sexta-feira, 29 de outubro de 2021

AS IDEIAS ANARQUISTAS

   Anarquismo é uma ideologia política que se opõe a todo tipo de hierarquia e dominação, seja ela política, econômica, social ou cultural, como o Estado, o capitalismo, as instituições religiosas, o racismo e o patriarcado.

  O termo "anarquia" vem do grego anarchos, que significa "sem governo". Os adeptos do anarquismo, doutrina criada em meados do século XIX, contestavam a autoridade do Estado e responsabilizavam os governos pelas desigualdades sociais.

  Os meios para se alcançar tais objetivos são motivos de debates e divergências entre os anarquistas. Com base em discussões estratégicas acerca da organização anarquista, das lutas de curto prazo e da violência, estabelecem-se duas correntes do anarquismo: o anarquismo insurrecionário e o anarquismo social ou de massas.

  O anarquismo insurrecionário afirma que as lutas de curto prazo por reformas e que os movimentos de massa organizados são incompatíveis com o anarquismo, dando ênfase à propaganda pelo ato como o principal meio para despertar uma revolta espontânea revolucionária.

  O anarquismo social ou de massas enfatiza a noção de que apenas movimentos de massa podem ser capazes de provocar a transformação social desejada pelos anarquistas, e que tais movimentos, constituídos normalmente por meio de lutas por reformas e questões imediatas, devem contar com a presença dos anarquistas, que devem trabalhar no sentido de radicalizá-los e transformá-los em agentes revolucionários.

Símbolo do anarquismo cristão

  O anarquismo surgiu das reflexões do escritor e filósofo inglês William Godwin. Em seus estudos, ele combateu a propriedade privada e a autoridade dos governos e das instituições políticas, apontadas como as causas das injustiças sociais e da opressão. Essas ideias contribuíram para dar suporte ao pensamento anarquista e foram desenvolvidas como campo teórico ao longo do século XIX.

  O anarquismo foi um movimento muito amplo e complexo que adquiriu particularidades variadas ao longo da história. Mesmo entre os primeiros anarquistas havia diferenças de objetivos e métodos. Apesar disso, algumas características comuns os unia. A contestação a todas as formas de autoridade, como a dos governos, o anseio por liberdades individuais e a crença de que a natureza humana seria suficiente para que as pessoas se organizassem, livres de opressões, eram aspectos presentes nas ideias de quase todos os primeiros pensadores anarquistas.

  Outro elemento comum na primeira fase do anarquismo era a oposição ao marxismo. A ditadura do proletariado ou mesmo qualquer outra forma de governo, mesmo que temporário, era recusada. Além disso, acreditava-se que a organização dos trabalhadores na luta revolucionária pela formação de uma sociedade anarquista deveria ser feita de baixo para cima, sem hierarquias. Para pensadores anarquistas, as ideias marxistas igualavam as pessoas, negando a individualidade e a independência de cada uma.

  Os anarquistas também eram contrários à democracia, pois para eles o desejo da maioria não poderia sobrepor-se ao da minoria. Além disso, não acreditavam na eleição para cargos representativos.

Símbolo do anarquismo insurrecionário

Pensadores anarquistas

  Muitos teóricos formularam e divulgaram o pensamento anarquista na Europa no século XIX, entre eles o francês Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865) e o russo Mikhail Bakunin (1814-1876).

  Proudhon foi o primeiro pensador a se autoproclamar anarquista e exerceu muita influência sobre o movimento operário da segunda metade do século XIX e início do século XX. Ele não se opunha à propriedade privada, mas sim ao acúmulo de propriedades, que possibilitava a exploração, por grupos ociosos, do trabalho daqueles que não tinham a propriedade dos meios de produção.

  Para Proudhon, a sociedade ideal seria composta de pequenos produtores e operários independentes, que se organizariam em sociedade por relações contratuais livres, nas quais, a individualidade seria mantida. Deveriam ser criados bancos de crédito para os trabalhadores e espaços onde eles pudessem trocar suas produções. Essas ideias, que compunham o denominado mutualismo, inspiraram vários movimentos sindicais e organizações cooperativas.

  Proudhon também foi um dos primeiros críticos do nacionalismo. Ele pregava a organização social por meio de um modelo federalista, que se estenderia por todo o mundo. Nessa proposta é possível perceber a ideia da organização partindo das bases, que formariam as federações, até alcançar a escala mundial.

Pierre-Joseph Proudhon - político e econômico francês, membro do Parlamento da França, foi o primeiro grande ideólogo anarquista da história

  De origem aristocrática, Bakunin foi fiel ao regime czarista até 1840, ano em que saiu da Rússia e entrou em contato com outros lugares e ideias. Em 1844, conheceu Proudhon, pensador que exercia grande influência sobre ele. A partir de 1861, Bakunin passou a difundir o anarquismo em várias partes da Europa, sobretudo nos Estados italianos, nos quais fundou as organizações que dariam origem ao movimento anarquista italiano.

  Bakunin defendia a proposta de que o Estado deveria ser dissolvido imediatamente, discordando da ditadura do proletariado marxista. Ele não compartilhava das ideias de Proudhon em defesa da propriedade privada nem das relacionadas ao individualismo, mas era adepto da teoria de associação do pensador francês.

Mikhail Bakunin - teórico político, sociólogo, filósofo e revolucionário russo, é um dos principais fundadores  da tradição social anarquista


Historicamente, o anarquismo é um fenômeno moderno, surgindo na segunda metade do século XIX no contexto da Segunda Revolução Industrial, a partir da radicalização do mutualismo de Pierre-Joseph Proudhon no seio da Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT), durante o final da década de 1860. Entre 1868 e 1894, o anarquismo já havia se desenvolvido significativamente e também havia sido difundido globalmente, exercendo, até 1949, grande influência entre os movimentos operários e revolucionários, embora tenha continuado a exercer influência significativa em diversos movimentos sociais do período pós-guerra até a contemporaneidade, entre fluxos e refluxos.[9]

quarta-feira, 27 de outubro de 2021

A REVOLUÇÃO FRANCESA

   Em 1789, acontecia na França uma revolução que marcaria o fim da Idade Moderna e o início da Idade Contemporânea, a chamada Revolução Francesa. Essa revolução causou a queda de uma monarquia, o enfraquecimento da Igreja Católica e o fim da aristocracia, e é considerada por muitos como o marco da história francesa e mundial devido à radicalização política que o caracterizou.

