quarta-feira, 27 de outubro de 2021

A REVOLUÇÃO FRANCESA

   Em 1789, acontecia na França uma revolução que marcaria o fim da Idade Moderna e o início da Idade Contemporânea, a chamada Revolução Francesa. Essa revolução causou a queda de uma monarquia, o enfraquecimento da Igreja Católica e o fim da aristocracia, e é considerada por muitos como o marco da história francesa e mundial devido à radicalização política que o caracterizou.

  A monarquia absolutista que tinha governado a nação durante séculos entrou em colapso. A sociedade francesa passou por uma transformação, com o fim dos privilégios feudais, aristocráticos e religiosos promovidos por grupos políticos radicais, pela revolução em massa nas ruas e por camponeses no espaço rural francês. Antigos ideais da tradição e da hierarquia monárquica, aristocrática e religiosa foram derrubados pelos novos princípios de Liberté, Égalité e Fraternité (Liberdade, Igualdade e Fraternidade).

A Liberdade guiando o povo. Pintura de Delacroix

Antecedentes da Revolução

  Até o século XVIII, a França era regido pelo Absolutismo Monárquico. Com a formação dos Estados nacionais, os reis assumiram o papel que antes era da nobreza feudal na formulação de leis, na cobrança de tributos e nas funções militares. Durante o processo de centralização política, os monarcas formaram exércitos profissionais e permanentes. Além disso, criaram e instituíram impostos e uma burocracia ligada à administração do Estado, composta em grande parte de membros da nobreza, que tinham vários privilégios - como as isenções fiscais, um conjunto de leis que os beneficiavam - e acesso exclusivo aos postos elevados do exército.

  Durante o processo de consolidação do poder real, entre os séculos XVI e XVIII, o absolutismo monárquico se instalou em vários Estados da Europa Ocidental. Nesse sistema de governo, o poder real era hereditário (transmitido de pai para filho), e o monarca era considerado o representante de Deus na Terra. O apogeu do absolutismo ocorreu na França, durante o reinado de Luís XIV, que ficou conhecido como Rei Sol, entre 1643 e 1715. Esse rei associou sua figura ao próprio Estado, promovendo um grande culto à sua imagem por meio de extensa produção de pinturas, esculturas e tapeçarias, além de fomentar o uso de normas de etiqueta como distinção social, bem como a valorização de ambientes de luxo, de roupas sofisticadas e de refeições ritualizadas.

Jean-Baptiste Colbert apresentando os membros da Academia Real da Ciência para Luís XIV, pintura de Henri Testelin, 1667. Colbert foi um influente ministro de economia que coordenou a política protecionista do governo do rei Luís XIV

  No absolutismo, o monarca tratava diretamente de assuntos do Estado, exercendo grande controle sobre o comércio, as manufaturas e a máquina administrativa. O pagamento de impostos pelos trabalhadores do campo e das cidades assegurava o funcionamento de toda a estrutura do Estado. A centralização política garantiu maior controle da nobreza feudal sobre os camponeses, que continuavam em sua posição social tradicional - dependentes dos proprietários das terras nas quais trabalhavam e pagando a maior parte dos impostos.

  Os nobres se integravam ao Estado absolutista assumindo cargos e atividades em funções administrativas e burocráticas junto ao poder real. A nascente burguesia, mercantil e manufatureira, pagava por posições nos aparelhos públicos em troca de privilégios. A venda de cargos públicos foi um dos alicerces financeiros desses governos.

  Dentro da estrutura do Estado Absolutista, havia três diferentes estados, nos quais a população se enquadrava:

  • Primeiro Estado - era representado pelos bispos do Alto Clero;
  • Segundo Estado - tinha como representantes a nobreza ou a aristocracia francesa - que desempenhava funções militares (nobreza da espada) ou funções jurídicas (nobreza de toga).
  • Terceiro Estado - era representado pela burguesia, que se dividia entre membros do Baixo Clero, comerciantes, banqueiros, empresários, os sans-culottes ("sem calções"), trabalhadores urbanos e os camponeses, no qual representava cerca de 97% da população.

