quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

O BRASIL IMPÉRIO

   O período do Brasil Império teve início com o processo de Independência do Brasil (1821-1825) e terminou com a Proclamação da República (1889). Em 1822, o que era "Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves" tornou-se, oficialmente, "Império do Brasil", o qual estabeleceu como forma de governo uma Monarquia Constitucional Parlamentarista, tendo Dom Pedro I como Imperador do Brasil. Tradicionalmente, o Brasil Império se divide em três fases: Primeiro Reinado (1822-1831), Período Regencial (1831-1840) e Segundo Reinado (1840-1889).

Províncias do Império do Brasil, em 1822

A Independência do Brasil

  A intenção das Cortes de recolonizar o Brasil contrariava os interesses das elites coloniais que se inspiravam no liberalismo e desejavam que o Brasil se tornasse livre do domínio de Portugal. A princípio, esses liberais tinham visto na Revolução do Porto uma promessa de maior liberdade política e econômica para o Brasil, porém, os acontecimentos apontavam na direção da perda da autonomia de governo e da liberdade de comércio, o que contribuiu para que passassem a defender a permanência de Dom Pedro no país.

  Em janeiro de 1822, foi feita uma petição com 8 mil assinaturas, conhecida como Petição do Fico, por meio do qual os brasileiros solicitavam que o príncipe regente permanecesse no Brasil e apoiasse a consolidação da independência. Dom Pedro respondeu positivamente à petição, contrariando as Cortes portuguesas. Com esse gesto, a separação do Brasil de Portugal se consolidava informalmente. A Independência do Brasil foi formalizada em 7 de setembro de 1822. E em dezembro do mesmo ano, Dom Pedro foi coroado Imperador do Brasil, assumindo o título de Dom Pedro I e dando início ao Império Brasileiro.

Independência ou Morte, do pintor paraibano Pedro Américo (óleo sobre tela, 1888)

  • O PRIMEIRO REINADO

  A Independência do Brasil, assim como de outras colônias na América, esteve ligada não somente às instabilidades internas, mas a um processo maior de crise do sistema colonial e do Antigo Regime, que repercutiram na separação das colônias de suas metrópoles e na criação de novos Estados. Os movimentos liberais de emancipação das colônias americanas foram influenciadas pelas ideias iluministas e pela Revolução Francesa, mas os seus princípios de liberdade e igualdade foram interpretados de forma muito particular.

  A emancipação política do Brasil não foi fruto de movimentos revolucionários separatistas nem nacionalistas, uma vez que aconteceu em consequência dos eventos políticos ocorridos entre 1808 e 1821, e a ideia de nacionalidade brasileira começou a se constituir a partir da independência e não antes dela. Porém, as elites coloniais precisaram se mobilizar para criar um projeto de nação para o país recém independente e manter suas posições sociais. Também foi preciso forjar uma unidade territorial para a nova ação, que até então era formada por um conjunto de capitanias relativamente autônomas entre si, que respondiam diretamente a Portugal sem que houvesse um poder centralizado na colônia, pelo menos até a instalação da corte portuguesa no Rio de Janeiro, em 1808.

  Somente em 1825, Portugal reconheceu a independência de sua ex-colônia mediante a indenização de 2 milhões de libras, pagas por meio de um empréstimo fornecido pelos britânicos.

Monumento à Independência do Brasil

Resistências internas à independência

  A partir de 1821, durante o governo do príncipe regente Dom Pedro, haviam sido criadas Juntas Provisórias em algumas capitanias (que até então se tornaram províncias), em substituição aos capitães e governadores. Essas juntas foram estabelecidas atendendo às reivindicações das Cortes em Portugal, que pretendiam reaver a hegemonia política real no império. A criação das juntas, que eram eleitas na localidade e exerciam o Poder Executivo, foi uma tentativa das Cortes de esvaziar o poder político centralizado no Rio de Janeiro ao aumentar a hegemonia das capitanias.

  Grão-Pará e Maranhão, por exemplo, eram leais às Cortes de Portugal e consideraram a declaração de independência como redução de sua autonomia política e a volta à antiga ordem absolutista representada pelo imperador Dom Pedro I. Alguns historiadores afirmam que a resistência dessas províncias a reconhecer o poder centralizado no Rio de Janeiro pode ser explicada pela maciça presença na região de militares e altos funcionários portugueses. Outros contestam essa ideia e alegam que, nesse momento, não havia ainda uma noção de nacionalidade que opusesse os indivíduos nascidos no Brasil e os vindos de Portugal. Assim, o interesse por cargos públicos e pela manutenção de privilégios teria sido o fator decisivo para a lealdade dessas províncias em relação a Portugal.

Pedro I do Brasil ou Pedro IV de Portugal (1798-1834)

Conflitos pela independência

  Na província da Bahia, a causa da independência provocou um violento conflito entre as tropas imperiais e as representantes de Portugal, que dominavam Salvador e algumas outras áreas do norte do Brasil. O conflito teve início meses antes da declaração formal da independência do Brasil e se estendeu até julho de 1823. Participaram da luta pessoas de diferentes camadas sociais, como senhores de engenho, pequenos proprietários de terras, militares, comerciantes, indivíduos pobres livres, negros libertos e escravizados que foram obrigados a ir para o combate. Em 2 de julho de 1823, as tropas portuguesas foram definitivamente derrotadas pelo poder imperial, e a província da Bahia declarou-se independente de Portugal. Por isso, a data ficou conhecida como o dia da Independência da Bahia, sendo mais tarde, incorporada ao calendário de festividades nacionais como a data da "consolidação da independência do Brasil no estado da Bahia.

O Primeiro Passo para a Independência da Bahia, de Antônio Parreiras

  Outro importante conflito relacionado à independência ocorreu em 1823, quando Manuel de Sousa Martins assumiu a presidência da junta de governo do Piauí e proclamou a independência da província em fidelidade a Portugal. Com isso, as tropas encarregadas de manter o norte da ex-colônia fiel a Portugal e setores da sociedade piauiense, apoiados por Maranhão e Ceará, partidários da independência do Brasil, se enfrentaram na Batalha de Jenipapo, ocorrido no dia 13 de março de 1823, às margens do rio Jenipapo. Mesmo sem armamento militar e usando ferramentas simples de trabalho, as tropas imperiais venceram o conflito.

  Em 20 de outubro de 1823, uma lei extinguiu as juntas e reformulou a administração das províncias, determinando que os governadores provinciais fossem assumidos por presidente e conselhos nomeados pelo imperador. Dessa forma, as províncias foram incorporadas ao novo Estado.

Óleo sobre tela, arte pictórica de "Artes Paz" retratando a Batalha de Jenipapo

A Constituição de 1824

  Em 1823, foram iniciados os trabalhos na Assembleia Constituinte para compor uma Carta Constitucional para o Estado brasileiro que se formava. Entre os constituintes, havia duas concepções distintas de Estado: uma delas afirmava que o poder deveria ser exercido pelos parlamentares eleitos; a outra apontava que o poder deveria ser partilhado entre o imperador e os parlamentares.

  O primeiro projeto constitucional previa limites ao poder do imperador e tinha caráter elitista ao manter o voto censitário (direito de votar reservado aos indivíduos que possuem determinada renda) para as futuras eleições. Também previa que as decisões dos deputados constituintes não precisavam passar pela aprovação de Dom Pedro I. Isso desagradou o imperador, que dissolveu a Assembleia e nomeou um Conselho de Estado, composto de portugueses, para redigir a nova Constituição. Assim, em 25 de março de 1824, a primeira Constituição do Brasil foi outorgada pelo imperador.

  Essa Constituição consolidava a Monarquia Constitucional, hereditária e representativa como forma de governo, o que significava uma estrutura de poder centralizada em que as províncias não tinham autonomia política e eram administradas por presidentes escolhidos pelo imperador. O Estado estava organizado em quatro poderes: o Executivo, o Judiciário, o Legislativo e o Moderador. Este último era exercido exclusivamente por Dom Pedro I, embora pudesse ser auxiliado por um Conselho de Estado, e tinha amplas atribuições, entre as quais a de dissolver a Câmara dos Deputados, nomear e demitir juízes e assinar tratados internacionais. O Poder Legislativo era constituído de um sistema bicameral: um Senado vitalício e uma Câmara de Deputados eleitos pelo voto censitário.

A charge apresenta uma importante característica da Constituição de 1824, o Poder Moderador. Ele foi um dos quatro poderes da Constituição. Nela, aparece Dom Pedro I falando que o limite dos seus poderes é Deus, porque ninguém exerce poder sobre ele, diferente dos outros poderes da Constituição.

