terça-feira, 28 de janeiro de 2020

OS ÍNDIOS APURINÃ

  Dispersos em locais próximos ao rio Purus, os Apurinã, que se autodenominam Popuküre, compartilham um rico complexo cosmológico e ritual. Sua história é fortemente marcada pela violência dos dois ciclos da borracha na região amazônica. Hoje lutam pelos direitos a algumas de suas terras que ainda não foram reconhecidas e que são recorrentemente invadidas por madeireiros.
  Os Apurinã vivem em diversas terras indígenas, sendo duas com os Paumari do Lago Paricá e Paumari do Lago Marahã, e uma com os índios Torá, na terra de mesmo nome. Sua língua pertence à família maipure, do tronco aruaque. A língua mais próxima seria dos Machineri, na região do alto rio Purus.
  O território habitado pelos Apurinã, no século XIX, era o médio rio Purus - rio do Sepatini ou do rio Paciá ao Laco. Mas os Apurinã são um povo tradicionalmente migrante e, hoje, seu território se estende do baixo rio Purus até Rondônia. Há áreas Apurinã nos municípios Boca do Acre, Pauini, Lábrea, Tapauá, Manacapuru, Beruri, Manaquiri, Manicoré (este último na Terra Indígena Torá), todas no estado do Amazonas, além de índios Apurinã morando em várias cidades do país, e uma aldeia na Terra Indígena Roosevelt, dos índios Cinta-Larga, com quem alguns são casados.
Área em que os índios Apurinã habitam
  Os Apurinã da região de Pauini são divididos em dois clãs: Xoaporuneru e Metumanetu. O pertencimento a um destes grupos é determinado pela linhagem paterna. Para cada um dos clãs há proibições naquilo que se pode e que não se pode comer: os Xoaporuneru não podem consumir certos tipos de inambu, e aos Metumanetu é proibido comer porco-do-mato. O casamento correto é entre Xoaporuneru e Metumanetu, pois o casamento entre membros de um mesmo clã é o mesmo que casar entre irmãos.
  Os primeiros pesquisadores, viajantes e missionários a percorrer o rio Purus, na segunda metade do século XIX, afirmavam que os Apurinã, ainda que morassem a alguma distância da beira do rio, vinham para as margens do Purus para pescar e apanhar tartarugas. Na época em que chegaram os não-índios, muitos Apurinã se refugiaram  no alto de igarapés, e outros, quando trabalharam em seringais, moraram em locais isolados.
Índios Apurinã
  Os Apurinã tiveram contato sistemático com os não-índios no contexto da exploração da borracha. No século XVIII, o rio Purus começou a ser explorado por comerciantes itinerantes, na busca das chamadas "drogas do sertão": cacau, copaíba, manteiga de tartaruga e borracha. Alguns destes itinerantes se estabeleceram e começou a haver benfeitorias para exploração, ainda no baixo Purus. Nas décadas de 50 e 60 do século XIX, aconteceram várias expedições para reconhecer e mapear o rio: nesta época, segundo relatos, alguns Apurinã já trabalhavam para os não-índios.
  O rio Purus foi povoado por causa da borracha. A exploração começou entre os anos de 1870 e 1880, e nessa época, o rio já estava todo povoado por não-índios. A decadência da borracha ocorreu na década de 1910, quando começou a produção asiática, com a qual a brasileira não conseguiu competir. Sem o mercado, os seringais foram abandonados. Os seringueiros e índios permaneceram, e voltaram a produzir para a subsistência (isso, muitas vezes, era proibido nos seringais) e a vender outros produtos, como a castanha-do-pará.
Rio Purus, em Santa Rosa do Purus - AC
  A borracha teve um novo boom com a Segunda Guerra Mundial. Os Aliados precisavam da borracha, e os seringais asiáticos estavam em poder do Eixo. Na primeira metade do século XX, cerca de 50 mil nordestinos foram enviados para a Amazônia para trabalhar como seringueiros, denominados de "soldados da borracha". Com o fim da guerra, findou também o mercado. Após este período, os seringais foram financiados pelo governo. A retirada dos subsídios levou a uma nova queda da produção, em 1985.
  Os Apurinã tiveram inserções diferentes nos seringais: grupos inteiros foram mortos, alguns vendiam seus produtos, outros trabalhavam como seringueiros; alguns trabalharam desde o princípio, outros tiveram contatos com não-índios somente na época dos "soldados da borracha".
