Na segunda metade do século XX, o comércio internacional apresentou um crescimento significativo. Nesse período, instituições de âmbito global, como o Banco Mundial, FMI (Fundo Monetário Internacional) e Gatt (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio) atuaram no sentido de estruturar as relações financeiras e estimular e estabelecer regras para o comércio mundial. A capacidade de produção continuou a ser ampliada de forma expressiva nos Estados Unidos, no Japão, nos países da Europa Ocidental e naqueles que se industrializaram mais intensamente a partir dos anos 1950/1960 (Brasil, Argentina e México), 1960/1970 (Coreia do Sul, Cingapura, Taiwan e Hong Kong) e 1980/1990 (China). As empresas transnacionais tiveram importante papel nessa ampliação da capacidade de produção.
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As empresas transnacionais contribuíram para a ampliação do comércio mundial |
Essa conjuntura, somada à maior facilidade de circulação de mercadorias, levou a atividade comercial a crescer, em âmbito mundial, em ritmo maior do que a própria produção. Se em 1990 o total do comércio internacional correspondia a cerca de 18% do PIB mundial, no ano 2000 as cifras das relações comerciais entre os países do globo perfaziam cerca de 26% do PIB do planeta.
Na primeira década do século XXI, manteve-se a tendência do ritmo de crescimento do comércio internacional superior ao ritmo de crescimento do PIB. No entanto, os desdobramentos da crise econômica e financeira de 2007/2008 poderiam afetar o crescimento do comércio mundial. Isso porque, com a preocupação dos governos em minimizar os efeitos dessa crise, contendo o aumento do desemprego e estimulando as atividades produtivas e de serviços no âmbito nacional, poderia ocorrer a adoção de práticas protecionistas no comércio. Com menos crédito e a economia dos países em crise, a consequência seria a diminuição das exportações e importações de bens e serviços.
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Estande de frutas em um mercado de Paris - França. |
A partir dos anos 1980/1990, no contexto da intensificação do processo de globalização, as propostas neoliberais foram amplamente difundidas na economia global. Alegava-se que os países subdesenvolvidos tinham uma economia "fechada", com tarifas de importação elevadas, restrições ao ingresso de capitais e reserva de mercados, entre outros aspectos.
Atendendo sobretudo aos interesses das empresas transnacionais, os governos dos países desenvolvidos, em especial os Estados Unidos, passaram a apregoar que a abertura econômica ao capital estrangeiro (especulativo ou produtivo), a redução das barreiras comerciais e as privatizações eram o melhor caminho para superar o endividamento externo e aumentar o crescimento econômico.
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Mapa dos principais fluxos comerciais regionais |
OS FLUXOS DE MERCADORIAS E SERVIÇOS NO MUNDO ATUAL
Em 2008, o valor das transações comerciais movimentava cerca de 16 trilhões de dólares, no caso das exportações, e 16,4 trilhões de dólares, aproximadamente, no caso das importações. Os países desenvolvidos, um pouco mais de 20 - foram responsáveis por cerca de 53% das exportações e 58% das importações. Quase a metade desse volume de comércio está concentrada entre os países do G-8 e a China (cerca de 47% das exportações e 48% das importações). Os chineses têm ampliado cada vez mais sua participação no comércio internacional. Atualmente, a China é a segunda maior potência comercial do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos.
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Principais fluxos de mercadorias |
Os Estados Unidos são a principal potência comercial do globo. Em 2011, exportaram 1,511 trilhão de dólares e importaram 2,314 trilhões. Esse saldo negativo na balança comercial representava o maior déficit comercial do planeta e equivalia, aproximadamente, ao PIB da Austrália.
O comércio internacional de serviços perfaz atualmente uma parcela considerável do comércio entre países. Esse comércio é representado por fretes de transportes, turismo global, serviços de informática, atividades culturais e desportivas, prestação de serviços a empresas (telemarketing, call center, contabilidade, consultoria), atividades auxiliares de intermediação financeira, edição e reprodução de gravações, entre outros.
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Sala de operações numa central de atendimento - um dos setores que têm apresentado os maiores crescimento no setor de serviços |
Como ocorre com o comércio de mercadorias, o de serviços está concentrado em países desenvolvidos, que abarcam cerca de 75% do total mundial. Os Estados Unidos são os maiores exportadores e importadores mundiais e mantêm superávit nesse setor.
