segunda-feira, 30 de abril de 2012

MUDANÇAS OCORRIDAS NOS TEMPOS HISTÓRICOS

  " A análise de documentos antigos (relatórios sobre o tempo, dados de colheitas, narrativas de calamidades naturais etc.) permite reconstituir a evolução do clima no período histórico, cuja duração é relativamente reduzida (4 mil anos) se comparamos com a longa evolução do planeta.
  Na escala global, os estudiosos admitem ter ocorrido um período de aquecimento entre os séculos IX e XIII, conhecido como optimum climático, em que a temperatura média da Terra teria sido 2 a 3 °C mais elevada que a atual. Mais tarde, entre o começo do século XVI e meados do XIX estaria situada a pequena Idade do Gelo, caracterizada pelo fenômeno oposto, ou seja, por uma baixa da temperatura global de 2 °C, que voltou a elevar-se após essa época.
O nosso Planeta sempre sofreu mudanças climáticas, com aumento ou diminuição da temperatura
  O clima, contudo, pode ser identificado não apenas pela temperatura, mais também pelo conjunto dos seus elementos (precipitação, ventos, umidade relativa, evaporação etc.).
  É igualmente avaliar as interações que se verificam entre a massa atmosférica e os outros componentes do quadro natural, principalmente o oceano, que recobre 70,8% do planeta, e a biosfera.
  De grande relevância é a ação antrópica, cujas consequências se manifestam, cada vez mais, em todos os domínios naturais, principalmente na biosfera, onde a força transformadora do homem se mostra muito poderosa. A destruição das florestas tropicais para a prática da agricultura ou das atividades mineradoras em grande escala é um exemplo expressivo.
Evolução da temperatura média global desde 1860
  A mais importante consequência para o clima resultante da ação humana é a mudança nos processos de absorção e reflexão dos raios solares, desequilibrando o balanço da energia nas baixas camadas, além de influir na força e na direção dos ventos de superfície e nos valores da umidade relativa no regime de chuvas.
  A eliminação da cobertura vegetal diminui a capacidade de retenção de energia solar pela superfície e inibe a formação de fluxos de ar ascendentes, chamados 'correntes térmicas'. A estabilidade atmosférica tende a se acentuar, diminuindo a possibilidade de formação de nuvens produtoras de chuvas. Além disso, decresce a quantidade de polens em suspensão no ar, e a presença dessas micropartículas (chamadas 'núcleos biogênicos') é importante para estimular a condensação e a nebulosidade. A derrubada de florestas pode, portanto, concorrer para tornar menor a incidência de chuvas em escala local.
Grande parte dos desmatamentos são por causa das atividades agrícolas
  A expansão das atividades industriais resultou no aumento descontrolado das áreas urbanas, cuja consequência principal foi o surgimento do 'clima urbano', caracterizado pelas 'ilhas de calor', bem conhecidas em todas as áreas metropolitanas do mundo. Em nosso país, o exemplo mais bem estudado é o da cidade de São Paulo, cuja temperatura média, em 1920, era de 17,7 °C e hoje está em torno de 19 °C.
Mapa que mostra a quantidade de vegetação e a temperatura na cidade de São Paulo
  O lançamento de consideráveis volumes de resíduos industriais na atmosfera forma 'plumas' de poluição que irão bloquear, junto à superfície, o calor resultante da radiação infravermelha (ondas longas), produzindo elevação da temperatura.
  Desde o início da década de 1970, os satélites meteorológicos vêm documentando a presença de uma gigantesca mancha escura sobre o Atlântico Norte, entre os Estados Unidos e a Europa Ocidental, onde se localizam importantes complexos industriais.
Imagens de satélites que mostram manchas de lixo no Atlântico Norte
  Paralelamente há o perigo da desintegração da camada de ozônio, que se situa entre 30 e 50 quilômetros de altura e desempenha o papel de capa protetora da Terra contra a radiação ultravioleta do Sol (ondas curtas). Isso estaria ocorrendo em virtude do consumo em larga escala de um produto químico denominado clorofluorcarbono (CFC), gerado principalmente pela indústria de refrigeradores e de sprays. Essa substância eleva-se no ar e destrói a camada de ozônio, pondo em risco toda a biosfera, em virtude do caráter letal da variação ultravioleta.
Camada de ozônio - protege a Terra dos raios ultravioleta emitidos pelo Sol
  Nem todas as pesquisas, porém, comprovam o aquecimento progressivo da atmosfera. Há estudos que apontam para resultados inversos, ou seja, que a Terra estaria se esfriando, a partir da década de 1940-50, com novo avanço das geleiras, ao mesmo tempo que os totais de chuvas estariam variando de maneira não uniforme nos vários pontos do globo. Da mesma forma que os desertos se expandem em alguns pontos e sofrem recuos em outros.
Na África, a região do Sahel vem sofrendo a desertificação, com o avanço do Saara
  A própria destruição da camada de ozônio tem sido objeto de polêmica na comunidade científica, sobretudo quanto à sua intensidade e à localização dos maiores danos.
  As mudanças climáticas vêm sendo observadas com atenção, pois podem afetar de forma importante a vida econômica, como, por exemplo, as atividades agrícolas, a geração de energia em grande escala e, de forma direta, todo o setor produtivo. As características da economia, principalmente sua distribuição espacial, dependem, em grande parte, do perfil climático do globo e de sua estabilidade.
