A expressão direitos humanos pode ser conceituada como a tutela - em outros termos, a proteção - geral e universal da humanidade. Ela transcende a ideia de que as pessoas pertenceriam a um Estado nacional e que competiria a ele regular com exclusividade direitos e deveres individuais e coletivos. Reconhece-se, assim, que indivíduos e coletividades, nas quais se incluem grupos étnicos, minorias, refugiados, entre outros, merecem proteção dentro e fora de seus respectivos Estados. Desse modo, os direitos humanos se baseiam no princípio da dignidade da pessoa humana, segundo o qual todo e cada ser humano deve ser respeitado em suas integridades física, psíquica, afetiva, intelectual e existencial.
Apesar de o senso comum acreditar que direitos humanos são uma espécie de entidade que dá suporte a algumas pessoas ou que são uma invenção para proteger alguns tipos de pessoas, eles, na verdade, são muito mais do que isso.
O reconhecimento de direitos inatos, ou seja, direitos que nascem com o ser humano e dele não podem se separar, encontrou respaldo em muitos documentos legais, que resultaram de lutas e reivindicações. Apesar de os direitos humanos se referirem a todos os membros da espécie humana, sem distinções de gênero, idade, etnia, condição social etc., existe ainda o reconhecimento de direitos específicos para proteger grupos historicamente vulneráveis, como mulheres e crianças.
Os direitos humanos não são uma invenção, e sim o reconhecimento de que, apesar de todas as diferenças, existem aspectos básicos da vida humana que devem ser respeitados e garantidos.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi redigida a fim de resguardar os direitos já existentes desde que houve qualquer indício de racionalidade nos seres humanos. Assim sendo, ela não criou ou inventou direitos em seus artigos, mas se limitou a escrever oficialmente aquilo que, de algum modo, já existia anteriormente à sua redação.
No plano filosófico, a existência humana sempre foi uma questão importante. Encontramos, por exemplo, em Platão (c. 428-347 a.C.), Aristóteles (c. 384-322 a.C.) e Aurélio Agostinho (354-430) reflexões sobre a ética e a virtude. Nesses sistemas filosóficos, o ser humano reflete sobre a sua relação consigo mesmo, com outras pessoas e, no caso de Agostinho, com Deus, decorrendo dessa capacidade de se relacionar a preocupação com os valores que orientam sua conduta.
Na modernidade, a razão humana buscava superar a arbitrariedade do poder absolutista, em que os súditos não podiam desfrutar de autonomia. São defendidos, então, direitos inerentes à pessoa, como os da personalidade, os referentes ao nome, à integridade física e à cidadania. Com base nessas ideias que ocupavam os pensadores da época, o filósofo Immanuel Kant concebeu o ser humano como um fim em si mesmo. Nessa concepção de direitos, o ser humano é detentor de uma dignidade inerente a ele e que não está à venda, nem pode ser usurpada sem que se desrespeitem preceitos humanitários básicos. Por conseguinte, a dignidade de cada um requer condutas éticas que efetivem a solidariedade necessária para o desenvolvimento das capacidades de todas as pessoas, de modo que todos possam delas usufruir de maneira livre e autônoma.
Os direitos humanos na história
Do ponto de vista histórico, os direitos humanos representam uma longa luta pelo reconhecimento da liberdade, resultando na recusa à violência e à subjugação. Nesse sentido, foi preciso estabelecer regras de convívio com o objetivo de diminuir ou impedir conflitos na Antiguidade, destacando-se o Código de Hamurabi, do século XVIII a.C., que se baseava na reciprocidade entre a ação e a punição, e o Cilindro de Ciro, documento que, segundo alguns estudiosos, defendia no século VI a.C., a liberdade religiosa na Babilônia após sua conquista por Ciro II.
O Código de Hamurabi representa o conjunto de leis escritas, sendo um dos exemplos mais bem preservados desse tipo de texto oriundo da Mesopotâmia. Acredita-se que foi escrito pelo rei Hamurabi, aproximadamente em 1772 a.C. É um monumento monolítico talhado em rocha de diorito, sobre o qual se dispõem 46 colunas de escrita cuneiforme acádica, com 282 leis em 3.600 linhas.