  As histórias Apurinã falam de massacres, torturas, da experiência de terem sido escravos, das relações pessoais, de compadrio, das batalhas e guerras pela terra. Após a queda da borracha, nenhum produto a substituiu com a mesma importância e nenhuma outra estrutura de produção se estabeleceu com igual força na região.
Apunirã do rio Peneri, em 1984
  O Serviço de Proteção aos Índios (SPI) teve um posto no rio Seruini, afluente do rio Purus, entre os atuais municípios de Pauini e Lábrea (AM). O Posto Marienê foi fundado em 1913, após um conflito em que morreram cerca de quarenta Apurinã e sete seringueiros. O auge do posto, empreendimento com metas produtivistas, foi entre as décadas de 1920 e 1930. Depois, o posto decaiu e foram inúmeras acusações de corrupção. No início da década de 1940, o posto estava desativado. O local do posto é, hoje, a aldeia Marienê.
  O Posto Marienê reuniu muitos Apurinã em um só local. De acordo com a ideologia do SPI, sua missão era trazer os Apurinã para a "civilização", fazendo deles "trabalhadores úteis" ao país.
  Entre 1977 e 1979, a Ajudância da Funai no Acre fez os primeiros levantamentos na região de Pauini. Nessa época, começam a haver conflitos em torno da terra e a resistência, por parte dos índios, contra invasões e exploração. Na região de Pauini, no igarapé de Tacaquiri, os Apurinã, aí moradores, liderados por João Lopes Brasil -o Lopinho -, foram contra o projeto da prefeitura de passar uma estrada por dentro da área. Nos anos seguintes, os conflitos prosseguiram e a possibilidade da estrada é sempre uma sombra para os moradores da região. Outro conflito foi com as empresas madeireiras, que continua até os dias atuais.
Posto Marienê, em 1979
Festas e rituais Apurinã
  As festas Apurinã, que recebem o nome genérico de Xingané (em Apurinã, kenuru), incluem desde pequenas cantorias noturnas até grandes eventos, com convites para muitas aldeias, farta comida, vinho de macaxeira, banana, patauá e combustível para os participantes. Em algumas ocasiões são feitas festas para acalmar a sombra de um morto, na sequência e nos anos seguintes do falecimento.
  O Xingané inicia como um ritual de confronto. Os convidados chegam armados, pintados e enfeitados pela mata. Vêm gritando. Os da casa vão encontrar, também armados. Quando se encontram, avançam os líderes, iniciando uma discussão (em português denominam esse diálogo de cortar sanguiré, em Apurinã, katxipuruãta) rápida e alta, com as armas sempre apontadas para o peito um do outro. Atrás deles encontram-se os acompanhantes, de prontidão com suas armas também apontadas para os que discutem. Quando abaixam a voz, abaixam também as armas e os líderes tomam rapé na mão um do outro.
  No início da discussão, afirma-se que não se conhece o outro e perguntam quem ele é. Vem, então, o sanguiré, uma fala pessoal, sempre encerrada com a afirmação de quem se é filho e neto.
  Uma festa já não praticada, mas considerada muito importante é a dos Kamatxi. Esta festa contava com a presença dos Kamatxi, seres que moram em buritizais e que vinham por ocasião da festa. Eram utilizadas flautas e as mulheres ficavam encerradas em uma casa, não podendo ver nada.
Ritual do Xingané
  O princípio das doenças e da cura "pajé" Apurinã são as pedras. A pedra é, ao mesmo tempo, o que lhe permite curar e o que lhe permite causar doenças e matar. Segundo vários relatos, na iniciação do pajé, o primeiro passo deve ser passar meses na mata, jejuando ou comendo muito pouco e mascando katsowaru. Também se deve evitar relações sexuais. Quando o pajé recebe uma pedra, ele a introduz no corpo e assim vai introduzindo todas as pedras que recebe ou que, no futuro, vai tirar do corpo dos doentes.
