia com o restante do território brasileiro. Os eixos principais foram a BR-153 (Belém-Brasília) e a BR-364, que parte de Mato Grosso e abre caminho para Rondônia e o Acre. Um eixo secundário é a BR-163 (Cuiabá-Santarém), cuja pavimentação se interrompe antes da divisa setentrional de Mato Grosso e só é retomada nas proximidades de Santarém.
Trecho da BR-010 (Belém-Brasília) em Dom Eliseu (PA)
  Na década de 1980, a crise financeira do Estado brasileiro teve efeitos devastadores sobre a vasta malha rodoviária. Com a capacidade de investimentos bastante reduzido, o governo federal simplesmente deixou de realizar a manutenção das estradas, que, sob o peso dos caminhões de carga e dos efeitos erosivos da chuva e do sol quente, se deterioraram em pouco tempo.
  O péssimo estado de conservação das rodovias brasileiras não prejudica apenas os usuários de transporte de passageiros, mas também o ramo de transporte de cargas, que tem muito mais gastos com a manutenção de caminhões. Além disso, a existência de trechos intransitáveis e a falta de maior integração entre as redes de transporte, exigem trajetos mais longos e complicados, o que resulta em mais poluição e mais gastos com combustíveis, além de uma maior exposição a acidentes.
Condições das rodovias federais de acordo com uma pesquisa feita em 2010 pela CNT
  Na década de 1990, a administração de inúmeras rodovias federais e estaduais passou ao controle de concessionários privados, garantindo a modernização e expansão das ligações viárias que servem principalmente aos eixos de circulação do Sudeste. Entre esses empreendimentos destacam-se as grandes rodovias paulistas, como os sistemas Anhanguera-Bandeirantes (entre São Paulo e Campinas), Anchieta-Imigrantes (entre São Paulo e a Baixada Santista) e Dutra-Ayrton Senna (entre São Paulo e o Vale do Paraíba).
Rodovia dos Bandeirantes - trecho São Paulo-Cordeirópolis
AS ESTRADAS DA GLOBALIZAÇÃO
  Nos últimos anos, o Brasil tem realizado um enorme esforço para aumentar sua participação no comércio internacional. Entretanto, o predomínio das rodovias e a precária integração entre os diferentes modos de transportes geram elevados custos de deslocamento, que dificultam a chegada dos produtos brasileiros aos mercados externos. Por isso mesmo, uma parcela significativa do orçamento e das obras previstas no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), anunciado em 2007, está voltado para o setor. Essas obras destinam-se a configurar uma nova estrutura em "bacia de drenagem", por meio de empreendimentos ferroviários e hidroviários. A perspectiva do Plano Nacional de Logística e Transporte (PNTL), do Ministério dos Transportes, é alcançar em 2015 o equilíbrio entre os três sistemas, com a seguinte repartição: rodoviário, 33%; hidroviário, 29%.
Obras do PAC na BR-101 no município de Goianinha - RN
  Alguns dos principais empreendimentos destinam-se a facilitar o escoamento da agropecuária modernizada do Centro-Oeste, na Amazônia meridional e no leste do Pará. O centro e o sul do Mato Grosso do Sul já estão conectados aos portos de Santos e Paranaguá por meio das ferrovias Noroeste do Brasil, Novoeste e Ferropar. Os trilhos da Ferronorte alcançaram a porção setentrional do Mato Grosso do Sul e, numa segunda etapa, devem atingir Cuiabá e Porto Velho. O ramal ferroviário Cuiabá-Santarém é um projeto de longo prazo, mas o trecho paraense da rodovia que liga essas duas cidades estão sendo asfaltado.
  A conclusão da segunda etapa da Ferronorte representará uma dupla conexão das áreas agrícolas do oeste do Mato Grosso e de Rondônia. Ao sul, a produção será escoada pelos portos de São Paulo e do Paraná, ou através da Hidrovia do Rio Paraná, rumo à Argentina. Ao norte, seguirá pela Hidrovia do Madeira até chegar ao Rio Amazonas, de onde seguirá para o oceano. A estrada de ferro também servirá para aliviar o fluxo que passa pela BR-364.