AS VARIAÇÕES DO TEMPO ATMOSFÉRICO E O HOMEM
  No dia de Ano-Novo de 1978, uma onda de frio varreu a Europa e as temperaturas baixaram a níveis inéditos na segunda metade do século XX: 45 °C negativos em Moscou e Estocolmo, com paralisação de rodovias e ferrovias de várias regiões da França e da Alemanha, além de outros transtornos na vida dos habitantes dessa importante região do mundo.
Praça Vermelha em Moscou sob forte nevasca no inverno de 2010
  O oposto também já ocorreu em áreas de significativa densidade demográfica, como, por exemplo, a região mediterrânea. Ali, em julho de 1987 (verão no Hemisfério Norte), a temperatura subiu a alturas impressionantes para aquela latitude: 40 °C na Grécia e 45 °C no sul da Espanha (região de Sevilha).
  Os extremos de pluviosidade acarretam, da mesma forma, verdadeiras calamidades. Em Cherrapundki (Bangladesh), situada numa superpovoada planície no sopé do Himalaia, já se registraram, num só ano, 26.461 mm de chuva, ou seja, vinte vezes mais do que se verifica na cidade de São Paulo no mesmo intervalo de tempo.
Rua comercial completamente alagada em julho de 2009 na cidade de Dacca, capital de Bangladesh, em virtude das fortes chuvas que caem nesse período na região
  O recorde diário de chuva ocorreu em 29 de fevereiro de 1964 na ilha de Reunião, no Índico tropical: 1.346 mm em 24 horas, equivalente ao valor de um ano da cidade de São Paulo.
  Por outro lado, em Arica, na região desértica do norte do Chile, houve uma série de 53 anos consecutivos em que só foi recolhido 0,8 mm de chuva, o que equivale a zero. Trata-se de um quadro físico hiperárido.
Deserto do Atacama no Chile - o deserto mais seco do mundo
  Várias outras manifestações meteorológicas interferem na vida das pessoas. Nevoeiros, por exemplo, podem paralisar pousos e decolagens nos grandes aeroportos, como também a navegação marítima. Na Grã-Bretanha foi demonstrado que os acidentes rodoviários são 33% mais frequentes em situações de fog (névoa úmida), ocorrência comum ali.
Fog (névoa úmida) sobre a cidade de Londres - Inglaterra
  Da mesma forma, em qualquer região do globo, as inversões térmicas de fundo de vale originadas pelo acúmulo de ar frio podem criar bancos de nevoeiro que põe em risco o tráfego  rodoviário. Na rodovia Presidente Dutra (São Paulo-Rio de Janeiro), no trecho do Vale do Paraíba entre Jacareí e São José dos Campos, esse fenômeno se verifica com certa frequência nos meses de inverno, trazendo sérias consequências. Em julho de 1986, registrou-se ali o maior engavetamento de veículos da década no Brasil, envolvendo dezenas deles, com mais de vinte vítimas fatais.
Nevoeiro na Rodovia dos Bandeirantes próximo à Jundiaí - SP
  Em certas áreas do planeta, onde as temperaturas das águas oceânicas são elevadas, podem originar-se furacões responsáveis por grandes danos, especialmente em áreas costeiras. O Oceano Índico e o golfo do México, por situarem-se em baixas latitudes, constituem zonas de risco. O perigo se acentua no final do verão, quando a concentração de energia é maior (entre agosto e outubro, no caso do Hemisfério Norte).
Furacão Katrina, que devastou a cidade de Nova Orleans nos Estados Unidos em 2005
  Há várias outras anomalias do comportamento atmosférico que perturbam as atividades humanas. Os efeitos de uma estiagem em área agrícola, por exemplo, podem fazer diminuir a oferta de alimentos, determinando a elevação do custo de vida. Em suma, a sociedade moderna, apesar de seu admirável avanço tecnológico, não está imune aos efeitos do tempo atmosférico."
JURANDYR ROSS
  Jurandyr Luciano Sanches Ross, é um geógrafo brasileiro formado pela Universidade de São Paulo (USP), com mestrado, doutorado e livre-docência em Geografia Física pela USP.
  É membro do conselho editorial da Revista do Instituto Florestal, da Revista Brasileira de Geomorfologia, do conselho consultivo do Boletim de Geografia da Universidade Estadual de Maringá e professor titular da Universidade de São Paulo. Foi chefe do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP de 1983 até 2010.
  Tem experiência na área de Geografia, com ênfase em Geomorfologia, atuando principalmente nos seguintes temas: geomorfologia, cartografia, gestão ambiental, zoneamento ecológico-econômico e planejamento ambiental e produção do conhecimento geocientífico.
  Foi professor do primeiro e do segundo graus na rede de ensino privado e participou do Projeto Radam e do mapeamento geomorfológico do Centro-Oeste e Sul da Amazônia.
  Como consultor, participou também dos estudos ambientais para a construção de hidrelétricas dos rios Xingu, Madeira, Iguaçu e Uruguai. Participou também das pesquisas socioambientais para Zoneamento Ecológico-Econômico junto ao MMA (Ministério do Meio Ambiente), dos projetos da bacia do Alto Paraguai, zona costeira do Brasil e do PPG7 - Programa de Proteção das Florestas Tropicais - Amazônia.
 FONTE: CONTI, José Bueno; FURLAN, Sueli Ângelo. Geoecologia: o clima, os solos e a biota. In: ROSS, Jurandyr Sanches (Org.). Geografia do Brasil. São Paulo: Edusp, 1998. p. 80-85.