  Um pajé cura utilizando katsoparu, folha que se masca, e awire, rapé. O pajé tem o seu próprio katsoparu e awire, mas a pessoa que solicita a cura, em geral, é responsável por providenciá-los para a ocasião. O pajé deve mascar o katsoparu e tomar muito rapé. Às vezes, a cura é feita de forma privada, na casa do doente; mas, muitas vezes, todos conversam, mascam, até que o pajé dê início à sessão. Ele cura chupando o local. Muitas vezes mostra a pedra e explica qual a doença, como o doente a adquiriu e o que deve fazer. Explica se é feitiço ou ação de um bicho da mata. Ele introduz a pedra no corpo e pode, então, recomendar remédios ou tratamentos. Os remédios, em geral, são plantas, mas podem também ser remédios industriais, de farmácia.
Pajé Isaka, em área atingida por incêndios em 2019
  Um dos problemas mais comuns para um pajé resolver são os bichos que puxam, levam consigo o espírito de crianças. Há uma série de alimentos que o pai e a mãe devem evitar quando a criança ainda é pequena - até que ela tenha cerca de dois anos. Os principais são os peixes e caças de grande porte, mas também feijão, cachaça, coco, abacaxi, katsoparu, manga. Esses últimos não levam a sombra, mas prejudicam a saúde da criança, uma vez que, pelo leite da mãe, ala absorveria o alimento. Durante a noite, o espírito do pajé vai resgatar a sombra da criança. Este movimento é perigoso. Se for um pajé fraco, pode, por exemplo, ficar preso na entrada de um buraco de peixe e morrer. O pajé chega com chuva e trovão, momento em que a criança respira novamente.
  Os pajés Apurinã trabalham com sonhos. Neles, seu espírito sai, visita outros lugares, cumpre tarefas. Outros espíritos guiam o pajé nestas jornadas: os bichos, ou chefes de bichos (hãwite) com quem trabalha. Cada pajé possui o seu, ou os seus: onça, cobra, mapinguari, entre outros. Outro problema comum, em crianças e em adultos, são as flechadas de "bichos", "flechadores" (kipuatitirã). Trata-se dos "chefes" (hãwite). Um varador novo é especialmente perigoso. Banha-se as crianças com a planta pipioca (kawaky) como prevenção, ou uma mulher espirra o leite de seu peito. As crianças são as menos resistentes aos flechadores, podendo morrer em decorrência destes ataques.
  Os pajés visitam várias terras, embaixo da terra onde se mora, embaixo do rio, até mesmo o céu, onde está Tsora - se forem fortes. Quanto mais forte é o pajé, menos limites há para o seu espírito. Se é assim em vida, em morte também o é. Os pajés não morrem, alguns falam, se encantam. No momento da sua morte, ouve-se um estrondo. Na morte de pajés antigos, eles davam instruções precisas de como queriam ser enterrados para que pudesse sair dos seus túmulos. em alguns casos, os túmulos dos pajés permanecem limpos. Em outros, conta-se que eles são vislumbrados entre bandos de animais, como queixadas. Na sua maioria, entretanto, vão para a Terra Sagrada.
Apurinã da aldeia Maracanã
Produtos feitos pelos Apurinã
  Grande parte das mulheres faz vassouras (que são amplamente vendidas), além de, em alguns casos, balaios e cestas. As redes de trama aberta, maqueiras, muito raras hoje em dia, são tecidas com enviras (entrecascas de diferentes espécies de árvores).
  Artefatos de cerâmica são feitos de barro misturado ao pó derivado da queima da casca da árvore caripé. Utilizada para evitar as rachaduras na cerâmica, a casca da árvore é queimada, pisada no pilão até virar pó, que é peneirado e misturado ao barro. A cerâmica é envernizada com breu (resina) de jatobá, conferindo um aspecto brilhante à peça, em tons que vão do amarelo ao vermelho. São feitos, algumas vezes, também desenhos, com água e sal, passados na peça após a queima e antes de passar o breu do jatobá.
  Muito utilizados também são os estojos de rapé, feitos de aruá (caracol), sernambi (resíduo de borracha) e pequenos círculos de metal. Os katokana, ou mexikana, tubos para aspirar o rapé, são feitos de ossos de animais.
  Fazem parte também da cultura tradicional dos Apurinã, as cascas (aãta), canoas de casca da árvore jutaí. Hoje, elas são mais comuns nas comunidades no alto dos igarapés. A casca de jutaí é muito leve e propícia para a agilidade que os igarapés exigem. Para fazer, tira-se a casca da árvore, na época das chuvas, abre-se com fogo e faz-se o banco com outra madeira.
