quinta-feira, 17 de novembro de 2022

BUTÃO: O PAÍS DA FELICIDADE

  Butão, oficialmente chamado Reino do Butão, é um país asiático localizado no sul do continente, entre a China e a Índia. A sua capital é Thimphu, e seu território não possui saída para o mar. O território de Butão apresenta como principal feição de relevo a cordilheira do Himalaia, que se estende a oeste e ao norte do país, condicionando a presença de terrenos bastante elevados e acidentados, além de uma diversidade climática.

  É um dos países menos populosos da Ásia, com uma estimativa de população para 2022 de 853.557 habitantes, a maioria dos quais vive na zona rural. O setor primário, com destaque para a mineração, e a indústria desempenham um papel importante na economia do país, em conjunto com a energia hidrelétrica, tanto utilizada no território nacional, quanto exportada para a Índia.

Mapa do Butão

HISTÓRIA

  A história política do Butão está intimamente ligada à sua história religiosa e as relações entre as diferentes escolas monásticas e mosteiros. A tradição situa o início da sua história no século VII, quando o rei tibetano Songtsen Gampo construiu os primeiros templos budistas nos vales de Paro e de Bumthang. No século VIII, é introduzido o budismo tântrico pelo Guru Rimpoché, "O Mestre Precioso", considerado o segundo Buda na hierarquia tibetana e butanesa.

  Os séculos IX e X são de grande turbulência política no Tibete e muitos aristocratas vieram instalar-se nos vales do Butão, onde estabeleceram o seu poder feudal. Nos séculos seguintes, a atividade religiosa começa a adquirir grande vulto e são fundadas várias seitas religiosas, dotadas de poder temporal por serem protegidas por facções da aristocracia.

  No século XII é fundada a escola budista de Drukpa Kagyupa, que continua a ser a forma dominante do budismo hoje. No Butão estabeleceram-se dois ramos, embora antagônicos, da seita Kagyupa.

  A sua coexistência será interrompida pelo príncipe tibetano Ngawang Namgyel que, fugido do Tibete, no século XII, unifica o Butão com o apoio da seita Drukpa, tornando-se o primeiro Shabdrung do Butão, "aquele a cujos pés todos se prostram". Ele mandaria construir as mais importantes fortalezas do país, que tinham como função suster as múltiplas invasões mongóis e tibetanas.

Gelephu - com uma população de 10.703 habitantes (estimativa 2022) é a quarta cidade mais populosa do Butão

  A consolidação do Butão ocorreu em 1616, quando Ngawana Namgyal, lama tibetano, derrotou três invasões tibetanas, subjugou as escolas religiosas rivais e codificou um intrincado e abrangente sistema jurídico, estabelecendo-se como governante.

  Desde sempre que o Butão só mantinha relações com os seus vizinhos na esfera cultural do Tibete (Tibete, Ladaque e Siquim) e com o Reino de Cooch Behar, na sua fronteira sul.

  Com a presença dos ingleses na Índia, no século XIX, e após alguns conflitos relacionados com direitos de comércio, dá-se a Guerra de Duar, em que o Butão perdeu uma faixa de terra fértil ao longo da sua fronteira sul. Ao mesmo tempo, o sistema político vigente enfraquecia por causa da influência dos governadores regionais, que se tornava cada vez mais poderosa. O país corria o risco de se dividir novamente em feudos.

  Em 1907, Ugyen Wangchuck foi eleito como o governante hereditário do Butão, coroado em 17 de dezembro de 1907, e instalado como chefe de Estado Druk Gyalpo (Rei Dragão). Em 1910, o rei Ugyen e os britânicos assinaram o Tratado de Punakha, que prevê que a Índia britânica não iria interferi nos assuntos internos do Butão caso o país aceitasse o conselho inglês nas suas relações externas. Quando da morte do Rei Dragão, em 1926, seu filho, Jigme Wangchuck tornou-se o novo governante.

Samdrup Jongkhar - com uma população de 10.1253 habitantes (estimativa 2022) é a quinta cidade mais populosa do Butão

  Na época da independência da Índia, em 1947, o novo governo indiano reconheceu o Reino do Butão como um país independente. Na década de 1950, o Butão começa lentamente a sair do seu isolamento com um programa de desenvolvimento planejado. O país torna-se membro das Nações Unidas em 1971.

  Em 1972, Jigme Singye Wangchuck ascendeu ao trono, tendo apenas 16 anos. Ele enfatizou a educação moderna, a descentralização da administração, o desenvolvimento da hidroeletricidade e do turismo, além da melhoria de condições no campo. O monarca butanês ficou conhecido por sua filosofia de desenvolvimento chamada de "Felicidade Interna Bruta", na qual acredita que há muitas dimensões do desenvolvimento onde as metas econômicas não são suficientes. Satisfeito com o processo de democratização do Butão, abdicou em dezembro de 2006, em vez de esperar até a promulgação da nova Constituição, em 2008. Seu filho, Jigme Khesar Namgyel Wangchuck, é o atual rei.