  A monarquia absolutista que tinha governado a nação durante séculos entrou em colapso. A sociedade francesa passou por uma transformação, com o fim dos privilégios feudais, aristocráticos e religiosos promovidos por grupos políticos radicais, pela revolução em massa nas ruas e por camponeses no espaço rural francês. Antigos ideais da tradição e da hierarquia monárquica, aristocrática e religiosa foram derrubados pelos novos princípios de Liberté, Égalité e Fraternité (Liberdade, Igualdade e Fraternidade).

A Liberdade guiando o povo. Pintura de Delacroix

Antecedentes da Revolução

  Até o século XVIII, a França era regido pelo Absolutismo Monárquico. Com a formação dos Estados nacionais, os reis assumiram o papel que antes era da nobreza feudal na formulação de leis, na cobrança de tributos e nas funções militares. Durante o processo de centralização política, os monarcas formaram exércitos profissionais e permanentes. Além disso, criaram e instituíram impostos e uma burocracia ligada à administração do Estado, composta em grande parte de membros da nobreza, que tinham vários privilégios - como as isenções fiscais, um conjunto de leis que os beneficiavam - e acesso exclusivo aos postos elevados do exército.

  Durante o processo de consolidação do poder real, entre os séculos XVI e XVIII, o absolutismo monárquico se instalou em vários Estados da Europa Ocidental. Nesse sistema de governo, o poder real era hereditário (transmitido de pai para filho), e o monarca era considerado o representante de Deus na Terra. O apogeu do absolutismo ocorreu na França, durante o reinado de Luís XIV, que ficou conhecido como Rei Sol, entre 1643 e 1715. Esse rei associou sua figura ao próprio Estado, promovendo um grande culto à sua imagem por meio de extensa produção de pinturas, esculturas e tapeçarias, além de fomentar o uso de normas de etiqueta como distinção social, bem como a valorização de ambientes de luxo, de roupas sofisticadas e de refeições ritualizadas.

Jean-Baptiste Colbert apresentando os membros da Academia Real da Ciência para Luís XIV, pintura de Henri Testelin, 1667. Colbert foi um influente ministro de economia que coordenou a política protecionista do governo do rei Luís XIV

  No absolutismo, o monarca tratava diretamente de assuntos do Estado, exercendo grande controle sobre o comércio, as manufaturas e a máquina administrativa. O pagamento de impostos pelos trabalhadores do campo e das cidades assegurava o funcionamento de toda a estrutura do Estado. A centralização política garantiu maior controle da nobreza feudal sobre os camponeses, que continuavam em sua posição social tradicional - dependentes dos proprietários das terras nas quais trabalhavam e pagando a maior parte dos impostos.

  Os nobres se integravam ao Estado absolutista assumindo cargos e atividades em funções administrativas e burocráticas junto ao poder real. A nascente burguesia, mercantil e manufatureira, pagava por posições nos aparelhos públicos em troca de privilégios. A venda de cargos públicos foi um dos alicerces financeiros desses governos.

  Dentro da estrutura do Estado Absolutista, havia três diferentes estados, nos quais a população se enquadrava:

  • Primeiro Estado - era representado pelos bispos do Alto Clero;
  • Segundo Estado - tinha como representantes a nobreza ou a aristocracia francesa - que desempenhava funções militares (nobreza da espada) ou funções jurídicas (nobreza de toga).
  • Terceiro Estado - era representado pela burguesia, que se dividia entre membros do Baixo Clero, comerciantes, banqueiros, empresários, os sans-culottes ("sem calções"), trabalhadores urbanos e os camponeses, no qual representava cerca de 97% da população.

Figurinha mostrando como funcionava o Absolutismo Monárquico

Teóricos do absolutismo

  A partir do século XVI, foram formuladas teorias filosóficas para justificar o poder absoluto dos reis. Os pensadores que se dedicaram a essa questão refletiram sobre o Estado e a política em busca de um modelo ideal de governo.

  O florentino Nicolau Maquiavel (1469-1527) apresentou dois conceitos significativos para o pensamento político moderno: o de virtú e o de fortuna. Para o filósofo, virtú era a capacidade de escolher a melhor estratégia administrativa, enquanto fortuna remetia às circunstâncias do acesso a que os seres humanos estavam submetidos.

  Maquiavel definia virtú também como a vontade política de uma pessoa, ou seja, sua ação política. Em uma personagem política concreta (o rei, por exemplo), era a capacidade de escolher a melhor estratégia de ação para o seu governo.

  Um bom governante, era aquele que, com sabedoria, combinava virtú e fortuna, sem priorizar uma ação em detrimento da outra. Para alcançar a plenitude na política, de acordo com o florentino, os reis não poderiam estar submetidos a nenhuma instituição, nem mesmo à Igreja Católica.

Nicolau Maquiavel - filósofo, historiador, poeta, diplomata e músico de origem florentina do Renascimento, é reconhecido como o fundador do pensamento da ciência política moderna pelo fato de ter escrito sobre o Estado e o governo como realmente são, e não como deveriam ser.

  O inglês Thomas Hobbes (1588-1679), outro importante teórico do absolutismo e autor da obra Leviatã, defendia a ideia de que os seres humanos, em estado de natureza, se autodestruiriam, promovendo uma guerra de todos contra todos.

  De acordo com Hobbes, sem um governo forte, os indivíduos não respeitariam os limites necessários a uma boa convivência social. Por isso, deveria renunciar à liberdade do estado de natureza e abdicar do direito natural a tudo o que existe em nome do rei, figura capaz de manter a ordem social e a segurança nacional.

  Hobbes considerava o Estado um monstruoso aparato administrativo que, por meio de um contrato social firmado com a população, poderia resolver as questões referentes ao bem comum.

Frontispício da edição original do Leviatã ou Matéria, Palavra e Poder de um Governo Eclesiástico e Civil (1651). Escrito por Thomas Hobbes, esse livro é intitulado em referência ao Leviatã bíblico, e diz respeito à estrutura da sociedade e do governo legítimo.

