segunda-feira, 17 de abril de 2023

O NEOPLATONISMO

  O neoplatonismo foi uma corrente de pensamento filosófico com várias doutrinas e pensamentos diferentes, mas com a centralidade de inspiração na filosofia platônica. Muito mais que uma corrente filosófica, o neoplatonismo também foi tido como uma seita místico-religiosa por perfazer, em vários grupos neoplatonistas, uma espécie de adoração divina com crenças populares.

  Entre os filósofos neoplatonistas mais influentes destacaram-se Porfírio e Plotino, e a sua importância pode ser medida, em especial, pelo alcance que eles tiveram em autores da chamada filosofia patrística, como Agostinho de Hipona e Santo Agostinho.

  Os neoplatonistas não se denominavam assim. Essa formulação é posterior e veio de historiadores e filósofos medievais que compararam a filosofia de Platão com as teorias dos neoplatonistas. O neoplatonismo surgiu na passagem do século II para o século III da era cristã e teria perdurado até o século VI.

  O radical "neo" associado à palavra "platonismo" indica um novo platonismo, ou seja, uma nova interpretação e leitura das ideias platônicas. No entanto, apesar da forte influência do filósofo idealista grego nas teorias neoplatonistas, esses pensadores não construíram apenas uma doutrina ou teoria que se limitasse a dar uma nova leitura de Platão. A inspiração platônica serviu de base para que os filósofos do período construíssem ideias completamente originais de um ponto de vista filosófico para a época.

Plotino, o homem de barba comprida e túnica vermelha de pé no fundo central, foi um importante filósofo neoplatonista

A formação do neoplatonismo

  Um fato decisivo para o destino da filosofia helenística foi a adoção do cristianismo como religião oficial do Império Romano. Esse foi o primeiro passo para que cristãos, judeus e muçulmanos revitalizassem a filosofia grega e tentassem incorporá-las às religiões que professavam.

  Nesse contexto, foi formada outra escola filosófica fundamental: a neoplatônica. O mais conhecido e influente filósofo dessa corrente foi o romano Plotino (c. 204-270 a.C.). Ele pretendia mostrar que o aristotelismo e o estoicismo eram compatíveis com a filosofia de Platão.

  De acordo com Plotino, qualquer coisa só existe por ser uma coisa: sou um animal porque sou um animal; o vaso é um vaso porque ele é um vaso. É a unidade que confere ser às coisas, uma vez que elas não seriam o que são se fossem múltiplas. A multiplicidade é responsável pelo não ser.

Busto de Plotino

  Essa teoria de Plotino não está, contudo, totalmente alinhada às ideias de Platão. Uma dessas ideias é a da criação do mundo por um demiurgo. De acordo com Platão, o demiurgo modelou o mundo com base em ideias exteriores a ele, ou seja, em algo separado dele. Isso seria impossível no pensamento de Plotino.

  Diante dessa contradição, Plotino adotou a teoria do filósofo judeu Fílon (c. 20 a.C.-50 d.C.) - nascido em Alexandria, no Egito - de que as ideias estavam contidas no intelecto do demiurgo para argumentar que esse criador foi o primeiro intelecto. Contudo, ele não podia afirmar que o intelecto é uma unidade, pois contém múltiplas ideias. Seria preciso haver um princípio anterior ao intelecto, que fosse unitário. Desse modo, o filósofo romano imaginou um princípio originário inefável (que não se pode descrever, pois está além da possibilidade de determinação pela linguagem), o Uno. De acordo com Plotino, o Uno está além de toda multiplicidade e, por isso, não pode ser descrito, pois qualquer descrição é múltipla.

  Segundo Plotino, o Uno é o princípio a partir do qual a realidade se constitui, em um processo denominado processão ou emanação. Nesse contexto, a unidade ou realidade perfeita do Uno "transborda", produzindo, por esse transbordamento, o intelecto, que, por sua vez, gera a alma do mundo, da qual deriva o mundo sensível e material, formado pelas almas individuais humanas e pela matéria. A ideia de alma do mundo, definida por Plotino, é semelhante à de providência como princípio da organização do mundo, de acordo com o estoicismo.