domingo, 29 de abril de 2012

POTENCIALIDADES PAISAGÍSTICAS BRASILEIRAS

  "Todos os que se iniciam no conhecimento das ciências da natureza, mais cedo ou mais tarde, por um caminho ou por outro, atinge a ideia de que a paisagem é sempre uma herança. Na verdade, ela é uma herança em todo o sentido da palavra: herança de processos fisiográficos e biológicos, e patrimônio coletivo dos povos que historicamente as herdaram como território de atuação de suas comunidades.
  Num primeiro nível de abordagem, pode-se-ia dizer que as paisagens têm sempre o caráter de heranças de processos de atuação antiga, remodelados e modificados por processos de atuação recente. Em muitos lugares - como é o caso dos velhos planaltos e compartimentos de planaltos do Brasil -, os processos antigos foram responsáveis sobretudo pela compartimentação geral da topografia. Nessa tarefa, as forças naturais gastaram de milhões a dezenas de milhões de anos. Por sua vez, os processos remodeladores são relativamente modernos e, mesmo recentes, restringindo-se basicamente ao período Quaternário, medem-se por uma escala de atuação de processos interferentes, cuja duração gira em torno de alguns milhares, até dezenas ou, quando muito, centenas de milhares de anos.
Barra de Tabatinga - RN - exemplo de paisagem do período Quaternário
  Os primeiros agrupamentos humanos assistiram às variações climáticas e ecológicas desse flutuante 'universo' paisagístico e hidrológico dos tempos quaternários e foram profundamente influenciados por elas. Entrementes, dentro da escala dos tempos históricos - nos últimos cinco a sete mil anos -, a despeito de algumas modificações locais ou regionais dignas de registro, tem dominado um esquema global de paisagens zonais e azonais, muito próximo daquele quadro que ainda hoje se pode reconhecer na estrutura paisagística da superfície terrestre.
Pintura rupestre no sítio Xique-Xique, em Carnaúba dos Dantas - RN, que retratam o cotidiano da vida dos moradores da região ha milhares de anos
  Num segundo plano de abordagem, é indispensável ressaltar que as nações herdaram fatias - maiores ou menores - daqueles mesmos conjuntos paisagísticos de longa e complicada elaboração fisiográfica e ecológica. Mais do que simples espaços territoriais, os povos herdaram paisagens e ecologias, pelas quais certamente são responsáveis, ou deveriam ser responsáveis. Desde os mais altos escalões do governo e da administração até o mais simples cidadão, todos têm uma parcela de responsabilidade permanente, no sentido da utilização não predatória dessa herança única que é a paisagem terrestre. Para tanto, há que conhecer melhor as limitações de uso específicas de cada tipo de espaço e de paisagem. Há que procurar obter indicações mais racionais, para preservação do equilíbrio fisiográfico e ecológico. E, acima de tudo, há que permanecer equidistante de um ecologismo utópico e de um economismo suicida (Walter Góes, 1973). Já se pode prever entre os padrões para o reconhecimento do nível de desenvolvimento de um país devam figurar a capacidade do seu povo em termos de preservação de recursos, o nível de exigência e o respeito ao zoneamento de atividades, assim como a própria busca de modelos para uma valorização e renovação correta dos recursos naturais.
  Evidentemente, para os que não têm consciência do significado das heranças paisagísticas e ecológicas, os esforços dos cientistas que pretendem responsabilizar todos e cada um pela boa conservação e pelo uso racional da paisagem e dos recursos da natureza somente podem ser tomados como motivos de irritação, quando não de ameça, a curto prazo, à economicidade das forças de produção econômica.
OS GRANDES DOMÍNIOS PAISAGÍSTICOS BRASILEIROS
  O território brasileiro, devido a sua magnitude espacial, comporta um mostruário bastante completo das principais paisagens e ecologias do mundo tropical. Pode-se afirmar que um pesquisador ativo, entre nós, em poucos anos de investigação, poderia percorrer e analisar a maior parte das grandes paisagens que compõem o mosaico paisagístico e ecológico do país. Trata-se de uma vantagem que se acrescenta a outras, no incentivo dos estudos sobre as potencialidades paisagísticas regionais brasileiras. Essa possibilidade de 'trânsito livre' difere muito, por exemplo, daquela que diz respeito ao território tropical africano, onde existem sucessivas fronteiras separando parcelas dos espaços tropicais e dificultando o desenvolvimento de pesquisas mais amplas e comparativas.
Paisagem na Floresta Amazônica
  Durante muito tempo, houve a pecha de monotoneidade e extensividade das condições paisagísticas para o conjunto do espaço geográfico brasileiro. Observadores alienígenas, habituados às fortes diferenças de paisagens existentes - a curto espaço - no território europeu, não tiveram muita sensibilidade para perceber as sutis variações nos padrões de paisagens e ecologias de nosso território intertropical e subtropical. Operando em áreas reduzidas, situadas no interior mesmo de um só domínio morfoclimático e fitogeográfico, os investigadores que visitaram o nosso país na primeira metade do século XX somente tiveram olhos para o 'ar de família' - para eles totalmente exótico e aparentemente diferenciado - das paisagens tropicais úmidas da fachada atlântica oriental do país. Nesse sentido houve um certo retrocesso em relação ao estoque de conhecimentos acumulados no decorrer do século XX, mormente no que concerne às contribuições pioneiras dos viajantes naturalistas. Foi preciso que se instalasse as primeiras universidades - merecedoras desse nome - para que se tornasse possível uma infraestrutura capaz de garantir uma nova era de pequisas mais consistentes e objetivas. Gastaram-se anos para que aquelas formas de avaliação simplistas e genéricas pudessem mudar. E isso só veio a ocorrer a partir da década de 1940, e sobretudo na de 1950, graças aos esforços de pesquisadores brasileiros e europeus, sobretudo franceses.
  Diga-se, de passagem, que a despeito de a maior parte das paisagens do país estar sob a complexa situação de duas organizações opostas e interferentes - ou seja, a da natureza e a dos homens - ainda existiam possibilidades razoáveis para uma caracterização dos espaços naturais, numa tentativa mais objetiva de reconstrução da estruturação espacial primárias das mesmas (Ab'Saber, 1973). De modo geral, o homem pré-histórico brasileiro pouca coisa parece ter feito como elemento perturbador da estrutura primária das paisagens e ecologias intertropicais e subtropicais brasileiras. Certamente, no espaço geográfico natural do Brasil, aconteceu o contrário do que se passou com o continente africano, onde ocorre maior variedade de paisagens intertropicais e onde agrupamentos humanos com uma pré-história superior a quinhentos mil anos puderam imprimir modificações mais incisivas e extensivas em algumas áreas paisagísticas tropicais e subtropicais regionais.
