sábado, 22 de novembro de 2014

GETÚLIO VARGAS: O PRESIDENTE QUE GOVERNOU POR MAIS TEMPO O BRASIL

  Getúlio Dornelles Vargas nasceu em 19 de abril de 1882, em São Borja - RS, e cometeu suicídio em 24 de agosto de 1954 no Rio de Janeiro. Foi advogado, e político brasileiro, tendo sido o líder da Revolução de 1930, que pôs fim à República Velha, depondo o 13º presidente do Brasil, Washington Luís e impedindo a posse do presidente eleito em 1º de março de 1930, Júlio Prestes.
  Foi presidente do Brasil em dois períodos. O primeiro de 15 anos ininterruptos, de 1930 a 1945, e que dividiu-se em três fases: de 1930 a 1934, como Governo Provisório; de 1934 até 1937 como presidente da república do Governo Constitucional, tendo sido eleito presidente pela Assembleia Nacional Constituinte de 1934; e de 1937 a 1945, como presidente-ditador, enquanto durou o Estado Novo, implantado após um golpe de Estado.
Getúlio Vargas (1882-1954)
ORIGEM
  Getúlio Vargas  nasceu em São Borja, no Rio Grande do Sul (fronteira com a Argentina) em 1882, filho de Manuel do Nascimento Vargas e Cândida Francisca Dornelles Vargas. Sua família era tradicional da zona rural da fronteira com a Argentina. Os Vargas são originários do arquipélago dos Açores.
  Getúlio teve quatro irmãos: Espártaco, Viriato, Protásio e Benjamim (O Bejo). Casou-se em 4 de março de 1911, com Darcy Lima Sarmanho, com quem teve cinco filhos: Lutero Vargas, Getulinho (que morreu cedo), Alzira Vargas, Jandira e Manuel Sarmanho Vargas, o Maneco, que cometeu suicídio.
  Getúlio manteve-se sempre ligado à principal atividade econômica dos pampas, a pecuária, e assim iniciou seu discurso, em Uberaba, durante a campanha presidencial: "Quero que saibam que lhes vou dizer as coisas na linguagem simples de companheiro! Nossa conversa será no jeito e estilo daqueles que os fazendeiros costumam fazer de pé, junto à porteira do curral".
  Getúlio iniciou seus estudos em São Borja e, depois, em Ouro Preto - MG. Em Ouro Preto, seus irmãos se envolveram numa briga que terminou com a morte do estudante paulistano Carlos de Almeida Prado Júnior, em 7 de junho de 1897, precipitando sua volta para o Rio Grande do Sul.
Cândida Francisca e o General Manuel Vargas - pais de Getúlio
  De volta ao Rio Grande do Sul, inicialmente tentou a carreira militar, onde tornou-se soldado da guarnição municipal de São Borja, com apenas 16 anos.
  Em 1900, matriculou-se na Escola Preparatória e de Tática de Rio Pardo, onde ficou por pouco tempo, tendo sido transferido para Porto Alegre, objetivando terminar o serviço militar. Na Escola Militar de Porto Alegre conheceu Eurico Gaspar Dutra e Pedro Aurélio de Góis Monteiro.
  Com a patente de sargento, Getúlio participou da Coluna Expedicionária do Sul, que se deslocou para Corumbá, em 1902, durante a disputa entre a Bolívia e o Brasil pela posse do Acre.
  Sua passagem pelo exército e a origem militar (já que seu pai tinha lutado na Guerra do Paraguai), foram decisivos na formação de sua compreensão dos problemas das forças armadas e no seu empenho em modernizá-las, reequipá-las, mantê-las disciplinadas e afastá-las da política, quando chegou à presidência da república.
  Em 1904, matriculou-se na Faculdade Livre de Direito de Porto Alegre, atual Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde tornou-se Bacharel em Direito, no ano de 1907.
Getúlio durante a sua formatura em Direito, em 1907
  Após formado, trabalhou inicialmente como promotor público junto ao fórum de Porto Alegre, mas retornou à sua cidade natal para exercer advocacia. Sua orientação filosófica, assim como muitos do seu estado e de sua época, era o positivismo e o castilhismo, a doutrina e o estilo político de Júlio Prates de Castilhos.
  Como castilhista, Getúlio vê a vida pública como missão, e assim sintetizou o seu governo em 1950: "A missão social e política de meu governo não foi idealizada pelo arbítrio de um homem, nem por interesses de um grupo; foi-me imposta, a mim e aos que comigo colaboram, pelos interesses da vida nacional, e pelos próprios anseios da consciência coletiva".
CARREIRA POLÍTICA
  Em 1909, elegeu-se deputado estadual pelo Partido Republicano Riograndense, o PRR, sendo reeleito em 1913. Renunciou ao segundo mandato de deputado estadual, pouco tempo depois de empossado, em protesto às atitudes tomadas pelo então presidente (cargo hoje equivalente ao de governador) do Rio Grande do Sul, Borges de Medeiros, o "Velho Borges", nas eleições de Cachoeira do Sul.
Localização de São Borja - RS, cidade natal de Getúlio Vargas
  Retornou à Assembleia Legislativa estadual, chamada, na época Assembleia dos Representantes, em 1917, sendo novamente reeleito em 1919 e 1921. Na legislatura de 1922 a 1924, Getúlio foi líder do PRR, mostrando-se bastante conciliador, apaziguando os conflitos existentes com a minoria do Partido Federalista do Rio Grande do Sul, o qual, em 1928, tornou-se o Partido Libertador.