Internamente, os serviços têm participação importante na composição do PIB dos países desenvolvidos (cerca de 80% do total das riquezas geradas em um ano nesses países). No caso brasileiro, os serviços correspondem a mais de 60% do PIB.
As facilidades proporcionadas pela telemática, com os avanços nas tecnologias de comunicação e informação, têm propiciado o deslocamento e a terceirização de diversas tarefas não relacionadas diretamente à produção, como atendimento e suporte ao cliente; serviços contábeis e fiscais e venda por telefone ou internet. Essas tarefas passam a ser realizadas em outros países, onde a mão de obra é mais barata.
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Saldo do comércio externo em porcentagem do PIB |
EM BUSCA DE REGRAS PARA O COMÉRCIO GLOBAL
A intensificação do processo de globalização, com o aumento das relações comerciais e financeiras em nível global, levou à necessidade de se estabelecerem regras comuns aos países participantes dessa nova conjuntura mundial. Num primeiro momento, ocorreu a Rodada do Uruguai e criou-se a OMC, em substituição ao Gatt.
A RODADA DO URUGUAI E A OMC
A OMC foi criada em 1995, após a Rodada do Uruguai, que se iniciou em 1986, em Montevidéu, e só foi concluída em 1994, em Marrakesh (Marrocos). Com a Rodada do Uruguai, houve redução tarifária significativa em diversos países do globo. No caso dos latino-americanos, as relações implicaram uma redução de 25% a 35% em tarifas de importação.
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Ato comemorativo do 20º aniversário da Rodada do Uruguai do Gatt, em 2006. |
As negociações da Rodada do Uruguai definiram uma reformulação no conjunto de regras para o comércio de mercadorias e um inédito sistema de regras para o comércio de serviços e compras governamentais. Também estabeleceram normas para questões ligadas à propriedade intelectual e patentes e às implicações entre o comércio e o meio ambiente, entre outras. Muitas dessas definições resultam das reuniões entre os representantes dos países integrantes da OMC. Chamadas de Conferências Ministeriais, ocorrem a cada dois anos, podendo haver exceções.
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Os países em verde escuro, fazem parte da OMC, em verde claro são os membros da União Europeia e em azul os países observadores |
A Rodada do Uruguai marcou também o retorno das discussões sobre o comércio agrícola, por causa da pressão de países exportadores de gêneros agrícolas, como Brasil, Argentina e Austrália. Esses países pressionam os governos da Europa, do Japão e também dos Estados Unidos a abrir seus mercados aos produtos estrangeiros e a reduzir os subsídios que concedem a seus agricultores.
Com a conclusão da Rodada do Uruguai e a criação da OMC, ficou definido também que essa organização seria responsável pela resolução de conflitos ou disputas comerciais entre os países-membros. Para a resolução das divergências, há um conjunto de princípios, normas e procedimentos que envolve os chamados Painés, dos quais participam especialistas nos temas relacionados ao conflito. Além disso, a OMC pode oferecer assistência jurídica nos processos.
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Estrutura da OMC |
PROTECIONISMO DISFARÇADO
Para dificultar, ou até mesmo impedir, a entrada de mercadorias de outros países em seu território, os países desenvolvidos criam barreiras não tarifárias. As mais comuns são:
- defesa comercial, relativa a práticas comerciais que desrespeitam os princípios e as regras estabelecidas, como o dumping, prática internacional em que são comercializadas mercadorias com preços muito baixos, às vezes inferiores ao custo de produção, com o objetivo de eliminar concorrentes e conquistar novos mercados. Há ainda o chamado dumping social, em que os países subdesenvolvidos são acusados de aplicar normas e condições trabalhistas muito precárias, barateando seus produtos e ganhando em competitividade;
- defesa técnica, nos casos em que o produto não apresenta tecnologia adequada, como um veículo cujo sistema de freios é pouco eficiente, um brinquedo que pode afetar a saúde das crianças etc.;
- defesa sanitária, que envolve principalmente os produtos agropecuários. A importação de uma mercadoria pode ser impedida quando são detectadas doenças em um rebanho, como febre aftosa ou doença da vaca louca, ou produtos agrícolas que foram cultivados com uso excessivo de agrotóxicos ou de fertilizantes e adubos;
- Garantia de preços mínimos na compra de safras agrícolas dos produtos nacionais e prioridade para a compra da produção interna.
