quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

A LUTA DAS MULHERES QUEBRADEIRAS DE COCO-BABAÇU

  Entre a Caatinga e o Cerrado, nos estados do Maranhão, Piauí, Tocantins e Pará, vivem as mulheres quebradeiras de coco babaçu. Elas somam mais de 300 mil mulheres trabalhadoras rurais que vivem em função do extrativismo do babaçu, uma das mais importantes palmeiras brasileiras.
  Dispersas pelas áreas de ocorrência da palmeira babaçu, as quebradeiras desenvolveram modos peculiares de manejo da terra, além de um código próprio de organização de sua atividade. Possuem como fonte de renda familiar principal ou secundária, a coleta e quebra do fruto do babaçueiro, a fim de separar a amêndoa da casca.
Mulheres reunidas para quebrar os cocos recolhidos
  A semente do coco babaçu é oleaginosa, sendo utilizada como matéria-prima para diversos produtos manufaturados, além de servirem de alimento para as quebradeiras e suas famílias.
  Da folha dessa palmeira, que pode chegar a 20 metros de altura e tem inflorescência em cachos, faz-se telhado para as casas, cestas e outros objetos artesanais; do caule, adubo e estrutura de construções; da casca do coco produz-se carvão para fazer o fogo, e, do seu mesocarpo, o mingau usado na nutrição infantil; da amêndoa obtêm-se óleo, empregado sobretudo na alimentação, mas também como combustível e lubrificante, além da produção de sabão.
Quebradeiras de coco e barraca coberta com a palha do babaçu
  A coleta e quebra do fruto é feita geralmente por mulheres, que saem juntas para colher o coco. A quebra é feita de forma artesanal, realizada com uma pedra e uma machadinha, extraindo-se de quatro a cinco amêndoas de coco.
  Os babaçuais, como são conhecidas as áreas maranhenses de ocorrência do babaçu, têm sido tradicionalmente encarados como áreas de usufruto coletivo, ainda que a propriedade da terra pertença a particulares. No entanto, o aprofundamento da concentração fundiária em tempos atuais vem representando uma ameaça ao modo de vida tradicional das quebradeiras.
  Muitos proprietários cobram diversas rendas para autorizar que elas continuem suas atividades da cata do coco, tendo que dividir parte de seu ganho.
Quebradeira de coco do Tocantins
  Contra uma vida de segregação, as quebradeiras iniciaram seu processo de luta - denominado por elas babaçu livre. O nome advém da "batalha" contra os pecuaristas, que construíram cercas em torno das áreas de incidência da palmeira, impedindo, dessa forma, a coleta do coco. Como forma de impedir a livre circulação das quebradeiras em suas terras, muitos criadores de gado, além do cercamento, transformaram babaçuais em áreas de pastos, numa atitude contra o meio ambiente e a cultura das populações tradicionais.
  Fazendeiros, pecuaristas e as empresas agropecuárias cercaram as terras com consentimento e incentivo dos governos estadual e federal. Em seu ambiente, as mulheres passaram a ser pressionadas. Mas a resistência veio a partir da afirmação de uma identidade coletiva e da certeza de que sua atividade econômica era essencial para a vida delas.
Quebradeiras de coco do Maranhão saindo para catar os cocos de babaçu
  Para fortalecer suas reivindicações, as mulheres criaram o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQBC), no ano de 1995. O MIQBC luta pelo direito à terra e à palmeira de babaçu para que possam trabalhar e manter a natureza estável, e pelo reconhecimento das quebradeiras de coco como uma categoria profissional.
  O MIQBC tem sede em São Luís, capital do Maranhão, mas atua nos estados do Piauí, Tocantins e Pará, bem como o Maranhão. O grupo mobiliza segmentos sociais e instituições governamentais com o objetivo de dar melhores condições de vida e de trabalho às quebradeiras, além de lutar pelo desenvolvimento sustentável da região.
Vídeo com matéria sobre as quebradeiras de coco babaçu
  A discussão política ganhou força em 1997, quando foi aprovada, no município de Lago do Junco, a Lei do Babaçu Livre, garantindo às quebradeiras de coco o livre acesso e uso comum dos babaçuais e impôs restrições às derrubadas de árvores.
  Alguns municípios aderiram a Lei do Babaçu Livre. Com essa lei, mesmo não sendo proprietária da terra, a quebradeira pode extrair coco e ficar com toda a renda para si. Atualmente, existem associações de quebradeiras e ONGs (Organizações Não-Governamentais) que atuam com o intuito de instruir e assessorar as quebradeiras na formação de cooperativas e na administração dos recursos.
Quebradeiras de coco babaçu do Pará
  A luta das quebradeiras começou no estado do Maranhão, na região do Médio Mearim, onde famílias das comunidades Centrinho do Acrízio, Ludovico e São Manoel, no município de Lago do Junco, conquistaram, após um longo processo de luta, áreas para morar e produzir. A região havia sido povoada no passado por posseiros, descendentes de escravos e indígenas.
  Até os dias atuais, as quebradeiras fazem mobilizações para garantir o debate sobre alternativas de desenvolvimento para as regiões onde existe o babaçu. O movimento é predominantemente das mulheres, e por isso reserva aos homens um espaço somente nas danças e celebrações religiosas.
Quebradeira de coco em São Domingos do Araguaia - PA
  Da árvore do babaçu, as mulheres extraem o seu sustento. Transformam as palhas das folhas em cestos, a casca de coco em carvão e a castanha em azeite e sabão. Organizadas, criaram cooperativas para produção e comercialização dos seus produtos, como farinha, azeite, sabonete e outros derivados do babaçu.
  As mulheres quebradeiras de coco-babaçu dos Estados do Maranhão, Pará, Piauí e Tocantins, na sua grande maioria, vivem numa situação de exclusão e subalternidade. O termo quebradeira de coco assume o caráter de identidade coletiva na medida em que as mulheres que sobrevivem dessa atividade e reconhecem sua posição e condição desvalorizada pela lógica da dominação se organizam em movimentos de resistência e de luta pela conquista da terra, pela libertação dos babaçuais, pela autonomia do processo produtivo. Passam a atribuir significados ao seu trabalho e as suas experiências, tendo como principal referência sua condição preexistente de acesso e uso dos recursos naturais.
Babaçual em São Domingos do Araguaia - PA
REFERÊNCIA: Boligian, Levon
Geografia espaço e identidade, 2: ensino médio / Levon Boligian, Andressa Alves. - 1. ed. - São Paulo: Editora do Brasil, 2016. - (Coleção geografia espaço e identidade). 

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