  Quando se preparava para combater a favor do governo do Rio Grande do Sul na revolução de 1923, que ocorreu no interior do Estado, foi chamado para concorrer a uma cadeira de deputado federal pelo Partido Republicano Riograndense, na vaga aberta pelo falecimento do deputado federal Rafael Cabeda. Eleito, tornou-se líder da bancada gaúcha na Câmara dos Deputados, no Rio de Janeiro, então capital do Brasil. Foi reeleito deputado federal em 1924, sendo líder da bancada gaúcha até 1926, quando terminou a legislatura.
   Em 1924, apoiou o envio de tropas gaúchas ao Estado de São Paulo, em apoio ao governo de Artur Bernardes contra a Revolta Paulista de 1924.
Título de eleitor de Getúlio Vargas
  Em 15 de novembro de 1926, assumiu o Ministério da Fazenda, permanecendo no cargo até 17 de dezembro de 1927, durante o governo de Washington Luís, implantando neste período a reforma monetária e cambial do país, através do decreto nº 5.108, de 18 de dezembro de 1926.
  Em dezembro de 1926, foi criado o Instituto de Previdência dos Funcionários Públicos da União. Em 17 de dezembro de 1927, Getúlio deixou o Ministério da Fazenda para concorrer ao cargo de presidente do Rio Grande do Sul, sendo eleito em dezembro de 1927 para o mandato de 25 de janeiro de 1928 a 25 de janeiro de 1933, tendo como vice-presidente João Neves da Fontoura.
  Sua eleição para presidente do Rio Grande do Sul encerrou uma ditadura de 30 anos de Borges de Medeiros.
  Durante o seu mandato, Getúlio promoveu um forte movimento de oposição ao governo federal, exigindo o fim da corrupção eleitoral, a adoção do voto secreto e do voto feminino. Apesar dessa oposição, Vargas manteve um bom relacionamento com o presidente Washington Luís, no qual obteve várias verbas federais para o estado, como melhoramentos no porto de Pelotas. Como presidente estadual, Getúlio Vargas criou o Banco do Estado do Rio Grande do Sul e apoiou a criação da VARIG (Viação Aérea Riograndense).
Getúlio (o quarto da esquerda para direita), é empossado Ministro da Fazenda em 1926
A REVOLUÇÃO DE 1930
  Na República Velha (1889-1930), as eleições para presidente da República ocorriam em 1° de março e a posse do eleito ocorria em 15 de novembro, de quatro em quatro anos. Como não existiam partidos políticos organizados a nível nacional na República Velha, cabia ao presidente do país a condução de sua sucessão, conciliando os interesses dos partidos políticos de cada estado.
  A eleição para a escolha do sucessor do presidente Washington Luís, que governava desde 1926, estava marcada para 1° de março de 1930. A posse do seu sucessor deveria ocorrer em 15 de novembro de 1930.
  Na República Velha vigorava a chamada "política do café-com-leite", em que os presidentes dos estados (nome que recebiam, à época, os governadores de estado) de São Paulo e Minas Gerais alternavam-se na presidência da república. Assim, de acordo com essa política, Washington Luís deveria indicar, para ser seu sucessor, o presidente de Minas Gerais, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, ou o vice-presidente da República, o também mineiro Fernando de Melo Viana, que já fora presidente de Minas Gerais, ou até mesmo outro líder político mineiro. O nome do ex-presidente Artur Bernardes foi lembrado, mas não era aceito por muitos, especialmente por Antônio Carlos. O nome de Fernando de Melo Viana foi vetado por Artur Bernardes e por Antônio Carlos.
Washington Luís (1869-1957)
  Porém, no início de 1929, o presidente da República, Washington Luís, fluminense da cidade de Macaé e radicado em São Paulo desde sua juventude, tendia a apoiar o presidente de São Paulo, Júlio Prestes, que pertencia ao Partido Republicano Paulista, ao qual também pertencia Washington Luís.
  Em 29 de março de 1929, o jornal norte-americano The New York Times informou que os cafeicultores paulistas resolveram dar um banquete a Júlio Prestes em Ribeirão Preto e decidiram apoiá-lo para presidente.
  O presidente mineiro, Antônio Carlos (quebrando o compromisso assumido com Washington Luís de só tratar da questão sucessória a partir de setembro de 1929), envia uma carta ao presidente brasileiro, na qual indica Getúlio Vargas como o preferido para candidato à presidência do país para o mandato de 1930 a 1934.
Artur Bernardes (1875-1955)
  Após o lançamento da candidatura de Getúlio Vargas à presidência por Antônio Carlos, Washington Luís iniciou o seu processo sucessório consultando os presidentes dos estados (na época existiam 20 estados no Brasil), e indicou o presidente de São Paulo, Júlio Prestes de Albuquerque, para sucedê-lo, o qual recebeu o apoio de dezessete estados. Os três estados que negaram apoio ao presidente paulista foram: Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba.
  Os políticos de Minas Gerais apoiadores da política "carlista" ficaram insatisfeitos com a indicação de Júlio Prestes, pois esperavam que Antônio Carlos, presidente do estado, fosse o indicado por Washington Luís, seguindo a tradição, ou, pelo menos, que o presidente indicasse um terceiro nome, no caso, Getúlio Vargas. Os carlistas lançaram, então, Getúlio como candidato de oposição à candidatura de Júlio Prestes. Com isso, Antônio Carlos ficou conhecido como o "Arquiteto de Revolução de 1930".
Júlio Prestes (1882-1946)
  Minas Gerais, então, se dividiu: os políticos ligados ao vice-presidente da república Melo Viana e ao ministro da Justiça Augusto Viana do Castelo, pertencentes à Concentração Conservadora, mantiveram o apoio a Júlio Prestes e fizeram oposição à política carlista e ao Partido Republicano Mineiro (PRM).