As barreiras não tarifárias são utilizadas, sobretudo, pelos países desenvolvidos. Apesar do dicurso pela liberalização comercial, estes protegem amplamente os setores produtivos que podem ser afetados pela concorrência de mercadorias importadas. É o que se chama de protecionismo.
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Fazenda de criação de gado bovino nos Estados Unidos |
Em contrapartida, esses países (Estados Unidos, Japão e membros da UE) exigem dos subdesenvolvidos maior abertura econômica, com facilidades para investimentos financeiros de curto prazo, importações e ingresso de empresas comerciais (como redes de hipermercados) e de serviços (sobretudo telecomunicações e energia elétrica).
Por trás do discurso de abertura econômica dos países desenvolvidos e de organismo internacionais (FMI e Banco Mundial) está, entre outros aspectos, o interesse das multinacionais por mais liberdade de atuação, a fim de ampliar suas margens de lucro, aproveitando-se das chamadas vantagens competitivas.
Assim, a globalização mostra-se um processo assimétrico, no qual os países subdesenvolvidos obtêm pouca vantagem, e os países desenvolvidos, amplos benefícios.
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Milho - os Estados Unidos dão subsídios aos produtores para aumentar a produtividade e diminuir a importação desse produto |
O COMÉRCIO INTERNACIONAL APÓS A OMC
Com a criação da OMC, passou a existir, de certa forma um processo permanente de negociações, nas quais os representantes dos países têm discutido a redução das barreiras tarifárias, a eliminação do protecionismo e as questões relacionadas a patentes e barreiras não tarifárias.
A RODADA DOHA
Em novembro de 2001, teve início em Doha, capital do Qatar, a Rodada Doha, uma série de negociações da OMC visando reduzir as barreiras do comércio internacional. Prevista inicialmente para terminar em 2005 e, depois, em 2006, a Rodada foi marcada por uma série de desentendimentos entre seus participantes.
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Doha - capital do Qatar |
Na Conferência Ministerial da OMC, em Cancún (México), em 2003, a divergência de opiniões em relação a uma série de temas, como serviços, patentes, compras governamentais e a questão agrícola, pendentes da Rodada Doha, opuseram, de modo geral, os países desenvolvidos (EUA, Japão e União Europeia) aos subdesenvolvidos, representados pelo G-20 em desenvolvimento (sobretudo Brasil, Argentina, África do Sul, Índia e China). Esse grupo é bastante heterogêneo, com diferentes interesses. Os pontos coincidentes restringem-se à pressão que recebem dos países desenvolvidos para abrir a economia.
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Cancún - México |
Em 2008, numa reunião em Genebra, na Suíça, os países desenvolvidos (EUA e União Europeia) continuavam a pressionar os subdesenvolvidos, particularmente os emergentes, a abrirem suas fronteiras para produtos industrializados. Em contrapartida, acenavam com alguma redução nos subsídios agrícolas e nas tarifas de importação de produtos agropecuários.
O Brasil, por ser competitivo no setor agropecuário, dispunha-se a fazer concessões em termos de abertura nos setores industrial e de serviços. No entanto, a Índia e a China, países mais populosos do planeta e com grande porcentagem de população rural, não concordavam com a redução nas tarifas de importação de gêneros agrícolas, além de discordarem de uma abertura maior no âmbito dos serviços e dos produtos industriais. Em função disso, durante a reunião de Genebra, o Brasil aproximou-se mais da posição dos Estados Unidos e da União Europeia, o que causou uma divisão no grupo do G-20 dos países em desenvolvimento.
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Países membros do G-20
Países membros da União Europeia que não são individualmente representados no G-20
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Com a crise mundial de alimentos de 2008, dirigentes da OMC enfatizaram a necessidade de se concluir a Rodada Doha, pois acreditavam que uma redução tarifária ampla no setor agropecuário ampliaria a oferta de gêneros alimentícios no mundo. A empreitada, no entanto, fracassou, devido a novos desentendimentos.
FONTE: Lucci, Elian Alabi. Território e sociedade no mundo globalizado: geografia: ensino médio, volume 2 / Elian Alabi Lucci, Anselmo Lázaro Branco, Cláudio Mendonça. - 1. ed. - São Paulo: Saraiva, 2010.
adorei, muito obrigada por sua explicação!
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