O direito divino dos reis

  Para outra corrente de filósofos, a legitimação jurídica da monarquia estava assentada na religião. Esses pensadores consideravam os reis a expressão mais perfeita da autoridade delegada por Deus e, por isso, tratavam a monarquia como direito divino.

  Um dos defensores do direito divino dos reis foi o francês Jean Bodin (1530-1596). Conhecido como "procurador geral do Diabo", por perseguir manifestações consideradas heréticas, ele negava veemente a necessidade de existência do Parlamento, sustentando a ideia de que tal órgão, diante de Deus, não tinha soberania para resolver qualquer questão, principalmente se estivesse em desacordo com o rei.

  Segundo Bodin: "Nada havendo de maior sobre a terra, depois de Deus, que os príncipes soberanos e sendo por Ele estabelecidos como seus representantes para governar os outros homens, é necessário lembrar-se de sua qualidade, a fim de respeitar-lhes e reverenciar-lhes a majestade com toda a obediência, a fim de sentir e falar deles com toda a honra, pois quem despreza seu príncipe soberano, despreza a Deus, do qual é a imagem na terra."

BODIN J. Seis livros da república. In: CHEVALLIER, J.-J. As grandes obras políticas: de Maquiavel a nossos dias. 8. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1999. p. 62

  Considerando o principal teórico do pensamento da monarquia por direito divino, o bispo e teólogo francês Jacques Bossuet,  afirmava que o poder do rei emanava de Deus e, nesse sentido, o soberano era seu representante no mundo.

Jean Bodin - teórico político, jurista francês, membro do Parlamento de Paris e professor de Direito em Toulouse, é reconhecido pelos seus estudos que foram de suma importância para o avanço dos conceitos de soberania e absolutismo dos Estados.

O poder sou eu

  Na França, os reis da dinastia Bourbon, sem se apoiar na teoria do contrato social ou da natureza divina do poder, declaravam que toda autoridade emanava do soberano. Segundo o rei Luís XV:

  "É somente na minha pessoa que reside o poder soberano. [...] é somente de mim que meus tribunais recebem a sua existência e a sua autoridade; a plenitude desta autoridade, que eles não exercem senão em meu nome, permanece sempre em mim, e o seu uso nunca pode ser contra mim voltado; é unicamente a mim que pertence o Poder Legislativo, sem dependências e sem partilha; é somente por minha autoridade que os funcionários dos meus tribunais procedem, não à formação, mas ao registro, à execução da lei, e que lhes é permitido advertir-me o que é do dever de todos os úteis conselheiros; toda a ordem pública emana de mim, e os direitos e interesses da nação, de que se pretende ousar fazer um corpo separado do monarca, estão necessariamente unidos com os meus e repousam inteiramente em minhas mãos."

LUÍS XV. Resposta do rei ao Parlamento de Paris, na sua sessão de 3 de março de 1766. In: FREITAS, G. 900 textos e documentos da história. Lisboa: Plátano, 1976, p. 201.

Luís XV (1710-1774), também conhecido como Luís, o Bem Amado, Rei da França e Navarra de 1715 até sua morte, em 1774

Sociedade francesa no Antigo Regime

  Ao longo da segunda metade do século XVIII, a França se envolveu em várias guerras, como a Guerra dos Sete Anos (1756-1763) contra a Inglaterra, e o auxílio dado aos Estados Unidos na Guerra de Independência (1776). Ao mesmo tempo, a Corte absolutista francesa, que possuía um elevado custo de vida, era financiada pela Estado.

  Além disso, a França teve que enfrentar duas graves crises: uma no campo, devido às péssimas colheitas nas décadas de 1770 e 1780, o que gerou uma elevada inflação; e uma crise financeira, derivada da vida pública que se acumulava, sobretudo decorrente da falta de modernização econômica.

  No final do século XVIII, os franceses realizaram um dos mais importantes movimentos políticos da história do Ocidente: a Revolução Francesa. As críticas e as contestações  eram direcionadas à nobreza privilegiada e à política econômica conduzida pela monarquia absolutista. Os ideais defendidos pelos revolucionários - liberdade, igualdade e fraternidade - foram disseminados  no continente europeu e em outras partes do mundo.

  Na França revolucionária, difundiram-se princípios e termos até hoje utilizados nos embates políticos, como cidadania, direito natural, política liberal, nacionalismo, "esquerda" e "direita".

Foto do Parlamento da França, com os representantes da Esquerda e Direita

  No final do século XVIII, o regime político vigente na França era o absolutismo monárquico, e o rei francês concentrava todo o poder do Estado em suas mãos. A divisão da sociedade em ordens ou estados garantia à nobreza honras e privilégios hereditários, como isenção de impostos, direito à cobrança de impostos dos camponeses pelo uso da terra e direito à participação em atividades políticas e militares. Esse conjunto de características, típico da França da Idade Moderna, passou a ser chamada de Antigo Regime.

  Na organização social vigente nesse período, o primeiro estado era composto do clero, que em 1789 representava 0,5% da população francesa e se dividia em alto clero (originário da nobreza) e baixo clero (proveniente das camadas burguesas e populares); o segundo estado, constituído pela nobreza, reunia 1,5% dos franceses; e o terceiro estado, correspondente a 90% da população, que abrigava os camponeses, os operários, os profissionais liberais, os burgueses, entre outros grupos.

  Essa estrutura impedia a ascensão política dos setores burgueses, uma vez que os privilégios, as honras e os títulos estavam reservados à nobreza e ao alto clero. No decorrer dos séculos XVII e XVIII, apenas alguns juízes e altos funcionários de origem burguesa conseguiam transpor essas barreiras por meio do recebimento (ou aquisição de títulos), passando a constituir a nobreza togada.

O Terceiro-Estado carregando o Primeiro e o Segundo Estados nas costas

Crise do Antigo Regime

  Vários motivos levaram à crise do absolutismo na França. O terceiro estado - principalmente a burguesia, inspirada pelo Iluminismo - passou a contestar os privilégios que favoreciam a nobreza e o clero e constituíam entraves para sua ascensão política, econômica e social. O déficit público, já acumulado com os altos gastos do governo para sustentar os privilégios daqueles dois grupos, além da administração desordenada das províncias, foi agravado pelas despesas oriundas do apoio da França ao movimento de independência das Treze Colônias (1776-1783) contra a Grã-Bretanha.