  O direito ao voto era restrito aos homens maiores de 25 anos que tivessem renda mínima de 100 mil réis anuais, o que excluía pobres, escravizados, religiosos, mulheres e indígenas. A votação era indireta e as eleições eram divididas em duas etapas: na primeira (eleições primárias), os eleitores escolhiam os seus representantes no corpo eleitoral; na segunda, esses representantes votavam para eleger os deputados e senadores que exerceriam o poder.

  Pela Constituição, a Igreja Católica foi definida como a religião oficial do Estado e o imperador, por meio do regime do Padroado, podia nomear os bispos e outros membros eclesiásticos. A prática de outras crenças, contudo, era permitida, desde que em ambiente doméstico.

  A Constituição de 1824 vigorou até o final do Império e tinha caráter ambíguo, uma vez que apresentava características liberais e autoritárias ao mesmo tempo.

Constituição de 1824. Documento sob guarda do Arquivo Nacional

A Confederação do Equador

  A dissolução da Assembleia Constituinte em 1823 pelo imperador provocou grande reação nas províncias do Nordeste, principalmente em Pernambuco. Além das divergências políticas, a insatisfação com as dificuldades enfrentadas na região devido à queda do valor do açúcar e do algodão, dos elevados impostos e do aumento do preço dos escravizados e dos gêneros alimentícios motivaram a eclosão de uma violenta reação contra o poder imperial.

  O estopim da revolta foi a imposição de um governador para a província pelo governo imperial. Em 2 de julho de 1824, rebeldes liderados por Frei Caneca e Manoel de Carvalho Paes de Andrade e apoiados pela aristocracia rural proclamaram a Confederação do Equador, que selou uma república nos moldes dos Estados Unidos. O movimento obteve adesão das províncias do Ceará, da Paraíba, do Rio Grande do Norte e de parte do Piauí, que possuíam núcleos mais resistentes e conseguiram implantar estruturas do novo governo republicano. Nas províncias do Maranhão, de Alagoas, da Bahia e do Grão-Pará, alguns setores da sociedade apoiaram a Confederação do Equador, mas foram rapidamente repreendidos pelos governantes.

Mapa da Confederação do Equador

  Jornais como o Typhis Pernambucano (lançado por Frei Caneca) e o Sentinela da Liberdade (dirigido por Cipriano Barata) desempenharam papel fundamental na divulgação das ideias dos confederados. Em decorrência da adesão das camadas populares e da defesa por alguns rebeldes do fim do tráfico de escravizados para Recife, o movimento perdeu o apoio da elite agrária e enfraqueceu. Os rebeldes não conseguiram resistir e foram vencidos pelas tropas imperiais. Dom Pedro I, então, determinou a realização de um tribunal, que prendeu, julgou e condenou à morte os principais líderes da rebelião, entre eles, Frei Caneca.

Execução de Frei Caneca, por Murilo La Greca

A Guerra da Cisplatina

  Em 1816, o governo de Dom João determinou a invasão das tropas luso-brasileiras da Banda Oriental, um território que integrava a América espanhola, o que levou à sua anexação ao Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves em 1821 com o nome de Província da Cisplatina. No entanto, os cisplatinos não aceitaram o domínio luso-brasileiro e, em 1825, uniram-se à República das Províncias Unidas do Rio da Prata (atual Argentina), contrariando os interesses do governo brasileiro. Em resposta, Dom Pedro I declarou guerra ao governo de Buenos Aires.

  O Reino Unido também tinha interesse na região, que desde o período colonial abrigava rotas de comércio importantes entre o Oceano Pacífico e o Atlântico e entre a América espanhola e a portuguesa. Com a mediação britânica, o conflito chegou ao fim em 1828, porém, a região não foi anexada ao Brasil nem à Argentina, tornando-se independente sob o nome de República Oriental do Uruguai.

Operações do Império Brasileiro em fevereiro de 1827 durante a Guerra da Cisplatina

Abdicação de Dom Pedro I e crise política

  A repressão à Confederação do Equador e os conflitos da Guerra da Cisplatina geraram altos custos para o governo, além de muitas mortes, o que provocou grande insatisfação popular e contribuiu para o desgaste do governo de Dom Pedro I.

  No plano econômico, a crise se acentuava com o desequilíbrio da balança comercial devido ao aumento das importações de produtos, principalmente de origem britânica, em detrimento das exportações, que eram basicamente de produtos agrícolas, como o açúcar, que perdiam para a concorrência internacional. As camadas mais pobres eram as mais afetadas por essa crise em razão do aumento do custo de vida pela alta dos preços dos produtos de consumo básico.

  A imagem do imperador também se desgastou em razão da comoção da população em torno do assassinato do jornalista paulista Líbero Badaró - que era um opositor do autoritarismo imperial -, em 1830. No início do ano seguinte, em viagem à província de Minas Gerais, Dom Pedro I foi recebido com hostilidade pela população mineira. Com isso, seus apoiadores prepararam uma recepção calorosa no Rio de Janeiro para sua volta, o que desagradou profundamente a população carioca. Esse acontecimento culminou na Noite das Garrafadas, em 13 de março de 1831, quando grupos contra e a favor do governo enfrentaram-se pelas ruas da cidade munidos de garrafas, paus e pedras, o que resultou em diversas vítimas.

Figura mostrando um conflito entre opositores e apoiadores de Dom Pedro I, conhecido como Noite das Garrafadas

  Com seu espaço político cada vez mais reduzido no Brasil e interessado na sucessão monárquica portuguesa, Dom Pedro I abdicou em 7 de abril de 1831 e retornou a Portugal. Porém, deixou seu filho de 5 anos de idade, Pedro de Alcântara, como herdeiro do trono. Por causa de sua pouca idade, iniciou-se o período regencial, fase que o Brasil foi governado por regentes. No primeiro momento, formou-se a Regência Trina Provisória.

  No período regencial três grupos políticos disputavam o poder no Brasil: o dos liberais moderados, o dos liberais exaltados e o dos restauradores. Os liberais moderados entendiam que um governo centralizado na figura do imperador poderia garantir a manutenção de seus privilégios, mas defendiam maior autonomia para o Legislativo. Os liberais exaltados defendiam maior autonomia para as províncias por meio de uma monarquia descentralizada ou mesmo por um regime republicano. Reivindicavam a ampliação do direito ao voto, o federalismo e o fim do Poder Moderador, do Conselho do Estado e da vitaliciedade do Senado. Os restauradores compunham o grupo mais conservador, que pretendia reconduzir Dom Pedro I ao trono.

Dom Pedro I entregando ao Major Frias sua abdicação do trono brasileiro

Mudanças na Constituição de 1824

  Em agosto de 1834, foi aprovado o Ato Adicional que modificou a Constituição de 1824 estabelecendo medidas que visavam à descentralização do poder. Entre elas, o ato estabeleceu maior autonomia política para as províncias e determinou que a Regência Trina deveria ser substituída pela Regência Una, com eleições a cada quatro anos. Em 1835, o padre Diogo Antônio Feijó, liberal moderado, foi eleito pela Regência Una. Em 1837, porém, em meio a intensas agitações políticas, incluindo insurreições nas províncias por questões regionais, Feijó renunciou ao cargo de regente, dando lugar ao senador regressista Pedro de Araújo Lima, que assumiu interinamente o Poder Executivo e iniciou um processo de recentralização política.

Caricatura de Manuel de Araújo Porto-Alegre mostrando o Padre Feijó quando deixou a Regência, voltando para São Paulo e deixando atrás de si um certo rastro

Revoltas regenciais

  Durante o período regencial, o governo central foi contestado por revoltas em diversas províncias, como as Rusgas Cuiabanas (Mato Grosso, 1834); a Cabanagem (Grão-Pará, 1835-1840); a Revolta dos Malês (Bahia, 1835); a Guerra dos Farrapos (Rio Grande do Sul, 1835-1845); a Sabinada (Bahia, 1837-1838); e a Balaiada (Maranhão, 1838-1841).

a) Rusgas Cuiabanas

  Desde o Período Colonial, a província de Mato Grosso era dominada política e economicamente por um poderoso grupo de comerciantes e fazendeiros portugueses, conhecidos pelo apelido pejorativo de "bicudos". Após a independência, essa situação não se alterou, o que provocou intensa reação da elite de Cuiabá, da qual faziam parte muitos membros do grupo liberal  Sociedade dos Zelosos da Independência, que reivindicava mais autonomia e espaço no política local.

