sexta-feira, 23 de novembro de 2018

A LENTA AGONIA DO LAGO CHADE

  Por conta da dimensão, ou apenas por tradição, muitos dos lagos existentes no interior de continentes são definidos como mares, a exemplo do que acontece com os mares Morto, Cáspio e Aral. Todos esses mares (ou lagos) têm algumas características comuns: uma delas é que suas margens são compartilhadas por mais de um país. A orla do Mar Morto é compartilhada entre Jordânia e Israel; o Irã, a Rússia, o Cazaquistão, o Azerbaijão e o Turcomenistão têm litorais junto ao Mar Cáspio; o Mar de Aral situa-se entre o Cazaquistão e o Uzbequistão.
  Todos eles também são alimentados por rios de expressiva importância local ou regional: o rio Jordão deságua no Mar Morto; o Volga no Mar Cáspio e os rios Amu Daria e Sir Daria no Mar de Aral. A forma predatória como têm sido utilizada as águas desses rios provoca enormes danos ambientais e sociais. O caso mais dramático é o do Mar de Aral, cujo volume e área reduziram-se a ponto de ocorrer a sua divisão em dois corpos de água distintos.
Cronologia do Mar de Aral desde a década de 1950
  No interior do continente africano, todas as superfícies líquidas que não possuem ligações com o oceano recebem a denominação de lagos, apesar de alguns deles serem relativamente extensos, como são os casos dos lagos Victória, Niassa, Tanganica e Chade.
  O Lago Chade é um grande lago localizado nas proximidades do centro geográfico do continente, na borda meridional do Saara, local por onde convergem as fronteiras de quatro países: Níger, Chade, Nigéria e Camarões. É um lago de água doce com profundidades inferiores a sete metros. Cerca de 90% das águas que o abastecem vêm do rio Chari e de seu afluente Logone, cujas nascentes situam-se em regiões montanhosas da República Centro-Africana. Assim, é fundamentalmente da parte meridional que o lago recebe a maioria dos fluxos hídricos que o alimentam, já que a parte norte, situada nas áreas semiáridas do Sahel, contribui apenas com volumes pouco expressivo de água, originária de rios temporários. É muito importante economicamente por fornecer água para mais de 20 milhões de pessoas nos quatro países localizados ao seu redor.
  No interior de sua área, ficam os 87 km da fronteira entre o Chade e a Nigéria, entre as duas fronteiras triplas (a do Níger, Chade e Nigéria, e a da Nigéria, Chade e Camarões).
Mapa de localização do Lago Chade
  Grandes variações sazonais do volume de água em lagos são fenômenos comuns, mas ao longo das quatro últimas décadas a extensão do lago Chade diminuiu drasticamente. No início da década de 1960, sua área era de aproximadamente 25 mil km², superfície que se reduziu para 4 mil km² em 2001. Atualmente sua extensão não ultrapassa 1,5 mil km². Hoje, o antigo grande lago não é senão um pântano coberto de vegetação.
  Acredita-se que o Lago Chade foi formado a partir de um mar que secou com as mudanças climáticas dos últimos treze mil anos. A grande demanda de água do lago tem acelerado este processo e acredita-se que o lago pode desaparecer nos próximos anos. Os efeitos do aquecimento global, também podem estar relacionados com este problema.
  A persistente "sangria hídrica" da superfície lacustre é resultado de secas recorrentes, dramáticas, que afetam especialmente a borda setentrional do lago, onde os agricultores tradicionalmente cultivam os solos úmidos quando do recuo das águas, durante a estação seca. Nas últimas décadas, as chuvas na região diminuíram em cerca de 40%.
Lago Chade, no Chade
  Mas o desastre ecológico é também consequência das práticas agrícolas e pastoris da população que vive no entorno do lago. Nos últimos cinquenta anos, essa população mais que dobrou, atingindo 25 milhões de pessoas. Paralelamente, o uso da irrigação quadruplicou nos últimos 25 anos, para responder às necessidades alimentares de um efetivo demográfico cada vez mais numeroso. Além disso, foram desenvolvidos pelos países ribeirinhos outros projetos hidráulicos nos rios que abastecem o lago, com vistas a aumentar a produção de alimentos e produzir energia.
  Pesquisadores americanos, apoiando-se em imagens de satélites e de dados climáticos, analisaram o processo e compararam o peso dos fatores naturais e humanos causadores do ressecamento do lago.
Lago Chade na Nigéria
  A salinidade da bacia norte vem aumentando muito com a entrada de água para o local, ficando cada vez menor, o que vem causando a extinção de muitas espécies animais e vegetais, com posterior crescimento da erosão. A pesca, continua a diminuir, fazendo a população local perder ganhos substanciais, uma vez que as regiões costeiras do lago em Camarões e na Nigéria, estão entre as mais pobres dos respectivos países. A falta de água potável vem crescendo como problema, causando mais casos de diarreia, cólera e tifo.
Vídeo sobre o Lago Chade
  Reunidos em 1964 na Comissão da Bacia do Lago Chade, os países ribeirinhos tentaram levar adiante uma gestão integrada dos recursos hídricos.
  Um pouco mais tarde, negociou-se um projeto de grandes dimensões destinado a possibilitar o desvio de parte das águas de um afluente do rio Ubangui, importante curso fluvial da República Centro-Africana. De acordo com o projeto, essas águas seriam transferidas para um afluente do rio Chari, através de um canal de cerca de 300 quilômetros, desaguando finalmente no Lago Chade. Contudo, a conclusão do acordo depende da anuência dos dois Congos (República do Congo e República Democrática do Congo), países que não possuem terras banhadas pelo lago mas serão afetados pela transposição das águas.
  Se tudo der certo, o Lago Chade será salvo. Nessa hipótese, ele se converterá num polo de cooperação regional. Caso contrário, estará destinado a figurar como uma fonte de tensões e conflitos inscrita em uma região assolada pela miséria.
Visão aérea de parte do Lago Chade
REFERÊNCIA: OLIC. Nelson Bacic. A lenta agonia do Lago Chade. Clube Mundo. São Paulo, ano 17, n. 16. p. 10. out. 2009.

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