Caatinga - ecossistema exclusivamente brasileiro
  No presente trabalho, entendemos por domínio morfoclimático e fitogeográfico um conjunto espacial de certa ordem de grandeza territorial - de centena de milhares a milhões de quilômetros quadrados de área - onde haja um esquema coerente de feições de relevo, tipos de solos, formas de vegetação e condições climático-hidrológicas. Tais domínios espaciais, de feições paisagísticas e ecológicas integradas, ocorrem em uma espécie de área principal, de certa dimensão e arranjo, em que as condições fisiogeográficas e biogeográficas formam um complexo relativamente homogêneo e extensivo. A essa área mais típica e contínua - via de regra, de arranjo poligonal - aplicamos o nome de area core, logo traduzida para área nuclear - termos indiferentemente empregados, segundo os gostos e as preferências de cada pesquisador.
  Entre o corpo espacial nuclear de um domínio paisagístico e ecológico e as áreas nucleares de outros domínios vizinhos - totalmentes diversos - existe sempre um interespaço de transição e de contato, que afeta de modo mais sensível os componentes da vegetação, os tipos de solo e sua forma de distribuição e, até certo ponto, as próprias feições de detalhe do relevo regional. Cada setor das alongadas faixas de transição e de contato apresenta um combinação diferente de vegetação, solos e formas de relevo. Num mapa em que sejam delimitadas as area core, os interespaços transicionais restantes entre os mesmos aparecem como se fossem um sistema anastomosado de corredores, dotados de larguras variáveis. Na verdade, cada setor dessas alongadas faixas representa uma combinação sub-regional distinta de fatos fisiográficos e ecológicos, que podem se repetir ou não em áreas vizinhas e que, na maioria das vezes, não se repetem em quadrantes mais distantes.
Mata dos Cocais - faixa de transição entre os domínios Amazônico, Cerrado e Caatinga
  Poderia parecer lógico que entre o domínio A e o domínio B pudessem ocorrer transições ou contatos em mosaico de A + B. No entanto, a experiência demonstrou que podem registrar-se combinações de A + B passando a C, ou de A + B passando a D; ou, ainda, de A + B, incluindo um tampão Z. Constatou-se, ainda, que em alguns raros casos de áreas de transição e contato, uma forma grosso modo triangular, situadas entre domínios A, B e C, podem ser multiplicadas as combinações fisiográficas e ecológicas, que comportam contatos em mosaico e subtransições locais. Reconhecimentos feitos em algumas áreas territoriais, consideradas chaves para o entendimento do problema - especificamente, estados da Bahia e do Maranhão - revelaram complexas combinações de componentes fisiográficos e ecológicos dos domínios envolventes, assim como a presença de paisagens-tampão, mais ou menos individualizadas, colocadas em certos setores centrais dessas faixas de transição. Dessa forma, além de representações de elementos morfoclimáticos e fitogeográficos aparentados com fatos de A, B e C, puderam ser detectados subnúcleos paisagísticos e faixas de vegetação concentrada, muito diferentes das paisagens e ecologias predominantes em A, B ou C.
Pantanal Matogrossense
  Trata-se, sobretudo de floras que se aproveitaram da instabilidade das condições ecológicas das faixas de transição e contato, passando a dominar localmente o espaço, em subáreas onde as condições climáticas e ecológicas eram relativamente desfavoráveis para a fixação de padrões de paisagens diretamente filiados aos domínios paisagísticos contíguos (A, B e C; ou B, C e D; ou ainda A, C e F, entre outras combinações espaciais de domínios vis-à vis) e, pelo oposto, eram favoráveis ao adensamento e à expansão de determinadas floras (cocais, mata de cipó, matas secas).
Mata de igapó - trecho da Floresta Amazônica constantemente alagado
  Até o momento foram reconhecidos seis grandes domínios paisagísticos e macroecológicos em nosso país. Quatro deles são intertropicais, cobrindo uma área pouco superior a sete milhões de quilômetros quadrados. Os dois outros são subtropicais, constituindo aproximadamente 500 mil quilômetros quadrados em território brasileiro, posto que extravasando para áreas vizinhas dos países platinos. O somatório das faixas de transição e contato equivale mais ou menos um milhão de quilômetros, em avaliação especial grosseira e provisória. Pelo menos cinco dos domínios paisagísticos brasileiros têm arranjo em geral poligonal, considerando-se suas areas core: 1. o domínio das terras baixas florestadas da Amazônia; 2. o domínio dos chapadões centrais recobertos por cerrados, cerradões e campestres; 3. o domínio das depressões interplanálticas semiáridas do Nordeste; 4. o domínio dos 'mares de morro' florestados; 5. o domínio dos planaltos de araucárias. Rios negros nos componentes autóctones da drenagem (bacias de igarapés; intra-amazônicos), drenagens extensivamente perenes, porém suscetíveis de 'cortes' nas áreas de desmatamento extensivo em planaltos sedimentares, de solos porosos. Enclaves de cerradões, cerrados e matas secas em áreas de solos pobres ou margens da area core."
Biomas brasileiros
AB'SABER
  Aziz Nacib Ab'Saber, nasceu no dia 24 de outubro de 1924 em São Luís do Paraitinga - SP, e faleceu em 16 de março de 2012 na cidade de Cotia - SP. 
  Foi um geógrafo e professor universitário brasileiro, considerado uma referência em assuntos relacionados ao meio ambiente e a impactos ambientais decorrentes das atividades humanas. Foi um cientista polivalente, laureado com as mais altas honrarias científicas em arqueologia, geologia e ecologia.
  Membro Honorário da Sociedade de Arqueologia Brasileira, Grã-Cruz em Ciências da Terra pela Ordem Nacional do Mérito Científico, Prêmio Internacional de Ecologia de 1998 e Prêmio Unesco para Ciência e Meio Ambiente. Era Professor Emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP), Professor Honorário do Instituto de Estudos Avançados da USP e ex-presidente e Presidente de Honra da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
  Embora aposentado compulsoriamente no final do século XX, manteve-se em atividade até o fim da vida. Na véspera de sua morte, entregou à SBPC os arquivos de sua obra completa, em DVD, com a seguinte dedicatória: "Tenho o grande prazer de enviar para os amigos e colegas da Universidade o presente DVD que contém um conjunto de trabalhos geográficos e de planejamento elaborados entre 1946-2010. Tratando-se de estudos predominantemente geográficos, eu gostaria que tal DVD seja levado ao conhecimento dos especialistas em geografia física e humana da universidade".
FONTE: AB'SABER, Aziz Nacib. Os domínios da natureza do Brasil: potencialidades paisagísticas. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003. p. 9-13.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