  Com a indicação de Júlio Prestes como candidato oficial à presidência da república e o consequente apoio do PRM de Minas Gerais à candidatura de Getúlio Vargas, terminava a política do café-com-leite, que vigorou na República Velha, quebrando o equilíbrio político nacional criado por Campos Sales na sua chamada Política dos Estados, conhecida popularmente como "política dos governadores" e jogando o Brasil numa instabilidade política.
Campos Sales (1845-1913) - idealizador da política do café-com-leite
  Os três estados dissidentes, iniciaram a articulação de uma frente ampla de oposição, chamada Aliança Liberal, que tinha o objetivo de se opor ao intento do presidente da república e dos dezessete estados de eleger Júlio Prestes.
  Washington Luís era por natureza um conciliador, porém, em outubro de 1929, três meses depois da indicação de Júlio Prestes, ocorreu a queda dos preços do café, em decorrência da crise de 1929. Isto fez com que Washington Luís mantivesse a candidatura de um paulista, Júlio Prestes, oficializada em 12 de outubro, como queriam os cafeicultores de São Paulo, apesar das pressões de Minas Gerais, Paraíba e Rio Grande do Sul. Por seu lado, Antônio Carlos não aceitou retirar a candidatura de Getúlio Vargas.
Com a queda no preço do café, o governo brasileiro chegou a comprar e queimar o café para evitar um maior prejuízo aos cafeicultores
  Júlio Prestes se destacara no governo de São Paulo pela defesa do café. Entre outras medidas tomadas reformou o Banespa para ser um banco de hipotecas dos estoques do café, harmonizando os interesses dos cafeicultores com os exportadores de Santos. O café representava 70% das exportações brasileiras. Além disso, havia uma superprodução de café nas fazendas e um grande estoque nas mãos do governo paulista.
Ensacamento para exportação no auge do ciclo do café
A Aliança Liberal e o Tenentismo
  A Aliança Liberal foi criada em agosto de 1929 para fazer oposição à candidatura de Júlio Prestes à presidência da república. Formavam a Aliança Liberal: Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba e partidos de oposição de diversos estados, inclusive do Partido Democrático (partido fundado em 1926 por dissidentes do Partido Republicano Paulista - PRP, partido de Júlio Prestes) de São Paulo.
  A formalização da Aliança Liberal foi feita em 20 de setembro de 1929, numa convenção dos estados e partidos oposicionistas, no Rio de Janeiro, presidida por Antônio Carlos de Andrada, lançando os candidatos da Aliança Liberal às eleições presidenciais: Getúlio Vargas para presidente da República e João Pessoa, presidente da Paraíba, para vice-presidência. Washington Luís tentou convencer os presidentes gaúcho e mineiro de desistirem dessa iniciativa, sem êxito.
João Pessoa (1878-1930)
  Em 12 de outubro de 1929, realizou-se, no Rio de Janeiro, uma convenção dos 17 estados governistas, que indicou Júlio Prestes de Albuquerque como candidato à presidente e o presidente da Bahia, Vital Soares, pertencente ao Partido Republicano Baiano, a vice-presidente.
  Getúlio Vargas enviou o senador Firmino Paim Filho para dialogar em seu nome com Washington Luís e Júlio Prestes. Em dezembro de 1929, formalizou-se um acordo, no qual Getúlio Vargas comprometia-se a aceitar os resultados das eleições e, em caso de derrota da Aliança Liberal, se comprometia a apoiar Júlio Prestes. Em troca, Washington Luís comprometia-se a não ajudar a oposição gaúcha a Getúlio, a qual praticamente não existia, pois Getúlio unira o Rio Grande do Sul.
Antônio Carlos Ribeiro de Andrada (1870-1946)
  A Aliança Liberal teve o apoio de intelectuais como José Américo de Almeida, João Neves da Fontoura, Lindolfo Collor (avô do ex-presidente Fernando Collor de Melo), Virgílio Alvim de Melo Franco, Afrânio de Melo Franco, Júlio de Mesquita Filho, Plínio Barreto e Pedro Ernesto, de membros das camadas médias urbanas, na época chamada de "classes liberais", que se opunham às "classes conservadoras", formadas pelas associações comerciais e fazendeiros. No Rio Grande do Sul, o grande articulador da Aliança Liberal foi Osvaldo Aranha.
  A Aliança Liberal contou também com o apoio da corrente político-militar chamada "Tenentismo". Destacavam-se entre os tenentes: Cordeiro de Farias, Newton de Andrade Cavalcanti, Eduardo Gomes, Antônio de Siqueira Campos, João Alberto Lins de Barros, Juarez Távora, Luís Carlos Prestes, João Cabanas, Newton Estillac Leal, Filinto Müller e os três tenentes conhecidos como os "tenentes de Juarez": Juracy Magalhães, Agildo Barata e Jurandir Bizarria Mamede. Na marinha, apoiaram a Aliança Liberal: Ernâni do Amaral Peixoto, Ari Parreiras, Augusto do Amaral Peixoto, Protógenes Pereira Guimarães, além do general reformado Isidoro Dias Lopes, o general honorário do exército José Antônio Flores da Cunha e o major da Polícia Militar de São Paulo Miguel Costa.
  Os objetivos e os ideais da Aliança Liberal podem ser sintetizados pela frase do presidente de Minas Gerais, Antônio Carlos, que afirmava em 1929, em um discurso interpretado como presságio e uma demonstração do instituto de sobrevivência de um político experiente, ao implantar, em Belo Horizonte, pela primeira vez no Brasil, o voto secreto: "Façamos serenamente a revolução, antes que o povo faça pela violência".
