terça-feira, 25 de junho de 2024

A IMPORTÂNCIA DA TERRA PARA OS POVOS INDÍGENAS

  Cada cultura produz seus próprios saberes e conhecimentos, a partir de suas crenças e olhares sobre o mundo. As culturas dos diferentes povos indígenas, além de serem distintas entre si, apresentam concepções particulares sobre a natureza e as relações humanas.

  Quando, a partir das referências da cultura ocidental, pensamos na questão da terra, por exemplo, um dos elementos centrais é o das relações de posse. No entanto, embora existam variações entre as diversas culturas indígenas, elas têm em comum a visão de que o ser humano pertence à terra e a natureza, e não a terra ao ser humano, estando ausente a noção de posse de propriedade da terra.

Índios pataxós

  Quando atentamos para as falas dos próprios pensadores indígenas, ficam evidentes essas diferenças nas visões da relação dos seres humanos com a terra e a natureza. Davi Kopenawa, um escritor, xamã e líder político dos ianomâmis, população indígena que vive na Floresta Amazônica, na fronteira entre Venezuela e Brasil, descreve assim a concepção do seu povo sobre suas origens e a ocupação de seus territórios:

    Assim, foi depois de todos terem virado animais, depois de o céu ter caído, que Omama nos criou tais como somos hoje.

    Nossa língua é aquela com a qual ele nos ensinou a nomear as coisas. Foi ele que nos deu a conhecer as bananas, a mandioca e todo o alimento de nossas roças, bem como todos os frutos das árvores da floresta. Por isso, queremos proteger a terra em que vivemos. Omama a criou e deu a nós para que vivêssemos nela. Mas os brancos se empenham em devastá-la, e, se não a defendermos, morreremos com ela.

KOPENAWA, D.; BRUCE, A. A queda do céu: palavras de um xamã ianomâmi. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. p. 74.

  Na fala de Kopenawa aparecem vários elementos das crenças de seu povo e se evidencia como, para preservar suas tradições e culturas, os povos indígenas precisam enfrentar conflitos com os povos não indígenas, que não respeitam suas concepções de mundo e desejam suas terras. Esses conflitos significam, para os indígenas, inclusive, rever suas relações com a terra e buscar mecanismos dentro das lógicas das sociedades ocidentais que permitam a sobrevivência dos grupos.

Aldeia de índios isolados no Acre

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

KOPENAWA, D.; BRUCE, A. A queda do céu: palavras de um xamã ianomâmi. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

domingo, 23 de junho de 2024

A ESCRAVIDÃO NA ÁFRICA ANTES DOS EUROPEUS

   A África é um continente geográfica e culturalmente muito diverso. Antes da chegada dos europeus, havia escravidão nesse continente, assim como em outras partes do mundo. Contudo, é um erro dizer que os africanos escravizavam uns aos outros. Isso porque naquela época não havia um sentimento de identidade africana como conhecemos hoje. O texto a seguir ajuda a entender essa questão.

    "Os africanos não escravizaram africanos, nem se reconheciam então como africanos. Eles se viam como membros de uma aldeia, de um conjunto de aldeias, de um reino e de um grupo que falava a mesma língua, tinha os mesmos costumes e adoravam os mesmos deuses. Eram [...] mandingas, fulas, bijagós, axantes, daomeanos, vilis, iacas, caçanjes, lundas, niamuézis, macuas, xonas - e escravizavam os inimigos e os estranhos.

SILVA, Alberto da Costa e. A África explicada aos meus filhos. Rio de Janeiro: Agir, 2008, p. 88-89.

  Nas aldeias que se desenvolveram na região ao sul do Deserto do Saara, conhecida como África Subsaariana, o trabalho escravo era reduzido, como no oikos grego. Os escravizados, na maioria mulheres, atuavam principalmente nos serviços domésticos e na agricultura, realizando tarefas como a busca de água, o corte de lenha e os cuidados com o cultivo de produtos agrícolas. Havia também escravizadas que se tornavam concubinas de seus senhores. Nesse caso, seus filhos não eram escravizados, embora tivessem os mesmos direitos que os nascidos de mães livres.

Mapa da África mostrando como era o continente entre os séculos XI e XVI, antes da chegada dos europeus

  Nas cidades e reinos estabelecidos no Sahel, faixa de transição entre o Deserto do Saara e a savana africana, o número de escravizados era maior. Além de realizar tarefas domésticas, os escravizados atuavam nos exércitos, na produção de alimentos nas fazendas reais e na extração mineral. As condições de vida dos escravizados domésticos e daqueles que serviam o exército eram superiores às dos demais. Eles recebiam alimentação e vestimentas melhores e, eventualmente, podiam conquistar a liberdade. Ademais, o trabalho nas fazendas reais e nas minas era mais pesado e submetido à vigilância constante.

