As atividades agrícolas e pecuárias são desenvolvidas pelos seres humanos há mais de 10 mil anos. Durante esse período, povos de várias partes do mundo aprenderam a cultivar diferentes tipos de plantas, como o trigo, o arroz e a cana-de-açúcar na Ásia; a aveia, o centeio e a beterraba na Europa; o milho, a mandioca e o cacau na América. A domesticação e a criação de animais em rebanhos, por sua vez, também foram fatores importantes para a subsistência de diversos grupos humanos.
Para que fosse possível desenvolver a agricultura e a pecuária, os seres humanos precisaram criar instrumentos, como arados, enxadas e foices, técnicas de cultivo, como a irrigação e o pousio - que visa interromper o uso de determinada área de plantio durante certo tempo, a fim de recuperar a fertilidade do solo -, além de técnicas de criação, como a transumância - migração periódica dos rebanhos, realizada em diferentes épocas do ano, em busca de melhores pastagens.
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Agricultura de pousio - uma das técnicas para aumentar a produtividade no campo |
Esses recursos possibilitaram maior controle sobre os processos naturais. Como resultado, obtiveram-se colheitas mais fartas e rebanhos mais sadios. Além disso, surgiram diferentes formas de organização em torno do trabalho agropecuário, envolvendo, por exemplo, a divisão de tarefas no interior dos grupos sociais, como a preparação da terra, o plantio e a colheita, o que estreitou as relações entre os indivíduos e ampliou ainda mais seus laços culturais.
Em todos os continentes, áreas florestais e de campos foram desmatadas para dar lugar as plantações, pastagens e áreas de extração vegetal e mineral, processo que transformou antigas paisagens naturais em paisagens rurais. O campo tornou-se então o espaço geográfico da produção agrícola, alimentando e suprindo com matérias-primas os camponeses e a população que vivia nas aldeias e nas cidades.
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A agricultura modificou as relações de produção. Na figura, agricultores do Egito Antigo colhendo trigo às margens do rio Nilo. |
A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E AS TRANSFORMAÇÕES NO CAMPO
Com a consolidação da atividade industrial ocorrida nos últimos dois séculos, houve profundas transformações tanto nas formas de produção agrícola quanto nas relações econômicas entre o campo e a cidade, sobretudo nas nações que foram berço da Revolução Industrial.
A atividade fabril, sediada preferencialmente nas cidades, subordinou a seus interesses econômicos as atividades agropecuárias e de mineração. Dessa forma, o campo passou a produzir alimentos para a crescente população urbana e matérias-primas (como grãos, fibras, madeiras, resinas, carvão, minérios, etc.) para a indústria em desenvolvimento.
Para atender a demanda da indústria, o setor agropecuário precisaria produzir em grande quantidade e em um período de tempo menor, o que exigia um aperfeiçoamento das tecnologias empregadas na produção. Essa condição foi alcançada por meio de estudos científicos desenvolvidos na área agronômica e veterinária e pelo desenvolvimento de máquinas e insumos cada vez mais eficazes, fornecidos pela própria indústria. Desse modo, o campo deixou de ser exclusivamente um espaço de produção tornando-se também um importante espaço de consumo de bens industrializados.
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Revolução Industrial - aprofundou as relações de trabalho e acelerou o processo de urbanização. |
A AGROPECUÁRIA COMERCIAL MODERNA
A partir do final do século XIX, o consumo de alimentos pela população e de matérias-primas agrícolas pelo setor industrial atingiu patamares sem precedentes na história das sociedades capitalistas.
Para que fosse possível suprir essa demanda, as empresas ligadas aos setores químico e mecânico e os governos dos países industrializados começaram a investir grandes quantias no desenvolvimento de tecnologias agropecuárias, viabilizando a ampliação das áreas cultivadas e de pastoreio, assim como o aumento da produtividade por área de lavoura e de criação.
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Plantio em terraços - técnica muito utilizada em área de relevo íngreme |
Nesse contexto estabeleceu-se a chamada agropecuária comercial moderna, caracterizada pelo uso intensivo de recursos tecnológicos, como máquinas (arados, tratores, semeadeiras, colheitadeiras, ordenhadeiras) e insumos (adubos químicos, pesticidas, sementes geneticamente selecionadas, vacinas).
Nesse sistema agrícola, a grande parte das propriedades rurais é administrada como uma empresa, e são controlados os custos de produção em todas as etapas, do preparo do solo à colheita. Com a modernização, a agricultura e a pecuária transformaram-se em atividades econômicas geradoras de lucro, fato que marcou, de maneira definitiva, a introdução das relações capitalistas de produção no espaço agrário, tanto dos países desenvolvidos, como Estados Unidos, Canadá, Austrália e países da Europa Ocidental, quanto nos países subdesenvolvidos de industrialização tardia, como Brasil, México, Argentina e África do Sul. A partir de então, a terra e os produtos dela extraídos passaram a ser considerados mercadorias que possibilitam aos donos dos meios de produção acumular cada vez mais riquezas.