  Para acalmar os ânimos, o Conselho de Governo nomeou como vice-presidente da província João Poupino Caldas, figura influente na Sociedade dos Zelosos. Porém, a ala radical dos liberais, que também defendia a expulsão e a morte dos portugueses da região, não se contentou. Em 30 de maio de 1834, a rebelião conhecida como Rusgas Cuiabana, teve início com os boatos de que portugueses estariam planejando o assassinato de oficiais da Guarda Nacional. Os rebeldes realizaram  saques em casas comerciais, destruíram propriedades e assassinaram muitos "bicudos".

  A princípio, Poupino colaborou com os revoltosos, mas a situação saiu do controle e ele acabou pedindo ajuda ao governo do Rio de Janeiro para conter a revolta. Em setembro, Antônio Pedro de Alencastro assumiu a presidência da província. No mês seguinte, com o apoio de Poupino, as tropas do governo derrotaram os rebeldes. Os principais líderes foram presos e enviados ao Rio de Janeiro para serem julgados.

Quadro As Rusgas, de Moacyr Freitas

b) Cabanagem

  A província do Grã-Pará - que abrangia os atuais estados do Pará, do Amazonas, do Amapá, de Rondônia e de Roraima - tornou-se independente do Maranhão em1772. Até esse momento, mantinha pouco contato com o Rio de Janeiro, pois o governador era nomeado diretamente pela metrópole.

  A situação política na região era tensa desde a independência em razão do vínculo de alguns setores políticos com Portugal e da grande desigualdade social. A elite local era formada por ricos comerciantes, na maioria portugueses, instalados na capital, Belém, e por proprietários de terras. A maior parte da população da província era composta de negros, indígenas e mestiços, que serviam como mão de obra (escravizada ou semiescravizada) nas lavouras e no comércio da região. Extremamente pobres, esses indivíduos viviam em cabanas à beira de rios e igarapés e, por isso, eram chamados de cabanos.

  O sentimento antilusitano, associado ao grande descontentamento com as condições precárias de vida, impulsionou uma série de levantes. Em janeiro de 1835, os rebeldes tomaram o Palácio do Governo com o apoio de setores da pequena camada média urbana e de alguns proprietários de terras descontentes com a política local, que privilegiava os portugueses. A subelevação, conhecida como Cabanagem, espalhou-se pela província, e diversas lideranças populares se destacaram, como os irmãos Vinagre e o jovem seringueiro cearense Eduardo Angelim, que mobilizaram as camadas marginalizadas e impulsionaram a radicalização do movimento.

  Além da luta dos cabanos contra a presença dos portugueses e a carestia, os liberais radicais pediam o fim da interferência do Rio de Janeiro na administração local. A dificuldade de conciliar os diferentes interesses dos envolvidos, a forte repressão do governo e uma epidemia de varíola enfraqueceram o movimento, que resistiu até 1840, quando os últimos grupos se renderam. Estima-se que mais de 30 mil pessoas tenham morrido na rebelião.

Paisagem frequentada pelos rebeldes Cabanos durante o movimento, século XIX

c) Revolta dos Malês

  Em janeiro de 1835, a cidade de Salvador foi palco da Revolta dos Malês, organizada e conduzida por africanos escravizados e libertos, a maioria da etnia nagô-iorubá, com a participação de jejês e hauçás.

  Naquele período, a população de escravos de ganho era bastante expressiva em Salvador. Esses escravizados trabalhavam pelas ruas, exercendo atividades variadas (eram vendedores ambulantes, mensageiros, carregadores, carpinteiros, sapateiros etc.), e precisavam entregar ao senhor parte da remuneração que recebiam. O dinamismo do meio urbano, a relativa autonomia que caracterizava sua atividade, a origem comum, a religião e as condições de trabalho propiciaram o desenvolvimento de relações solidárias entre africanos cativos e libertos na luta contra a escravidão.

  A rebelião mobilizou aproximadamente 600 mil homens, organizados em uma sociedade secreta. Apesar de o movimento ter sido organizado e liderado por malês, nem todos os negros muçulmanos da cidade participaram da revolta, assim como nem todos os rebeldes eram seguidores do islamismo.

  Os malês foram os responsáveis por planejar e mobilizar os insurretos. Suas reuniões eram uma mistura de exercícios corânicos (leitura e escrita), rezas e conspiração. O próprio levante aconteceu no final do mês sagrado do Ramadã, o nono do calendário muçulmano. Os malês foram às ruas com roupas islâmicas e amuletos protetores feitos de cópias de rezas, de passagem do Alcorão e de bênçãos de líderes espirituais.

  O levante estava previsto para o dia 25 de janeiro, porém, uma denúncia à polícia antecipou a ação. Apesar de terem perdido a vantagem do fator surpresa, os malês deflagraram a rebelião, mas foram derrotados no meio urbano e no meio rural, e os rebeldes capturadas pelas autoridades foram submetidos a torturas, açoites, deportações e execuções.

Desenho mostrando os malês com suas roupas típicas

d) Guerra dos Farrapos

  Também conhecida como Revolução Farroupilha, ocorreu no Rio Grande do Sul, entre 1835 e 1845, e se estendeu até Santa Catarina. O movimento teve origem no conflito entre os poderosos estancieiros gaúchos e o governo central. A economia sulista estava assentada na produção de bens para o mercado interno, abastecendo a Região Sudeste com charque (carne salgada), gado e couro. Na pecuária da região utilizava-se mão de obra livre, havendo um número reduzido de escravizados.

  Os estancieiros gaúchos estavam descontentes com os altos impostos cobrados sobre o charque, que encareciam o produto e favoreciam a concorrência de argentinos e uruguaios. Reivindicavam também maior autonomia política, o que incluía o direito de escolher o presidente da província.

  O movimento teve início no dia 20 de setembro de 1835, quando as tropas comandadas pelo rico estancieiro, escravocrata e militar Bento Gonçalves da Silva invadiram Porto Alegre e depuseram o presidente da província. A Regência nomeou José Araújo Ribeiro como novo presidente, que decidiu enfrentar os rebeldes. Em 1836, os farrapos saíram vitoriosos nos campos de batalha do Seival e proclamaram a República Rio-Grandense ou República do Piratini.

  Em julho de 1839, comandados pelo italiano Giuseppe Garibaldi, ao lado de sua companheira Anita Garibaldi, os rebeldes invadiram Santa Catarina e proclamaram a República Juliana, confederada à República Rio-Grandense.

  Muitos escravizados aderiram à Revolução Farroupilha de ambos os lados com a promessa de que seriam libertados após o conflito. Apesar da promessa de alforria, a República Rio-Grandense não declarou a abolição da escravidão e muitos dos que participaram do levante permaneceram  escravizados após a vitória.

  Em 1842, o governo provincial de São Pedro do Rio Grande do Sul tomou medidas para dificultar o escoamento dos produtos das regiões rebeldes, uma vez que elas não tinham acesso ao mar. Além disso, ele se aproximou dos estancieiros mais moderados e conseguiu isolar os republicanos mais radicais, enfraquecendo, assim, o movimento rebelde, que acabou derrotado pelo governo imperial em fevereiro de 1845.

  Em negociação com o governo, os rebeldes conseguiram garantir sua anistia, o direito de escolher o presidente da província e vantagens na comercialização do charque importado, por meio do aumento dos impostos sobre produtos estrangeiros similares.

Carga de Cavalaria Farroupilha, de Guilherme Litran, acervo do Museu Júlio de Castilhos

O Golpe da Maioridade

  Diante da crise política e da dificuldade da regência centralizada de Pedro de Araújo Lima em estabelecer a paz nas províncias, no fim de 1839 os políticos liberais começaram a defender o projeto de antecipação da maioridade do príncipe Pedro de Alcântara, apresentando-o como solução para a crise de governabilidade. Provavelmente, os liberais pretendiam controlar o poder manipulando o jovem imperador.

  A fundação do Clube da Maioridade em 1840, presidido pelo liberal Antônio Carlos de Andrada e Silva, e o papel da imprensa, que era hostil à centralização regencial, contribuíram para o chamado Golpe da Maioridade. Em 23 de julho de 1840, Pedro de Alcântara, com apenas 14 anos, foi declarado maior de idade e assumiu o governo do país, sendo coroado imperador em julho do ano seguinte com o título de Dom Pedro II.

Página do abaixo-assinado encaminhado por deputados e senadores do Império questionando a legitimidade do regente e defendendo que Dom Pedro II assumisse o trono em 22 de julho de 1840 (Arquivo Nacional)

  • O SEGUNDO REINADO

  Entre 1840 e 1889, durante o governo de Dom Pedro II, o poder político do Brasil foi disputado pelo Partido Liberal e pelo Partido Conservador, ambos constituídos nos últimos anos do período regencial. O Partido Liberal originou-se da união do grupo dos progressistas, dos liberais exaltados e de indivíduos descontentes com a centralização do poder, enquanto o Partido Conservador reuniu os regressistas e os restauradores.