Cerâmica Apurinã
A importância da mandioca para os Apurinã
  A mandioca tem uma grande importância na base alimentar para o povo Apurinã. No interior da comunidade, cada família tem a sua roça.
  Como são distantes da aldeia, em certos períodos, as famílias chegam a transferir sua morada para lá.
  A lida com a mandioca se inicia na estação seca, quando os homens Apurinã preparam o terreno da roça, fazem a limpeza e queimam, conforme o sistema de coivara.
  O plantio é uma atividade que envolve toda a família: enquanto os homens abrem as covas para, junto com um filho, irem enterrando a maniva (caule da mandioca que serve como muda), a mãe vai cobrindo as covas com terra.
  Quando as raízes estão crescidas, são arrancadas da terra pelos homens, que já preparam as manivas para o próximo plantio. São eles que levam a produção de mandioca para a aldeia, onde fica a Casa de Farinha, local onde é fabricada.
  As mulheres descascam e lavam as raízes da mandioca para os homens ralarem.
Índias Apurinã descascando a mandioca
  Como a quantidade a ser produzida é, em geral, grande, utilizam uma pequena máquina rústica, chamada caititu (em alusão talvez aos catetos, porcos silvestres que atacam roças de mandioca).
  É também o homem quem espreme a massa no tipiti, um cilindro trançado de cipó, cuja extremidade superior é amarrada ao alto de uma estrutura de troncos finos. Um travessão preso à extremidade inferior vai puxando, de modo a retirar da massa todo o seu líquido.
  Num grande forno abastecido a lenha, a farinha é esparramada no tacho de cobre onde, com o auxílio de uma pá, os homens a torram. Os Apurinã consomem a mandioca na forma de farinha, beiju e caiçuma - bebida fermentada.
  A farinha associada ao peixe é a base da dieta Apurinã, que é complementada por frutas silvestres como piquiá, bacuri, cacau bravo, buriti, abacaba, açaí e patuá.
Produção de farinha em uma aldeia Apurinã
REFERÊNCIA: Funai/ Museu do Índio. A cultura da mandioca pelos Apurinã
Silva, Axé
Tempo de geografia: 6º ano / Axé Silva, Jurandyr Ross. - 4. ed. - São Paulo: Editora do Brasil, 2018 (Coleção tempo).

domingo, 12 de janeiro de 2020

A DISPUTA TERRITORIAL ENTRE EL SALVADOR, HONDURAS E NICARÁGUA

  O Golfo de Fonseca, parte do Oceano Pacífico, é um abismo na América Central, na fronteira entre El Salvador, Honduras e Nicarágua. Cobre uma área de cerca de 3.200 km², com uma costa que se estende por 261 quilômetros, dos quais, 185 quilômetros estão em Honduras, 40 quilômetros em Nicarágua e 29 quilômetros em El Salvador.
  O clima no Golfo é típico das regiões tropicais e subtropicais, com duas estações distintas, a chuvosa e a seca. O golfo recebe quase 80% de sua precipitação anual total de 1.400 a 1.600 mm durante a estação chuvosa, de maio a novembro. A estação seca ocorre entre dezembro e maio e contribui para uma taxa de evaporação anual de 2.800 mm. Como resultado de menos água fluindo para o Golfo, as correntes tendem a fluir para dentro do Oceano Pacífico, os níveis de salinidade nos estuários aumentam e ocorre uma seca sazonal.
  As temperaturas no Golfo variam em média entre 25ºC e 30ºC. Março e abril são os meses mais quentes e novembro e dezembro os mais frios.
Ilhas do Golfo de Fonseca
  A vegetação do ecossistema das áreas úmidas é dominada por manguezais. Das seis espécies de mangue identificadas no Golfo, o mangue vermelho (Rhizophora mangle) é o mais comum, ocupando principalmente as áreas permanentemente inundadas pelas marés. O mangue-preto (Bruguiera gymnorhiza) é a segunda espécie mais difundida e geralmente é encontrada ao redor dos rios onde os sedimentos são depositados ao longo da costa. O mangue-branco (Laguncularia racemosa) é o terceiro mais dominante, seguido pelo botoncilho (Conocarpus erectus); ambos são geralmente encontrados mais para o interior e são inundados pela maré com mais frequência. A predominância de espécies diferentes sobre outras se correlaciona com a frequência de inundações, qualidade da água e níveis de salinidade.