Figurinha mostrando como funcionava o Absolutismo Monárquico

Teóricos do absolutismo

  A partir do século XVI, foram formuladas teorias filosóficas para justificar o poder absoluto dos reis. Os pensadores que se dedicaram a essa questão refletiram sobre o Estado e a política em busca de um modelo ideal de governo.

  O florentino Nicolau Maquiavel (1469-1527) apresentou dois conceitos significativos para o pensamento político moderno: o de virtú e o de fortuna. Para o filósofo, virtú era a capacidade de escolher a melhor estratégia administrativa, enquanto fortuna remetia às circunstâncias do acesso a que os seres humanos estavam submetidos.

  Maquiavel definia virtú também como a vontade política de uma pessoa, ou seja, sua ação política. Em uma personagem política concreta (o rei, por exemplo), era a capacidade de escolher a melhor estratégia de ação para o seu governo.

  Um bom governante, era aquele que, com sabedoria, combinava virtú e fortuna, sem priorizar uma ação em detrimento da outra. Para alcançar a plenitude na política, de acordo com o florentino, os reis não poderiam estar submetidos a nenhuma instituição, nem mesmo à Igreja Católica.

Nicolau Maquiavel - filósofo, historiador, poeta, diplomata e músico de origem florentina do Renascimento, é reconhecido como o fundador do pensamento da ciência política moderna pelo fato de ter escrito sobre o Estado e o governo como realmente são, e não como deveriam ser.

  O inglês Thomas Hobbes (1588-1679), outro importante teórico do absolutismo e autor da obra Leviatã, defendia a ideia de que os seres humanos, em estado de natureza, se autodestruiriam, promovendo uma guerra de todos contra todos.

  De acordo com Hobbes, sem um governo forte, os indivíduos não respeitariam os limites necessários a uma boa convivência social. Por isso, deveria renunciar à liberdade do estado de natureza e abdicar do direito natural a tudo o que existe em nome do rei, figura capaz de manter a ordem social e a segurança nacional.

  Hobbes considerava o Estado um monstruoso aparato administrativo que, por meio de um contrato social firmado com a população, poderia resolver as questões referentes ao bem comum.

Frontispício da edição original do Leviatã ou Matéria, Palavra e Poder de um Governo Eclesiástico e Civil (1651). Escrito por Thomas Hobbes, esse livro é intitulado em referência ao Leviatã bíblico, e diz respeito à estrutura da sociedade e do governo legítimo.

O direito divino dos reis

  Para outra corrente de filósofos, a legitimação jurídica da monarquia estava assentada na religião. Esses pensadores consideravam os reis a expressão mais perfeita da autoridade delegada por Deus e, por isso, tratavam a monarquia como direito divino.

  Um dos defensores do direito divino dos reis foi o francês Jean Bodin (1530-1596). Conhecido como "procurador geral do Diabo", por perseguir manifestações consideradas heréticas, ele negava veemente a necessidade de existência do Parlamento, sustentando a ideia de que tal órgão, diante de Deus, não tinha soberania para resolver qualquer questão, principalmente se estivesse em desacordo com o rei.

  Segundo Bodin: "Nada havendo de maior sobre a terra, depois de Deus, que os príncipes soberanos e sendo por Ele estabelecidos como seus representantes para governar os outros homens, é necessário lembrar-se de sua qualidade, a fim de respeitar-lhes e reverenciar-lhes a majestade com toda a obediência, a fim de sentir e falar deles com toda a honra, pois quem despreza seu príncipe soberano, despreza a Deus, do qual é a imagem na terra."

BODIN J. Seis livros da república. In: CHEVALLIER, J.-J. As grandes obras políticas: de Maquiavel a nossos dias. 8. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1999. p. 62

  Considerando o principal teórico do pensamento da monarquia por direito divino, o bispo e teólogo francês Jacques Bossuet,  afirmava que o poder do rei emanava de Deus e, nesse sentido, o soberano era seu representante no mundo.

Jean Bodin - teórico político, jurista francês, membro do Parlamento de Paris e professor de Direito em Toulouse, é reconhecido pelos seus estudos que foram de suma importância para o avanço dos conceitos de soberania e absolutismo dos Estados.