Gangkhar Puensum - ponto mais elevado do Butão

GEOGRAFIA

  O Butão é um país interior, localizado no sul da Ásia. É uma nação montanhosa, encravada nas montanhas do Himalaia. Os picos do norte atingem mais de 7 mil metros de altitude, e o ponto mais elevado é o Gangkhar Puensum, com 7.570 metros. A parte sul do território butanês possui altitudes menores e contém vários vales férteis densamente florestados, que escoam para o rio Bramaputra, na Índia. A maioria da população do país vive nas terras altas centrais. A capital, Timphu, situa-se na parte ocidental destas terras altas.

Wangdue Phodrang - com uma população de 9.722 habitantes (estimativa 2022) é a sexta cidade mais populosa do Butão

  O clima varia de tropical, no sul, a um clima de invernos frescos e verões quentes nos vales centrais, com invernos severos e verões frescos nas montanhas do Himalaia.

  As Montanhas Negras, na região central do Butão, formam um divisor de águas entre dois grandes sistemas fluviais: o Mo Chhu e o Drangme Chhu. Pontos nas Montanhas Negras variam entre 1.500 e 4.925 metros. Caudalosos rios esculpiram desfiladeiros profundos nas áreas mais baixas da montanha. As florestas das montanhas centrais do Butão consistem em florestas de coníferas subalpinas orientais, em altitudes mais elevadas, e florestas folhosas nas proximidades do Himalaia, em altitudes mais baixas.

  O Butão é dividido em três regiões geográficas: o Himalaia, no norte; as colinas e vales do centro; e sopé e planícies ao sul.

Confluência dos rios Mo Chhu (à esquerda) e o Pho Chhu (à direita). O Mo Chhu é o maior rio do Butão

ECONOMIA

  A economia do Butão é essencialmente baseada na agricultura, na extração florestal e na venda de energia hidroelétrica para a Índia. A agricultura, essencialmente de subsistência, e a criação animal são os meios de vida para 60% da população butanesa. A presença de altas montanhas dificulta e encarece a instalação de infraestruturas. É uma das menores economias do mundo, e o país depende consideravelmente da Índia, que lhe fornece ajuda financeira.

  Em janeiro de 2004, o Butão aderiu ao SAFTA (Acordo de Livre-Comércio do Sul da Ásia). No mesmo ano, tornou-se o primeiro país do mundo a banir o fumo e a venda de tabaco.

  Em 2008, devido à retração econômica da Índia, a venda de energia elétrica àquele país teve um decréscimo. Mesmo assim, novos projetos hidrelétricos instalados gerou várias ofertas de emprego e contribuiu para dar sustentabilidade ao crescimento econômico butanês.

Punakha - com uma população de 6.799 habitantes (estimativa 2022) é a sétima cidade mais populosa do Butão

CULTURA

  O Butão possui uma herança cultural rica e única, em grande parte, permanecido intacta devido ao seu isolamento do resto do mundo até o início dos anos 1960. A cultura butanesa é uma das principais atrações para os turistas. Os costumes tradicionais do Butão estão profundamente impregnados em sua herança budista. O hinduísmo também serviu como influência e referência nos costumes de tradição e cultura butanesa, predominantemente nas regiões do sul. O governo butanês vem medindo esforços para preservar e manter a cultura atual e as tradições do país.

  A cultura butanesa já foi definida como sendo, simultaneamente, patriarcal e matriarcal, e o membro que detém a maior estima é considerado o chefe da família. O Butão também já foi descrito como tendo um regime feudal e caracterizado pela ausência de uma forte estratificação social.

  Todos os estados do Butão possuem um festival chamado Tshechu. É um festival de danças e cerimônias religiosas durante um período de dez dias (o nome Tshecu significa "10 dias"), sendo o maior deles o "Paro Tshecu".

Apresentação cultural no Estádio Changlimithang

  A arquitetura do Butão permanece distintamente tradicional, empregando métodos de construção locais, com materiais como acácia, pique, pedras e madeiras, trabalhadas em torno das janelas e telhados. A arquitetura tradicional não utiliza pregos ou barras de ferro em suas construções. Uma característica da arquitetura da região é um tipo de castelo (ou fortaleza) conhecida como Dzong. Desde os tempos antigos, os Dzongs serviram como centros religiosos e seculares de administração para seus respectivos distritos.