  Os tratados de comércio e navegação, assinados pelos governos da França, dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha, da Suécia, entre outros países, para reduzir as tarifas alfandegárias desagradaram a burguesia comercial e manufatureira francesa, que associou esses acordos à queda da produção e do comércio de seus produtos. Outro problema econômico foi a crise de abastecimento, gerada por um longo período de seca e más colheitas que provocaram a queda drástica da produção de alimentos.

  A crise se agravou em 1787, quando o ministério de Luís XVI propôs uma reforma fiscal que, além de suprimir as isenções fiscais que beneficiavam nobres e clérigos, submetia todos os proprietários, nobres ou não, ao pagamento de uma subvenção territorial, ou seja, imposto sobre a propriedade da terra. Para salvaguardar seus privilégios, a nobreza e o clero recusaram a proposta. A crise financeira desdobrou-se em um desequilíbrio político e administrativo. Pressionado, o monarca convocou a assembleia dos Estados-Gerais, formada por ele e pelos deputados representantes dos três estados.

Luís XVI (1754-1793) foi acusado de ser o principal responsável pela crise ocorrida na França na década de 1780

Assembleia Nacional Constituinte

  Tão logo os Estados-Gerais reuniram-se em Versalhes, em 5 de maio de 1789, os três grupos manifestaram suas divergências sobre o sistema de votação, que tradicionalmente era feita por estado. O terceiro estado, constituído de um número maior de representantes, exigia o voto individual, o que equilibraria a representação nos Estados-Gerais de acordo com a composição da população francesa. Diante do impasse, os deputados do terceiro estado, apoiados por alguns representantes do clero, retiraram-se da reunião. Em junho, reuniram-se em uma assembleia geral permanente e juraram se manter unidos até conseguirem aprovar uma Constituição para a França que, entre outros objetivos, limitasse os poderes do rei.

  Em 9 de julho de 1789 foi proclamada a Assembleia Nacional Constituinte, composta dos seguintes representantes: 291 do primeiro estado (clero), 270 do segundo estado (nobreza) e 578 do terceiro estado. O primeiro e o segundo estados defendiam o voto orgânico (por estado), mas o terceiro estado defendia o voto inorgânico (por cabeça), pois constituía a maioria absoluta.

  Sem força política para resistir à pressão popular, Luís XVI ordenou que os deputados do primeiro e do segundo estados se unissem a ele, enquanto mobilizava tropas nas proximidades de Versalhes e Paris para submeter o terceiro estado pela força.

Encontro da Assembleia dos Estados Gerais, em 5 de maio de 1789

A tomada da Bastilha

  Em julho de 1789, as ruas de Paris foram tomadas pela população, que, revoltada com a escassez de alimentos e a pobreza em geral, protestava contra o governo. No dia 14, uma multidão invadiu a Bastilha, fortaleza utilizada como prisão política do regime absolutista, em busca de armas e munição para combater as tropas reais. Essa invasão tornou-se símbolo da queda do Antigo Regime e marcou o início do movimento revolucionário.

  A agitação popular parisiense se espalhou por outras cidades e pelo campo. Os camponeses invadiam os castelos e, em muitos casos, massacravam os moradores. Paralelamente, corriam boatos da vingança terrível que os nobres preparavam, e essas notícias criaram uma onda de pânico que se espalhou pela maioria das províncias do país entre fins de julho e princípios de agosto de 1789, época que ficou conhecida como O Grande Medo (La Grande Peur).

Queda da Bastilha, em 14 de julho de 1789, de Jean-Pierre Louis Laurent Houel

  Enquanto a revolução se espalhava pelo país, a Assembleia Constituinte preparava as medidas que formalmente destruiriam o Antigo Regime. No dia 4 de agosto, foram abolidos diversos direitos feudais. No dia dia 26, a Assembleia aprovou o confisco das terras da Igreja e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, documento fundamental para o desenvolvimento da noção moderna de cidadania e direitos humanos e que serviu de referência para a elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. Entre outros princípios, ela difundiu a concepção de os seres humanos, por sua natureza, têm direitos iguais que não dependem da decisão do reconhecimento de governantes nem de regimes.

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão

As mulheres na revolução

  As mulheres tiveram um papel de destaque durante a Revolução Francesa: participaram ativamente de várias ações, fundaram clubes políticos, apoiaram a difusão das ideias revolucionárias, influenciaram as discussões nas sessões da Assembleia, lutaram pelo direito de formar uma guarda feminina e alistaram-se no exército.

  A atuação feminina na França já era significativa nos anos que antecederam a revolução de 1789. As mulheres da burguesia organizavam os famosos "salões" em que os pensadores iluministas debatiam suas ideias. As mulheres das classes populares, por sua vez, trabalhavam em lojas e mercados, enfrentando, muitas vezes, as autoridades responsáveis por prender devedores e confiscar mercadorias. Com a tomada da Bastilha, a participação delas na cena pública aumentou.

  Em um dos episódios mais famosos da Revolução Francesa, ocorrido em outubro de 1789 e conhecido como Marcha sobre Versalhes, cerca de 7 mil mulheres caminharam de Paris até o palácio real em Versalhes com o objetivo de protestar contra o preço alto do pão e a escassez de alimentos, e também para pressionar a família real a retornar à capital.

  Empunhando lanças, machados, foices e mosquetões (arma de fogo semelhante a uma espingarda), essas mulheres invadiram o palácio real e interromperam uma sessão da Assembleia Constituinte. Diante da pressão, a família real voltou a Paris escoltada pela Guarda Nacional.

  Além de defender os ideais da revolução, as francesas reivindicaram igualdade de direitos entre homens e mulheres, pois elas não eram consideradas cidadãs, não podiam exercer cargo público nem votar ou ser votadas para o Parlamento.

Ilustração contemporânea de um Clube de Mulheres Revolucionárias, de Pierre-Étienne Lesueur  \

Da Monarquia Constitucional à proclamação da república

  Em outubro de 1789, a família real foi retirada do Palácio de Versalhes e levada para o Palácio das Tulherias, em Paris. Luís XVI, inconformado com sua situação, organizou tropas fora da França para retomar o poder. Em junho de 1791, o rei e sua família tentaram fugir da França com o apoio das monarquias da Áustria e da Prússia, mas foram detidas na comuna de Varennes e levados de volta a Paris. Em seguida, o monarca foi obrigado a jurar a Constituição de 1791 aprovada pela Assembleia Nacional Constituinte. Iniciava-se, assim, a fase da revolução conhecida como Monarquia Constitucional.