  Embora os integrantes dos dois partidos tivessem origem social e interesses econômicos semelhantes, eles defendiam modelos de Estado diferentes. Os conservadores desejavam o fortalecimento do Executivo e do poder central, enquanto os liberais eram a favor da ampliação da autonomia das províncias e alguns eram simpáticos ao republicanismo.

  O primeiro ministério formado após o Golpe da Maioridade era em grande parte liberal. Porém, o gabinete não tinha o apoio da Câmara dos Deputados, que era dominada pelos conservadores. Com isso, Dom Pedro II dissolveu a Câmara e convocou novas eleições.

Dom Pedro II na adolescência vestindo o uniforme imperial de gala. Por Félix Émile Taunay, no Museu Imperial

  As novas eleições para a Câmara foram realizadas em outubro de 1840, e ficaram conhecidas como eleições do cacete devido a práticas como falsificação de votos, roubo de urnas e espancamento de adversários políticos. Os liberais venceram as eleições, entretanto, sob pressão dos conservadores. Dom Pedro II dissolveu o gabinete liberal e formou um ministério conservador. Na sequência, a Câmara também foi dissolvida pelo imperador por pressão do novo ministério, o que enfraqueceu o poder dos liberais.

  Os conservadores retomaram a política de centralização do governo com o objetivo de fortalecer a autoridade imperial e reduzir a autonomia das províncias. Em 1841, o Conselho de Estado, que havia sido extinto em 1834, foi restaurado e o Código de Processo Criminal foi retomado, transferindo as atribuições judiciárias dos presidentes das províncias para o governo central.

  O fortalecimento do poder central com a redução do poder judicial das províncias contrariou ainda mais os setores liberais, que já estavam insatisfeitos com a dissolução da Câmara em 1841. Com isso, em 1842, os liberais de São Paulo e de Minas Gerais iniciaram uma série de manifestações em defesa da autonomia das províncias. Apesar da repressão imperial, essa mobilização liberal chegou às províncias.  Apesar da repressão imperial, essa mobilização liberal chegou à província de Pernambuco, onde assumiu maior amplitude e culminou na Rebelião Praieira de 1848.

A coroação de Pedro II aos 15 anos de idade, em 18 de julho de 1841, por François-René Moreaux, no Museu Imperial

A Rebelião Praieira

  Em 1842, diversos membros do Partido Liberal se rebelaram contra o governo provincial de Pernambuco por não terem acesso a cargos do governo e outros benefícios. A isso, somaram-se a crise da produção açucareira nordestina e o favorecimento do Centro-Sul na destinação dos recursos do governo central, dando início à chamada Rebelião Praieira.

  Em âmbito local, o objetivo do movimento era combater o monopólio do comércio pelos estrangeiros e a concentração de terras nas mãos de poucos proprietários; em âmbito nacional, os praieiros pretendiam instaurar uma república, extinguir o Poder Moderador, instituir o sufrágio universal masculino e declarar a liberdade de imprensa.

  Os praieiros assumiram a presidência da província de Pernambuco em 1845, porém, em 1848, o governo imperial retomou o controle, o que desencadeou uma rebelião armada. Em fevereiro de 1849, os praieiros atacaram Recife, mas não chegaram a dominar a cidade, pois foram contidos pelas forças governistas. A repressão imperial esfacelou o movimento e resultou em mais de 800 mortes de rebeldes e governistas.

  O nome dado à revolta se deve à influência das ideias liberais no movimento, que eram divulgadas no jornal Diário Novo, localizado na Rua da Praia, no Recife.

Dom Pedro II desembarcando no Recife, em 1859, uma década após o fim da Revolução Praieira

Parlamentarismo à brasileira

  Com o fim da Rebelião Praieira iniciou-se o ciclo de manifestações revolucionárias contra o poder centralizado no Brasil.

  A restauração do Poder Moderador e do Conselho de Estado levaram à constituição de um sistema de governo que se assemelhava ao Parlamentarismo britânico. O decreto do imperador Dom Pedro II que criava o cargo de presidente do Conselho de Ministros, em 1847, inaugurou o parlamentarismo no Brasil. Porém, ele diferia do modelo clássico britânico, porque no Brasil o imperador tinha mais poderes que o Parlamento: por meio do Poder Moderador, ele podia nomear ou demitir ministros, além de dissolver o próprio Parlamento. O presidente do Conselho de Ministros, cargo equivalente ao de primeiro-ministro no modelo britânico, era nomeado pelo imperador e era quem escolhia os demais membros do Conselho, que eram encarregados de convocar as eleições para a Câmara. Organizados de forma fraudulenta, essas eleições garantiam para o partido da situação a maioria no Legislativo. Por essas características, esse sistema de governo ficou conhecido como parlamentarismo às avessas ou parlamentarismo à brasileira.

  Ao longo do Segundo Reinado, foram constituídos 36 gabinetes governativos com duração média de um ano e três meses cada um deles. Com isso, os conservadores predominaram no governo por mais de 29 anos, enquanto os liberais, por cerca de 19 anos.

Charge representando a alternância partidária no Império durante o Segundo Reinado, em que os principais partidos aparecem em um carrossel formado por Dom Pedro II

A crise do escravismo e a questão militar

  Na segunda metade do século XIX, a economia do Brasil caracterizava-se pelo predomínio da atividade agroexportadora baseada na produção de açúcar, borracha, cacau, fumo e café. Por volta de 1870, o café representava o principal produto de exportação brasileiro e o Vale do Paraíba era a mais importante região produtora. Com isso, os cafeicultores dessa área tinham grande influência na política nacional e se opunham à centralização política. Para grande parte da elite cafeicultora do Oeste Paulista, o império representava um entrave à modernização econômica e à desejada autonomia para administrar a província de acordo com os seus interesses.

  Em 1870, foi criado no Rio de Janeiro o Partido Republicano e, nos anos seguintes, outros partidos semelhantes foram organizados em algumas províncias. Isso ampliou a circulação de ideias em torno da instauração de um regime republicano no país. Os republicanos criticavam a centralização e o autoritarismo representados por Dom Pedro II, além da exclusão da maioria da população das decisões políticas.

  Outros elementos que contribuíram para a crise do império foram a questão da abolição da escravidão e o desgaste entre os militares e o governo.

  Após o fim da Guerra do Paraguai, o exército, antes desprestigiado, se fortaleceu com a vitória sobre o país vizinho e passou a desejar maior participação política. Além disso, as promessas de liberdade para os combatentes escravizados e a concessão de terras e outros benefícios para indígenas e combatentes voluntários não foram totalmente cumpridas, ampliando o descontentamento com o governo imperial. Nesse quadro, aos poucos, muitos militares se aproximaram dos republicanos.

Dom Pedro II com seus dois genros, o Duque de Saxe-Coburgo-Gota e o Conde D'Eu, em Alegrete, durante a Guerra do Paraguai

  Ao lado da conjuntura internacional, as pressões internas, representadas pelos produtores rurais - pois a produção agrícola nacional era baseada na grande propriedade monocultora que utilizava mão de obra escravizada - e pelo movimento abolicionista, além da resistência dos escravizados por meio de levantes e fugas, tornavam a manutenção do regime escravocrata mais um fator de crise política.

  Com a abolição da escravidão, ocorrida em 1888, o governo imperial se tornou insustentável. A instauração da república tornou-se uma questão de tempo para os ajustes políticos.

Dom Pedro II em 1887, com 61 anos: um imperador cansado de sua coroa e resignado quanto ao fim da monarquia

Abolição e o Golpe de Estado

  Em junho de 1887, a saúde do imperador havia declinado consideravelmente, e seus médicos sugeriram que ele buscasse tratamento na Europa. Enquanto em Milão, passou duas semanas entre a vida e a morte, recebendo até mesmo a extrema unção. Em 22 de maio de 1888, acamado e ainda se recuperando, recebeu a notícia de que a escravidão havia sido abolida no Brasil. Pedro II retornou e desembarcou no Rio de Janeiro em 22 de agosto de 1888. O país inteiro o recebeu com um grande entusiasmo. Da capital, das províncias, de todos os lugares, chegaram provas de afeição e veneração. Com a devoção expressada pelos brasileiros com o retorno do imperador e da imperatriz da Europa, a monarquia aparentava gozar de apoio inabalável e parecia estar no ápice de sua popularidade.