  Até a expansão islâmica pelo continente africano, iniciada no século VII, os principais meios para obtenção de escravos era a guerra contra povos rivais, as razias (conflito promovido com o objetivo específico de obter cativos) e os sequestros. A ocupação islâmica no norte do continente, contudo, alterou profundamente essa situação. As trocas comerciais na região foram intensificadas devido à presença de mercadores islâmicos, e os escravizados passaram a ser negociados para, depois, serem vendidos para o Oriente Médio, a Ásia e a Europa. Com a crescente demanda por escravizados, aumentaram as guerras entre as sociedades africanas, com o objetivo de capturar cativos, que se transformaram em importante mercadoria.

Mapa mostrando os reinos e impérios na região do Sahel entre os séculos X e XVI

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:

SILVA, Alberto da Costa e. A África explicada aos meus filhos. Rio de Janeiro: Agir, 2008.

terça-feira, 4 de junho de 2024

EDUCAÇÃO PARA O SÉCULO XXI

   No século XXI, a aceleração das inovações tecnológicas ocorre em intervalos de tempo cada vez mais curtos, acarretando nas sociedades uma série de transformações nos âmbitos político, econômico, social e cultural.

  Diante dessas transformações vertiginosas da tecnologia, surgem novos produtos e novas maneiras de produzi-los; profissões são extintas e outras são criadas; alteram-se as formas de comunicação e as relações interpessoais. As instituições também são modificadas para se adequar à nova realidade. A escola, por exemplo, se vê diante da necessidade de rever suas práticas na formação dos sujeitos que vivem nesse mundo atual.

  A educação contemporânea pressupõe a formação para a vida, no sentido de habilitar o jovem  à leitura e à análise crítica da realidade, além de promover o seu desenvolvimento integral, individual e social. Para atingir esse objetivo, é importante valorizar os conhecimentos prévios dos estudantes no processo de ensino e aprendizagem.

  O biólogo, psicólogo e filósofo suíço Jean Piaget (1896-1980) foi um dos pioneiros no estudo do desenvolvimento cognitivo e intelectual e do processo de construção do conhecimento. Embora o foco de Piaget não fosse a educação formal, suas pesquisas serviram de base para que outros estudiosos entendessem que o ponto de partida para a construção de um novo conhecimento é aquilo que o estudante já sabe. Amparado nas pesquisas de Piaget, David Ausubel (1918-2008), psicólogo estadunidense da área educacional, foi um dos primeiros a usar o termo conhecimento prévio. Para ele, o conjunto de saberes que um estudante traz é extremamente importante para a elaboração de novos conhecimentos e para a garantia de uma aprendizagem significativa.

Jean Piaget (1896-1980). Um dos mais importantes pensadores do século XX

  Na escola do século XXI, marcada pelo fenômeno da globalização e da sociedade da informação, torna-se também fundamental a promoção da discussão, da interpretação dos fatos, da análise crítica das informações e o uso criativo das novas tecnologias para a construção de conhecimentos. Segundo Maria Lúcia de Arruda Aranha: 

  O problema educacional não está, portanto, apenas em utilizar a tecnologia como instrumento avançado no ensino, acompanhar a sua evolução no mundo do trabalho, ou ainda estabelecer a interação entre a escola e a educação informal dos meios de comunicação de massa,

  mas questionar como deve ser daqui em diante uma pedagogia que realmente oriente o cidadão para compreender o mundo transformado pela técnica e atuar sobre ele de maneira crítica. Mas ainda, aprender de modo contínuo - tanto o aluno como o professor -, já que essas transformações continuarão ocorrendo de modo vertiginoso.

ARANHA, M. L. A. História da educação e da pedagogia: geral e Brasil. São Paulo: Moderna, 2006, p. 440-441.

  Essa reflexão pode ser complementada com a seguinte afirmação do historiador Nicolau Sevcenko (1952-2014): "(a crítica) é a contrapartida cultural diante da técnica, é o modo de a sociedade dialogar com as inovações, ponderando sobre seu impacto, avaliando seus efeitos e perscrutando seus desdobramentos. A técnica, nesse sentido, é socialmente consequente quando dialogado com a crítica". SEVCENKO, N. A corrida para o século XXI: no loop da montanha-russa. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 17

  Nesse sentido, a escola e a sociedade como um todo precisam estabelecer um diálogo crítico com essas inovações tecnológicas para a avaliação de seus impactos, efeitos e desdobramentos no mundo contemporâneo. Segundo Sevcenko, esse diálogo pressupõe três movimentos fundamentais:

  O primeiro consiste em conseguirmos desprender-nos do ritmo acelerado das mudanças atuais [...]. O segundo requer que recuperemos [...] o tempo histórico, aquele que nos fornece o contexto no interior do qual podemos avaliar a escala, a natureza, a dinâmica e os efeitos das mudanças em curso, bem como quem são seus beneficiários e a quem eles prejudicam. O terceiro movimento seria, então, o de sondar o futuro a partir da crítica em perspectiva histórica, ponderando como a técnica pode ser posta a serviço de valores humanos, beneficiando o maior número de pessoas. SEVCENKO, N. A corrida para o século XXI: no loop da montanha-russa. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p. 19.

Nicolau Sevcenko (1952-2014) - 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ARANHA, M. L. A. História da educação e da pedagogia: geral e Brasil. São Paulo: Moderna, 2006.

SEVCENKO, N. A corrida para o século XXI: no loop da montanha-russa. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.