Os artigos do Código de Hamurabi descreviam casos que serviam como modelos a serem aplicados em questões semelhantes. Para limitar as penas, o Código anotou o Princípio de Talião, sinônimo de retaliação. Por esse princípio, a pena não seria uma vingança desmedida, mas proporcional à ofensa cometida pelo criminoso.
Monumento original do Código de Hamurabi onde se tem a gravura das leis |
O Cilindro de Ciro é um cilindro de argila, atualmente dividido em vários fragmentos, no qual está escrita uma declaração em grafia cuneiforme acadiana, em nome do xá, Ciro, o Grande. Ele data do século VI a.C. (539 a.C.), e foi descoberto nas ruínas de Babilônia na Mesopotâmia, atual Iraque, em 1879.
O texto no cilindro elogia Ciro, o Grande, listando sua genealogia como um rei de uma linhagem de reis. O rei da Babilônia, Nabonido, que foi derrotado e deposto por Ciro, é denunciado como um ímpio opressor do povo da Babilônia e suas origens humildes são implicitamente contrastadas com a herança de Ciro. O texto diz que o vitorioso rei Ciro foi recebido pelo povo da Babilônia como seu novo governante e entrou na cidade em paz. Ele apela ao deus Marduque, pedindo que ele proteja e ajude Ciro e seu filho Cambises II. Ele exalta os esforços de Ciro como um benfeitor dos cidadãos da Babilônia responsável por melhorar suas vidas, repatriar os povos deslocados e restaurar templos e santuários religiosos pela Mesopotâmia e em outros lugares na região. Ele conclui com uma descrição do trabalho de Ciro de reparar as muralhas da Babilônia, na qual ele teria encontrado uma inscrição similar de um rei antigo da Babilônia.
O Cilindro de Ciro, hoje no Museu Britânico: a primeira declaração dos direitos humanos |
Na Idade Média, a Magna Carta, de 1215, limitou na Inglaterra o poder do rei João Sem-Terra e estabeleceu que homens livres não poderiam ser condenados sem julgamento.
A Magna Carta é forma reduzida do título, em latim, da Magna Charta Libertatum, seu Concordiam inter regem Johannen at barones pro concessione libertatum ecclesiae et reni angliae (Grande Carta das liberdades, ou concórdia entre o rei João e os barões para a outorga das liberdades da Igreja e do rei inglês), um documento de 1215 que limitou o poder dos monarcas da Inglaterra, especialmente o do rei João, que o assinou, impedindo assim o exercício do poder absoluto. Resultou de desentendimentos entre João, o Papa e os barões ingleses acerca das prerrogativas do soberano. Segundo os termos da Magna Carta, João deveria renunciar a certos direitos e respeitar determinados procedimentos legais, bem como reconhecer que a vontade do rei estaria sujeita à lei. Considera-se a Magna Carta o primeiro capítulo de um longo processo histórico que levaria ao surgimento do constitucionalismo.
Uma das cópias certificadas da Magna Carta preparadas em 1215 |
Em 1776, a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América consagrou a ideia de que "todos os homens são criados iguais, dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a procura da felicidade".
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, proclamada em 1789 durante a Revolução Francesa, preconizava que a liberdade e a igualdade eram direitos inalienáveis à humanidade.
Nessa concepção mais trabalhada na modernidade, o indivíduo, enquanto membro da comunidade humana, possui direitos que dele não podem ser retirados, sem que disso resulte uma agressão à sua própria natureza. Mas para que tais direitos sejam respeitados basta que sejam reconhecidos como inerentes à humanidade ou é preciso de leis para efetivá-los.
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789 |
Execelente matéria, o Blog do professor MARCIANO Dantas é extraordinário. Uma fonte de informações.
ResponderExcluirObrigado professora
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