  O Estado francês passou a ser organizado em três poderes: o Executivo, exercido pelo rei, mas subordinado à Constituição; o Legislativo, formado por 745 deputados eleitos por meio do voto censitário (conquista do próprio documento); e o Judiciário, composto de juízes eleitos. A nova Constituição também aboliu alguns impostos, favorecendo o livre-comércio, estabeleceu novos tributos sobre a propriedade e instituiu o voto censitário masculino (mulheres e trabalhadores pobres eram excluídos do processo eleitoral).

Proclamação da Constituição francesa de 1791

  Após a elaboração da Carta Magna, a Assembleia Nacional Constituinte foi substituída pela Assembleia Legislativa, que reunia deputados de diferentes tendências políticas:

  • Girondinos - do francês girondin, por ter sido formado em torno de deputados do departamento de Gironda, eram os republicanos moderados e monarquistas constitucionais, que representavam os interesses da alta burguesia e da nobreza liberal. Seu violento enfrentamento com o grupo dos jacobinos, dominou os primeiros meses da Convenção Nacional.
  • Jacobinos - o termo jacobinismo ou jacobinos, é evolutivo ao longo dos tempos. Mas como expressão é, às vezes, usada na Grã-Bretanha de maneira pejorativa para políticas radicais revolucionárias de esquerda e qualquer corrente de pensamento republicana e laicista  (que rejeita a influência da Igreja na esfera pública do Estado) de extrema-esquerda, representavam a pequena e média burguesia, e defendiam a igualdade de todos perante a lei.
  • Cordeliers - mais ligados aos trabalhadores urbanos, pequenos comerciantes e artesãos, eram os franciscanos estabelecidos na França, e as propostas desse grupo eram consideradas as mais radicais, como o fim do voto censitário, a proclamação de uma república e o estabelecimento de um governo popular. Seus deputados recebiam apoio dos sans-culottes, grupos urbanos que defendiam o sufrágio universal masculino e a república. Os sans-culottes eram, principalmente, artesãos, lojistas e operários. O nome refere-se ao traje que usavam - calças compridas -, em oposição aos culottes ("calças curtas") usadas pelos nobres.
  • Planície ou Pântano - A Planície (La Plaine), O Pântano (Le Marais) e, desdenhosamente Os Sapos (Les Crapauds), era um grupo de representantes moderados da burguesia e sem posições políticas definidas. Era também, o grupo mais numeroso, com cerca de 400 deputados.
  • Feuillants - também chamados de Folietani, eram os membros de uma ordem monástica beneditina da regra de Cister, oriunda da Ordem Cisterciense, pertenciam à alta burguesia e defendiam a monarquia constitucional.

Gravura que retrata uma reunião da Assembleia Nacional Constituinte ocorrida em 4 de fevereiro de 1790

  A Assembleia Legislativa enfrentou a ameaça de intervenção estrangeira e também a profunda crise econômica, que gerava especulação financeira e inflação. Em abril de 1792, a França declarou guerra à Áustria e à Prússia. Os setores mais radicais do movimento revolucionário proclamaram a "pátria em perigo" e distribuíram armas à população de Paris para combater as forças estrangeiras.

  Em setembro, o exército popular derrotou os austríacos e prussianos na Batalha de Valmy. Acusado de colaborar com os estrangeiros, Luís XVI foi declarado traidor da pátria e levado à prisão com sua família. Foram convocadas eleições e a Assembleia Legislativa foi substituída pela Convenção Nacional. Em clima de vitória, a República foi instituída.

Detenção de Luís XVI e sua família, Varennes, 1791 (Museu da Revolução Francesa

Convenção Nacional

  Nas plenárias da Convenção, os deputados girondinos sentavam-se à direita da presidência das sessões e os deputados jacobinos sentavam-se à esquerda. Ao centro, ficavam os deputados da Planície. Daí originou-se a conotação política dos termos "esquerda" e "direita", adotado hoje para definir posições e partidos políticos.

  Coube à Convenção Nacional (1792-1794) julgar o rei Luís XVI - considerado culpado de traição à pátria e guilhotinado em 21 de janeiro de 1793 -, bem como traçar estratégias para enfrentar as coligações estrangeiras que se formaram após a morte do rei e que eram apoiadas pelos nobres emigrados.

  Inicialmente, a hegemonia na Convenção pertencia aos girondinos, interessados em conter o avanço popular, mas o governo deles foi marcado pela instabilidade decorrentes da formação de novas coalizões estrangeiras contra a França, da persistência da crise econômica e da forte oposição dos jacobinos e dos sans-culottes, que exigiam mudanças mais radicais para atender aos anseios das camadas populares.

  A Convenção instituiu um novo calendário para a França. Oficialmente introduzido em 1793, ele tinha como marco inicial o dia 21 de setembro de 1792, data da proclamação da república, e dividia-se em doze meses e trinta dias. Os meses tinham nomes relacionados aos ciclos agrícolas e da natureza.

Figura mostrando como era a divisão na Assembleia Legislativa da França

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA: FURET, François. A Revolução Francesa em debate. Bauru: Edusc, 2000

domingo, 17 de outubro de 2021

A IMIGRAÇÃO JAPONESA NO BRASIL

   A imigração japonesa para o Brasil começou em 1808, mas a maior parte chegou no decênio 1925-1935. Mudanças sociais, políticas e econômicas proporcionadas pela Era Meiji (1868-1912), associada à pequena disponibilidade de terras, foram as principais causas que levaram o governo japonês a incentivar a emigração. Entre essas causas, destacam-se o endividamento dos trabalhadores rurais, a modernização agrícola, a industrialização e a melhoria das condições sanitárias, que aumentaram a pressão demográfica no Japão.

  Após longos 52 dias em alto mar, no dia 18 de junho de 1908, o primeiro grupo de imigrantes japoneses desembarcava no Porto de Santos. À bordo do navio Kasato Maru, que saíra de Kobe, em Osaka, o grupo era composto por 165 famílias de agricultores que buscavam melhores condições de vida nas prósperas fazendas de café do oeste paulista.