Juracy Magalhães (1905-2001) - militar e ex-governador da Bahia, era um dos apoiadores da Aliança Liberal
A eleição de 1º de março de 1930
  A Aliança Liberal entrou na disputa eleitoral sabendo, de antemão, que seria dificílima a vitória, tendo apoio de apenas três estados. A campanha eleitoral, no entanto, ocorreu relativamente calma, dentro dos padrões de violência da República Velha. O episódio mais grave da campanha eleitoral foi o "Atentado de Montes Claros", quando, poucos dias antes da eleição de 1º de março, no dia 6 de fevereiro, uma passeata de adeptos de Júlio Prestes (chamados prestistas) foi dissolvida a tiros de revólver e de carabina por elementos aliancistas daquela cidade. Os tiros partiram da residência do líder aliancista João Alves, quando a caravana prestista passava em sua residência. Nesse atentado morreram 5 pessoas e 14 ficaram feridas. Entre os mortos e feridos estavam o vice-presidente da república Fernando de Melo Viana, que levou três tiros, e seu secretário particular, Dr. Rafael Fleury da Rocha, que morreu no local.
Protesto na Praça da Sé, em São Paulo, contra o atentado de Montes Claros
  Aconteceram mais dois casos de violência grave entre os aliancistas e prestistas. O primeiro ocorreu em 26 de dezembro de 1929, na Câmara dos Deputados: depois de um comício nas escadarias do Palácio Tiradentes, o deputado federal prestista Manuel Francisco de Sousa Filho, de Pernambuco, foi assassinado, a tiros de revólver, no interior da Câmara dos Deputados, pelo deputado aliancista Ildefonso Simões Lopes, do Rio Grande do Sul. Na versão dos aliancistas, o deputado Ildefonso teria agido em legítima defesa.
  O segundo, ocorreu em 20 de fevereiro de 1930, em Chapecó, na fronteira entre Santa Catarina, prestista, e o Rio Grande do Sul, numa troca de tiros entre as polícias dos dois estados. No dia seguinte, casas de prestistas foram atacadas a tiros em Riacho dos Machados, Minas Gerais. Em 23 de fevereiro de 1930, em um comício do Partido Democrático, na Vila Guilherme em São Paulo, um delegado de polícia foi morto a tiros de revólver.
  No dia da eleição, 1º de março de 1930, era sábado de carnaval, e foi vencida por Júlio Prestes (chamado pela imprensa de Candidato Nacional), que obteve 1.091.709 votos, contra 742.797 votos dados a Getúlio (chamado de Candidato Liberal). Getúlio obteve 100% dos votos no Rio Grande do Sul e 610.000 votos nos três estados aliancistas. A votação de Getúlio nos 17 estados prestistas foi inexpressiva. No antigo Distrito Federal, a cidade do Rio de Janeiro, houve empate. O Rio Grande do Sul foi o único estado aliancista que chegou unido às eleições de 1º março. Júlio Prestes foi eleito para governar de 1930 a 1934. Sua posse na presidência deveria ocorrer no dia 15 de novembro de 1930. A apuração dos resultados da eleição foi demorada e tensa, se estendendo até maio de 1930.
Concorrentes à eleição presidencial de 1930
  Em 19 de março é quebrada a unidade da Aliança Liberal, pois, numa surpreendente declaração aos jornais, o líder gaúcho Borges de Medeiros reconheceu a vitória de Júlio Prestes, alegando que houve fraude em ambos os lados. Os líderes liberais se apressaram a desautorizar Borges de Medeiros.
  O caso mais grave de fraude durante a apuração ocorreu em Belo Horizonte. Em 3 de abril, no centro dessa cidade, partidários de Antônio Carlos foram dispersados a tiros por prestistas, havendo vários feridos. O episódio ficou conhecido como o "Atentado da Rua Espírito Santo". Os tiros partiram da residência do líder prestista Manuel Tomás de Carvalho Brito, que fora uma das vítimas do "Atentado de Montes Claros". Durante semanas, o clima ficou tenso em Belo Horizonte, esperando-se um contra ataque dos carlistas. Tropas federais estacionadas em Ouro Preto seguiram para Belo Horizonte para garantirem a segurança pública.
Comício da Aliança Liberal em frente ao Teatro Municipal do Rio de Janeiro, em 1929
  Em 22 de maio de 1930, o Congresso Nacional proclama os eleitos para a presidência e vice-presidência da república, Júlio Prestes e Vital Soares, respectivamente. Em seguida, à proclamação final dos resultados, o presidente eleito Júlio Prestes viajou para os Estados Unidos, sendo recebido pelo presidente norte-americano, Herbert Hoover. Em Washington declarou que o Brasil nunca seria uma ditadura e se tornou o primeiro brasileiro a sair na capa da revista Time. Júlio Prestes só retornou ao Brasil em 6 de agosto, sendo recebido por uma multidão de adeptos na atual Estação da Luz.
  A Aliança Liberal recusou-se a aceitar o resultado das urnas, denunciando que os deputados e senadores, eleitos em 1º de março de 1930, não obtiveram o reconhecimento dos mandatos na Comissão de Verificação de Poderes do Congresso Nacional do Brasil. Os partidários de Washington Luís e Júlio Prestes se defendiam, dizendo que aconteceu apenas um caso: a Paraíba, onde houve duplicidade de atas eleitorais, o que sempre ocorrera na República Velha. Em Minas Gerais, não houve a diplomação dos eleitos. Os prestistas também desconfiavam do grande número de eleitores alistados no Rio Grande do Sul. Suspeitava-se que cidadãos uruguaios tinham sido alistados para votarem nesse Estado.