  Durante a maré baixa, os solos são habitados por caranguejos, conchas e outras espécies,  Durante a maré alta, as florestas de mangue servem como área de alimentação e habitat para peixes, camarões e outras espécies. Vários vulcões então dentro e ao redor do golfo.
  A Baía de Fonseca foi descoberta pelos europeus em 1522 por Gil González de Ávila e recebeu o nome de seu patrono, arcebispo Juan Fonseca, o inimigo implacável de Cristóvão Colombo.
  Em 1848, EG Squier, arqueólogo americano, negociou um tratado para os Estados Unidos construírem um canal através de Honduras, do Mar do Caribe ao Golfo. Frederick Chatfield, comandante britânico na América Central, temia que a presença americana em Honduras desestabilizasse a costa britânica do Mosquito e enviou sua frota para ocupar a ilha de El Tigre, na entrada do Golfo. Pouco tempo depois, Squier exigiu a saída dos britânicos, pois havia antecipado a ocupação e negociado a cessão temporária da ilha aos Estados Unidos.
Imagem de satélite do Golfo de Fonseca
  Todos os três países - Honduras, Nicarágua e El Salvador - com litoral ao longo do Golfo, estão envolvidos em uma longa disputa sobre os direitos ao Golfo e às ilhas localizadas no interior.
  Em 1917, o Tribunal de Justiça da América Central decidiu em um julgamento, que ficou conhecido como o caso Fonseca. Surgiu uma controvérsia entre El Salvador e Nicarágua. Este último havia entrado no Tratado Bryan-Chamorro, que concedia uma parte da baía aos Estados Unidos para o estabelecimento de uma base naval. El Salvador argumentou que isso violava seu direito à propriedade comum na baía. O tribunal ficou do lado de El Salvador, mas os Estados Unidos decidiram ignorar a decisão.
  El Salvador, Honduras e Nicarágua disputam a fixação de limites fronteiriços no Golfo de Fonseca. Os países são pequenos e têm uma costa ao longo do golfo, um mar fechado de acordo com o direito internacional, e estiveram envolvidos em uma longa disputa sobre os direitos ao golfo e às ilhas localizadas lá. Cada um desfruta de uma zona litoral soberana de 3 milhas náuticas ao longo de suas margens e ilhas no golfo.
  Em 1992, uma câmara da Corte Internacional de Justiça (CIJ) decidiu a disputa de terra, ilha e fronteira marítima, da qual a área do golfo fazia parte. El Salvador foi premiado com as ilhas de Meanguera e Meanguerita, e Honduras foi premiado com a ilha de El Tigre. A Nicarágua não era parte dessa disputa e, portanto, não está vinculada à decisão.
Ilha El Tigre
  O ICJ determinou que Nicarágua, Honduras e El Salvador deveriam compartilhar o controle da área remanescente de água no golfo como um "tridominium" compartilhado em comum. As zonas litorâneas se confinam de uma maneira que forma duas áreas separadas de águas tridominiais no golfo. A área oriental é limitada pelas zonas dos três países. A maior área ocidental (cerca de 235 km²) é limitada apenas pelas águas de El Salvador e Nicarágua e pela linha de fechamento do golfo, de modo que não se pode viajar dentro do golfo de Honduras até a área ocidental fechada, exceto passando por El Salvador e águas nicaraguenses.
  O caso foi parar no Conselho de Segurança das Nações Unidas, na Corte de Haia e na OEA (Organização dos Estados Americanos), com sede em Washington. A Marinha nicaraguense chegou a atacar pesqueiros hondurenhos que estavam supostamente navegando em sua costa. O governo de Honduras reagiu ameaçando usar aviões de combate contra Nicarágua e El Salvador.
Ilha Mangueara - El Salvador
REFERÊNCIA: Lucci, Elian Alabi
Geografia: território e sociedade: 8º ano: ensino fundamental, anos finais / Elian Alabi Lucci, Anselmo Lázaro Branco, William Fugii. -- 1. ed. -- São Paulo: Saraiva, 2018.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2020

AS COMUNIDADES TRADICIONAIS DA CAATINGA

  A Caatinga (chamada pelos índios pré-colombianos que viviam no Sertão nordestino de "mata branca") é o único bioma exclusivamente brasileiro, o que significa que grande parte do seu patrimônio biológico não pode ser encontrado em algum outro lugar do planeta. Este nome decorre da paisagem esbranquiçada apresentada pela vegetação durante o período seco: a maioria das plantas perde as folhas e os troncos tornam-se esbranquiçados e secos. A Caatinga ocupa uma área de cerca de 850.000 km², cerca de 10% do território nacional, englobando de forma contínua parte dos estados da Paraíba, Piauí, Ceará, Maranhão, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e o norte de Minas Gerais.