Plotino e seus discípulos

Ensinamentos

  O neoplatonismo é geralmente uma filosofia metafísica e epistemológica. Uma forma de idealismo monista, que combina elementos do monismo com panteísmo e politeísmo.

  Embora o fundador do neoplatonismo seja supostamente Amônio Sacas, a Enéadas de seu pupilo Plotino é o documento básico e clássico do neoplatonismo. Como uma forma de misticismo, contém partes teóricas e práticas: a primeira se refere a elevada origem da alma humana e mostrando como ele se afastou de seu primeiro estado; a segunda parte mostra o caminho pelo qual a alma pode novamente voltar ao eterno Ser Supremo. O sistema pode ser dividido entre o mundo invisível e o mundo fenomenal. O primeiro contém o transcendente, o Único, que emana uma eterna e perfeita essência (nous), que, por sua vez, produz a alma do mundo.

  Plotino optou pelo monismo, um só Deus é a suprema (e inconcebível) realidade e o princípio de todas as realidades. Tudo no mundo visível e no mundo invisível é emanação de Deus. Deus é a felicidade, mas esta seria inalcançável, pois o ser humano jamais chega a ter conhecimento completo de Deus. Para chegar até Deus, o Homem precisa de auxílio, que só de Deus pode vir, através do êxtase, a mais alta forma de conhecimento.

Filósofos Porfírio e Plotino discutem a Astrologia (manuscrito medieval)

O neoplatonismo e a religião cristã

  No Ocidente, o neoplatonismo influenciou o filósofo Aurélio Agostinho (354-430 d.C.), nascido em Tagaste, território que hoje faz parte da Argélia. Sua obra mais conhecida é Confissões, na qual ele narra sua formação e sua conversão ao cristianismo. Agostinho ajudou a elaborar a doutrina cristã, que estava se consolidando no Império Romano. Suas ideias influenciaram o pensamento europeu ocidental durante grande parte da Idade Média.

  Em contato com as reflexões platônicas, sobretudo por meio de Plotino, Agostinho retomou a dicotomia (divisão de um conceito em duas partes, que podem ser contrárias ou complementares) entre mundo sensível e mundo das ideias para elaborar a teoria da iluminação.

  Em seu pensamento, contudo, as ideias são entendidas como realidades divinas: o ser humano tem acesso às verdades eternas porque as recebe de Deus, que ilumina a razão. Assim, a mente humana, essencialmente imperfeita, é capaz de intuir as verdades eternas, o que prova, segundo ele, a existência de Deus.

  No pensamento de Agostinho, a fé e a razão formam uma aliança no processo de conhecimento: o que não está disponível ao olhar da razão pode ser acessado pela fé, que impulsiona a razão a buscar o que está oculto ao intelecto. Assim, segundo o filósofo, por meio da fé, que impulsiona a razão a buscar o que está oculto ao intelecto. Assim, segundo o filósofo, por meio da fé, o ser humano toma conhecimento daquilo que não perceberia pela razão.

  O neoplatonismo foi importante para as primeiras teorizações do cristianismo, mas as reflexões de Aristóteles foram gradativamente perigosas para a nascente religião, sendo abandonadas no Ocidente por um longo período da Idade Média. A retomada do aristotelismo na Europa foi feita por meio do contato com filósofos islâmicos, que se apropriaram das heranças helenística, judaica e cristão para desenvolver um pensamento original.

Santo Agostinho, pintura de Philippe de Champaigne, século XVII. Nessa obra, é representada uma luz na qual está escrita a palavra veritas ("verdade", em latim). Trata-se de uma representação da iluminação da razão pela verdade divina.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

Vários autores. Lexicon - dicionário teológico enciclopédico. São Paulo: Editora Loyola, 2003.

HEGENBERG, Leonidas. Filosofia moral, V. 1: Ética. Rio de Janeiro: Editora E-papers, 2010.

BEZERRA, Cícero Cunha. Neoplatonismo - Tradição e Comntemporaneidade - Nova Ortografia. São Paulo: Editora Hedra, 2013.

ULLMANN, Reinholdo Aloysio. Plotino: um estudo das Enéadas. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008.

2 comentários:

  1. Gostei do conteúdo deste estudo , segundo Agostinho, a soberania de Deus é a fé e a razão muito edificante .parabéns

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