O poder sou eu

  Na França, os reis da dinastia Bourbon, sem se apoiar na teoria do contrato social ou da natureza divina do poder, declaravam que toda autoridade emanava do soberano. Segundo o rei Luís XV:

  "É somente na minha pessoa que reside o poder soberano. [...] é somente de mim que meus tribunais recebem a sua existência e a sua autoridade; a plenitude desta autoridade, que eles não exercem senão em meu nome, permanece sempre em mim, e o seu uso nunca pode ser contra mim voltado; é unicamente a mim que pertence o Poder Legislativo, sem dependências e sem partilha; é somente por minha autoridade que os funcionários dos meus tribunais procedem, não à formação, mas ao registro, à execução da lei, e que lhes é permitido advertir-me o que é do dever de todos os úteis conselheiros; toda a ordem pública emana de mim, e os direitos e interesses da nação, de que se pretende ousar fazer um corpo separado do monarca, estão necessariamente unidos com os meus e repousam inteiramente em minhas mãos."

LUÍS XV. Resposta do rei ao Parlamento de Paris, na sua sessão de 3 de março de 1766. In: FREITAS, G. 900 textos e documentos da história. Lisboa: Plátano, 1976, p. 201.

Luís XV (1710-1774), também conhecido como Luís, o Bem Amado, Rei da França e Navarra de 1715 até sua morte, em 1774

Sociedade francesa no Antigo Regime

  Ao longo da segunda metade do século XVIII, a França se envolveu em várias guerras, como a Guerra dos Sete Anos (1756-1763) contra a Inglaterra, e o auxílio dado aos Estados Unidos na Guerra de Independência (1776). Ao mesmo tempo, a Corte absolutista francesa, que possuía um elevado custo de vida, era financiada pela Estado.

  Além disso, a França teve que enfrentar duas graves crises: uma no campo, devido às péssimas colheitas nas décadas de 1770 e 1780, o que gerou uma elevada inflação; e uma crise financeira, derivada da vida pública que se acumulava, sobretudo decorrente da falta de modernização econômica.

  No final do século XVIII, os franceses realizaram um dos mais importantes movimentos políticos da história do Ocidente: a Revolução Francesa. As críticas e as contestações  eram direcionadas à nobreza privilegiada e à política econômica conduzida pela monarquia absolutista. Os ideais defendidos pelos revolucionários - liberdade, igualdade e fraternidade - foram disseminados  no continente europeu e em outras partes do mundo.

  Na França revolucionária, difundiram-se princípios e termos até hoje utilizados nos embates políticos, como cidadania, direito natural, política liberal, nacionalismo, "esquerda" e "direita".

Foto do Parlamento da França, com os representantes da Esquerda e Direita

  No final do século XVIII, o regime político vigente na França era o absolutismo monárquico, e o rei francês concentrava todo o poder do Estado em suas mãos. A divisão da sociedade em ordens ou estados garantia à nobreza honras e privilégios hereditários, como isenção de impostos, direito à cobrança de impostos dos camponeses pelo uso da terra e direito à participação em atividades políticas e militares. Esse conjunto de características, típico da França da Idade Moderna, passou a ser chamada de Antigo Regime.

  Na organização social vigente nesse período, o primeiro estado era composto do clero, que em 1789 representava 0,5% da população francesa e se dividia em alto clero (originário da nobreza) e baixo clero (proveniente das camadas burguesas e populares); o segundo estado, constituído pela nobreza, reunia 1,5% dos franceses; e o terceiro estado, correspondente a 90% da população, que abrigava os camponeses, os operários, os profissionais liberais, os burgueses, entre outros grupos.

  Essa estrutura impedia a ascensão política dos setores burgueses, uma vez que os privilégios, as honras e os títulos estavam reservados à nobreza e ao alto clero. No decorrer dos séculos XVII e XVIII, apenas alguns juízes e altos funcionários de origem burguesa conseguiam transpor essas barreiras por meio do recebimento (ou aquisição de títulos), passando a constituir a nobreza togada.