Manifestação em São Paulo pela vitória de Júlio Prestes
A Paraíba conflagrada - a República de Princesa
  A Aliança Liberal também acusava Washington Luís de estar por trás de uma revolução, liderada por um coronel do sertão, o senhor José Pereira Lima, desafeto de João Pessoa. Essa revolução tinha caráter estadual e ocorreu na cidade paraibana de Princesa Isabel, tendo início em 15 de março de 1930, cujo principal objetivo era derrubar o presidente da Paraíba, João Pessoa.
  O governo federal recusou-se a decretar a intervenção federal na Paraíba. O episódio ficou conhecido como a "República de Princesa", que só foi dominada pelo governo da Paraíba em agosto de 1930. O combate à "República de Princesa" foi liderado por José Américo de Almeida e encerrado quando as tropas de José Pereira entregaram suas armas ao Exército brasileiro em 19 de agosto de 1930. Esta foi a última revolução de âmbito estadual da República Velha.
Carro-tanque fabricado em Campina Grande para combater os revoltosos da República de Princesa
A conspiração
  A partir da recusa da maioria dos políticos e tenentes da Aliança Liberal de aceitar o resultado das urnas, iniciou-se uma conspiração, com base no Rio Grande do Sul e em Minas Gerais, com a intenção de não permitir que Júlio Prestes assumisse a presidência. No Nordeste, o tenente Juarez Távora, que havia fugido da prisão em janeiro de 1930, organizava, na clandestinidade, a revolução.
  Esta conspiração sofreu um revés em 10 de maio, quando morreu, em acidente aéreo, o tenente Antônio Siqueira Campos. O tenente era um bom articulador político e fazia o contato com militares estacionados em São Paulo. Com sua morte, praticamente acabou o ímpeto revolucionário entre militares estacionados em São Paulo. Em 29 de maio de 1930, a conspiração sofreu outro revés, com o brado comunista de Luís Carlos Prestes, que deveria ter sido o comandante militar da revolução de 1930, mas desistiu do comando para apoiar o comunismo. O comandante militar secreto da revolução ficou sendo o então tenente-coronel Pedro Aurélio de Góis Monteiro.
Juarez Távora (1898-1975)
  Em 1° de junho, Getúlio lança um manifesto acusando irregularidades nas eleições de 1° de março, porém, não clama por revolução.
  Em 18 de julho, foi destruído o jornal prestista e da Concentração Conservadora Folha da Noite, em Belo Horizonte, por um grupo de aliancistas que chamavam o presidente de Minas Gerais, Antônio Carlos, de covarde, e que pediam abertamente a revolução. Começava-se, então, a se concretizar os temores de Antônio Carlos, de que haveria uma revolução violenta que fugiria ao controle dos políticos da Aliança Liberal.
O assassinato de João Pessoa
  No dia 26 de julho de 1930, João Pessoa, então presidente da Paraíba, foi assassinado por João Duarte Dantas, em Recife, por questões de ordem pessoal. João Duarte Dantas, cuja família era inimiga política de João Pessoa, tivera o escritório de advocacia saqueado. Havia sido arrombado, no escritório de João Dantas, o cofre onde se encontravam cartas e poemas de amor da escritora Anayde Beiriz, que foram divulgados e considerados escabrosos.
João Duarte Dantas (1888-1930)- assassino de João Pessoa
  João Pessoa estava com amigos, no dia 26 de julho de 1930, na Confeitaria Glória, em Recife. João Dantas, acompanhado de um cunhado, entrou na confeitaria e disparou dois tiros contra o peito do presidente da Paraíba, dizendo: "Sou João Dantas, a quem tanto humilhaste e maltrataste". João Dantas foi preso e levado para a Casa de Detenção da Paraíba, onde foi espancado e morto. Na prisão, João Dantas disse que matara João Pessoa para defender sua honra. Oficialmente, suicidou-se. Anayde foi encontrada morta em 22 de outubro, por envenenamento, em Recife. Outro suposto suicídio.
João Pessoa, pouco tempo após ter sido assassinado
  Apesar de totalmente desvinculado da eleição de Júlio Prestes, o episódio do assassinato de João Pessoa foi o estopim que deflagrou a mobilização armada dos partidários de Getúlio e da Aliança Liberal. O corpo de João Pessoa foi embarcado em navio, no Recife, em 31 de julho de 1930, para ser enterrado, em 18 de agosto, no Rio de Janeiro. Tanto em Recife, como no Rio de Janeiro, houve missas solenes e discursos inflamados, colocando a culpa no governo de Washington Luís pela morte de João Pessoa. No Recife ocorreu um enorme tiroteio. O Largo de São Francisco, em São Paulo, no dia 17 de agosto, foi palco de um conflito de estudantes, quando homenageavam João Pessoa, com vários tiros, um morto e 20 feridos. Houve intervenção da polícia e do exército.
Funeral de João Pessoa na Paraíba
  O presidente da República não se defendia das acusações. Washington Luís fora avisado, repetidas vezes pelos seus assessores, de que havia um movimento subversivo em marcha visando derrubá-lo do poder. Ele, porém, não tomou nenhuma medida preventiva para impedir a revolução.
A revolução de 3 de outubro de 1930
  Em 7 de setembro de 1930, o movimento revolucionário teve um novo impulso. Neste dia, Antônio Carlos passou o governo de Minas Gerais a Olegário Maciel, sendo que este era muito mais decidido a fazer uma revolução do que seu antecessor. Olegário foi o único presidente de estado a continuar no cargo após a revolução de 1930.
  No dia 25 de setembro de 1930, foi determinado pelo comando revolucionário, que a revolução começaria no dia 3 de outubro, as 17 horas. No dia marcado para o início da revolução, no período da tarde, em Porto Alegre, teve início a Revolução de 1930, com a tomada do quartel general da 3ª Região Militar. Esse ataque foi comandado por Osvaldo Aranha e Flores da Cunha.