Ferrovia Ferronorte
  A Ferrovia Norte-Sul destina-se a escoar a produção agropecuária de uma vasta área que se estende pelo oeste baiano, Goiás, Tocantins e nordeste de Mato Grosso. A estrada de ferro está conectada às rodovias e ferrovias do Sudeste. Do outro lado, tanto a ferrovia quanto a hidrovia projetada interligam-se à Estrada de Ferro Carajás, que transporta minérios e grãos para o porto de Itaqui, no Maranhão. O novo eixo ferroviário em construção tende a reduzir o transporte de cargas pela BR-153.
Ferrovia Norte-Sul
  Os investimentos não estão ocorrendo apenas no ramo ferroviário. Desde 2007, o Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes (DNIT) está preparando uma espécie de "PAC das hidrovias", que prevê investimentos de até R$ 18 bilhões nos próximos anos.
  A mais importante entre essas obras é a ampliação da Hidrovia Tietê-Paraná. A intenção do governo é ampliar o trecho navegável, dos atuais 800 para 2.000 km. A capacidade de transporte de carga aumentaria de 5 milhões para 30 milhões de toneladas por ano. Outra vantagem é que a hidrovia terminaria a uma distância de apenas 150 km do Porto de Santos (hoje essa distância é de 310 km).
HidroviaTietê-Paraná
  A segunda obra em análise é a ampliação da Hidrovia do Tocantins-Araguaia. O primeiro trecho da obra contempla a construção da eclusa de Tucuruí, que dará ao Rio Tocantins 700 km navegáveis. No futuro, pretende-se fazer mais três eclusas, elevando a distância navegável para 2.200 km.
  O terceiro projeto trata-se do projeto da implantação da Hidrovia Teles Pires-Tapajós, que demandará investimentos de R$ 5 bilhões para ampliar a navegabilidade do rio de 300 km para 1.500 km.
Hidrovia Tocantins-Araguaia
A INTEGRAÇÃO INTERMODAL
  A nova política de transportes não representa uma mera substituição da prioridade rodoviária pela ênfase nas ferrovias e hidrovias. A configuração de uma estrutura de "bacia de drenagem" capaz de contribuir para a inserção competitiva do país na economia globalizada depende da integração intermodal - ou seja, entre diferentes modos de transporte.
  As cargas devem ser transferidas, com eficiência e baixos custos, entre caminhões, vagões ferroviários e comboios fluviais. Isso exige a construção de terminais intermodais e terminais especializados junto às ferrovias, hidrovias e portos marítimos. Os trabalhos de ligações intermodais desenvolvem-se em todas as regiões. Um exemplo é a ligação da Ferrovia Norte-Sul ao Porto de Santos, que deverá facilitar o escoamento da safra de grãos do Centro-Oeste.
  Os portos marítimos e fluviais nos quais atracam embarcações de longo curso representam os elos principais entre o sistema nacional de transporte e o mercado mundial. Segundo o Ministério dos Transportes, existem no país 40 portos públicos, basicamente operados pelo setor privado. Do ponto de vista da movimentação de cargas, os maiores portos brasileiros são dois grandes terminais exportadores de minérios e produtos siderúrgicos: Tubarão, no Espírito Santo, e Itaqui, no Maranão. Ambos prestam serviços para a Companhia Vale do Rio Doce (Vale), a maior empresa mineradora do país e uma das maiores do mundo.
Os principais portos do Brasil
  No litoral Sudeste encontra-se a maior concentração de portos de intenso movimento, com destaque para o Porto de Santos, que movimenta principalmente produtos industrializados. Na Região Sul, destacam-se as exportações agropecuárias de Paranaguá e Rio Grande.
  Os custos portuários brasileiros chegaram a figurar entre os mais elevados do mundo, em razão da fraca mecanização das operações de embarque e desembarque e da intrincada burocracia administrativa. Faltam equipamentos para movimentar a carga, há poucos estacionamentos para os caminhões e os armazéns são insuficientes. Desse modo, congestionamentos e atrasos tornam-se rotina, o que dificulta a vida de quem exporta. Nesse setor, porém, a maior parte dos investimentos está sendo realizada pelo setor privado, que já controla cerca de 80% da movimentação portuária nacional.