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Colheitadeira em um campo de cultivo de cereais |
Atualmente, o nível de tecnicismo aplicado na agropecuária comercial moderna exige que a produção seja acompanhada por mão de obra especializada (técnicos, engenheiros agrônomos, veterinários, etc.), mas limita o número de empregados nas propriedades rurais, já que as máquinas substituem grande parte da força de trabalho humana, sobretudo a mão de obra menos qualificada. Com isso, nos últimos sessenta anos, verificou-se o declínio da População Economicamente Ativa (PEA) no setor primário, sobretudo nos países industrializados.
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Plantação de batata orgânica |
Em razão do alto custo dos equipamentos e dos insumos, a agropecuária moderna é aplicada somente em médias e grandes propriedades rurais, geralmente com o plantio de uma única espécie vegetal ou a criação de apenas uma espécie animal. É por isso que hoje, grande parte das paisagens rurais é ocupada por lavouras monocultoras e por extensas áreas de criação.
Essa especialização da produção também decorre da imposição de grandes corporações transnacionais do setor alimentício, as quais têm ditado ao mercado mundial o preço de comercialização dos produtos agropecuários.
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Agrofloresta em Banfora - Burkina Fasso |
Entre os produtos agropecuários altamente valorizados no mercado internacional, destacam-se o milho, o trigo, a soja, o gado bovino e suíno e as aves, especialmente frangos e galinhas poedeiras.
OS PROFISSIONAIS DO CAMPO
O desenvolvimento das atividades agrícolas ocorre com o auxílio de diferentes profissionais, como os agrônomos, que acompanham todo o processo de produção agropecuária, os médicos veterinários e os zootecnólogos, que assistem a criação de animais, os engenheiros agrícolas e florestais, além dos especialistas em viticultura, administração rural, irrigação e drenagem.
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Trabalhadores colhendo melão em Mossoró - RN |
Os profissionais que estão ligados às chamadas Ciências Agrárias buscam o desenvolvimento das práticas agrícolas por meio de inovações tecnológicas, como novas técnicas de produção e aprimoramento genético e da biotecnologia. Eles também orientam os produtores rurais em relação às técnicas de irrigação, utilização de fertilizantes e agrotóxicos, armazenagem e conservação de produtos agrícolas, entre outros.
Além disso, os profissionais do campo estudam e pesquisam o ambiente e suas características naturais e culturais, a fim de atuar com maior propriedade sobre o espaço rural.
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Cultivo hidropônico de morangos |
CAMPO: UMA NATUREZA SOCIALMENTE MODIFICADA
O processo de subordinação das atividades agrícolas à produção industrial, sobretudo no desenvolvimento da agropecuária comercial moderna, vem alterando substancialmente os elementos presentes nas paisagens rurais em grande parte do planeta. Nessas áreas, o campo apresenta cada vez mais como um espaço impregnado de objetos técnicos, engenhos criados pela sociedade industrial como torres de transmissão de energia, silos e armazéns de grãos, estradas, extensas monoculturas, máquinas agrícolas, entre tantos outros. Além desses engenhos, muitos dos elementos da natureza presentes nesse espaço geográfico também apresentam a sua forma ou suas propriedades alteradas pela tecnologia.
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Laranjal em Avaré - SP |
Alguns exemplos de técnicas utilizadas na agricultura são:
- Atualmente, boa parte dos solos utilizados para o cultivo agrícola tem sua composição química modificada por meio da aplicação de adubos e fertilizantes industrializados.
- Em diversas partes do mundo, rios e córregos têm o curso alterado a fim de favorecer a canalização, a ocupação das margens ou, ainda, a utilização de parte de suas águas na irrigação de plantações.
- Muitas das plantas que observamos nas paisagens culturais têm suas características naturais alteradas pela ação humana. Por exemplo, algumas delas são exóticas ao habitat em que foram plantadas, tendo sido, para tanto, climaticamente adaptadas ou manipuladas geneticamente em laboratório.
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Processo de calagem no cerrado para corrigir a acidez do solo. |
Pode-se dizer então, que muitos dos elementos naturais presentes nas paisagens rurais passaram, de alguma forma, pela ação transformadora das mãos humanas. Esses elementos compõem aquilo que chamamos de natureza socialmente modificada.
A IMPORTAÇÃO DE ELEMENTOS NATURAIS
Nos últimos séculos, grande parte dos elementos naturais inseridos nas diversas paisagens culturais de nosso país é fruto da intervenção do ser humano na natureza. Por exemplo, muitas vezes, quando colocamos comida em nosso prato, não nos damos conta de que o arroz é nativo da Ásia. O mesmo acontece com a cana-de-açúcar, originária da Nova Guiné e introduzida no Brasil há cerca de quinhentos anos, e com o trigo, proveniente da Europa e do Oriente Médio.