AS ILHAS FIJI

  A República de Fiji ou Fidji, é um país insular da Oceania que faz fronteira marítima com Tuvalu e com o território francês de Wallis e Futuna a norte, com Tonga a leste e o território francês da Nova Caledônia, com Vanuatu e com as Ilhas Salomão a oeste. A sul, a terra mais próxima corresponde às ilhas neozelandesas de Kermadec, mas estão bastante afastadas.
Mapa da Oceania
COLONIZAÇÃO
  Evidências arqueológicas mostram que os primeiros colonos de Fiji chegaram navegando das Ilhas Santa Cruz (politicamente são parte das Ilhas Salomão, mas seu ecossistema de florestas úmidas é o mesmo de Vanuatu) nas primeiras migrações do povo ancestral conhecido como Lápita (os descendentes diretos desse povo hoje são os melanésios) para o crescente, berço da cultura polinésia, Fiji-Tonga-Samoa, em 1500 a.C. Os primeiros habitantes de Fiji chegaram de Santa Cruz muito tempo antes das ilhas serem descobertas por exploradores europeus. As ilhas Vanua Levu e Viti Levu, as principais do arquipélago de Fiji, foram descobertas em 6 de fevereiro de 1643 pelo navegador holandês Abel Tasman. As outras ilhotas que compõem o arquipélago foram descobertas no século seguinte pelo explorador inglês James Cook. Os europeus só estabeleceram o primeiro posto de colonização em 1804.
Ilha de Vanua Levu - Fiji
INDEPENDÊNCIA
  As ilhas ficaram sob o controle do Reino Unido em 1874, com o estatuto de colônia. Em 1970 foi dada a independência ao país. O governo democrático foi interrompido por dois golpes militares em 1987, provocados por uma percepção por parte das restantes comunidades de que o governo era dominado pela comunidade indo-fijiana (indiana). Em virtude desses golpes militares, o arquipélago é expulso da Comunidade Britânica.
POLÍTICA
  Uma Constituição proclamada em 1990 garantiu o controle do país pela população fijiana, mas garantiu que os melanésios se tornassem majoritários no país. Em 1992 ocorrem eleições, que são vencidas pelo Partido Político Fijiano. Uma revisão realizada em 1997 tornou a Constituição de Fiji mais equitativa. Realizaram-se eleições livres e pacíficas em 1999, que resultaram num governo liderado por um indo-fijiano. Um ano mais tarde, o governo foi deposto por um golpe de Estado liderado por George Speigth, um nacionalista fijiano de linha dura. A democracia foi instalada em finais de 2000 e Laisenia Qarase, que liderava um governo interino desde o golpe, foi eleito primeiro-ministro.
Laisenia Qarase
  Para um país do seu tamanho, Fiji tem forças armadas excepcionalmente eficientes, e tem sido um contribuinte importante em missões de paz das Nações Unidas em vários pontos do globo.
  Em dezembro de 2006, o general Frank Bainimarama deu um golpe de Estado e depôs o governo do primeiro-ministro Laisenia Qarase. O ex-presidente da Associação de Médicos de Fiji, Jona Senilagakali assumiu como primeiro-ministro transitório até a formação de um governo interino. Austrália e Nova Zelândia protestaram contra o golpe, o governo neozelandês anunciou sanções contra Fiji. Em 1º de setembro de 2009, Fiji foi expulsa da Comunidade das Nações.
Dr. Jona Senilagakali
GEOGRAFIA
  O arquipélago de Fiji consiste de 322 ilhas, um terço das quais são desabitadas. As duas ilhas mais importantes são Viti Levu e Vanua Levu. É em Viti Levu que se situa a capital, Suva, e onde vivem quase três quartos da população. As ilhas são montanhosas, com picos que se erguem aos 1.324 metros no Monte Vitória ou Tomanici na língua fidjiana, na área central da ilha Viti Levu, e cobertas por florestas tropicais. Outras cidades importantes são Labasa, Lautoka, Nadi e Savusavu.
Paisagem de Fiji
ECONOMIA
  A economia de Fiji é uma das mais desenvolvidas do Oceano Pacífico. A exportação de açúcar, as remessas de dinheiro feitas por fijianos residentes no exterior, e o turismo, (300 a 400 mil turistas por ano visitam o país) são as suas principais fontes de receita do país. Entretanto, após o golpe de Estado de dezembro de 2006, Fiji tem enfrentado dificuldades: o movimento turístico caiu, e espera-se uma redução de 6% dos empregos neste setor como consequência desta queda.
  O açúcar fijiano tem como destino principal a União Europeia, porém, a exportação desse produto foi afetado após a decisão da UE de cortar subsídios. Em 2007, a ajuda econômica da UE ao país foi suspensa, enquanto o governo que assumiu o poder após o golpe de Estado não estabelecer um cronograma para novas eleições.
Cana-de-açúcar - um dos principais produtos agrícolas de Fiji
DADOS GERAIS DE FIJI
NOME OFICIAL: República de Fiji

INDEPENDÊNCIA: do Reino Unido

Proclamada: 10 de outubro de 1970
Reconhecida: 10 de outubro de 1970
LOCALIZAÇÃO: Oceania
CAPITAL: Suva
ÁREA: 18.274 km² (152º)
POPULAÇÃO (ONU - 2011): 931.741 habitantes (155º)
DENSIDADE DEMOGRÁFICA (ONU): 50,98 hab./km² (124°)
CIDADES MAIS POPULOSAS (2010):