  A nação brasileira desfrutava de grande prestígio no exterior durante os anos finais do Império, e havia se tornado uma potência emergente no cenário internacional. Previsões de perturbações na economia e na mão de obra causadas pela abolição da escravatura não se realizaram e a colheita de café de 1888 foi bem-sucedida.

  Contudo, o fim da escravidão desencadeou em uma transferência explícita do apoio ao republicanismo pelos grandes fazendeiros de café. Detentores de grande poder político, econômico e social no país, os fazendeiros consideraram a abolição como confisco de propriedade privada. Para evitar uma reação republicana, o governo aproveitou o crédito fácil disponível no Brasil como resultado de sua prosperidade e disponibilizou grandes empréstimos a juros baixos aos cafeicultores, além de distribuir fartamente títulos de nobreza e outras honrarias  a figuras políticas influentes que haviam se tornado descontentes. O governo também tomou medidas indiretas para administrar a crise com os militares revivendo a moribunda Guarda Nacional, que então existia apenas no papel.

Última fotografia da família imperial no Brasil, em 1889

  As medidas tomadas pelo governo alarmaram os republicanos civis e os militares positivistas. Estes entenderam as ações do governo como uma ameaça aos seus propósitos, o que os incitou à reação. A reorganização da Guarda Nacional foi iniciada pelo gabinete em agosto de 1889, e a criação de uma força rival levou os dissidentes no corpo de oficiais do exército a cogitarem atos extremos. Para ambos os grupos, republicanos e militares dissidentes, havia se tornado um caso de "agora ou nunca". Apesar de não haver desejo entre a maior parte da população brasileira para uma mudança na forma de governo, os republicanos civis passaram a pressionar os oficiais civis a derrubar a monarquia.

  Em 15 de julho de 1889, o Imperador Dom Pedro II sofreu um atentado a tiros, quando saía de um teatro no centro do Rio de Janeiro, que ficou conhecido como Atentado de Julho de 1889; quando já estava em sua carruagem ouviu-se um grito de "Viva a República", e em seguida, o jovem Adriano Augusto do Vale sacou uma arma e atirou na sua direção. A bala não atingiu o imperador e o responsável pelo atentado fora preso horas depois.

Atentado contra Dom Pedro II, ocorrido na noite de 15 para 16 de julho de 1889

  Os republicanos realizaram um golpe de Estado em 15 de novembro de 1889 e instituíram uma república. As poucas pessoas que presenciaram o acontecimento não perceberam que se tratava de uma rebelião. Durante todo o processo, Dom Pedro II não demonstrou qualquer emoção, como se não importasse com o desenlace. Ele rejeitou todas as sugestões para debelar a rebelião feitas por políticos e militares.

  Quando soube da notícia de sua deposição, simplesmente comentou: "Se assim é, será minha aposentadoria. Trabalhei demais e estou cansado. Agora vou descansar". Ele e sua família foram mandados para o exílio na Europa, partindo em 17 de novembro de 1889.

Partida para o exílio da Família Imperial no dia 17 de novembro de 1889, no vapor Alagoas

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALEXANDRE, Valentim. Os sentidos do Império. Porto: Afrontamento, 1993.

COSTA, Wilma Peres Costas & OLIVEIRA, Cecília Helena de Salles (org.). De um Império a outro: formação do Brasil, séculos XVIII e XIX. São Paulo: Hucitec, 2007.

GUIMARÃES, Lúcia Maria P. & PRADO, Maria Emília (org.). O liberalismo no Brasil Imperial: origens, conceitos e práticas. Rio de Janeiro: UERJ-Revan, 2001.

quarta-feira, 24 de novembro de 2021

A DISSOLUÇÃO DA IUGOSLÁVIA

   As origens do Estado da Iugoslávia estão no fim da Primeira Guerra Mundial, quando o Império Austro-Húngaro foi desmembrado. Por meio da Declaração de Corfu, aprovada em 1917, os territórios imperiais remanescentes foram unidos no chamado Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos.

  A República Socialista Federativa da Iugoslávia, foi o Estado iugoslavo que existiu do término da Segunda Guerra Mundial (2 de dezembro de 1945) até o fim da Guerra Fria, em 1992.

  Com a forma de governo de uma república socialista, o país era constituído pela união federal de seis repúblicas: Sérvia e suas regiões autônomas: Kosovo e Voivodina, Croácia, Montenegro, Eslovênia, Bósnia-Herzegovina e Macedônia. Ao longo da Guerra Fria, a Iugoslávia foi um membro importante do Movimento Não-Alinhado.

Mapa da antiga Iugoslávia

  A Iugoslávia tornou-se um Estado unificado após a Primeira Guerra Mundial, agregando várias etnias que foram inimigas durante séculos. Esse conflito vem desde a Idade Média, quando os turcos, de religião muçulmana, invadiram e dominaram a Península Balcânica, submetendo os sérvios croatas. Durante a dominação turca, muitos habitantes da região se converteram ao islamismo.

  Essa rivalidade deu-se da seguinte maneira:

  • a Sérvia histórica (Kosovo), povoou-se de albaneses (muçulmanos);
  • na Bósnia-Herzegovina, apareceram os eslavos muçulmanos;
  • os sérvios retiraram-se para o norte, onde se construiu Krajina;
  • os sérvios de Montenegro conseguiram manter sua independência;
  • com o enfraquecimento dos turcos, no século XIX, a Bósnia-Herzegovina passou para o domínio austríaco;
  • em 1878, Sérvia e Montenegro conseguiram a independência do Império Otomano;
  • em 1912, Sérvia, Montenegro, Grécia e Bulgária derrotaram as forças do Império Otomano. Nesse mesmo ano, os sérvios dominaram os últimos territórios dos turcos;
  • em 1913, a Bulgária declarou guerra aos seus antigos aliados e foi derrotada;
  • o assassinato do herdeiro do trono austro-húngaro, o arquiduque Francisco Ferdinando por um estudante em Saravejo, capital da Bósnia-Herzegovina, deu início a Primeira Guerra Mundial;
  • com o fracasso dos austríacos na Primeira Guerra, os eslavos constituíram o Reino dos Sérvios, Croatas e Eslovenos;
  • em 1929, esse reino passou a se chamar Reino da Iugoslávia.

Processo de cisão da Iugoslávia

  Em 1941, diante do perigo da Iugoslávia entrar em favor dos aliados por causa da pressão popular, os alemães e seus aliados ocuparam o país. Com isso, o território iugoslavo foi dividido entre Alemanha, Itália, Bulgária e Hungria.

  Ante Pavelic fundou o movimento fascista e nacionalista da Croácia, abarcando a Bósnia-Herzegovina, e os sérvios foram desumanamente trucidados. A resistência sérvia era controlada pelos Chetniks, de Dragoljub Draža Mihailović (1893-1946) e os Partisans, de Josip Broz Tito (1892-1980). Ao fim da guerra, a monarquia foi abolida. Tito, transformou a Iugoslávia na República Popular Federativa da Iugoslávia, vencendo as eleições.

  O ideal socialista e o carisma de Tito se sobrepuseram às questões nacionais e amenizaram as tensões internas. A partir de 1980, com a morte do líder, os conflitos retornaram com bastante intensidade.

Bandeira da República Socialista Federativa da Iugoslávia

  Em 1990, segundo as regras iugoslavas, cabia ao líder da Croácia ocupar o comando do país, exercício em rodízio com as demais repúblicas. Porém, o governo da Sérvia se opôs, levando a Eslovênia e a Croácia a proclamar sua independência, em junho de 1991, e fizeram eleições presidenciais. O fato, no entanto, deu origem a uma guerra civil, com a invasão das duas repúblicas por tropas do poder central e conflitos que resultaram numa verdadeira limpeza étnica nos territórios ocupados. Apenas no final de 1992 a situação se estabilizaria, diante de uma intervenção internacional e do reconhecimento de independência da Eslovênia e da Croácia.

Mapa estratégico de um plano de ofensiva do Exército Popular da Iugoslávia (JNA) na Croácia, em 1991. O JNA foi incapaz de avançar tão longe como previsto devido a resistência croata e problemas de mobilização

  Em 18 de setembro de 1991, seguindo o exemplo da Eslovênia e da Croácia, a Macedônia (atual Macedônia do Norte) também declarou sua independência, sem receber nenhuma resistência por parte do governo sérvio. Em 15 de outubro desse mesmo ano, a Bósnia-Herzegovina fez o mesmo, porém, provocando intensa reação sérvia, que durou de 6 de abril de 1992 até 14 de dezembro de 1995, promovendo um dos maiores conflitos na Europa após a Segunda Guerra Mundial. Apesar da oposição internacional, o governo sérvio desejava anexar parte do território bósnio para formar a Grande Sérvia, promovendo, para isso, um verdadeiro genocídio na região, com milhares de mortes e mais de 1 milhão de refugiados.