  A arquitetura butanesa serviu de inspiração e foi adotada em algumas construções em outros países, como nos Estados Unidos, onde a Universidade do Texas, em El Paso, usou-a como base na construção de seus prédios no campus.

Típica casa butanesa em Paro

  Dentro das festas mais importantes que celebra-se no país, encontra-se a denominada "bendição dos arrozais", com data na primavera. Nessa época, realiza-se uma larga procissão, que leva homens e mulheres a descer da colina até o primeiro campo regado, pois se mantém os outros secos até passar o evento. Uma vez embaixo, os homens tiram as roupas e as mulheres arremessam copos de barro.

  A continuação termina com uma batalha na água, em que ganham as mulheres enchendo aos camponeses do campo, em um gesto que consideram como de boa sorte para uma colheita abundante.

Jakar - com uma população de 6.778 habitantes (estimativa 2022) é a oitava cidade mais populosa do Butão

  Outro costume singular do Butão é a maneira que celebram as bodas. A cerimônia dura vários dias e começa no umbral do dzong, quando a futura sogra recebe a esposa e oferece-lhe a cinta branca augural. A esposa recebe a benção do lama no pátio do dzong e logo dirige-se ao quarto, onde fica esperando o marido.

  Posteriormente, sentam-se juntos ao altar e servem o chá de açafrão e arroz doce. Logo, o lama oferece ao casal, que logo após prová-lo recebe a benção. Depois, cada convidado oferece uma cinta augural ao esposo e outra a esposa.