Templo de Suva
Suva: 206.631 habitantes
Suva - capital e maior cidade de Fiji
Nadi: 60.623 habitantes
Centro de Nadi - segunda maior cidade de Fiji
Lautoka: 50.583 habitantes
Lautoka - terceira maior cidade de Fiji
LÍNGUA: nas ilhas Fiji são falados três idiomas, que são as línguas oficiais do país: o fijiano, idioma dos habitantes nativos das ilhas, o inglês, devido à colonização britânica no século XIX, e uma variante do hindi, chamada hindi fijiano ou hindustani fijiano, trazida por imigrantes indianos.
IDH (ONU - 2011): 0,688 (100°)
PIB (FMI - 2011): US$ 3,546 bilhões (154°)
EXPECTATIVA DE VIDA (ONU - 2005/2010): 68,8 anos (119°)
MORTALIDADE INFANTIL (ONU - 2005/2010): 19,5/ mil (94°)
TAXA DE URBANIZAÇÃO (CIA WORLD FACTBOOK - 2008): 52% (110°)
TAXA DE ALFABETIZAÇÃO (PNUD - 2007/2008): 94,4% (74°)
MOEDA: dólar fijiano
RELIGIÃO (2010): segundo dados de 2005, 57% dos fijianos são cristãos, composto por 45% de protestantes no total da população. Cerca de 34% praticam o hinduísmo e 7% é islâmica. Os líderes tribais dessas ilhas costumavam praticar atos de canibalismo como forma de ritual; as pessoas que eram comidas eram consideradas especiais na comunidade, e talheres próprios eram utilizados nessa cerimônia, que não podiam ser utilizados para comer outros alimentos.
DIVISÃO: o arquipélago de Fiji está dividido em quatro divisões administrativas, que por sua vez estão subdivididas em 14 províncias. Cada divisão é chefiada por um Comissário, indicado pelo governo de Fiji. As divisões são basicamente agrupamentos de províncias e possuem poucas funções administrativas. Cada província possui uma Câmara Provincial que podem, dentro de suas províncias, criar leis e impostos, sujeitos a aprovação do governo de Fiji.
  O governo de Fiji também é responsável pela nomeação do Roko Tui, chefe executivo da Câmara Provincial.
  A ilha de Rotuma, ao norte do arquipélago, tem status de dependência. Ela está incluída na Divisão Oeste para fins estatísticos, porém, administrativamente, ela possui autonomia interna com sua própria câmara e poderes para legislar sobre a maioria dos assuntos locais.

FONTE: Wikipédia

quarta-feira, 25 de abril de 2012

A FORMAÇÃO DOS PAÍSES LATINO-AMERICANOS

  A maioria dos países latino-americanos tornou-se independente já na primeira metade do século XIX. Esse processo foi motivado por inúmeros fatores, com destaque para as lutas pela abolição da escravidão, as revoltas dos nativos que sobreviveram à ocupação europeia e, principalmente, os conflitos provocados pelo choque de interesses entre os colonizadores e as novas elites, que foram se constituindo ao longo de três séculos de colonização.
  Essas elites, genericamente denominadas criollas, eram descendentes dos colonizadores, mas não podiam exercer o poder político nas colônias por terem nascido e se formado na América. Com a conquista da independência, começaram a surgir conflitos de interesse entre as elites criollas distribuídas por diferentes locais, o que levou à fragmentação das colônias em diversos territórios e deu origem à maioria dos países que hoje compõem a América de colonização espanhola.
A colonização europeia na América foi marcada pelo extermínio e escravização dos povos indígenas
  As tentativas de unificação do território não foram tão fortes quanto os interesses das elites locais. Isso explica por que as fronteiras dos países latino-americanos são, de maneira geral, mais fragmentadas do que as antigas fronteiras coloniais.
  No México, por exemplo, os índios e mestiços, liderados por padres da Igreja Católica, iniciaram em 1810 um intenso processo de lutas de libertação, motivados principalmente pela perspectiva de que, num país independente, teriam acesso à propriedade das terras onde trabalhavam.
  Os colonizadores espanhois e a elite local mexicana associaram-se contra esses levantes populares, e, após sufocarem as rebeliões, as elites locais assumiram a condução do processo de independência, concluído em 1821.
Hidalgo - primeiro defensor da independência do México
  Após a independência, as fronteiras mexicanas chegaram a englobar um território duas vezes maior que o atual. Além das terras que perdeu para os Estados Unidos, o México chegou a incorporar, por um curto período, praticamente toda a porção continental da América Central.
  As províncias da América Central, com exceção do território hoje correspondente ao Panamá, que fazia parte da Colômbia, formaram em 1823 as Províncias Unidas do Centro da América. A Confederação, posteriormente, fragmentou-se nos diversos países que compõem essa parte do continente.
Países que faziam parte das Províncias Unidas do Centro da América
   Tais processos estavam diretamente relacionados com os arranjos territoriais promovidos, principalmente, pelos interesses das elites locais que, a exemplo do que ocorreu no México, tiveram um forte papel na condução dos processos de independência dos países latino-americanos.
  Entretanto, a definição das fronteiras de alguns países da América espanhola não ocorreu exclusivamente dos confrontos entre as diversas elites criollas. Em alguns casos, essas elites se associaram aos remanescentes dos antigos povos e sociedades indígenas que, quando não foram totalmente dizimados, permaneceram resistindo e lutando pela afirmação de sua identidade cultural.
Mapa da América espanhola
  Para a América espanhola prevaleceu um processo diferente daquele que se verificou no Brasil. Este, além de manter o mesmo território herdado da colonização portuguesa, ainda o ampliou, e, apesar da ocorrência de vários conflitos localizados, aqui as forças que lutaram pela manutenção da unidade prevaleceram sobre os separatistas.
  Portanto, o processo de formação das fronteiras brasileiras pode ser considerado mais parecido com o dos Estados Unidos do que com o dos outros países latino-americanos. O Brasil também passou por uma fase de expansão territorial, mas, ao contrário dos EUA, isso ocorreu antes da independência.
Formação territorial do Brasil
FONTE: Carvalho, Marcos Bernardino de
Geografias do mundo: fronteiras, 8º ano / Marcos Bernardino de Carvalho, Diamantino Alves Correia Pereira. - 1. ed. renovada. - São Paulo: FTD, 2009. - (Coleção geografias do mundo) 