Fila de carretas em direção ao Porto de Paranaguá - PR
  Os investimentos em infraestrutura de transporte estão gerando novos polos de crescimento econômico e acendem disputas pela atração de investimentos. No Nordeste, dois novos e modernos portos foram empreendimentos prioritários dos governos estaduais na década de 1990: Suape, em Pernambuco, e Pecém, no Ceará. Em torno deles, surgiram, graças a generosos incentivos fiscais, distritos industriais com vocação exportadora.
O TRANSPORTE INTRAURBANO
  As últimas décadas conheceram uma verdadeira explosão nas taxas de motorização individual. Entre os países desenvolvidos, essa taxa varia de cerca de 350 mil automóveis por mil habitantes da Dinamarca até 500 ou mais na Alemanha, Itália e nos Estados Unidos. Nos países subdesenvolvidos industrializados, ela é bem menor, em torno de 100 a 200 automóveis por mil habitantes, embora esteja crescendo em ritmo acelerado.
  Nas cidades brasileiras com mais de 60 mil habitantes, por exemplo, a taxa de motorização passou de 171 veículos/mil habitantes em 2003 para 206 veículos/mil habitantes em 2007. Por isso, e apesar dos programas  de redução de poluentes de veículos, a quantidade de poluentes emitidos pelos habitantes dessas cidades apresentou aumento de 2,3% no período.
  A poluição atmosférica causada pelos veículos acarreta distúrbios de saúde em vastas camadas da população. A poluição sonora e os acidentes de tráfego também fazem parte da lista dos problemas gerados pelo crescimento intensivo do transporte individual.
Ar bastante poluído na cidade de São Paulo - SP
  No mundo todo houve expansão da motorização individual, ao passo que o uso dos transportes públicos experimentou estagnação, ou mesmo declínio. Nas metrópoles brasileiras, carentes de adequados sistemas de transporte público, o automóvel tende a substituir os deslocamentos a pé ou em bicicletas.
  Desde a década de 1960, as estratégias voltadas para reduzir a crise do tráfego urbano concentraram-se na multiplicação das obras viárias: pistas expressas, vias elevadas, viadutos, túneis, anéis periféricos. Essas estratégias, extremamente caras, desfiguram grande parte da paisagem urbana, ampliaram o espaço consumido pelas infraestruturas de circulação, deterioraram áreas residenciais, parques e praças e fracassaram: o aumento da oferta de vias de tráfego estimulou o crescimento, num ritmo ainda maior, da quantidade de veículos e das distâncias percorridas.
A falta de investimentos em transporte público, obriga a população a andar em ônibus cada vez mais lotados nas grandes cidades
  A experiência do passado recente revelou que novas infraestruturas de circulação geram seus próprios congestionamentos. Assim, surgiram propostas para enfrentar o desafio do tráfego urbano que buscam combinar investimentos nos transportes de massa com restrições ativas à circulação de veículos particulares. No Brasil, as experiências de limitação do tráfego de automóveis abrangem principalmente proibições parciais de circulação, por meio de sistemas de rodízios. O automóvel, antigo ícone da liberdade de deslocamento, tornou-se símbolo das mazelas da vida urbana.
FONTE: Terra, Lygia. Conexões: estudos de geografia geral e do Brasil / Lygia Terra, Regina Araújo, Raul Borges Guimarães. -- 1. ed. -- São Paulo: Moderna, 2010.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

O CONSENSO DE COPENHAGEN

  Bjorn Lomborg é o pesquisador dinamarquês que coordena o ciclo anual de debates sobre mudanças globais conhecido por "Consenso de Copenhagen". Apesar de esse grupo de estudiosos aceitar os dados de aumento da temperatura global calculados pelo IPCC, ele estabelece outras prioridades para enfrentar o problema: créditos de emissões.