ALGUNS DADOS SOBRE BUTÃO
NOME: Reino do Butão
FORMAÇÃO: por volta do século VII
CAPITAL: Thimphu
Thimphu vista do lado sul da cidade
GENTÍLICO: neerlandês ou holandês
LÍNGUA OFICIAL: butanês, butanense, butani, butâni
GOVERNO: Monarquia Constitucional Parlamentar
LOCALIZAÇÃO: Ásia Meridional
ÁREA: 47.000 km² (129º) - inclui apenas os Países Baixos. O Reino dos Países Baixos cobre uma área de 42.437 km².
POPULAÇÃO (ONU - Estimativa para 2022): 793.675 habitantes (161°)
DENSIDADE DEMOGRÁFICA: 16,88 hab./km² (203°). Obs: a densidade demográfica, densidade populacional ou população relativa é a medida expressa pela relação entre a população total e a superfície de um determinado território.
CRESCIMENTO POPULACIONAL (ONU - Estimativa 2022): 1,43% (92°). Obs: o crescimento vegetativo, crescimento populacional ou crescimento natural é a diferença entre a taxa de natalidade e a taxa de mortalidade de uma  determinada população.
CIDADES MAIS POPULOSAS (Estimativa para 2022):
Thimphu:124.379 habitantes
Thimphu - capital e cidade mais populosa do Butão
Phuntsholing: 30.031 habitantes
Phuntsholing - segunda maior cidade do Butão
Paro: 12.430 habitantes
Paro - terceira maior cidade do Butão
PIB (FMI - 2021): US$ 2,582 bilhões (163º). Obs: o PIB (Produto Interno Bruto), representa a soma (em valores monetários) de todos os bens e serviços finais produzidos numa determinada região (quer sejam países, estados ou cidades), durante um período determinado (mês, trimestre, ano).
PIB PER CAPITA (FMI 2021): US$ 3.423 (120°). Obs: o PIB per capita ou renda per capita é o Produto Interno Bruto (PIB) de um determinado lugar dividido por sua população. É o valor que cada habitante receberia se toda a renda fosse distribuída igualmente entre toda a população.
Mapa-múndi mostrando a renda per capita dos países em 2019
IDH (ONU - 2021): 0,666 (127°). Obs: o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) é uma medida comparativa usada para classificar os países pelo seu grau de desenvolvimento econômico e a qualidade de vida oferecida à população. Este índice é calculado com base em dados econômicos e sociais, variando de 0 (nenhum desenvolvimento humano) a 1 (desenvolvimento humano total). Quanto mais próximo de 1, mais desenvolvido é o país. No cálculo do IDH são computados os seguintes fatores: educação (anos médios de estudos), longevidade (expectativa de vida da população) e PIB per capita. A classificação é feita dividindo os países em quatro grandes grupos: baixo (de 0,0 a 0,500), médio (de 0,501 a 0,800), elevado (de 0,801 a 0,900) e muito elevado (de 0,901 a 1,0).
Mapa-múndi representando as quatro categorias do Índice de Desenvolvimento Humano, baseado no relatório publicado em 15 de dezembro de 2020, com dados referentes a 2019
EXPECTATIVA DE VIDA (OMS - 2021): 65,79 anos (141º). Obs: a expectativa de vida refere-se ao número médio de anos para ser vivido por um grupo de pessoas nascidas no mesmo ano, se a mortalidade em cada idade se mantém constante no futuro, e é contada da maior para a menor.
Planisfério com a expectativa de vida dos países
TAXA DE NATALIDADE (ONU - 2021): 27,7/mil (58º). Obs: a taxa de natalidade é a porcentagem de nascimentos ocorridos em uma população em um determinado período de tempo para cada grupo de mil pessoas, e é classificada do maior para o menor.
Mapa com a taxa de natalidade dos países
TAXA DE MORTALIDADE (CIA World Factbook 2021): 12,7/mil (41º). Obs: a taxa de mortalidade ou coeficiente de mortalidade é um índice demográfico que reflete o número de mortes registradas, em média por mil habitantes, em uma determinada região por um período de tempo e é classificada do maior para o menor.
TAXA DE MORTALIDADE INFANTIL (CIA World Factbook - 2021): 24,06/mil (138°). Obs: a taxa de mortalidade infantil refere-se ao número de crianças que morrem no primeiro ano de vida entre mil nascidas vivas em um determinado período, e é classificada do menor para o maior.
Mapa da taxa de mortalidade infantil no mundo
TAXA DE FECUNDIDADE (CIA World Factbook 2021): 1,80 filhos/mulher (153º). Obs: a taxa de fecundidade refere-se ao número médio de filhos que a mulher teria do início ao fim do seu período reprodutivo (15 a 49 anos), e é classificada do maior para o menor.
Mapa da taxa de fecundidade de acordo com o CIA World Factbook de 2020
TAXA DE ALFABETIZAÇÃO (CIA World Factbook - 2021): 62,8% (180º). Obs: essa taxa refere-se a todas as pessoas com 15 anos ou mais que sabem ler e escrever.
Mapa da taxa de alfabetização no mundo em 2020
TAXA DE URBANIZAÇÃO (CIA World Factbook - 2021): 42,3% (144°). Obs: essa taxa refere-se a porcentagem da população que mora nas cidades em relação à população total.
Mapa da taxa de urbanização no mundo em 2020
MOEDA: Ngultrum
RELIGIÃO: estima-se que entre dois terços e três quartos da população do Butão seguem o Budismo Vajrayana (conjunto de escolas budistas esotéricas), que também é a religião do Estado. Cerca de um quarto a um terço são seguidores do hinduísmo. Outras religiões correspondem a menos de 1% da população. O atual quadro legal, em princípio, garante a liberdade de religião. Entretanto, o proselitismo é proibido por uma decisão do governo real e pela interpretação judicial da Constituição.
Mosteiro de Taktsang, um dos símbolos do Butão
DIVISÃO: o Butão está dividido em quatro zonas: Oriental, Sul, Central e Ocidental (atualmente não possuem mais caráter oficial). Para fins administrativos, as zonas estão subdivididas em 20 distritos. Os distritos estão divididos em subdistritos. No nível básico, os grupos de vilas formam um círculo eleitoral chamado gewog e são administrados pelo gup, que é eleito pelo povo. No mapa abaixo, estão as Zonas: Oriental (azul), Sul (rosa), Central (amarelo) e Ocidental (verde). Os distritos estão numerados de 1 a 20: 1. Bumthang, 2. Chukha, 3. Dagana, 4. Gasa, 5. Haa, 6. Lhuntse, 7. Mongar, 8. Paro, 9. Permagatshei, 10. Panakha, 11. Samdrup Jongkhar, 12. Samtse, 13. Sarpang, 14. Timphu, 15. Trashiygang, 16. Trashiyangste, 17. Trongsa, 18. Tsirang, 19. Wangdue Phodrang, 20. Zhemgang.
Mapa com a divisão administrativa do Butão
FONTES:

Brasil Escola: https://brasilescola.uol.com.br/geografia/butao.html

Wikipédia: https://pt.wikipedia.org/wiki/Butão

quarta-feira, 9 de novembro de 2022

A "ERA DE OURO" DO CAPITALISMO: A CONSTRUÇÃO DO ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL

   O capitalismo é um sistema econômico baseado na propriedade privada, na acumulação de capital e na procura pelo lucro. A obtenção do lucro e a acumulação do capital dentro do capitalismo dão-se por meio da posse privada dos meios de produção, que pode manifestar-se pela posse da terra ou de grandes instalações que permitam a produção de certa mercadoria.

  O capitalismo surgiu em um processo muito longo, que se iniciou na transição histórica para a Idade Média Moderna e no desenvolvimento do mercantilismo, entendido por muitos como a etapa inicial do capitalismo comercial. A consolidação desse sistema econômico ocorreu no século XIX, com o desenvolvimento da indústria por meio da Revolução Industrial.