O Terceiro-Estado carregando o Primeiro e o Segundo Estados nas costas

Crise do Antigo Regime

  Vários motivos levaram à crise do absolutismo na França. O terceiro estado - principalmente a burguesia, inspirada pelo Iluminismo - passou a contestar os privilégios que favoreciam a nobreza e o clero e constituíam entraves para sua ascensão política, econômica e social. O déficit público, já acumulado com os altos gastos do governo para sustentar os privilégios daqueles dois grupos, além da administração desordenada das províncias, foi agravado pelas despesas oriundas do apoio da França ao movimento de independência das Treze Colônias (1776-1783) contra a Grã-Bretanha.

  Os tratados de comércio e navegação, assinados pelos governos da França, dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha, da Suécia, entre outros países, para reduzir as tarifas alfandegárias desagradaram a burguesia comercial e manufatureira francesa, que associou esses acordos à queda da produção e do comércio de seus produtos. Outro problema econômico foi a crise de abastecimento, gerada por um longo período de seca e más colheitas que provocaram a queda drástica da produção de alimentos.

  A crise se agravou em 1787, quando o ministério de Luís XVI propôs uma reforma fiscal que, além de suprimir as isenções fiscais que beneficiavam nobres e clérigos, submetia todos os proprietários, nobres ou não, ao pagamento de uma subvenção territorial, ou seja, imposto sobre a propriedade da terra. Para salvaguardar seus privilégios, a nobreza e o clero recusaram a proposta. A crise financeira desdobrou-se em um desequilíbrio político e administrativo. Pressionado, o monarca convocou a assembleia dos Estados-Gerais, formada por ele e pelos deputados representantes dos três estados.

Luís XVI (1754-1793) foi acusado de ser o principal responsável pela crise ocorrida na França na década de 1780

Assembleia Nacional Constituinte

  Tão logo os Estados-Gerais reuniram-se em Versalhes, em 5 de maio de 1789, os três grupos manifestaram suas divergências sobre o sistema de votação, que tradicionalmente era feita por estado. O terceiro estado, constituído de um número maior de representantes, exigia o voto individual, o que equilibraria a representação nos Estados-Gerais de acordo com a composição da população francesa. Diante do impasse, os deputados do terceiro estado, apoiados por alguns representantes do clero, retiraram-se da reunião. Em junho, reuniram-se em uma assembleia geral permanente e juraram se manter unidos até conseguirem aprovar uma Constituição para a França que, entre outros objetivos, limitasse os poderes do rei.

  Em 9 de julho de 1789 foi proclamada a Assembleia Nacional Constituinte, composta dos seguintes representantes: 291 do primeiro estado (clero), 270 do segundo estado (nobreza) e 578 do terceiro estado. O primeiro e o segundo estados defendiam o voto orgânico (por estado), mas o terceiro estado defendia o voto inorgânico (por cabeça), pois constituía a maioria absoluta.

  Sem força política para resistir à pressão popular, Luís XVI ordenou que os deputados do primeiro e do segundo estados se unissem a ele, enquanto mobilizava tropas nas proximidades de Versalhes e Paris para submeter o terceiro estado pela força.

Encontro da Assembleia dos Estados Gerais, em 5 de maio de 1789

A tomada da Bastilha

  Em julho de 1789, as ruas de Paris foram tomadas pela população, que, revoltada com a escassez de alimentos e a pobreza em geral, protestava contra o governo. No dia 14, uma multidão invadiu a Bastilha, fortaleza utilizada como prisão política do regime absolutista, em busca de armas e munição para combater as tropas reais. Essa invasão tornou-se símbolo da queda do Antigo Regime e marcou o início do movimento revolucionário.

  A agitação popular parisiense se espalhou por outras cidades e pelo campo. Os camponeses invadiam os castelos e, em muitos casos, massacravam os moradores. Paralelamente, corriam boatos da vingança terrível que os nobres preparavam, e essas notícias criaram uma onda de pânico que se espalhou pela maioria das províncias do país entre fins de julho e princípios de agosto de 1789, época que ficou conhecida como O Grande Medo (La Grande Peur).