Manifestação popular apoiando a Revolução de 1930 em Porto Alegre
  No Nordeste, devido a um erro de interpretação das ordens dadas pelo comando revolucionário, a revolução só começou na madrugada de 4 de outubro. A revolução se alastrou por todo o país. As tropas gaúchas marcharam rumo a São Paulo. Na passagem por Santa Catarina, os revolucionários não conseguiram de imediato derrubar o governo catarinense, conseguindo esse feito apenas no dia 16. Em Minas Gerais, houve uma forte resistência, pois o 12° Regimento de Infantaria de Belo Horizonte não aceitou o golpe.
  Oito governos estaduais do Nordeste, na época chamado de Norte, foram depostos pelos tenentes, que enfrentaram uma forte resistência na Bahia e em Pernambuco.
  No dia 10 de outubro, Getúlio partiu, por ferrovia, rumo ao Rio de Janeiro, capital federal na época, deixando o governo do Rio Grande do Sul com Osvaldo Aranha.
Tropas revolucionárias desfilam pelas ruas do Rio de Janeiro, em outubro de 1930
  Em meados de outubro, a revolução dominava apenas parte do Nordeste e do Sul do Brasil. Mantinham-se leais ao governo federal, os estados de Santa Catarina, Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro e o Distrito Federal (a cidade do Rio de Janeiro), toda a região Norte: Amazonas, Pará e o Território do Acre, e todo o Centro-Oeste: Goiás e Mato Grosso. O estado do Espírito Santo foi ocupado pelas tropas mineiras e, o governo capixaba foi deposto em 16  de outubro, no mesmo dia em que o governo de Santa Catarina foi derrubado, os demais no fim da revolução.
  No Nordeste, os revolucionários marcharam em direção à Bahia. Pelo Sul, os revolucionários, vindos do Rio Grande do Sul, estavam estacionados na região de Itararé, na divisa do Paraná com São Paulo, onde forças do governo federal e tropas paulistas estavam acampadas para deter o avanço das tropas revolucionárias. Esperava-se que ocorresse uma grande batalha em Itararé.
Soldados revolucionários em Cambuquira - MG
  Getúlio aguardava os acontecimentos em Curitiba. No sul de Minas Gerais, tropas federais ainda resistiam ao avanço das tropas mineiras rumo ao Rio de Janeiro. Não houve a esperada Batalha de Itararé, pois, em 24 de outubro, antes que ela ocorresse, os generais Tasso Fragoso e Mena Barreto e o almirante Isaías de Noronha depuseram Washington Luís através de um golpe militar, formando uma Junta Militar Provisória. No mesmo dia, Osvaldo Aranha foi enviado ao Rio de Janeiro para negociar a entrega do poder a Getúlio Vargas. A Junta Militar governou o Brasil até passar o governo a Getúlio em 3 de novembro de 1930. Washington Luís foi deposto apenas 22 dias antes de terminar seu mandato, que se encerraria no dia 15 de novembro de 1930.
Acampamento das tropas mineiras em Barbacena - MG
  Jornais que apoiavam o governo deposto foram destruídos, entre eles jornais influentes como O Paiz, A Noite, Correio Paulistano, órgão oficial do Partido Republicano Paulista, A Plateia, Gazeta de Notícias, A Crítica e a Folha da Manhã, atual Folha de São Paulo. O edifício sede de O Paiz foi totalmente incendiado. As polícias do Rio de Janeiro e de São Paulo se omitiram e nada fizeram para impedir atos de vandalismo. Na cidade de São Paulo, as bancas do jogo do bicho foram atacadas por serem suspeitas de financiarem o PRP e o governo paulista deposto.
  Washington Luís, Júlio Prestes e vários outros políticos importantes da República Velha foram presos e exilados. Washington só retornou ao Brasil em 1947, após a deposição de Getúlio Vargas, em 1945.
  Getúlio, depois de uma passagem por São Paulo, onde ocupou o Palácio dos Campos Elísios, sede do governo paulista deposto, rumou para o Rio de Janeiro, chegando de trem à Cidade Maravilhosa no dia 31 de outubro de 1930.
Getúlio Vargas em Itararé - SP, logo após a derrubada de Washington Luís
A ERA VARGAS
  Às três horas da tarde de 3 de novembro de 1930, a Junta Militar passou o poder, no Palácio do Catete, a Getúlio Vargas, encerrando a chamada República Velha. No discurso de posse, Getúlio estabeleceu 17 metas a serem cumpridas pelo Governo Provisório. Na mesma hora, no centro do Rio de Janeiro, os soldados gaúchos cumpriram a promessa de amarrar os cavalos no obelisco da Avenida Rio Branco, marcando simbolicamente o triunfo da Revolução de 1930.
Soldados gaúchos amarram os cavalos no obelisco da Avenida Rio Branco
O GOVERNO PROVISÓRIO (1930-1934)
  A vitória da Revolução de 1930, levou Getúlio Vargas, seu principal líder a assumir a chefia, do Governo Provisório, dissolvendo a junta governativa responsável pela deposição de Washington Luís. Aparentemente, processava-se uma simples alteração das elites no poder: caíam as oligarquias hegemônicas e assumia uma nova elite.
  Getúlio tornou-se Chefe do Governo Provisório com amplos poderes. Os revolucionários não aceitavam o título de "Presidente da República". Seu governo provisório foi o segundo da república. O primeiro fora o de Deodoro da Fonseca.