Um pôster da Industrial Workers of the World (1911), mostrando a Pirâmide do Sistema Capitalista

A "era de ouro" do capitalismo

  Com o fim da Segunda Guerra Mundial, o mundo vivenciou uma espécie de Terceira Guerra - a Guerra Fria, que dominou o cenário internacional da segunda metade do século XX, até a queda do muro de Berlim. Por um longo período a humanidade se viu na iminência de uma outra tragédia nuclear, no âmbito do tensionamento ideológico entre os Estados Unidos e a URSS, mas que não correspondia necessariamente à situação mundial objetiva.

  A experiência da guerra tinha sido devastadora para as economias dos países capitalistas que haviam se envolvido nela, e eles buscavam uma saída comum para a crise por meio de práticas que regulassem o mercado internacional. A Conferência de Bretton Woods foi um passo decisivo nesse sentido. Em 1º de julho de 1944, 44 países reuniram-se nos Estados Unidos com o objetivo de repensar a economia mundial. Essa reunião resultou no Acordo de Bretton Woods.

Reunião que selou o Acordo de Bretton Woods

  Com uma inflação entre 200% e 400%, o lucro dos Estados Unidos foi enorme, pois vendiam produtos "com valor corrigido pela inflação em troca de ouro com valor congelado", promovendo uma enorme transferência de ouro para o país. Com o objetivo de garantir a reconstrução europeia e o seu desenvolvimento, as novas instituições criadas no Acordo de Bretton Woods - o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (Bird) - passaram a ser uma espécie de fiadoras dessa reconstrução.

  Após o período inicial de crises pós-Segunda Guerra Mundial, houve uma fase de expansão contínua do capitalismo, que foi denominada por muitos estudiosos de "a era de ouro" do capitalismo. Segundo Eric Robsbawm (1917-2012), o período entre 25 e 30 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial foi marcado por "extraordinário crescimento econômico e transformação social", "anos que provavelmente mudaram de maneira mais profunda a sociedade humana que qualquer outro período de brevidade comparável". Esse período teria durado até o início da década de 1970, quando se iniciou uma nova era, "de decomposição, incerteza e crise - e, com efeito, para grandes áreas do mundo, como a África, a ex-URSS e as partes anteriormente socialistas da Europa, de catástrofe".

Andar dos operadores da Bolsa de Valores de Nova York, em 1963

  O grande crescimento econômico conduziu a uma economia praticamente única, mundial, cada vez mais integradora, transnacional, para além das fronteiras políticas dos Estados. Essa situação relativamente estável durou até meados dos anos 1970, quando o sistema internacional entrou num período de crises de natureza política e econômica que se estendeu pelas décadas seguintes, afetando várias partes do mundo, ainda que de modos e graus diferentes, gerando problemas de desemprego generalizado, enorme desigualdade de renda e graves crises econômicas.

  Até esse momento a divisão desigual do mundo tinha sido administrada numa perspectiva de se evitar o choque armado entre Estados Unidos e URSS, e a Guerra Fria era tratada como uma espécie de Paz Fria, ainda que fora dos poderes de decisões fundamentais que poderiam levar ao confronto bélico, as disputas continuassem a ser travadas. O armamento nuclear da URSS logo no início do pós-guerra e de outros países como China, Israel, África do Sul e França (dentro de uma política de corrida armamentista), confrontados com a potência nuclear estadunidense, parecia fazer de uma nova guerra uma impossibilidade, pelo caráter suicida que envolvia qualquer potência que deflagrasse uma nova guerra. Contudo, a ameaça nuclear era uma realidade que dominava o mundo, e por vezes pareceu estar muito próxima da realidade, como em 1962, por ocasião da crise dos mísseis cubanos.

Fotografia aérea mostrando base de lançamento de mísseis em Cuba, novembro de 1962

  O período de desenvolvimento da economia mundial entre os 25 e 30 anos  do pós-Segunda Guerra Mundial teve os Estados Unidos como o país mais rico, ainda que não tenha se desenvolvido tanto economicamente em relação a como era antes da guerra. Esse desenvolvimento se operou de forma muito mais expressiva nos outros países, com maiores taxas de crescimento em relação à sua realidade do pré-guerra.