  O governo da Bósnia foi entregue a um governante muçulmano, enquanto que 1/3 da população do país era cristã-ortodoxa. A Organização das Nações Unidas tentou intervir, sem sucesso. O conflito só terminou em 1995, quando os Estados Unidos intervieram, exigindo que o então presidente sérvio, Slobodan Milošević, pusesse fim ao conflito.

  Em 1992, a União Europeia reconheceu todas as nações como independentes. No restante da Iugoslávia, através de um plebiscito, foi decidido que o país passaria a se chamar República Federal da Iugoslávia.

Saravejo, capital da Bósnia-Herzegovina após o cerco das tropas da Otan, em 1995

  Na província de Kosovo, região localizada ao sul da Sérvia, aproximadamente 90% da população era albanesa seguidora da religião islâmica, e 10% era sérvia de religião cristã ortodoxa. Em 1997, iniciou-se um movimento separatista na província. O episódio também foi marcado por outro genocídio, que terminou apenas em 1999 com a intervenção das forças da Otan, lideradas pelos Estados Unidos. Por 78 dias, a Otan lançou ataques que causaram muita destruição. Milosevic foi submetido a julgamento em tribunal internacional. Em 2008, Kosovo declarou sua independência; no entanto, ela foi reconhecida por apenas uma parcela da comunidade internacional, a exemplo dos Estados Unidos, dos países-membros da União Europeia e do Japão.

Locais no Kosovo e no sul da Sérvia Central, onde a Otan utilizou munições com urânio empobrecido

  De toda a Iugoslávia, só restaram Sérvia e Montenegro. Em 21 de maio de 2006, houve um plebiscito, no qual 55,5% dos montenegrinos expressaram o desejo de separação. Em 3 de junho de 2006, Montenegro declarou-se independente, e com isso, a Iugoslávia foi extinta. Dois dias depois, a Sérvia também declarou sua independência.

  A série de conflitos ao longo desses anos provocou a completa dissolução da Iugoslávia, com a formação de novos países: Bósnia-Herzegovina, Croácia, Eslovênia, Macedônia, Montenegro e Sérvia, além de Kosovo, que ainda possui reconhecimento limitado. Devido às tensões étnico-religiosas, porém, a estabilidade na região permanece frágil até os dias atuais.

Mapa político da antiga Iugoslávia e os países que se originaram da sua desintegração

sexta-feira, 12 de novembro de 2021

ESTADO-NAÇÃO E NAÇÕES SEM ESTADO

   Os Estados centralizados administram um território formado por um povo que compartilha tradições e costumes e possui uma história em comum. Por isso, esse povo recebe o nome de nação.

  Quando falamos do conceito de Estado, referimo-nos aos mecanismos de controle político de um governo que rege determinado território. Organizações como um Parlamento ou um Congresso, instituições legais ou um exército permanente são ferramentas utilizadas por um governo para controlar as várias esferas que compõem a sociedade de um Estado-nação.

  O Estado-nação é um desdobramento do processo de formação dos Estados centralizados. Durante a Idade Média, uma pessoa que vivia no norte do atual território da França e outra que vivia no sul desse mesmo território não se imaginavam como membros de uma mesma nação.

  Um Estado-nação é constituído por uma massa de cidadãos que se considera parte de uma mesma nação. Sob essa perspectiva, podemos afirmar que todas as sociedades modernas são Estados-nações isto é, todas as sociedades modernas estão organizadas sob o comando de um governo instituído que controla e impõe suas políticas.

  O processo de construção dos Estados centralizados foi acompanhado por ações como a construção de estátuas, a produção de pinturas, a composição de hinos nacionais, o registro de narrativas folclóricas e de outras tradições que representariam o conjunto dessa população. Desse modo, os membros do Estado passaram a se identificar como membros da mesma nação. É por isso que os Estados centralizados também são chamados de Estados-nação.

  Esse movimento de construção da ideia de nação ganhou mais força a partir do século XIX, quando o nacionalismo se tornou uma forma de pensamento importante em diferentes partes do mundo. Segundo o historiador Eric Hobsbawm (1917-2012), o nacionalismo é um pensamento que defende que a unidade política de um território deve corresponder à unidade de uma nação.

  Indivíduos e grupos inspirados por ideias nacionalistas passaram a lutar pelo direito de criar Estados sob o controle de nações que até então se encontravam sob o domínio de outras nacionalidades.

  Muitas vezes, o nacionalismo inspira ações que enxergam outras nacionalidades de forma negativa. Assim, o nacionalismo pode ser usado para defender o direito de uma nação se impor sobre outras nações, inclusive de forma violenta. Uma das causas da Primeira Guerra Mundial foi o nacionalismo exacerbado entre os europeus.

Planisfério mostrando o mapa-múndi

Nacionalismo e conflitos contemporâneos

  O nacionalismo é uma tese ideológica, surgida após a Revolução Francesa. Em sentido estrito, seria um sentimento de valorização marcado pela aproximação e identificação de uma nação. Costuma diferenciar-se do patriotismo devido à sua definição mais estreita. O patriotismo é considerado mais uma manifestação de amor aos símbolos do Estado, como o hino, a bandeira, suas instituições ou representantes. Já o nacionalismo apresenta uma definição política sobretudo da preservação da nação enquanto entidade, por vezes na defesa de território delineado por fronteiras terrestres, mas, acima de tudo, nos campos linguístico, cultural, contra processos de destruição identitária ou transformação.

  No mundo todo existem regiões que vivem intensos conflitos, originados pelos mais diversos motivos, que podem ser disputas por territórios, pela independência, por questões religiosas, recursos minerais, entre outros. Em todos os continentes, é possível identificar focos de tensão que colocam em risco a paz daqueles que vivem em locais que estão envolvidos.

  A base do nacionalismo é a ideia de que a nação tem o direito de criar o seu próprio Estado. Essa ideia incentivou movimentos variados, como a formação da Itália e da Alemanha (que se tornaram Estados centralizados somente no final do século XIX) e a emancipação das colônias africanas e asiáticas ao longo do século XX.

  No mundo contemporâneo, ocorrem diversos conflitos e tensões envolvendo diferentes povos que reivindicam a criação de um Estado, como os curdos e os palestinos, no Oriente Médio; bascos, catalães e ciganos, na Europa; chechenos, no Cáucaso; tibetanos, na Ásia Meridional, entre outros.

  Há, contudo, Estados multinacionais onde vive mais de uma nação, como é o caso da Federação Russa, que possui territórios historicamente habitados por povos de distintas origens, culturas e tradições. Há também nações que se espalham por diversos Estados, como os curdos.

  O nacionalismo pode dar origem a posturas violentas contra outras nações, resultando em práticas de xenofobia, racismo e intolerância, o que pode causar conflitos entre nações.

  Um exemplo de conflito provocado pela luta de uma nação sem Estado é o que ocorre na região da Palestina, no Oriente Médio.

Planisfério mostrando alguns conflitos e movimentos nacionalistas no mundo

O conflito na Palestina

  Os palestinos são uma nação sem Estado que conta com mais de 11 milhões de pessoas. O processo de construção da identidade nacional palestina, se deu principalmente após 1948, com a criação do Estado de Israel.

  Motivada pela perseguição religiosa que causou a morte de mais de 6 milhões de judeus durante a Segunda Guerra Mundial, a Organização das Nações Unidas (ONU) decidiu, em 1947, criar um Estado judeu na Palestina, estabelecendo a divisão do território em três partes: Estado de Israel, Estado da Palestina e Cidade Internacional de Jerusalém considerada sagrada por judeus e árabes.

  Na proposta de partilha da ONU, o Estado árabe e o Estado judeu teriam seus territórios divididos. A Palestina seria constituída pelas áreas conhecidas como Faixa de Gaza (oeste) e Cisjordânia (leste). Israel ficaria com o restante do território. Os palestinos não aceitaram a proposta da ONU. Mesmo assim, em 1948, Israel declarou sua independência.

Plano da ONU de 1947

  A presença de um Estado judeu na Palestina não foi aceita pelos demais países árabes. Egito, Síria, Iraque, Jordânia e Líbano declararam guerra à Israel, um dia após a sua fundação. O conflito, conhecido como Guerra da Partilha, se estendeu de maio de 1948 a janeiro de 1949, quando chegou ao fim com a vitória de Israel e a ampliação de seu poder sobre as áreas que seriam destinadas ao Estado palestino. Os palestinos passaram a viver em um território que lhes pertence, mas sem autonomia para administrá-lo, já que está sob o domínio de Israel.