Mapa do Brasil destacando a área que engloba o bioma da Caatinga
  A Caatinga é o mais fragilizado dos biomas brasileiros. O uso insustentável de seus solos e recursos naturais ao longo de centenas de anos de ocupação, associado à imagem de local pobre e seco, fazem com que a Caatinga esteja bastante degradada. Entretanto, pesquisas recentes vêm revelando a riqueza particular do bioma em termos de biodiversidade e fenômenos característicos. Do ponto de vista da vegetação, a região que abrange o bioma da Caatinga é classificada como savana estépica. Entretanto, a paisagem é bastante diversa, com regiões distintas, cujas diferenças se devem à pluviometria, fertilidade e tipos de solo e relevo.
Flora típica da Caatinga no estado de Pernambuco
  Uma primeira divisão que pode ser feita é entre o Agreste e o Sertão. O Agreste é uma faixa de transição entre o interior seco (Sertão) e a Mata Atlântica (Zona da Mata). Já o Sertão apresenta vegetação mais rústica. Outras subdivisões comuns incluem Seridó, Curimataú, Caatinga e Carrasco. Em termos de tipos de vegetação, a Caatinga do Seridó é uma transição entre campo e caatinga arbórea. Cariri é a caatinga com vegetação menos rústica.
Área rural no município de Ipueira, região do Seridó do RN
  O Carrasco, termo aplicado à vários tipos de vegetação, corresponde a savana muito densa, seca, que ocorre no topo de chapadas, caracterizada pelo predomínio de plantas caducifólias lenhosas, arbustivas, muito ramificadas e densamente emaranhadas por trepadeiras. Ocorre sobretudo na Bacia do Meio-Norte e na Chapada do Araripe. Porém, floristicamente, alguns autores consideram o Carrasco mais próximo do cerradão (ou catanduva) do que da Caatinga. Nas serras, que apresentam mais umidade, surgem os brejos de altitude.
Caatinga na Serra da Capivara, Piauí
  As populações que habitam a Caatinga são também conhecidas como caatingueiros: são sertanejos, vaqueiros, agricultores, populações indígenas e quilombolas. Estes grupamentos humanos desenvolvem suas próprias estratégias de sobrevivência e convivência com as condições da Caatinga. São guardiões do conhecimento sobre o manejo das plantas, de suas propriedades e usos medicinais, sobre a milenar técnica de busca de águas subterrâneas com varinhas (conhecida como radiestesia) e sobre os sinais da natureza que antecedem as secas prolongadas e as chuvas.
Serrote da Caixa D'Água, em Paulista - PB
  Há quatro grupos principais que vivem na Caatinga: as catadoras de mangaba, os caatingueiros, os vazanteiros e os do fundo e fecho de pasto.
As catadoras de mangaba
  A mangaba (Hancornia speciosa) pode ser encontrada do Norte até o Sudeste do Brasil. De origem indígena (mã'gawa) significa (segundo Ferreira, 1973), coisa boa de comer. É uma árvore frutífera da família das apocináceas, com um porte médio atingindo entre 5 e 10 metros de altura.
  As catadoras de mangaba vivem da colheita desse fruto usado na fabricação de sucos, sorvetes, doces e bebidas; a maioria delas estão localizadas no estado de Sergipe. São mulheres extrativistas, lutadoras, defensoras de uma das maiores culturas sergipana e brasileira - a cultura da mangaba. Uma fruta nativa do litoral e dos cerrados do Brasil, que está presente nas áreas nativas nas quais populações tradicionais praticam o extrativismo há séculos.