  A era de ouro é caracterizada pelo avanço das pesquisas científicas em relação ao período precedente, que modificou significativamente a vida das pessoas, com mais desenvolvimento e novos meios de comunicação, mudanças no sistema de produção de alimentos e no consumo e na produção da indústria de máquinas e da indústria farmacêutica. Os processos de produção em diferentes áreas, passaram a ser cada vez mais mecanizados e a contar cada vez mais com novas tecnologias, que aumentaram a quantidade de produtos, ao mesmo tempo em que se diminuiu cada vez mais a necessidade de pessoas nos processos produtivos, evidenciando as contradições do sistema. Esse período ficou marcado pela reestruturação do sistema capitalista, pelas moedas estáveis, pelo livre-comércio, pela movimentação de capitais e pelos avanços de sua internacionalização, numa economia capitalista mundial que se desenvolveu em torno dos Estados Unidos.

Mapa das rotas aéreas comerciais de todo mundo no mundo atual

O Estado de bem-estar social

  As transformações do capitalismo após o Acordo de Bretton Woods, permitiu, em princípio, a ação dos Estados para o desenvolvimento e a consolidação de um sistema de proteção que se convencionou designar de Welfare State - Estado de bem-estar social.

  As demandas sociais, face às instabilidades e aos problemas gerados pelo capitalismo em seu processo de expansão, levaram a uma participação maior dos Estados nas economias mediante a criação de políticas públicas fiscais e monetárias e serviços, com vistas à proteção social em diferentes frentes: combate à pobreza, melhores condições de trabalho, direito à saúde, à educação e garantia de emprego, por exemplo.

  O Estado de bem-estar social, em sua concepção, agregava aspectos relacionados à provisão, pelo Estado, de direitos individuais e coletivos, como liberdade, igualdade e justiça social, e esteve ligado aos países capitalistas do pós-Segunda Guerra Mundial na Europa, ainda que tenha também se desenvolvido em outras localidades do globo com maior ou menor intensidade à época.

  A intervenção estatal, por meio da promoção do Estado de bem-estar social,  fez-se acompanhar de uma intervenção mais efetiva do Estado na economia, como instância reguladora das atividades produtoras, com vistas à geração de recursos para a manutenção das garantias sociais.

  A chamada "era de ouro" viu florescer no seu auge, por volta dos anos de 1960, o ápice do Estado de bem-estar social (favorecido pelos investimentos estadunidenses no pós-Segunda Guerra), que entrou em crise nas décadas seguintes, pelos desdobramentos dos problemas gerados pelo desenvolvimento do capitalismo.

  A grande questão a partir de então era qual seria o papel do Estado: amplo, garantidor das proteções sociais; ou mínimo, legando essas proteções à iniciativa privada e às regulações do mercado. O Estado de bem-estar social, apesar de suas inegáveis conquistas, pode ser entendida como uma espécie de "pacto" do pós-guerra, pelo qual a capacidade de mobilização da classe trabalhadora foi fragilizada, propiciando certo estado favorável para a expansão capitalista. Para muitos estudiosos, o Welfare State somente busca resolver os problemas criados pelo próprio sistema capitalista.

Charge ironizando o Welfare State (Estado de bem-estar social)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

REGONI, Glória. Estado de bem-estar. IN: BOBBIO, Norberto et. al. Dicionário de política. 11. ed. Brasília: Editora UnB, 1998.

sexta-feira, 21 de outubro de 2022

A GRILAGEM DE TERRAS NO BRASIL

   Os processos ilícitos de concessão de títulos de posse de terras, por meio do qual os grileiros transformam em sua propriedade as áreas que invadiram - a chamada grilagem -, representam o avanço criminoso de certos setores econômicos sobre as terras dos povos e comunidades tradicionais.

  No Brasil, grilagem de terras é a falsificação de documentos para, ilegalmente, tomar posse de terras devolutas ou de terceiros. O termo também designa a venda de terras pertencentes ao poder público ou de propriedade particular mediante falsificação de documentos de propriedade da área. O agente de tal atividade é chamado grileiro.

  O termo "grilagem" provém de uma causa usada para o efeito do envelhecimento forçado de papéis, que consiste em colocar escrituras falsas dentro de uma caixa com grilos, de modo a deixar os documentos amarelados (devido aos excrementos dos insetos) e roídos, dando-lhes uma aparência antiga e, por consequência, mais verossímil.

Charge mostrando um documento falsificado de propriedade da terra que será usado no sistema de grilagem de terras

  Grilagem é a usurpação da terra pública, dando-lhe a aparência particular, ou seja, indica "um ou mais procedimentos de irregular ou ilegal ocupação de terra pública, com o objetivo da sua apropriação privada". Grilagem não é apenas a ocupação, mas a ocupação qualificada pela intenção deliberada de se tornar dono da terra pública, como se esta fosse terra particular.