  Desde então, ocorrem conflitos entre palestinos e israelenses. A partir da década de 1990, foram empreendidas ações para construir um acordo de paz na região e assegurar os direitos das duas nações. Entretanto, os conflitos retornaram e voltaram a se intensificar nos últimos anos.

  O conflito entre israelenses e palestinos se torna mais complexo a cada ano. Frequentemente, há um motivo ou outro para que recomecem os ataques de ambas as partes. A paz entre os dois povos, bem como a criação do Estado da Palestina, continua distante.

Situação da região da Palestina de 1946 até 2011

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

HOBSBAWN, Eric J. Nações e nacionalismo desde 1780: programa mito e realidade. 2 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1998

LÖWY, Michael. Nacionalismo e internacionalismos: da época de Marx até os nossos dias. São Paulo: Xamã, 2000.

segunda-feira, 8 de novembro de 2021

OS POVOS PRÉ-COLOMBIANOS: INCAS

   Os incas foram uma importante civilização pré-colombiana que desenvolveu um vasto império na região da Cordilheira dos Andes. O Império Inca estendia-se por territórios que atualmente correspondem desde parte da Colômbia até o norte do Chile e da Argentina. Os incas constituíram uma civilização complexa, notabilizada pela construção de um enorme sistema de estradas. Essa civilização desapareceu a partir da conquista realizada pelos espanhóis no século XVI.

  Os incas não deixaram registros escritos de sua história antes da chegada dos espanhóis. Com base em crônicas escritas após a conquista espanhola  das terras andinas e fontes materiais (inclusive cidades inteiras), conhecemos certas crenças, alguns valores e as práticas da sociedade inca.

Extensão máxima da civilização inca na América do Sul

Origem

  A região andina, local onde se desenvolveu a Civilização Inca, era habitada por grupos humanos desde aproximadamente 4.500 a.C., e, antes dos incas, havia abrigado uma outra grande civilização conhecida como chavín, entre 900 a.C. e 200 a.C.

  Os incas, também chamados de quéchua, chegaram aos Andes no século XIII d.C. e, nas terras altas passaram a viver sobretudo da agricultura e do pastoreio, mas foi somente a partir de 1470 que começaram a estender seus domínios sobre territórios e povos da região andina e construíram um grande império.  No processo de formação do seu império, os incas assimilaram elementos de outras culturas, inclusive o quéchua, a língua que mais tarde espalhariam pelos Andes.

Império de Tiauanaco-Huari

  O surgimento oficial do Império Inca aconteceu, segundo os historiadores, com o reinado do Sapa Inca (termo em quéchua para imperador) Pachacuti. Durante seu reinado, os incas iniciaram a conquista territorial da região andina, processo que foi continuado por outros imperadores incas.

  Os incas conseguiram construir um império territorialmente muito vasto, que se estendia por mais de 4 mil quilômetros. Os povos conquistados por eles eram obrigados a pagar impostos e as regiões dominadas eram integradas ao império por meio da construção de estradas (os incas possuíram mais de 40 mil quilômetros de estradas) por ordem do Sapa Inca, e culturalmente absorvidas com o deslocamento da população quéchua para essas regiões.

  O grandioso império dos incas era denominado por eles próprios de Tawantisuyu (o Império das quatro direções, em quéchua) e era dividido em quatro grandes províncias chamadas de: Chinchasuyuy (norte), Antisuyu (leste), Contisuyu (oeste) e Collasuyuy (sul).

Expansão inca (1438-1533)

Características dos incas

  Os incas construíram um império que era baseado em um sistema de governo conhecido como teocracia. Nesse sistema político, o governo sofre forte influência das crenças religiosas. No caso dos incas, o Sapa Inca era visto como um descendente do Sol e, por isso, possuía poderes irrestritos. Os poderes do Sapa Inca chegavam a interferir na vida das pessoas e a determinar quando poderiam casar, viajar e mudar para outras áreas do império.

  Além da grandiosidade territorial, o Império Inca era caracterizado pela grande diversidade de povos e de culturas, possuindo em torno de seis a dez milhões de habitantes. Nessa vasta população, existiam, pelo menos, 30 idiomas diferentes.

Os quatro suyus ou quadrantes do Império Inca

Economia inca

  A base da economia inca era a agricultura, que produzia tudo o que os incas possuíam. A alimentação baseava-se no milho e na batata, no entanto, os incas produziam grandes quantidades de itens como algodão e pimenta. A fertilidade da agricultura dos incas era resultado de uma técnica conhecida como curvas de nível.

  Habitando regiões montanhosas, os incas adotavam a irrigação sistemática e construíam terraços na forma de uma imensa escada para a prática da agricultura. Nos degraus mais altos, cultivavam espécies vegetais resistentes ao frio, como a batata; nos do meio, milho abóbora e feijão; nos mais baixos, semeavam as árvores frutíferas. Com isso, conseguiam colheitas variadas e fartas o ano inteiro. Os incas se dedicavam também à pesca, a coleta de produtos e ao pastoreio: criavam a lhama, animal de carga com grande resistência, além da alpaca e guanaco, dos quais obtinham a lã e o leite.

Panorama dos terraços agrícolas de Pisac, no Vale Sagrado dos Incas

O ayllu e a mita

  A maioria da população inca era composta de famílias camponesas que trabalhavam na agricultura ou no pastoreio. Um conjunto de famílias unidas por laços de parentesco ou aliança formava o ayllu, unidade social básica administrada pelo curaka (chefe comunitário). Era dever do ayllu produzir tudo o que fosse necessário para sua própria sobrevivência, além de pagar os impostos que eram devidos ao Sapa Inca.

  Entre os incas havia um antigo hábito segundo o qual os membros do ayllu tinham de prestar serviços gratuitos ao curaka. Essa obrigação tem o nome de mita. Com a formação do império, os membros das comunidades passaram a ter de prestar serviços gratuitos também para o chefe do Estado, o Inca. Entre os serviços gratuitos, estavam: semear, plantar, colher, construir, consertar estradas, templos e fazer vestimentas e armas para ser usados na guerra. Esses serviços e produtos contribuíam para a grandeza do império e, em caso de invernos rigorosos, epidemias ou inundações, deviam ser distribuídos à população.

Figura mostrando uma representação da mita

A filosofia inca

  Os incas também possuíam um pensamento filosófico próprio, que ficou conhecido como filosofia andina, em referência à região onde esse pensamento floresceu: a Cordilheira dos Andes. Nesta filosofia, todos os elementos da vida fazem parte de uma mesma trama, sendo impossível isolá-los. Por isso, ao contrário de filosofias de matriz europeia, eles não opunham o sagrado ao profano, por entender que essas duas dimensões são complementares. Outra particularidade que a diferencia frontalmente da maneira europeia de pensar é que a filosofia andina não é andocêntrica, ou seja, não pensa o masculino superior ao feminino.

  Muitos filósofos europeus estudaram o conceito de virtude, palavra que tem a mesma raiz de viril e possui valor positivo. Assim, a ação humana considerada positiva foi, durante séculos, vinculada a uma característica que pertence aos homens.

  No pensamento andino, a oposição entre homem e mulher não estabelecia nenhum tipo de hierarquia. Ao contrário, o masculino e o feminino eram oposições complementares e nenhum dos dois ocupava uma posição dominante.

Machu Picchu - também chamada de "cidade perdida dos incas", é o símbolo mais típico do Império Inca

Guerra Civil Inca e a conquista espanhola

  Os conquistadores espanhóis, liderados por Francisco Pizarro (1476-1541) e seus irmãos, exploraram o sul do que hoje é o Panamá, chegando ao território em 1526. Era claro que haviam chegado a uma terra rica com perspectivas de grandes tesouros e, após outra expedição, em 1529, Pizarro viajou para a Espanha e recebeu a aprovação real para conquistar a região e ser seu vice-rei.

  Animado pela descoberta de ouro e prata nas terras astecas, Pizarro partiu do Panamá e chegou à cidade inca de Tumbez, em 1532.  Pizarro e seus homens se aproveitaram da desunião entre os irmãos Atahualpa e Huáscar (c. 1491-1533), cujo pai havia morrido acometido de varíola. Além disso, Pizarro, à semelhança de Cortez, também se aliou a povos nativos insatisfeitos com a dominação exercida sobre eles.

  O primeiro confronto entre incas e espanhóis foi a Batalha de Puná, próximo da atual Guayaquil, no Equador. Pizarro então fundou a cidade de Piura em julho de 1532. Hernando de Soto foi enviado para explorar o interior e voltou com um convite para conhecer o inca Atahualpa, que havia derrotado seu irmão na guerra civil e repousavam em Cajamarca com seu exército.