Navio Kasato Maru, que trouxe os primeiros imigrantes japoneses para o Brasil

  Mais de três quartos dos imigrantes japoneses estabeleceram-se no estado de São Paulo. Na cidade de São Paulo, os imigrantes japoneses fixaram-se principalmente nos bairros de Pinheiros e da Liberdade. Nas proximidades da capital, dedicaram-se ao cultivo de hortaliças; na região de Alta Paulista (Tupã, Bastos e Marília), trabalharam no cultivo do algodão; na porção paulista do Vale do Paraíba, desenvolveram a cultura do arroz; e no Vale do Ribeira (sul do estado de São Paulo), introduziram a produção de chá.

  A Zona Bragantina, no Pará, também recebeu um número significativo de imigrantes japoneses. Nessa área, a leste de Belém, os japoneses dedicaram-se principalmente à produção de pimenta-do-reino.

Lista dos primeiros imigrantes japoneses que vieram para o Brasil

Fatores que motivaram a imigração de japoneses para o Brasil

  O Japão estava superpovoado no início do século XX. O país tinha ficado isolado do mundo durante os 265 anos do período Edo (Xogunato Tokugawa), sem guerras, epidemias trazidas do exterior ou emigração. Com as técnicas agrícolas da época, o Japão produzia apenas o alimento que consumia, sem formação de estoques para períodos difíceis. Qualquer quebra de safra agrícola causava fome generalizada.

  O fim do Xogunato Togugawa deu espaço para um intenso projeto de modernização e abertura para o exterior durante a Era Meiji. Apesar da reforma agrária, a mecanização da agricultura desempregou milhares de camponeses. Outros milhares de pequenos camponeses ficaram endividados ou perderam suas terras por não poderem pagar os altos impostos, que, na Era Meiji, passaram a ser cobrados em dinheiro, enquanto antes eram cobrados com parte da produção.

  No campo, os lavradores que não tinham tido suas terras confiscadas por falta de pagamento de impostos, mal conseguiam sustentar a família. Os camponeses sem terra foram para as principais cidades, que ficaram saturadas. As oportunidades de emprego tornaram-se cada vez mais raras, formando uma massa de trabalhadores miseráveis.

Matsuhito ou Meiji, O Grande (1862-1912)

  A política emigratória colocada em prática pelo governo japonês tinha como principal objetivo aliviar as tensões sociais devido à escassez de terras cultiváveis e endividamento dos trabalhadores rurais, permitindo assim a implementação de projetos de modernização.

  Enquanto isso, o Brasil também passava por profundas mudanças. Com o fim do tráfico negreiro, em 1850, o preço de uma pessoa escravizada aumentou e os fazendeiros passaram a contratar mão de obra imigrante europeia para suprir a falta de escravos.

  Assim, percebemos que o estímulo para trazer imigrantes ao Brasil se deu por conta do preconceito racial. Os donos dos cafezais preferiam pagar um estrangeiro branco a um trabalhador negro que já sabia realizar a tarefa.

  Com o advento da República, esta política de eliminação do africano se intensificou. Em 5 de outubro de 1892,  foi aprovada a Lei nº 97 que permitia a imigração de japoneses e chineses ao Brasil.

  A partir da década de 1880, o Japão incentivou a emigração de seus habitantes por meio de contrato com outros governos. Antes do Brasil, já havia emigração de japoneses para os Estados Unidos (principalmente para o Havaí), Peru e México. No início do século XX, também houve grandes fluxos de emigração japonesa para os territórios recém-conquistados da Coreia e de Taiwan. Praticamente todos os imigrantes que formaram grandes colônias na Coreia e Taiwan retornaram ao Japão após a Segunda Guerra Mundial.

  Em abril de 1905, chegou ao Brasil o Ministro Fukashi Sugimura, que visitou diversas localidades no Brasil, sendo bem recebido tanto pelas autoridades locais como pelo povo. O relatório produzido por Sugimura, onde foi descrito a receptividade dos brasileiros, aumentou o interesse do Japão pelo Brasil. Influenciados por este relatório e também pelas palestras proferidas pelo secretário Kumaichi Horiguchi, começaram a surgir japoneses decididos a viajar individualmente para o Brasil.

Cartaz de propaganda da imigração de japoneses para o Brasil e Peru

Chegada dos imigrantes japoneses

  Em 1908, o navio "Kasato Maru" aportou no Porto de Santos, em São Paulo, trazendo 781 japoneses. Não era permitida a vinda de solteiros, somente casados e com filhos. Os imigrantes japoneses assinavam contrato de trabalho de 3, 5 e 7 anos com os proprietários das fazendas e, em caso de descumprimento, deveriam pagar pesadas multas.

  Sem falar o idioma e sem nenhuma infraestrutura preparada para recebê-los, os imigrantes japoneses se deram conta de que haviam sido enganados. À medida que os contratos iam terminando, muitos abandonavam as fazendas de café. Já quem não queria esperar, fugiam para as cidades grandes e para outros estados, como Minas Gerais e Paraná, onde as terras tinham um preço mais acessível.

  Com paciência e determinação, os japoneses conseguiram cultivar lavouras no campo ou abrir negócios na cidade e estabilizar sua vida. Calcula-se que cerca de 190 mil japoneses vieram para o Brasil antes da Segunda Guerra Mundial.

Imigrantes japoneses indo para a colheita de café na década de 1930

Imigração japonesa na Segunda Guerra Mundial

  Durante a década de 1940, o cenário mudou. O Brasil passou a apoiar os Estados Unidos e a Inglaterra na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), enquanto o Japão lutava ao lado da Alemanha e da Itália. Quando o Brasil declarou guerra aos países do Eixo, em 1942, uma série de leis prejudicou as comunidades japonesas, como o fechamento de escolas, associações, clubes esportivos e o uso de símbolos nacionais nipônicos. Além disso, eles tiveram suas vendas prejudicadas, ficaram proibidos de se reunirem e vários imigrantes tiveram suas propriedades e bens confiscados.

  Nas assembleias estaduais se discutia a proibição da vinda do "elemento amarelo" para o país, pois este representaria um perigo para a sociedade.