  Os grileiros de terras produzem antecipadamente estratégias que são referendadas pelo Estado e pelo Poder Judiciário nas legislações fundiárias de cada período histórico da formação territorial brasileira. As fronteiras entre legalidade e ilegalidade instituídas pelo Estado nos ordenamentos jurídicos são definidas no atendimento aos interesses de monopolização de terras pelos grileiros, visando efetivar seu processo de constituição como classe de propriedade de terra. Assim, o Estado produz, no ordenamento jurídico, a legalização de estratégias de grilagem realizadas previamente.

  Os grileiros-proprietários de terra produzem as políticas fundiárias a seu favor, fazendo do Estado instrumento essencial de seus processos de legitimação da propriedade privada grilada. Ou seja, as noções de legal e ilegal são transmitidas no Estado brasileiro, atendendo fundamentalmente aos interesses dos grileiros-proprietários de terra.

Esquema de como ocorre a grilagem de terras

  No Brasil, o total de terras sob suspeita de grilagem é de aproximadamente 100 milhões de hectares - quatro vezes a área do estado de São Paulo.

  Dentre os fatores que facilitam a falsificação de títulos de terras, estão a falta de um sistema unificado de controle de terras, e a natureza contraditória dos cartórios - serviço público do Estado, delegado a exploração de caráter privado.

  O artigo 50 da Lei nº 6.766/1979 (também conhecida como Lei Lehmann), que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano, pune a prática de grilagem com prisão e pagamento de multa.

  Já a Lei nº 11.952/2009, derivada da Medida Provisória nº 458/2009 (conhecida como "MP da Grilagem"), possibilita a regularização da ocupação ilegal de terras de propriedade da União situadas na Amazônia Legal. Em 18 de outubro de 2017, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) 4.269 e restringiu os critérios para regularização de terras conforme tratados citados na Lei nº 11.952/2009.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

DEVISATE, Rogério Reis. Grilagem das Terras e da Soberania. Rio de Janeiro. Editora Imagem Art Studio, 2017.

FAORO, Raymundo. Os Donos do Poder. 5ª ed. Ed. Globo, 2012.

PRADO JÚNIOR, Caio. A revolução brasileira. a questão agrária no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.

PRIETO, Gustavo Francisco Teixeira. Rentismo à brasileira, uma via de desenvolvimento capitalista: grilagem, produção do capital e formação da propriedade privada da terra. Tese (Doutorado em Geografia Humana) - Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo, 2016.

quinta-feira, 20 de outubro de 2022

OS RIOS E A VIDA NA AMAZÔNIA

  Amazônia (também chamada Floresta Amazônica, Selva amazônica, Floresta Equatorial da Amazônia, Floresta Pluvial ou Hileia Amazônica), é uma floresta latifoliada úmida que cobre a maior parte da Bacia Amazônica na América do Sul. Esta bacia abrange 7 milhões de quilômetros quadrados, dos quais 5 milhões e meio de quilômetros quadrados são cobertos pela floresta tropical. Esta região inclui territórios pertencentes a nove nações. A maioria da floresta está dentro do território brasileiro.

  No Brasil, por efeitos de governo e economia, a Amazônia é delimitada por uma área chamada "Amazônia Legal", definida a partir da criação da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), em 1966. É chamada também de Amazônia o bioma que, no Brasil, ocupa 49,29% do território e abrange três das cinco divisões regionais do país (Norte, Nordeste e Centro-Oeste).

Mapa mostrando em destaque a região que compreende a Amazônia Total

   Na Amazônia, a vida e a economia acompanham o ciclo das águas. Para as comunidades tradicionais, conhecer a dinâmica dos rios é fundamental para torná-los fonte de subsistência. O rio é também o caminho, às vezes único, para se deslocar na floresta ou entre vilas e cidades. Pelos grandes rios são transportados passageiros, pequenas cargas e milhares de toneladas de produtos agrícolas e minerais para exportação.

  Além de serem vias de escoamento da produção destinada ao consumo regional e à exportação, os rios são utilizados para transportar produtos importados, como fertilizantes, produtos químicos, materiais elétricos e automóveis, entre outros.

Parque Nacional da Amazônia, no estado do Pará

Principais rios da Região Norte

  • Rio Amazonas

  O Amazonas é o maior rio em volume de água do mundo. Com 6.992,06 quilômetros de extensão, percorre o norte da América do Sul. Possui mais de mil afluentes, sendo que os principais são o Madeira, o Negro e o Japurá. Possui também o maior fluxo de água por vazão do mundo.

  O rio Amazonas tem sua origem na nascente do rio Apurimac (alto da parte ocidental da cordilheira dos Andes), no sul do Peru, e deságua no oceano Atlântico. Ao longo de seu percurso, ainda no Peru, recebe o nome de Carhuasanta, Lioqueta, Apurimac, Ene, Tambo, Ucayali e Amazonas. Ele entra no território brasileiro com o nome de Solimões e, finalmente em Manaus, após a junção com o rio Negro, assim que suas águas se misturam, ele recebe o nome de Amazonas. Sua foz é classificada como mista, por apresentar uma foz em estuário e em delta.