  O Consenso de Copenhagen é um projeto iniciado em 2004 que visa estabelecer as prioridades para promover o bem-estar da humanidade com base na teoria do bem estar, iniciada por Bjorn Lomborg, autor do livro O Ambientalista Cético e diretor do Instituto Avaliação Ambiental da Dinamarca.
Bjorn Lomborg
  O projeto inicial é apoiado financeiramente pelo Governo dinamarquês e pela revista The Economist.
  As prioridades e as soluções propostas nesse consenso são relativas ao aquecimento global, as doenças infecciosas, as guerras, a educação, a crise financeira, a corrupção dos governos, a luta contra a desnutrição e a fome, a migração humana, o saneamento, especialmente das águas, os subsídios e as barreiras tarifárias.
  "Com uma linguagem de 'medo, terror e desastre', a mudança climática chamou o máximo da nossa atenção. Afirmo, porém, que precisamos esfriar um pouco a cabeça. Queremos ajudar o mundo - ótimo. Mas ninguém garante que a melhor forma de fazê-lo seja cortar CO2. O que temos visto é que existem várias outras áreas nas quais é possível gerar muito mais benefícios de forma mais rápida e mais barata. Uma tentativa como o Protocolo de Kyoto - que consumiu boa parte da vontade política mundial durante a última década e que irá custar US$ 180 bilhões anuais caso seja cumprido plenamente, mas produzirá pouquíssimos benefícios até o final do século - ilustra bem esse argumento [...] Teremos, primeiramente, de atacar problemas triviais, porém, difíceis, como a necessidade de uma reforma agrícola, a recuperação de pantanais para minimizar o risco de inundações, o fim do seguro subsidiado em zonas de furacão e a maior disponibilidade de cuidados médicos e aparelhos de ar-condicionado. Esses assuntos soaram prosaicos em comparação à excitante tarefa de discutir a mudança climática e seus impactos globais ao longo dos próximos séculos, mas a solução promoverá enorme benefício para os seres humanos e para a natureza, dentro de prazos realistas e por meio de financiamentos plausíveis [...] Espero que esfriemos nosso debate, que seguremos a rédea dos exageros e comecemos a nos concentrar nas searas do que é possível promover o máximo de benefícios. Isso não significa cruzar os braços diante da mudança climática, mas sim, abrir um diálogo franco sobre seus efeitos e as possíveis soluções, uma conversa a respeito de quais deveriam ser nossas prioridades [...] Espero que possamos olhar as próximas gerações nos olhos e dizer que não fizemos apenas o que a moda encarava como nobre, mas que melhoramos maciça  e meticulosamente o mundo por meio de estratégias simples, testadas e boas."
Copenhagen - Dinamarca
FONTE: LOMBORG, Bjorn. Cool it - Muita calma nessa hora! Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. p. 130-131.

domingo, 8 de julho de 2012

A TRANSPOSIÇÃO DAS ÁGUAS DO SÃO FRANCISCO

  Ao longo dos últimos 150 anos foram apresentados diversos projetos indicando a transposição das águas do rio São Francisco como a solução mais eficaz para se resolver o problema da oferta de água no semiárido nordestino.
  A primeira manifestação foi feita em 1847, quando Antônio Marco de Macedo, deputado provincial do Ceará e intendente (antiga designação para prefeito) do município de Crato, propôs a construção de um canal ligando o rio São Francisco ao Jaguaribe. Mais tarde, em 1909, o jornalista Euclides da Cunha delineou um projeto estratégico de uma cruzada contra o deserto, estando entre suas ideias o desvio das águas do rio São Francisco para o Ceará e o Piauí. Os primeiros estudos técnicos acerca da viabilidade técnica da transposição datam de 1913 e 1919. Porém, dessa data até 1972 o tema caiu em um certo esquecimento, até que uma nova possibilidade técnica, utilizando a associação de canais e adutoras, foi inventada. A ideia voltou então a ser debatida.