  Quando a Segunda Guerra Mundial terminou, os imigrantes voltaram a receber as cartas de seus parentes que estavam no Japão e relatavam as dificuldades do país após a guerra. Para a maioria quase absoluta das famílias estabelecidas no Brasil, era o fim do sonho de retornar ao Japão. Os imigrantes se convenceram, então, da necessidade de preparar os filhos para ascender na sociedade brasileira. Para isso, boa parte dos nipo-brasileiros foram do campo para a cidade.

Família de imigrantes japoneses

  O forte antiniponismo continuou no Brasil após a Segunda Guerra Mundial. Nesta época, surgiu a Shindo Renmei,  uma organização terrorista formada por nipo-brasileiros que assassinava os nipo-brasileiros que acreditavam na derrota japonesa. Os assassinatos cometidos pela Shindo Renmei e o sentimento antinipônico da época, causaram vários conflitos violentos entre brasileiros e nipo-brasileiros.

  Por causa de alguns acontecimentos ocorridos após o assassinato do caminhoneiro Pascoal de Oliveira, pelo caminhoneiro japonês Kababe Massame, após uma discussão, em julho de 1946, a população de Osvaldo Cruz, interior de São Paulo, que já estava irritada com os dois assassinatos da Shindo Renmei na cidade, saiu às ruas e invadiu casas disposta a maltratar os japoneses. O linchamento dos japoneses só foi totalmente controlado com a intervenção de um destacamento do Exército, vindo de Tupã.

  A partir dos anos 1980, ocorreu uma inversão do fluxo migratório entre o Brasil e o Japão. Os nipo-descendentes e seus cônjuges, com ou sem ascendência japonesa, e seus filhos mestiços ou não, passaram a emigrar para o Japão à procura de melhores oportunidades de trabalho. Estes emigrantes brasileiros são conhecidos como dekasseguis.

Imigrantes japoneses cuidando da plantação de café

Influência cultural japonesa no Brasil

  Uma das contribuições da colônia japonesa no desenvolvimento brasileiro é o campo das artes plásticas, onde a arte dos nipo-brasileiros chega a ser denominada "escola nipo-brasileira". A constância dos nipo-brasileiros em participar dos salões, exposições e eventos foi decisivo para chamar a atenção e manter contatos entre os artistas.

  No final da década de 1970, os nipo-brasileiros tinham uma situação diferente no que se diz em matéria de interação, situação contrária se comparada aos tempos da Segunda Guerra Mundial, quando eram vistos com desconfiança pela população e pelo governo.

  O Bairro da Liberdade, na cidade de São Paulo, representa um exemplo da influência japonesa no Brasil, com vários pórticos vermelhos de templos xintoístas. Restaurantes de yakisoba, sushi e sashimi, estabelecimentos de karaokê e supermercados nos quais se pode comprar o natto e vários tipos de molho de soja. Até mesmo o drinque brasileiro mais famoso, a caipirinha, ganhou uma versão japonesa com saquê: a sakerinha.

Típicos postes de iluminação com luminárias japonesas instaladas nas ruas do Bairro da Liberdade, em São Paulo - SP

  Os imigrantes japoneses aperfeiçoaram as técnicas agrícolas e de pesca dos brasileiros. Ajudaram na difusão de técnicas de produção de alimentos através da hidroponia e da plasticultura. É notável o seu trabalho na aclimatação ou desenvolvimento de vários tipos de frutas e vegetais antes desconhecidos no Brasil, no qual os japoneses trouxeram mais de 50 tipos de alimentos, entre os quais o caqui, a maçã-fuji, a mexerica-poncã e o morango. Como consequência, os estados que receberam os imigrantes tiveram um aumento na renda e elevação do PIB. Com a oferta de novos alimentos, eles mudaram os hábitos alimentares dos brasileiros, introduzindo vários produtos que não faziam parte da dieta nacional.

  Além das novas tecnologias na área agrícola desenvolvida pelos imigrantes japoneses, outra característica dos agricultores nipo-brasileiros foi a do cooperativismo. Graças ao modo de produção desenvolvido pelos imigrantes, foram instalados cinturões verdes próximos aos principais centros urbanos, garantindo autossuficiência em verduras, legumes, frutas e produtos animais, como ovos e frangos. A mentalidade associativista, deu origem às grandes cooperativas agropecuárias que serviram de modelo para várias iniciativas de organização do mercado. Outra contribuição trazida pelos agricultores japoneses foi a técnica inovadora da agricultura intensiva, resultado de técnicas de plantio desenvolvidas no Japão, já que esse país, devido à falta de espaço, produzia-se grande quantidade em áreas pequenas, diferentemente do que era produzido no Brasil, que tinha como base a produção em latifúndios.

Armazém japonês em São Paulo, em 1940

  A fruticultura, anteriormente restrita às propriedades próximas aos centros consumidores, com a influência dos imigrantes, expandiu-se para as diferentes cidades do interior do estado de São Paulo e outros estados brasileiros, havendo o emprego das mais avançadas tecnologias.

  Pelo fato de o Brasil ser um país tropical, técnicos e agrônomos brasileiros não acreditavam que fosse possível produzir maçã no território brasileiro, sendo que o país importava a fruta da Argentina, até que o agrônomo japonês Kenshi Ushirozawa demonstrou ser possível produzir maçã em Santa Catarina com qualidade superior à importada do país vizinho. Com base na experiência catarinense, a Cooperativa Agrícola de Cotia (localizada em Cotia - SP e fundada por imigrantes japoneses em 1927), organizou a implantou um assentamento de produtores rurais no município de São Joaquim (SC), onde seus associados passaram a produzir maçãs, principalmente na variedade fuji, que logo substituíram as maçãs importadas na década de 1980. Até a década de 1970, a maior parte do melão consumido no Brasil era importado da Espanha e do Chile, mas isso mudou na década de 1980, quando as importações foram substituídas pelos melões produzidos em território brasileiro, principalmente por agricultores descendentes de imigrantes japoneses.

  Vale destacar também a introdução da pimenta-do-reino na região de Tomé-Açu, no Pará, que viria a ser chamado de "diamante negro" da Amazônia. Através dos imigrantes japoneses, Tomé-Açu tornou-se o maior produtor mundial de pimenta-do-reino.