  De Tumbez, Pizarro e seus homens se deslocaram para Cajamarca, onde aprisionaram o imperador inca Atahualpa (c. 1502-1532).A seguir, Pizarro prometeu libertar o imperador inca em troca de todo o ouro que coubesse no quarto onde ele estava preso. Os incas pagaram o resgate, mas Pizarro não cumpriu o prometido e ordenou a morte de Atahualpa na fogueira.

  Os  wankas, um povo guerreiro do sul do atual Peru, e vários outros povos indígenas ajudaram na conquista espnhola de Cuzco, a capital inca, em 1533. Dois anos depois, Pizarro fundou a Ciudad de los Reys, atual Lima, que veio a ser capital do novo domínio espanhol.

Imagem retratando o Massacre de Cajamarca, que deixou milhares de nativos mortos

  Os auxiliares de Pizarro projetaram Lima seguindo o modelo das cidades espanholas. Na praça central, ergueram a igreja, os prédios públicos e, a partir dela, construíram ruas retas e casas que lembravam a da Espanha. Quanto mais próximo da praça residia uma família, maior era o seu prestígio. Ou seja, a localização da residência em relação à praça simbolizava o status social de cada família. Próximo à costa do Oceano Pacífico e distante de Cuzco, Lima contava inclusive com uma instituição de ensino superior, a Universidade de São Marcos, fundada em 1551 e existente até hoje.

Visão geral da atual Cuzco. Até a colonização, era a capital do império inca

A resistência indígena

  Ao contrário do que se disse durante muito tempo, os nativos reagiram ao domínio espanhol de diversas formas: praticando o suicídio, revoltando-se, fugindo para a mata sozinhos ou em grandes grupos, e também por meio de armas.

  A resistência inca no sul do Peru, durou quase 40 anos. Protegidos pela muralha de neve da Cordilheira dos Andes, eles resistiram aos espanhóis de 1532 a 1572. Só com muito esforço e com a ajuda de efetivos vindos da Espanha foi que os espanhóis conseguiram vencer os incas. Na ocasião, o lendário Túpac Amaru (1545-1572), considerado o último líder da resistência inca, foi capturado e decapitado pelos espanhóis.

Representação da fundação de Lima

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

PRADO, M. L.; PEREGRINO, G. História da América Latina. São Paulo: Contexto, 2014.

RAMINELLI, R. A era das conquistas: América espanhola, séculos XVI e XVII. Rio de Janeiro: FGV, 2013.

RESTALL, M. Sete mitos da conquista espanhola. São Paulo: Civilização Brasileira, 2006.

sexta-feira, 29 de outubro de 2021

AS IDEIAS ANARQUISTAS

   Anarquismo é uma ideologia política que se opõe a todo tipo de hierarquia e dominação, seja ela política, econômica, social ou cultural, como o Estado, o capitalismo, as instituições religiosas, o racismo e o patriarcado.

  O termo "anarquia" vem do grego anarchos, que significa "sem governo". Os adeptos do anarquismo, doutrina criada em meados do século XIX, contestavam a autoridade do Estado e responsabilizavam os governos pelas desigualdades sociais.

  Os meios para se alcançar tais objetivos são motivos de debates e divergências entre os anarquistas. Com base em discussões estratégicas acerca da organização anarquista, das lutas de curto prazo e da violência, estabelecem-se duas correntes do anarquismo: o anarquismo insurrecionário e o anarquismo social ou de massas.

  O anarquismo insurrecionário afirma que as lutas de curto prazo por reformas e que os movimentos de massa organizados são incompatíveis com o anarquismo, dando ênfase à propaganda pelo ato como o principal meio para despertar uma revolta espontânea revolucionária.

  O anarquismo social ou de massas enfatiza a noção de que apenas movimentos de massa podem ser capazes de provocar a transformação social desejada pelos anarquistas, e que tais movimentos, constituídos normalmente por meio de lutas por reformas e questões imediatas, devem contar com a presença dos anarquistas, que devem trabalhar no sentido de radicalizá-los e transformá-los em agentes revolucionários.

Símbolo do anarquismo cristão

  O anarquismo surgiu das reflexões do escritor e filósofo inglês William Godwin. Em seus estudos, ele combateu a propriedade privada e a autoridade dos governos e das instituições políticas, apontadas como as causas das injustiças sociais e da opressão. Essas ideias contribuíram para dar suporte ao pensamento anarquista e foram desenvolvidas como campo teórico ao longo do século XIX.

  O anarquismo foi um movimento muito amplo e complexo que adquiriu particularidades variadas ao longo da história. Mesmo entre os primeiros anarquistas havia diferenças de objetivos e métodos. Apesar disso, algumas características comuns os unia. A contestação a todas as formas de autoridade, como a dos governos, o anseio por liberdades individuais e a crença de que a natureza humana seria suficiente para que as pessoas se organizassem, livres de opressões, eram aspectos presentes nas ideias de quase todos os primeiros pensadores anarquistas.

  Outro elemento comum na primeira fase do anarquismo era a oposição ao marxismo. A ditadura do proletariado ou mesmo qualquer outra forma de governo, mesmo que temporário, era recusada. Além disso, acreditava-se que a organização dos trabalhadores na luta revolucionária pela formação de uma sociedade anarquista deveria ser feita de baixo para cima, sem hierarquias. Para pensadores anarquistas, as ideias marxistas igualavam as pessoas, negando a individualidade e a independência de cada uma.

  Os anarquistas também eram contrários à democracia, pois para eles o desejo da maioria não poderia sobrepor-se ao da minoria. Além disso, não acreditavam na eleição para cargos representativos.

Símbolo do anarquismo insurrecionário

Pensadores anarquistas

  Muitos teóricos formularam e divulgaram o pensamento anarquista na Europa no século XIX, entre eles o francês Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865) e o russo Mikhail Bakunin (1814-1876).

  Proudhon foi o primeiro pensador a se autoproclamar anarquista e exerceu muita influência sobre o movimento operário da segunda metade do século XIX e início do século XX. Ele não se opunha à propriedade privada, mas sim ao acúmulo de propriedades, que possibilitava a exploração, por grupos ociosos, do trabalho daqueles que não tinham a propriedade dos meios de produção.

  Para Proudhon, a sociedade ideal seria composta de pequenos produtores e operários independentes, que se organizariam em sociedade por relações contratuais livres, nas quais, a individualidade seria mantida. Deveriam ser criados bancos de crédito para os trabalhadores e espaços onde eles pudessem trocar suas produções. Essas ideias, que compunham o denominado mutualismo, inspiraram vários movimentos sindicais e organizações cooperativas.

  Proudhon também foi um dos primeiros críticos do nacionalismo. Ele pregava a organização social por meio de um modelo federalista, que se estenderia por todo o mundo. Nessa proposta é possível perceber a ideia da organização partindo das bases, que formariam as federações, até alcançar a escala mundial.

Pierre-Joseph Proudhon - político e econômico francês, membro do Parlamento da França, foi o primeiro grande ideólogo anarquista da história

  De origem aristocrática, Bakunin foi fiel ao regime czarista até 1840, ano em que saiu da Rússia e entrou em contato com outros lugares e ideias. Em 1844, conheceu Proudhon, pensador que exercia grande influência sobre ele. A partir de 1861, Bakunin passou a difundir o anarquismo em várias partes da Europa, sobretudo nos Estados italianos, nos quais fundou as organizações que dariam origem ao movimento anarquista italiano.

  Bakunin defendia a proposta de que o Estado deveria ser dissolvido imediatamente, discordando da ditadura do proletariado marxista. Ele não compartilhava das ideias de Proudhon em defesa da propriedade privada nem das relacionadas ao individualismo, mas era adepto da teoria de associação do pensador francês.

Mikhail Bakunin - teórico político, sociólogo, filósofo e revolucionário russo, é um dos principais fundadores  da tradição social anarquista


Historicamente, o anarquismo é um fenômeno moderno, surgindo na segunda metade do século XIX no contexto da Segunda Revolução Industrial, a partir da radicalização do mutualismo de Pierre-Joseph Proudhon no seio da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), durante o final da década de 1860. Entre 1868 e 1894, o anarquismo já havia se desenvolvido significativamente e também havia sido difundido globalmente, exercendo, até 1949, grande influência entre os movimentos operários e revolucionários, embora tenha continuado a exercer influência significativa em diversos movimentos sociais do período pós-guerra até a contemporaneidade, entre fluxos e refluxos.[9]

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