Em destaque a área que compreende a bacia do rio São Francisco
  O Projeto São Francisco, mais especificamente o Projeto Sistema de Aproveitamento Hídrico para o Uso Múltiplo do Semiárido do Nordeste, estimou a demanda hídrica, tendo por base o crescimento esperado da população da região até 2020. Estima-se que o projeto  poderá propiciar o fim da restrição hídrica que limita o crescimento e o desenvolvimento do semiárido, inclusive triplicando a área irrigável dos atuais 800.000 hectares para 2,4 milhões. A área de abrangência do projeto envolve a integração das águas do São Francisco com a dos principais rios dos estados de Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba. O rio São Francisco funcionaria como uma reserva estratégica para a malha de canais, adutoras e reservatórios, garantindo, de forma permanente, a disponibilidade de água nos vales e nas bacias dos rios nordestinos e o abastecimento de numerosos centros urbanos, além de implementar a produção de alimentos, a implantação de agroindústrias e a geração complementar de energia elétrica.
Com o projeto de transposição, aumentará a área irrigada do Nordeste, segundo o Governo
  A implantação desse projeto é justificado pelo seguinte argumento:
  Fica muito difícil planejar ações de irrigação e de abastecimento quando se trabalha na incerteza da próxima estação de chuvas para recarga dos reservatórios. Disso decorre uma escassez relativa e permanente de água para a região, que fica impedida de planejar o seu desenvolvimento. Essa insegurança quanto à disponibilidade de oferta d'água tende a inibir a implantação de atividades produtivas, frustrando, assim, as expectativas e os anseios da população sertaneja.
(Seca: o homem como ponto de partida. Brasília: Câmara dos Deputados, 1999, p. 147.)
  A proposta de integração das águas do semiárido não representa uma solução milagrosa para os seculares problemas dessa região ou condição suficiente para o seu desenvolvimento, mas constitui uma condição necessária à superação do atual quadro de incerteza quanto à disponibilidade de água. Em hipótese alguma, ela deve descartar ações fundamentais, como capacitação de recursos humanos, tecnologia, serviços sociais, política agrícola, geração de renda e trabalho, infraestrutura e desenvolvimento urbano para que haja uma verdadeira mudança  na situação dessa região.
Apesar das melhoras, graças aos projetos sociais do Governo Federal, a região Nordeste ainda é a que apresenta os maiores problemas relativos ao desenvolvimento humano
  Atualmente, o Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO), por meio da Secretaria Especial de Políticas Regionais (Sepre), e com base nos projetos de lavantamentos já disponíveis, está dimensionando os impactos do empreendimento e sua viabilidade técnica, ambiental, econômica, financeira e institucional. Na execução do projeto, de natureza regional, o Dnocs (Departamento Nacional de Obras contra as Secas) atuaria como instrumento do governo federal na implantação do sistema de transposição e nas obras conexas.
Sede nacional do Dnocs em Fortaleza - CE
  Mais duas considerações devem ser feitas. Primeiramente, à medida que uma organização capitalista de produção vai se ampliando, procura implementar ações que possibilitem sua expansão e consolidação. O projeto de transposição, nesse aspecto, parece que está em consonância com a nova fase do capitalismo mundial, uma vez que se demonstrou o potencial das atividades agroindustriais no semiárido. No entanto, as desigualdades são, em grande parte, uma consequência inerente e estrutural dessa forma de organização da produção. Isso significa dizer que o modelo é excludente, caracterizando-se por uma situação de desenvolvimento contraditório, desequilibrado, ainda que dinâmico. Assim, traz o progresso, mas provoca profundos desequilíbrios econômicos e sociais.
  Em segundo lugar, além das preocupações sobre os impactos ambientais, não se pode cometer o mesmo erro verificado no passado de enfatizar somente o caráter técnico tomando a falta de água como o principal problema. Resolver essa questão é uma condição necessária, mas não suficiente para que se alcance o desenvolvimento da região.
COMO SERÁ O PROJETO
  O plano básico do projeto de transposição do rio São Francisco é construir dois imensos canais ligando o rio São Francisco a bacias hidrográficas menores do Nordeste, bem como aos seus açudes. A seguir, seriam construídas adutoras, com o objetivo de efetivar a distribuição da água.