Imigrantes japoneses no Pará, na década de 1920

  Os imigrantes japoneses também inovaram nas atividades pesqueiras desenvolvidas no Brasil, com a introdução de novas técnicas e conhecimentos de navegação, que resultaram no aumento da produção. Uma delas foi a introdução de embarcações construídas com base nas que eram utilizadas no Japão. Outra mudança foi com relação às redes de pesca, pois na época eram utilizadas no Brasil redes de algodão, que se deterioravam rapidamente. Os imigrantes banhavam as redes na água onde ferviam cascas de plantas de mangue, o que aumentava sua resistência. Outra inovação foi a montagem de aparatos para pendurar as redes, permitindo a visualização do formato e do caimento, como se estivesse no mar e, assim, eles percebiam a necessidade de eventuais reparos e a adequação do formato da malha.

  Outra introdução implementada pelos japoneses foram as boias de vidro para a flutuação e as portas de ferro para abrir a rede, desenvolvimento tecnológico que propiciou o aumento da produtividade.

Escultura em homenagem aos 100 anos da imigração japonesa, em Santos - SP

quarta-feira, 29 de setembro de 2021

A REVOLUÇÃO DE JASMIM NA TUNÍSIA

   A Revolução de Jasmim, também chamada Revolução Tunisiana de 2010-2011, é uma sucessão de manifestações insurrecionais ocorrida na Tunísia entre dezembro de 2010 e janeiro de 2011, que levou à saída do presidente da República, Zine El Abidine Ben Ali, que ocupava o cargo desde 1987.

  País de colonização francesa, que se tornou independente em 1956, a Tunísia era governada em 2010 por Zine El Albidine Ben Ali. O ditador criou um sistema no qual foi reeleito cinco vezes.

  A família de Ben Ali comandava os negócios de setores estratégicos do país, como o turismo, que nos últimos anos foi uma aposta do governo. Entretanto, oferecer suas belezas naturais e seu patrimônio histórico à visita de turistas como forma de gerar riqueza causou desconforto entre a população. Muita gente começou a questionar essas ações, dando origem a mais uma fonte de insatisfação contra o governo de Ben Ali, que era acusado de ser antidemocrático e corrupto.

Zine El Abidine Ben Ali (1936-2019) - ditador e ex-presidente da Tunísia

  Em 18 de dezembro de 2010, um jovem chamado Mohamed Buazizi ateou fogo ao próprio corpo como forma de protesto contra a corrupção policial. Buazizi tinha uma barraca de frutas, que foi confiscada pela polícia porque o jovem se recusou a pagar propina. A ação do jovem foi o estopim para que começasse uma onda de protestos pelo país.

  Os protestos na Tunísia prosseguiram ao longo de janeiro de 2011, estimulados por um excessivo aumento dos preços dos alimentos básicos, que veio a aumentar a insatisfação popular diante do elevado desemprego, das más condições de vida da maior parte da população tunisiana e da corrupção do governo.

  O presidente Zine el-Abidine Ben Ali, no poder há 24 anos, exigiu a cessação de disparos indiscriminados das forças de segurança contra os manifestantes e afirmou que deixaria o poder em 2014, prometendo também liberdade de imprensa para todos os meios de comunicação, incluindo a internet.

  O povo se reuniu em diversas situações nas ruas, com presença maciça dos jovens, até que, em 14 de janeiro de 2011, Ben Ali fugiu da Tunísia para a Arábia Saudita. Os vários enfrentamentos com a polícia do governo deram resultado positivo para os manifestantes. Como as manifestações foram muito bem-sucedidas e duraram menos de um mês, esse movimento popular contra o governo de Ben Ali foi chamado de Revolução de Jasmim; era a primeira "flor que brotava" da Primavera Árabe.

Manifestantes antigoverno agitando a Bandeira da Tunísia, em 23 de janeiro de 2011

  Logo após a saída do presidente Ben Ali, foi formado um novo governo de transição até a posse de outros dirigentes eleitos. O Conselho Constitucional da Tunísia designou o presidente do Parlamento, Fouad Mebazaâ, como Presidente da República de forma interina, com base no artigo 57 da Constituição do país. Essa nomeação e a constituição de um novo governo dirigido pelo primeiro-ministro demissionário Mohamed Ghannouchi não resolveram a crise. O controle de oito ministérios pelo partido de Ben Ali, o Rassemblement Constitutionnel Démocratique, é contestado pelo oposição e pelos manifestantes.

  Em 27 de janeiro, sob a pressão popular e sindical, um novo governo, sem os caciques do antigo regime, é anunciado pelo primeiro-ministro Ghannouchi, mantido na função. As manifestações e a violência continuaram após essa data. O povo tunisiano pressionou por mudanças políticas e sociais mais amplas. O premier Ghannouchi anunciou sua demissão em 27 de fevereiro de 2011. Um Tribunal de Túnis proibiu a atuação do antigo partido governante e confiscou todos os seus recursos. Um decreto do Ministro do Interior proibiu também a "polícia política", que eram forças especiais usadas para intimidar e perseguir ativistas políticos durante o regime de Ben Ali.

  A Tunísia é vista pela comunidade internacional como o único caso de sucesso da Primavera Árabe. Eleições foram realizadas e as tensões entre as forças islâmicas e laicas não se converteram em um confronto armado graças ao papel de mediação da sociedade civil que, por isso, obteve o Nobel da Paz em 2015.

14 de janeiro de 2011: com barricadas e incêndios, manifestantes tentam impedir a passagem da polícia

  A tragédia pessoal de Pingas desencadeou os protestos que acabaram por provocar uma onda revolucionária que envolveu toda a Tunísia e espalhou-se pelo Mundo Árabe, do Norte da África ao Oriente Médio, alastrando-se por Egito, Líbia, Argélia, Bahrein, Iêmen, Marrocos, Jordânia e Síria, países que, durante décadas, viveram sob ditaduras - muitas das quais apoiadas pelo Ocidente, embora acusadas de violações constantes dos direitos humanos e de impor severas restrições da liberdade de expressão. Além disso, as populações desses países têm convivido com altos índices de desemprego e pobreza apesar de as elites dirigentes acumularem fortunas.

Mapa com os países que enfrentaram os protestos da Primavera Árabe

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