Mulheres catadoras de mangaba
  A principal pauta de luta das catadoras em Sergipe é pela criação de Reservas Extrativistas (Resex), que possam garantir oficialmente áreas de proteção da ocorrência da fruta no litoral e agreste sergipano sem interferência do avanço imobiliário e do agronegócio, especialmente do monocultivo canavieiro, os dois maiores fatores de redução das mangabeiras no estado. Para isso, foi criado o Movimento Catadoras de Mangaba (MCM), que conta com o apoio da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e da Embrapa, e reúne catadoras de comunidades extrativas de importantes áreas de ocorrência da fruta no litoral sergipano.
Mulheres separando a mangaba após a colheita
Os caatingueiros
  Os caatingueiros cultivam vários gêneros agrícolas, criam gado e constituem-se uma coletividade dispersada por um longo espaço que agrega nas suas interfaces as atividades conciliadoras da vida social caatingueira. Eles destacam-se dos demais grupos sociais da região, pois estão completamente ligados ao bioma Caatinga, tanto em seu modo de produção quanto em seu modo de vida, com processos produtivos ajustados às condições ambientais (uma destas características é o conhecimento e a utilização de plantas e raízes medicinais).
  Os caatingueiros caracterizam-se pelo caráter mercantil de produção e pela aparente prosperidade em comparação aos demais povos e comunidades com os quais se relacionam diretamente, produzindo grande diversidade de gêneros agrícolas, produtos derivados de leite e criando gado que se alimenta das pastagens nativas da região.
  Outra característica dos caatingueiros é a sólida rede de solidariedade familiar e comunitária, expressa principalmente no momento do abate de animais, como o gado bovino e suíno, quando partes são distribuídos entre os parentes e vizinhos.
Vaqueiro da comunidade dos caatingueiros
Os vazanteiros
  Os vazanteiros, que ficam principalmente nas margens do Rio São Francisco, vivem da pesca e de atividades agrícolas. Eles possuem um modo de vida próprio, e são chamados assim porque praticam uma agricultura que está associada aos ciclos dos rios.
  O ciclo natural do rio - seca, enchente, cheia e vazante - sempre possibilitou a esses povos, que têm forte influência indígena, quilombola e ribeirinha, o acesso à terra periodicamente fertilizadas pela matéria orgânica depositada em longas extensões das margens e ilhas. As terras baixas, chamados de baixões, são os locais onde a terra é mais fértil e úmida. É lá que eles vivem e cultivam legumes, verduras, frutas e pasto. Além disso, as vazantes e os brejos, com seus buritizais e babaçuais, garantem o sustento dos extrativistas, que também compõem essas comunidades.
  Mas, a construção de reservatórios para usinas hidrelétricas ao longo da bacia do "Velho Chico" vem, sistematicamente, reduzindo e destruindo as áreas vazantes, causando profundas alterações na organização e no modo de vida desse povo.
Vazanteiras do Norte de Minas Gerais
Os grupos de fundo e fecho de pasto
  Os grupos de fundo e fecho de pasto vivem no Sertão nordestino e têm de lidar com o regime de chuvas irregular. Sua principal atividade é a criação extensiva de pequenos animais. Eles se caracterizam pela posse e uso comunitário da terra e dos seus recursos. Costuma-se afirmar que nestes espaços o bode é o rei. Isto porque, no fundo de pasto, os animais são criados livremente, sendo reconhecidos por algumas marcas feitas pelos seus donos. Tal modelo de criação facilita o acesso dos animais à água e à comida, principalmente nos períodos de estiagem severa, além de ser um exemplo de adaptação e convivência com o clima semiárido da região.
  As poucas cercas existentes nestas localidades não denotam, necessariamente, propriedade privada, apenas protegem os lotes de plantação e os pequenos animais, como as galinhas, de outros maiores, criados extensivamente.
Criador da comunidade fundo e fecho de pasto
  A produção é prioritariamente para consumo das famílias produtoras e tocadas por homens e mulheres que mantém fortes vínculos com as tradições locais e com o manejo ambiental sustentável do território. Bons conhecedores do seu habitat, eles sabem que após os períodos de seca, as plantas voltam a florescer, que os animais podem encontrar os alimentos que necessitam e que a água comunalmente dividida e racionada garante uma qualidade de vida digna a todos.
Comunidade de fundo e fecho de pasto no interior da Bahia
REFERÊNCIA: Silva, Axé
Tempo de geografia: 7º ano / Axé Silva, Jurandyr Ross. - 4. ed. - São Paulo: Editora do Brasil, 2018. - (Coleção tempo)

ADSENSE

Pesquisar este blog