  A composição dos grupos revolucionários mostrava-se bem heterogênea, obrigando Getúlio Vargas a equilibrar-se entre diversas forças para compor o governo e manter-se no poder. Por isso, era inevitável que a aliança enfrentasse certa instabilidade política, resultante do confronto interno das forças que a formavam.
Getúlio nomeando seus ministros, em 3 de novembro de 1930
  Getúlio governava através de decretos que tinham força de lei. No dia 11 de novembro de 1930 foi baixado o decreto n° 19.398 que instituiu e regulamentou o funcionamento do Governo Provisório. Este decreto:
  • Suspendeu as garantias constitucionais da Constituição de 1891, exceto o habeas corpus para crimes comuns.
  • Confirmava a dissolução do Congresso Nacional do Brasil, dos congressos estaduais e das câmaras municipais. Os deputados, senadores e presidentes de estado, eleitos em 1930, nunca chegaram a tomar posse dos seus mandatos.
  • Confirmava também todos os atos da Junta Militar Provisória.
  • Autorizou Getúlio a nomear e exonerar, a seu livre critério, interventores para os governos estaduais, a maioria tenentes que participaram da Revolução de 1930.
  • Excluía de apreciação judicial os atos do Governo Provisório e os atos dos interventores federais nos estados. Assim, nenhum ato e nenhum decreto do Governo Provisório e dos interventores podia ser contestado na justiça brasileira.
  • A atuação dos interventores federais nos estados era disciplinada, no Governo Provisório, pelo "Código de Interventores", nome pelo qual ficou conhecido o Decreto n° 20.348, de 29 de agosto de 1931, que instituiu conselhos consultivos nos Estados, no Distrito Federal e nos municípios e estabeleceu normas sobre a administração local.
Getúlio e seus ministros do Governo Provisório
  As propostas centralizadoras e reformistas a serem realizadas por um Estado forte defendidas pelos tenentes confrontavam-se com os interesses das oligarquias regionais, ainda revestidos por um discurso liberal e federalista. Por sua vez, Getúlio não queria depender politicamente dessas oligarquias, pois sabia que acabaria prisioneiro delas, e, para isso, precisava de um Estado mais centralizado.
  Tendo esse jogo de interesses em vista, assim que assumiu o poder Vargas fechou o Congresso, mas comprometeu-se a convocar uma Assembleia Constituinte; censurou a imprensa; criou ministérios e procurou centralizar o poder e impedir tanto a autonomia regional quanto o domínio político das oligarquias.
  De acordo com os tenentes, para realizar as reformas desejadas era preciso um governo federal forte. Seguindo essa proposta, Getúlio nomeou interventores federais, com o intuito de atingir principalmente as regiões em que as oligarquias eram poderosas, como São Paulo e o Nordeste em geral.
Comemoração da Revolução de 1930, em Jequié- BA
  A atuação dos tenentes no Nordeste foi relevante, destacando-se as ações de Juarez Távora, que, além de Ministro da Viação e depois da Agricultura, fora, através de decreto secreto, arquivado na secretaria do Ministério da Guerra, atual Comando do Exército, nomeado chefe de uma "Delegacia do Norte", motivo pelo qual ganhou o apelido de Vice-Rei do Nordeste. Mas a indicação dos interventores nem sempre foi pacífica, causando diversos conflitos com as oligarquias, desgastando politicamente os tenentes e obrigando-os a chegar a entendimentos em diversos Estados.
  O período de dificuldades políticas dos primeiros anos após a Revolução de 1930, resultava dessa heterogênea composição das forças políticas e sociais no poder. Porém, nenhuma delas tinha condições de criar um espaço hegemônico e dar base de sustentação ao Estado. Por isso, a situação revelava-se propícia para o surgimento de uma liderança política que conseguisse movimentar-se e articular compromissos e conciliações entre os contraditórios interesses políticos.
Juarez Távora, Getúlio Vargas e o interventor da Bahia, Juracy Magalhães, em 1931
As disputas pelo poder nos Estado
  Nesse quadro político conflituoso, a situação paulista mostrava-se a mais complicada. A Revolução de 1930 havia desalojado do poder, após décadas de domínio, a oligarquia cafeeira paulista, criando focos de insatisfação no Estado. Agravando esse descontentamento, o governo federal nomeou o tenente pernambucano João Alberto para o cargo de interventor do Estado de São Paulo. Entre os insatisfeitos encontravam-se até mesmo membros do Partido Democrático (PD), antigo aliado da Revolução de Outubro. Por isso, o PD aliou-se ao PRP para criar, em fevereiro de 1932, a Frente Única Paulista (FUP). Por meio de um programa centrado na legalidade, exigia-se a imediata convocação da Assembleia Constituinte, de maneira a limitar os poderes da presidência e restaurar a autonomia dos Estados, sobretudo a de São Paulo.
  As pressões estaduais contra o interventor resultaram na nomeação, em março desse ano, de um paulista civil, Pedro de Toledo, para o governo de São Paulo. Entretanto, nem essa medida nem mesmo a aprovação de uma nova legislação eleitoral acalmaram o tenso clima político no Estado. As manifestações contra o governo se multiplicaram em São Paulo numa delas quatro manifestantes (Martins, Miraguaia, Dráusio e Camargo) foram mortos a tiros. Das iniciais desses nomes formou-se o nome do movimento MMDC -, que radicalizou ainda mais o cenário político.
Cartão postal em homenagem ao MMDC, com as inscrições em latim: Dulce et decorum est pro patria mori ("É doce e honrado morrer pela pátria)
  Em maio de 1932, foi criado um novo "Gabinete Negro", chamado no Diário Carioca de "Conselho Secreto", cujo principal objetivo era cuidar exclusivamente das disputas políticas nos estados, sobrando, assim, mais tempo para Getúlio poder administrar os negócios públicos. Participavam desse conselho, dentre outros, o general Góis Monteiro e o coronel João Alberto Lins de Barros, que fora nomeado interventor de São Paulo, gerando revolta entre os paulistas.