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Ovelhas pastando - a ovelha foi um dos primeiros animais a ser domesticado |
A REVOLUÇÃO VERDE E A MODERNIZAÇÃO AGRÍCOLA NOS PAÍSES SUBDESENVOLVIDOS
A partir da década de 1950, o processo de modernização da agricultura deu um ousado salto tecnológico com o desenvolvimento de plantas geneticamente modificadas em laboratórios. Genes de diversas espécies agrícolas foram alterados para aumentar a produtividade das lavouras, que passaram a ser cultivadas com a utilização de grande quantidade de defensivos agrícolas (agrotóxicos) e de maquinários.
Sob o pretexto de que o mundo deveria assegurar uma produção de alimentos suficiente para exterminar a fome, multinacionais detentoras das patentes de insumos agropecuários passaram a vender sementes geneticamente modificadas com um "pacote" de insumos necessários ao seu cultivo para países subdesenvolvidos como Egito, Índia, México e Brasil, onde o problema da fome era mais acentuado.
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Soja - um dos produtos geneticamente modificado |
Esse modelo de desenvolvimento agrícola importado dos países desenvolvidos, baseado na mecanização do campo e no uso da biotecnologia e de insumos químicos, ficou conhecido como Revolução Verde. Essa revolução provocou profundas transformações no espaço agrário dos países subdesenvolvidos, alterando as práticas agrícolas e a estrutura fundiária. Isso significa que se modificou a maneira como os camponeses desenvolviam o cultivo de alimentos e a criação de animais, assim como a forma de organização e de distribuição das propriedades rurais, de acordo com sua quantidade e extensão.
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Vacas da raça Holstein nos Açores |
A concessão de financiamentos bancários subsidiados pelos governos nacionais e por fundo dos países desenvolvidos, sobretudo os médios e grandes produtores rurais, possibilitou a transformação de muitas áreas antes ocupadas por agricultura de subsistência desenvolvidas de forma artesanal (como arroz na Ásia, feijão e mandioca no Brasil e na África Subsaariana e batata na América Andina) em extensas lavouras monocultoras mecanizadas (sobretudo de soja, milho e trigo), desenvolvidas com tecnologias importada e destinadas ao mercado internacional.
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Campo com cultivo de flores |
As monoculturas avançaram também em direção à regiões ambientalmente preservadas dos países subdesenvolvidos, dando origem às chamadas regiões ou zonas de fronteira agrícola, território de um país onde ocorre o avanço das atividades agropecuárias. Nesses casos, as zonas de fronteira agrícola avançaram sobre florestas, matas e campos naturais, drenaram pântanos e alagadiços, dando lugar a plantações e pastagens. Isso ocorreu no Brasil com o avanço da fronteira agrícola sobre as áreas do Cerrado e da floresta Amazônica, no Centro-Oeste e na região Norte do país.
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Cultivo em área desmatada da floresta Amazônica |
A Revolução Verde também acentuou o processo de concentração de terra nos países nos quais foi implantada. Isso ocorreu porque muitos produtores rurais, por não terem atingido os níveis de produtividade esperados em razão de intempéries climáticas ou inadaptação dos produtos plantados às condições ambientais do território (relevo, solo, etc.), acabaram endividados, sendo obrigados, muitas vezes, a ceder suas terras aos bancos credores para salvar dívidas contraídas na compra de maquinários e insumos ou a vender suas propriedades a fazendeiros eventualmente mais bem-sucedidos. Hoje em dia, calcula-se que os produtores rurais que se valem de recursos da agricultura moderna comprometeram cerca de 55% dos custos da produção na compra de agroquímicos (sementes, fertilizantes e defensivos), fato que os tem tornado "reféns" das multinacionais que fabricam esses insumos e dos bancos que financia esse tipo de produção.
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Agricultura orgânica |
Ainda que tenha aumentado consideravelmente a produção agrícola mundial, a Revolução Verde não eliminou o problema da fome, uma vez que os produtos plantados (basicamente cereais) nos países subdesenvolvidos têm se destinado em grande parte ao abastecimento do mercado consumidor dos países ricos industrializados (Estados Unidos, Canadá, União Europeia e Japão). Além disso, o uso de agrotóxicos e de máquinas agrícolas não adaptadas aos tipos de solos tropicais e a substituição de ecossistemas importantes por áreas de monocultura e de pastagem acarretaram uma série de impactos ambientais irreversíveis.
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Cultivo hidropônico de alface |
FONTE: Boligian, Levon. Geografia espaço e vivência, volume único / Levon Boligian, Andressa Turcatel Alves Boligian. -- 3. ed. -- São Paulo: Atual, 2011.