  De acordo com o governo federal, o projeto seria a solução para o grave problema da seca no Nordeste, pois distribuirá água a 390 municípios dos estados de Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba, beneficiando uma população de 12 milhões de pessoas. O prazo para a realização do projeto é de 20 anos.
Projeto de transposição das águas do rio São Francisco
  A transposição, contudo, tem sido criticada por ambientalistas e representantes de outros setores da sociedade, incluindo a Igreja Católica. A resposta do governo é de que o número de empregos criados, direta e indiretamente, graças ao projeto, bem como a solução do problema da seca, derrubam toda e qualquer crítica.
  Além da interligação das bacias, o governo também pretende executar um projeto de recuperação do rio São Francisco e de seus afluentes, pois vários desses rios sofrem problemas de assoreamento, decorrentes do desmatamento para a agricultura.
Rio São Francisco em Piranhas - AL
PRÓS E CONTRAS
1. Diante da alegação de que o projeto resolveria os problemas sociais existentes na região semiárida do Brasil, o geógrafo Aziz Ab'Saber (1924-2012) argumentou que "o Nordeste Seco abrange um espaço fisiográfico sociambiental da ordem de 750.000 km², enquanto que a área que receberá benefícios abrange dois projetos lineares que somam apenas alguns milhares de quilômetros nas bacias do rio Jaguaribe (Ceará) e Piranhas-Açu, no Rio Grande do Norte".
2. Se a transposição pretende levar água a regiões massacradas pela seca, Aziz Ab'Saber, olhando a questão por outro lado, fez as seguintes ponderações: "Deve ser mantido um equilíbrio entre as águas que seriam obrigatórias para as importantíssimas hidrelétricas já implantadas no médio/baixo vale do rio - Paulo Afonso, Itaparica e Xingó -, pois a energia ali produzida e transmitida para todo o Nordeste, constitui um tipo de planejamento da mais alta relevância para o espaço total da região".
3. Segundo o governo, 12 milhões de pessoas serão beneficiadas e a irrigação de polos agrícolas aquecerá a economia e aumentará o número de empregos. Na opinião de Aziz Ab'Saber, no entanto, "os 'vazanteiros' - responsáveis pelo abastecimento das feiras do sertão - que fazem horticultura no leito dos rios que perdem fluxo durante o ano serão os primeiros a ser prejudicados. Serão os fazendeiros pecuaristas que terão água disponível para o gado, nos cinco ou seis meses que os rios da região não correm. Nesse sentido, os maiores beneficiários serão os proprietários de terra, residentes longe, em apartamentos luxuosos em grandes centros urbanos.
4. Enquanto o governo reforça que as margens do rio São Francisco serão revitalizadas e que o tratamento de água diminuirá a poluição, os ambientalistas dizem que o projeto causará danos à fauna e à flora da região, e que serão desmatados 430 hectares de vegetação nativa.
Rio São Francisco em Pirapora - MG
ASPECTOS POSITIVOS
  Mas há quem defenda o projeto. Esses especialistas salientam os aspectos positivos da obra:
1. A transposição provocará, a longo prazo, um significativo aumento dos números referentes a emprego e renda na região.
2. Quase 13 milhões de pessoas que vivem em centros urbanos de diferentes proporções passarão a ser abastecidos de água para o consumo diário.
3. Cerca de 400 pequenos centros urbanos, espalhados pelo interior do Nordeste, receberão chafarizes públicos.
4. Áreas abandonadas por falta de irrigação na zona rural voltarão a se tornar produtivas, criando novas fronteiras agrícolas. Até 2025, cerca de 160 mil hectares se tornariam produtivos.
5. As águas do São Francisco também melhorariam a qualidade das águas nas chamadas "regiões receptoras", o que traria inúmeros benefícios em termos de saúde pública, inclusive com uma drástica diminuição do número de óbitos.
Obras da transposição do rio São Francisco em São José de Piranhas - PB
FONTE: MENEZES, Edith de Oliveira de; MORAIS, José Micaelson Lacerda. Seca no Nordeste. Desafios e soluções. São Paulo: Atual, 2002. p. 42-43. (Espaço e debate).

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