terça-feira, 24 de abril de 2012

A SOCIEDADE MINERADORA

A CORRIDA DO OURO
  Por volta de 1693, Antônio Rodrigues Arzão descobriu ouro perto de onde hoje é a cidade de Sabará. Nos anos seguintes, foram descobertas novas minas de ouro, como as de Vila Rica, hoje Ouro Preto. Daí o nome "minas gerais".
  Assim que a notícia se espalhou, afluíram ao sertão mineiro milhares de pessoas das mais diversas origens e condições sociais. Vinham de Portugal, do Rio de Janeiro, da Bahia, de São Paulo e de vários outros pontos do território colonial, atraídas pela ideia de riqueza fácil. Da África foram trazidos milhares de indivíduos escravizados para trabalhar na mineração. Mas ao chegar à região das minas, essas pessoas tinham uma desagradável surpresa: não havia o que comer, onde morar, o que vestir...
Imagem de J. M. Rugendas que retrata uma mina de ouro
  Nos primeiros anos da mineração, ninguém se preocupava em plantar ou criar. Ocupavam-se apenas com o ouro. Por isso, a região passou por várias crises de fome; as pessoas abandonavam as vilas e se refugiavam  no mato em busca de raízes e frutas. Mas, com o tempo, a população começou a plantar roças de milho e feijão e a criar porcos e galinhas. E, usando o ouro como moeda, passou a comprar de outras regiões aquilo de que necessitava.
A GUERRA DOS EMBOABAS
  Nos primeiros anos de mineração, ocorreram vários conflitos na região das minas. O maior deles teve origem na disputa pelo ouro entre os paulistas, que o descobriram, e os recém-chegados (portugueses e pessoas de outras regiões do Brasil), que queriam explorá-lo. Os portugueses calçavam botas altas e por isso foram apelidados pelos paulistas de "emboabas" , palavra de origem tupi que significa  "aves de pés emplumados".
Imagem de J. M. Rugendas que mostra a Guerra dos Emboabas
  Esse conflito, conhecido como Guerra dos Emboabas (1707-1709), terminou com a vitória dos emboabas. Seu líder, o comerciante português Manuel Nunes Viana, foi aclamado governador, e a capitania do Rio de Janeiro foi separada da de São Paulo e das Minas. Para controlar melhor a população, o governo fundou vilas nos povoados mais populosos. A primeira delas foi a do Ribeirão de Nossa Senhora do Carmo, em 1711, atual Mariana. Depois surgiram Vila Rica, Sabará, São João del Rei, Vila Nova da Rainha (Caeté) e Vila do Príncipe (Serro).
O CONTROLE SOBRE O OURO
  Iniciada a mineração, o rei de Portugal criou, em 1702, a Intendência das Minas, órgão encarregado de controlar a exploração do ouro, cobrar impostos e julgar os crimes praticados na região.
  A partir de então, quando o minerador descobria uma mina, era obrigado por lei a informar ao intendente. Este mandava dividir a mina em lotes auríferos chamados datas. O descobridor tinha direito a escolher duas datas; a seguinte era reservada ao rei. As outras eram distribuídas entre os mineradores; as maiores iam para quem tivesse mais escravos.
Imagem de J. M. Rugendas, onde vê-se a representação de uma lavra, um tipo de exploração do ouro feitas em grandes jazidas com mão de obra escrava.
  Ao mesmo tempo em que incentivava a extração do ouro, a Intendência criava e cobrava pesados impostos; impostos sobre homens livres e escravizados, sobre tecidos, ferramentas, gêneros agrícolas e, é claro, sobre o ouro. O mais importante deles era o quinto (20% de todo o ouro extraído).
  A cobrança era feita, sobretudo, nas estradas que ligavam Minas Gerais ao Rio de Janeiro, a São Paulo e à Bahia, sempre policiadas por soldados  (dragões do Regimento das Minas). Quanto maior a opressão fiscal, mais a população reagia, praticando o contrabando: escondia ouro entre os dedos dos pés, nos saltos e nas solas das botas, entre doces e salgados que as quitandeiras carregavam em seus tabuleiros, dentro das estátuas de santos...
Santo do pau oco - uma forma dos mineradores esconderem o ouro e os diamantes das autoridades portuguesas
REVOLTA DE VILA RICA (1720)
  O contrabando de ouro aumentava, e o governo português apertava o cerco. Para dificultar o desvio, em 1719 criou as Casas de Fundição, locais onde o ouro era transformado em barras, selado e quintado - ou seja, tinha extraída a sua quinta parte como imposto. Das Casas de Fundição, o ouro seguia para a Provedoria da Fazenda Real - órgão do governo português responsável pelo recolhimento do ouro do território colonial -, de onde era levado para o Rio de Janeiro, sob forte escolta dos dragões da Capitania de Minas Gerais.
Edifício onde funcionou a Casa de Fundição de Vila Rica de Ouro Preto
  A criação das Casas de Fundição aumentou a insatisfação das pessoas, que já reclamavam do alto preço dos alimentos, e acabou ocasionando uma revolta em Vila Rica, em 1720. As principais exigências dos rebeldes eram:
  • a redução do preço dos alimentos;
  • a anulação do decreto que criava as Casas de Fundição.
  A revolta foi duramente reprimida. Seus principais líderes, o tropeiro Felipe dos Santos e o minerador Pascoal da Silva Guimarães, foram presos. Felipe dos Santos foi morto e teve seu corpo feito em pedaços e exposto nas margens das estradas. O Arraial do Ouro Podre, onde ficava a mina de ouro de Pacoal da Silva, foi inteiramente queimado por ordem do governador. Adotando o princípio de dividir para governar, o rei de Portugal separou Minas Gerais de São Paulo, criando em 1720 a capitania das Minas Gerais.
Representação da morte de Felipe dos Santos
O CONTROLE SOBRE OS DIAMANTES
  No Arraial do Tijuco, atual cidade de Diamantina, as  autoridades portuguesas também atuaram de forma violenta. Assim que o rei soube da existência de diamantes no Tijucio, mandou expulsar os antigos moradores do local, dividiu as terras em lotes, separou para si o lote em que havia uma grande mina e leiloou os demais entre os homens brancos da região. Para administrar e policiar a área, criou a Intendência dos Diamantes (1734).
Imagem que mostra o Arraial de Diamantina
  O intendente tinha poder de vida e de morte sobre os habitantes do local e estimulou a prática da delação. Bastava alguém ser acusado de estar escondendo um diamante para que fosse preso e expulso da capitania de Minas.