Queda da Bastilha, em 14 de julho de 1789, de Jean-Pierre Louis Laurent Houel

  Enquanto a revolução se espalhava pelo país, a Assembleia Constituinte preparava as medidas que formalmente destruiriam o Antigo Regime. No dia 4 de agosto, foram abolidos diversos direitos feudais. No dia dia 26, a Assembleia aprovou o confisco das terras da Igreja e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, documento fundamental para o desenvolvimento da noção moderna de cidadania e direitos humanos e que serviu de referência para a elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. Entre outros princípios, ela difundiu a concepção de os seres humanos, por sua natureza, têm direitos iguais que não dependem da decisão do reconhecimento de governantes nem de regimes.

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão

As mulheres na revolução

  As mulheres tiveram um papel de destaque durante a Revolução Francesa: participaram ativamente de várias ações, fundaram clubes políticos, apoiaram a difusão das ideias revolucionárias, influenciaram as discussões nas sessões da Assembleia, lutaram pelo direito de formar uma guarda feminina e alistaram-se no exército.

  A atuação feminina na França já era significativa nos anos que antecederam a revolução de 1789. As mulheres da burguesia organizavam os famosos "salões" em que os pensadores iluministas debatiam suas ideias. As mulheres das classes populares, por sua vez, trabalhavam em lojas e mercados, enfrentando, muitas vezes, as autoridades responsáveis por prender devedores e confiscar mercadorias. Com a tomada da Bastilha, a participação delas na cena pública aumentou.

  Em um dos episódios mais famosos da Revolução Francesa, ocorrido em outubro de 1789 e conhecido como Marcha sobre Versalhes, cerca de 7 mil mulheres caminharam de Paris até o palácio real em Versalhes com o objetivo de protestar contra o preço alto do pão e a escassez de alimentos, e também para pressionar a família real a retornar à capital.

  Empunhando lanças, machados, foices e mosquetões (arma de fogo semelhante a uma espingarda), essas mulheres invadiram o palácio real e interromperam uma sessão da Assembleia Constituinte. Diante da pressão, a família real voltou a Paris escoltada pela Guarda Nacional.

  Além de defender os ideais da revolução, as francesas reivindicaram igualdade de direitos entre homens e mulheres, pois elas não eram consideradas cidadãs, não podiam exercer cargo público nem votar ou ser votadas para o Parlamento.

Ilustração contemporânea de um Clube de Mulheres Revolucionárias, de Pierre-Étienne Lesueur  \

Da Monarquia Constitucional à proclamação da república

  Em outubro de 1789, a família real foi retirada do Palácio de Versalhes e levada para o Palácio das Tulherias, em Paris. Luís XVI, inconformado com sua situação, organizou tropas fora da França para retomar o poder. Em junho de 1791, o rei e sua família tentaram fugir da França com o apoio das monarquias da Áustria e da Prússia, mas foram detidas na comuna de Varennes e levados de volta a Paris. Em seguida, o monarca foi obrigado a jurar a Constituição de 1791 aprovada pela Assembleia Nacional Constituinte. Iniciava-se, assim, a fase da revolução conhecida como Monarquia Constitucional.

  O Estado francês passou a ser organizado em três poderes: o Executivo, exercido pelo rei, mas subordinado à Constituição; o Legislativo, formado por 745 deputados eleitos por meio do voto censitário (conquista do próprio documento); e o Judiciário, composto de juízes eleitos. A nova Constituição também aboliu alguns impostos, favorecendo o livre-comércio, estabeleceu novos tributos sobre a propriedade e instituiu o voto censitário masculino (mulheres e trabalhadores pobres eram excluídos do processo eleitoral).

