segunda-feira, 11 de novembro de 2024

LITERATURA E SOCIEDADE NO BRASIL: TERRITORIALIDADES

   Em sua obra Literatura e sociedade, Antônio Cândido (1918-2017) defende uma formulação geral na análise de um texto literário, o fator social (externo) deve ser considerado intrínseco à obra e tomado como fator relevante na análise da construção do próprio texto (interno). O autor quis demonstrar que uma obra artística faz parte de seu tempo e de seu espaço e não pode ser dissociada deles. O dado social, portanto, é estrutural para a confecção da obra, pois a literatura pode ser pensada através da sociedade, e a sociedade, por meio da produção literária.

  Dessa maneira, a literatura faz parte de estudos tanto do valor da obra quanto da Sociologia, da História, da Geografia e da Filosofia. Assim, partindo das considerações de Cândido e tratando uma obra como documento, nas Ciências Humanas, o valor estético pode ser pouco considerado, valendo mais as condições sociais de sua criação e divulgação.

  A obra literária pode ser analisada no que se refere a sua relação com a sociedade, o tempo e o espaço. Assim, algumas obras são territorializadas como representantes de um espaço-tempo; além disso, em outra abordagem, sua aceitação pelo público - considerado tanto receptor quanto produtor, já que impactados pela arte - e sua importância no espectro de formação da literatura representativa de um grupo podem ser medidas por seu alcance e sucesso no mercado editorial.

À esquerda, capa de exemplar da primeira edição de "Iracema", de José de Alencar; à direita, folha de rosto da obra. 

O reforço do regionalismo na literatura nacionalista

  A produção literária considerada regionalista foi objeto de críticas contundentes por grande parte dos literatos e dos críticos. Uma das principais bases do regionalismo, segundo essa perspectiva, está na dicotomia entre campo X cidade ou rural X urbano. A literatura "regionalista" estaria ligada ao campo/rural, enquanto a literatura "universal", à cidade/urbano.

  Antônio Cândido pergunta: qual a influência do meio social na obra literária? E responde com outra pergunta: qual a influência da obra literária sobre o meio? São questões importantes para quem se debruça sobre a relação entre literatura e meio social. Partindo dessa premissa, toda obra é regionalista, porque está situada no tempo e no espaço, ou seja, em determinada sociedade, seja ela mais ou menos urbana. Mas o que incomodava os críticos era ela ser inserida no campo, no meio rural, considerado atrasado e retrógrado, em uma época em que o Brasil se industrializava, o início do século XX.

Capa da primeira edição do livro "Os sertões", de Euclides da Cunha

  Críticas à parte, o certo é que o romance regionalista é resultado justamente do processo moderno e universal de industrialização e consolidação do capitalismo em diversos espaços do planeta e funcionou não só para projetos políticos conservadores como também para denúncias contundentes sobre a frieza e o desprezo com que o capital invadiu o campo. Dessa forma, estudar a literatura regionalista se relaciona com a Geografia humana, o meio ambiente e a ecologia, com análises sobre as disparidades de distribuição de renda no mundo e em cada país.

  Todavia, há os que defendem que a qualidade literária de uma obra a elevaria do regional ao universal, e exemplos não faltam na literatura brasileira: Os sertões (1902), de Euclides da Cunha (1866-1909), e Vidas sêcas (1938), de Graciliano Ramos (1892-1953), são alguns deles. Ambos fazem parte de uma literatura de denúncia, agradável ao público letrado e citadino até os dias de hoje, tornando-se, portanto, universais.

Capa da primeira edição da obra "Vidas sêcas", de Graciliano Ramos

Regionalismo em exemplos: o Nordeste açucareiro e os Pampas gaúchos

  A importante produção do escritor paraibano José Lins do Rego (1901-1957) é centrada na região canavieira nordestina em um momento em que as usinas engoliam os engenhos de fabricação do açúcar. Ele próprio definiu cinco de seus livros sobre a temática como Ciclo da Cana-de-Açúcar: Menino de engenho (1932), Doidinho (1933), Banguê (1934), O moleque Ricardo (1935) e Usina (1936). Ao mesmo tempo, o autor ressaltou figuras populares e trabalhadores que partilhavam esse universo agrário, apresentando seus valores e tornando-os inteligíveis aos olhos do público urbano.

  Com Fogo morto, de 1943, Lins do Rego consagrou-se como grande escritor, passando por cima do estigma de regionalismo da época. O engenho a que se refere, de fogo morto, ou seja, sem moer cana e fabricar açúcar, era movido a carvão vegetal. Muitos engenhos ficaram assim não só pela voracidade das usinas e pelo advento de tecnologias mais avançadas que o carvão (como os derivados do petróleo e o uso da eletricidade), mas também por causa do esgotamento das matas utilizadas para alimentar as fornalhas necessárias à fabricação do açúcar.

Capa da primeira edição da obra Menino de Engenho, de José Lins do Rego

  O gaúcho Érico Veríssimo (1905-1975) também é considerado um autor regionalista, principalmente por sua trilogia O tempo e o vento (1949-1962). Ao contar a história da família Terra-Cambará e do Rio Grande do Sul, o autor analisa os grandes momentos e temas da História do Brasil, do século XVIII ao fim do Estado Novo, no governo de Getúlio Vargas (1945).

  O componente regional gaúcho é apresentado de maneira evidente, até mesmo no título do primeiro volume da trilogia. O continente, que simboliza as tentativas separatistas históricas infrutíferas do Rio Grande em relação ao Brasil.

  Os Terra-Cambará nunca se desgrudaram das raízes rurais, mesmo priorizando como moradia o sobrado, título de um dos capítulos do primeiro volume da trilogia, no centro urbano de Santa Fé. As estâncias de gado, as charqueadas e os pampas gaúchos, do atual Rio Grande do Sul ou do Uruguai, estão impregnados em sua obra.

  Tanto Lins do Rego quanto Veríssimo trataram de temas relativos às fronteiras: no primeiro caso, fronteiras ecológica e social; no segundo, fronteiras territoriais de poder.

Capa do primeiro volume da trilogia O tempo e o vento, de Érico Veríssimo

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

CÂNDIDO, A. Literatura e sociedade (1965). 9. ed. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2006.

Nenhum comentário:

Postar um comentário