  O rei de Portugal chegou a arrendar a extração de diamantes a contratadores, homens que recebiam o direito de explorar as valiosas pedras em troca de uma parte da riqueza. Um desses contratadores, João Fernandes de Oliveira, ficou conhecido por ter acumulado fortuna e por ter vivido maritalmente com sua ex-escrava, Chica da Silva. Posteriormente, em 1771, o governo acusou os contratadores de enriquecimento ilícito e reassumiu o controle sobre os diamantes.
Zezé Mota - atriz que interpretou Xica da Silva no filme de Cacá Diegues em 1976
MINERAÇÃO E MERCADO INTERNO
  A mineração de ouro e de diamantes contribuiu para uma série de mudanças no Brasil, dentre elas, destacam-se:
  • a ocupação e o povoamento de vastas áreas do interior brasileiro;
  • o florescimento da vida urbana, contribuindo para o nascimento de várias vilas e cidades;
  • mudança da capital de Salvador para o Rio de Janeiro (1763), único porto por onde o governo português permitia que se embarcasse o ouro;
  • a consolidação do mercado interno, já que a população das regiões mineiras (atuais Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás) comprava com ouro em pó de várias partes do Brasil aquilo de que necessitava. Do Nordeste vinham gado, couro e farinha de mandioca; do Rio de Janeiro, africanos escravizados e artigos europeus (vidros, louças, tecidos, ferramentas); de São Paulo, milho, trigo, marmelada; do Sul, cavalos, bois, mulas e charque.
A SOCIEDADE MINERADORA
  A população de Minas Gerais, em 1776, era composta de 70.769 brancos, 82 mil pardos e 167 mil negros. Assim, 78% da população de Minas Gerais era formada de negros e mestiços. E eles eram, quase todos, muito pobres. Hoje, sabe-se que foram poucos os ricos no solo mais rico da América no século XVIII.
Os ricos
  Na região mineradora, as maiores fortunas pertenciam quase sempre aos grandes comerciantes, e não aos donos das minas. Um exemplo: Manuel Nunes Viana, o líder dos emboabas, enriqueceu vendendo gêneros alimentícios para os armazéns e carne para os açougueiros mineiros. Os tropeiros, homes que comerciavam mulas, cavalos, gado de corte, também conseguiram prosperar, chegando a se destacar na sociedade mineira.
Figura que retrata um comboio de tropeiros
  Já entre os donos de minas, foram poucos os que enriqueceram. O motivo é simples: boa parte do que ganhavam, servia ao pagamento de impostos ou era gasta com a compra de mão de obra e de artigos importados, como ferramentas, vinhos, tecidos, trigo, queijos e doces.
As camadas médias
  Em Minas Gerais, no século XVIII, houve o crescimento também das camadas médias: pequenos lavradores, artesãos (carpinteiros, alfaiates, ourives), profissionais liberais (advogados, médicos), padres, garimpeiros (pessoas que mineravam com dois, três, cinco escravos), donos de vendas e artistas. Alguns artistas da região aurífera (entalhadores, músicos, pintores) alcançaram grande prestígio na sociedade do ouro.
Obras de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, em frente ao Santuário do Senhor Bom Jesus de Matosinhos em Congonhas - MG
  Os roceiros plantavam milho, arroz, feijão, mandioca, cultivavam plantas frutíferas e hortaliças e criavam porcos. Porcos e galinhas andavam pelas ruas e casas, em meio às pessoas. Nos últimos anos do século XVIII, desenvolveu-se também a criação de vacas leiteiras e a fabricação de queijo, que pouco a pouco foi se tornando muito conhecido.
Os homens livres pobres
  Nas capitanias do ouro viva também grande número de homens livres pobres. Eles perambulavam pelos arraiais pedindo esmola e comida, brigando nas vendas ou praticando pequenos furtos. Por não terem ocupação nem posição social definida, foram chamados pela historiadora Laura de Melo e Souza de "desclassificados".
  Abandonados à própria sorte, moravam em casebres que dividiam com outros marginalizados ou com mulheres igualmente pobres. Negros e mestiços em sua imensa maioria, os homens livres pobres eram perseguidos e chamados de vadios pelas autoridades.
  Mas, quando essas mesmas autoridades precisavam de pessoas para serviços pesados ou perigosos, procuravam esses homens. Então, eles deixavam de ser taxados de vadios. Eram chamados para construir obras públicas (estradas, ruas, presídios), fazer a segurança pessoal dos ricos, combater os botocudos (grupo indígena da região) e destruir quilombos (Minas colonial foi a região com o maior número de quilombos do Brasil).
Os escravizados
  O dia a dia dos escravizados nas regiões mineiras era particularmente difícil. Eles trabalhavam em pé, curvados e com as pernas mergulhadas na água até a altura do joelho ou da cintura. Ou então em túneis cavados nas encostas dos morros, onde era comum ocorrer desabamentos e mortes.
  A bateia e o almocafre eram os dois principais instrumentos empregados na mineração. O almocafre era uma enxada pequena e pontiaguda usada para remover o cascalho no leito dos rios e nas encostas. A bateia era uma espécie de prato grande, em forma de chapéu chinês. O trabalhador a girava e, por meio de movimentos circulares, ia separando o cascalho do ouro, em pó ou em pepitas, já que este, por ser mais pesado, ficava alojado no fundo.
Quadro de Tarsila do Amaral que mostra escravos trabalhando na mineração
  Os escravizados não realizavam apenas tarefas ligadas à mineração. Também transportavam mercadorias e pessoas, construíam estradas, casas e chafarizes, comerciavam pelas ruas e lavras - terrenos onde se praticavam a mineração. Alguns proprietários alugavam seus escravos a outras pessoas. Esses trabalhadores eram chamados de "escravos de ganho". Era o caso, por exemplo, das mulheres que vendiam doces e salgados em tabuleiros pelas ruas. As "negras de tabuleiro" eram conhecidas não só pelos seus quitutes, mas também por proteger escravos fugidos e por esconder ouros e diamantes entre os alimentos que vendiam, a fim de comprar a liberdade.
Quadro do italiano Carlos Julião retratando uma negra do tabuleiro
  Como se vê, a sociedade do ouro premiou poucos e castigou a maioria. Os habitantes das Minas, porém, não se calaram diante da escravidão, da pesada rede de impostos e de outras violências a que foram submetidos. Resistiam a tudo isso desobedecendo em silêncio, promovendo revoltas, desviando ouro e diamantes, reclamando à Justiça, fugindo para a mata e formando quilombos.
FONTE: Boulos Júnior, Alfredo. História: sociedade e cidadania, 8° ano / Alfredo Boulos Júnior. - São Paulo: FTD, 2009. (Coleção História: sociedade & cidadania).

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