Proclamação da Constituição francesa de 1791

  Após a elaboração da Carta Magna, a Assembleia Nacional Constituinte foi substituída pela Assembleia Legislativa, que reunia deputados de diferentes tendências políticas:

  • Girondinos - do francês girondin, por ter sido formado em torno de deputados do departamento de Gironda, eram os republicanos moderados e monarquistas constitucionais, que representavam os interesses da alta burguesia e da nobreza liberal. Seu violento enfrentamento com o grupo dos jacobinos, dominou os primeiros meses da Convenção Nacional.
  • Jacobinos - o termo jacobinismo ou jacobinos, é evolutivo ao longo dos tempos. Mas como expressão é, às vezes, usada na Grã-Bretanha de maneira pejorativa para políticas radicais revolucionárias de esquerda e qualquer corrente de pensamento republicana e laicista  (que rejeita a influência da Igreja na esfera pública do Estado) de extrema-esquerda, representavam a pequena e média burguesia, e defendiam a igualdade de todos perante a lei.
  • Cordeliers - mais ligados aos trabalhadores urbanos, pequenos comerciantes e artesãos, eram os franciscanos estabelecidos na França, e as propostas desse grupo eram consideradas as mais radicais, como o fim do voto censitário, a proclamação de uma república e o estabelecimento de um governo popular. Seus deputados recebiam apoio dos sans-culottes, grupos urbanos que defendiam o sufrágio universal masculino e a república. Os sans-culottes eram, principalmente, artesãos, lojistas e operários. O nome refere-se ao traje que usavam - calças compridas -, em oposição aos culottes ("calças curtas") usadas pelos nobres.
  • Planície ou Pântano - A Planície (La Plaine), O Pântano (Le Marais) e, desdenhosamente Os Sapos (Les Crapauds), era um grupo de representantes moderados da burguesia e sem posições políticas definidas. Era também, o grupo mais numeroso, com cerca de 400 deputados.
  • Feuillants - também chamados de Folietani, eram os membros de uma ordem monástica beneditina da regra de Cister, oriunda da Ordem Cisterciense, pertenciam à alta burguesia e defendiam a monarquia constitucional.

Gravura que retrata uma reunião da Assembleia Nacional Constituinte ocorrida em 4 de fevereiro de 1790

  A Assembleia Legislativa enfrentou a ameaça de intervenção estrangeira e também a profunda crise econômica, que gerava especulação financeira e inflação. Em abril de 1792, a França declarou guerra à Áustria e à Prússia. Os setores mais radicais do movimento revolucionário proclamaram a "pátria em perigo" e distribuíram armas à população de Paris para combater as forças estrangeiras.

  Em setembro, o exército popular derrotou os austríacos e prussianos na Batalha de Valmy. Acusado de colaborar com os estrangeiros, Luís XVI foi declarado traidor da pátria e levado à prisão com sua família. Foram convocadas eleições e a Assembleia Legislativa foi substituída pela Convenção Nacional. Em clima de vitória, a República foi instituída.

Detenção de Luís XVI e sua família, Varennes, 1791 (Museu da Revolução Francesa

Convenção Nacional

  Nas plenárias da Convenção, os deputados girondinos sentavam-se à direita da presidência das sessões e os deputados jacobinos sentavam-se à esquerda. Ao centro, ficavam os deputados da Planície. Daí originou-se a conotação política dos termos "esquerda" e "direita", adotado hoje para definir posições e partidos políticos.

  Coube à Convenção Nacional (1792-1794) julgar o rei Luís XVI - considerado culpado de traição à pátria e guilhotinado em 21 de janeiro de 1793 -, bem como traçar estratégias para enfrentar as coligações estrangeiras que se formaram após a morte do rei e que eram apoiadas pelos nobres emigrados.

  Inicialmente, a hegemonia na Convenção pertencia aos girondinos, interessados em conter o avanço popular, mas o governo deles foi marcado pela instabilidade decorrentes da formação de novas coalizões estrangeiras contra a França, da persistência da crise econômica e da forte oposição dos jacobinos e dos sans-culottes, que exigiam mudanças mais radicais para atender aos anseios das camadas populares.

  A Convenção instituiu um novo calendário para a França. Oficialmente introduzido em 1793, ele tinha como marco inicial o dia 21 de setembro de 1792, data da proclamação da república, e dividia-se em doze meses e trinta dias. Os meses tinham nomes relacionados aos ciclos agrícolas e da natureza.

Figura mostrando como era a divisão na Assembleia Legislativa da França

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA: FURET, François. A Revolução Francesa em debate. Bauru: Edusc, 2000

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