  O barrento Solimões é rico em minerais e microrganismos, o que favorece a reprodução e a variedade de peixes.

O Encontro das Águas na confluência dos rios Negro e Solimões, próximo à cidade de Manaus (AM)

  • Rio Negro

  O rio Negro é o maior afluente da margem esquerda do rio Amazonas. É o sétimo maior rio do mundo em volume de água. Tem sua origem entre as bacias dos rios Orinoco e Amazônica. Conecta-se com o Orinoco através do Canal do Cassiquiare. Na Colômbia, onde está localizada sua nascente, é chamado de rio Guainia. Seus principais afluentes são o rio Branco e o rio Vaupés. Drena a região leste dos Andes na Colômbia. Após passar por Manaus, une-se ao rio Solimões, e a partir dessa união, este último passa a se chamar amazonas.

  Sua coloração escura se deve à decomposição de sedimentos orgânicos, que tornam sua água ácida, com menor variedade de peixes.

Ancoradouro de avionetas no rio Negro, em Manaus (AM)

  • Rio Madeira

  O rio Madeira nasce com o nome de rio Beni, na Cordilheira dos Andes, Bolívia. Ele desce das cordilheiras em direção ao norte, recebendo o rio Mamoré-Guaporé e tornando-se o rio Madeira - um rio de planície que traça a divisória entre o Brasil e a Bolívia. No território brasileiro banha os estados de Rondônia e Amazonas. Possui uma extensão de 3.315 quilômetros e é um dos principais afluentes do rio Amazonas.

  O rio Madeira recebe este nome pois, no período de chuvas, seu nível sobe e inunda grandes porções da planície florestal, trazendo troncos e restos de madeira da floresta, época em que são negociadas pelos madeireiros e transportadas às custas do rio.

  Parte da produção de soja e milho do Centro-Oeste segue para exportação pelo rio Madeira.

Rio Madeira em Porto Velho (RO)

Principais atividades econômicas

  • Pesca

  Os peixes são a principal fonte de proteína animal das populações ribeirinhas. Nos rios da Região Norte, são produzidos 140 mil toneladas de pescados, cerca de 56% da pesca extrativa continental brasileira. A melhor época para a prática da pesca é de outubro a março, quando o nível do rio está baixo.

Pesca do pirarucu, no rio Amazonas

  • Agricultura de várzea

  Os ribeirinhos praticam agricultura nas margens dos rios porque o solo, fertilizado pelos sedimentos trazidos nas cheias, é mais rico do que no restante da floresta. Plantar nesse ambiente, no entanto, exige conhecimentos e técnicas específicas.

  Além das culturas de solo encharcados, como a juta e a malva, os ribeirinhos desenvolvem plantações em canteiros suspensos. Assim, o cultivo de itens de subsistência, como hortaliças, não precisa ser interrompido durante as cheias.

Agricultura de várzea na região da Amazônia

  • Rede logística

  Os rios são um meio eficiente para transportar grandes quantidades de cargas a baixo custo. Além de integrar cidades e regiões no território nacional, eles fazem a integração do Brasil com outros países, através de corredores de circulação de mercadorias.

  Cada comboio de barcaças pode transportar até 32 mil toneladas de carga, o equivalente à capacidade de carga de 850 caminhões.

  Na Bacia Amazônica são feitas, anualmente, 14 milhões de viagens regulares através de 317 linhas hidroviárias de passageiros.

Barcos atracados no porto de Manaus

  • Minas de ferro

  O minério de ferro extraído no Pará é o produto mais transportado pelos rios da Bacia Amazônica.

  O Projeto Grande Carajás (PGC) é um projeto de extração mineral, de produção agrícola, de transformação e beneficiamento mineral e de produção energética, que também inclui infraestrutura logística e de comunicação de uma imensa região do Meio-Norte brasileiro.

  Estende-se por cerca de 900 mil km², numa área que corresponde a um décimo do território brasileiro, e que é cortada pelas bacias dos rios Xingu, Tocantins e Araguaia, e engloba terras do leste do Pará, norte de Tocantins e sudoeste, centro e norte do Maranhão.

Vista aérea de uma das minas da Serra dos Carajás, no Pará

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

SOUSA, Rafaela. "Amazônia". Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol. com.br/brasil/amazonia.htm. Acesso em: 18 de outubro de 2022.

TOCANTINS, Leandro. O Rio comanda a vida: uma interpretação da Amazônia. Rio De Janeiro: Livraria J. Olympio, 1983.

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