  Minas Gerais foi outro caso complicado na escolha do interventor. Houve uma acirrada disputa política para saber quem seria o sucessor de Olegário Maciel, que havia falecido. O vice-presidente mineiro, Pedro Marques de Almeida, um carlista, havia renunciado em 1931 para assumir o cargo de prefeito de Juiz de Fora. Assumiu interinamente Gustavo Capanema.
  Para tentar diminuir a tensão em Minas Gerais, Getúlio escolheu o ainda desconhecido deputado federal Benedito Valadares, a fim de não desagradar nenhuma das correntes em disputa pelo governo mineiro. Nesta disputa, além dos políticos mineiros, entraram ministros, o coronel João Alberto e o interventor gaúcho Flores da Cunha.
Gustavo Capanema (1900-1985)
A Revolta de 1932
  A radicalização política dos tenentes representou o seu maior perigo para Getúlio em 25 de fevereiro de 1932, quando foi destruído, na cidade do Rio de Janeiro, um jornal da oposição ao Governo Provisório, o Diário Carioca. A recusa de Getúlio de punir os tenentes envolvidos no caso fez com que o Ministro do Trabalho Lindolfo Collor, o Ministro da Justiça Joaquim Maurício Cardoso e o chefe de polícia do Rio de Janeiro, João Batista Luzardo pedissem exoneração de seus cargos. João Neves da Fontoura também rompeu com Getúlio. Batista Luzardo denunciou, em carta, o envolvimento do Governo Provisório no atentado ao Diário Carioca.
  Em 9 de julho eclodiu na capital paulista uma revolta que rapidamente se expandiu pelo Estado, defendendo oposição ao governo de Getúlio e a convocação da Assembleia Constituinte. Essa revolta também ficou conhecida como Revolução Constitucionalista de 1932. A rebelião tomou ares de autêntica guerra civil para os paulistas, mobilizando a população do Estado.
Charge mostrando o descontentamento dos paulistas com Getúlio
  O Partido Republicano Paulista e o Partido Democrático de São Paulo exigiram o fim da ditadura do "Governo Provisório", a nomeação de um governo "civil e paulista" para ser o interventor do Estado e a promulgação de uma nova Constituição. Os paulistas consideravam que São Paulo estava sendo tratado como terra conquistada e sentiam que a Revolução de 1930 fora feita contra São Paulo. Após a Revolução de 1930, São Paulo estava sendo governada por interventores de outros estados. O tenente-interventor que os paulistas mais detestaram foi João Alberto Lins de Barros, chamado pejorativamente pelos paulistas de "o pernambucano".
João Alberto Lins de Barros (1897-1955)
  Após a morte dos estudantes paulistas a população saíra às ruas protestando contra a presença do ministro Osvaldo Aranha em São Paulo, obrigando Pedro de Toledo a montar um novo secretariado de governo sem a interferência dos tenentes e de Osvaldo Aranha. Esse movimento deflagrou a Revolução de 1932. Foi montado um grande contingente de voluntários civis e militares que travaram uma luta armada contra o Governo Provisório.
  Na região do atual estado de Mato Grosso do Sul foi criado o Estado de Maracaju, que apoiava São Paulo. A revolta se estendeu até 2 de outubro de 1932. Sem o apoio dos outros estados e tendo força militar menor, São Paulo foi derrotado.
  Apesar da vitória, o governo federal reconheceu as propostas dos rebelados paulistas. Por isso, convocou a Assembleia Constituinte de 1933 e nomeou Armando Sales Oliveira - vinculado ao PD e ao jornal O Estado de São Paulo - interventor do Estado. Após a revolta, a elite política paulista também passou a ter uma atitude cautelosa com o governo federal e chegou a se aproximar dele.
Soldados paulistas que lutaram na Revolução de 1932
A eleição de 1933
  O término da revolução constitucionalista marcou o início de um período de democratização do Brasil. Em 3 de maio de 1933, foram realizadas eleições para a Assembleia Nacional Constituinte, quando as mulheres votaram pela primeira vez no Brasil em eleições nacionais. O voto feminino já havia sido instituído no Rio Grande do Norte, em 1928. Nesta eleição, graças à criação da Justiça Eleitoral, as fraudes deixaram de ser rotina nas eleições brasileiras.
  Também nesta eleição, houve pela primeira vez em eleições nacionais o voto secreto, que havia sido introduzido no Brasil pelo presidente de Minas Gerais, Antônio Carlos de Andrada, em 1929, numa eleição suplementar para vereador em Belo Horizonte.
  Os eleitos em 1933 começaram os seus trabalhos em 1934. A composição da Constituinte refletiu a força política das oligarquias regionais, que, depois de meses de debates a promulgou em julho de 1934.
Nas eleições de 1933, pela primeira vez as mulheres puderam votar a nível nacional
A Assembleia Nacional Constituinte e a Constituição de 1934
  A Assembleia Nacional Constituinte foi instalada em 15 de novembro de 1933 presidida por Antônio Carlos de Andrada, que promulgou uma nova Constituição em julho de 1934. Nesta Constituinte, participou pela primeira vez uma mulher deputada, Carlota Pereira de Queirós, representante do estado de São Paulo, além de deputados eleitos pelos sindicatos, os chamados deputados classistas.
Carlota Pereira Queirós (1892-1982) - primeira mulher a ser eleita deputada federal no Brasil
  O princípio da federação foi mantido, e incorporaram-se elementos mais modernos, como a legislação trabalhista (garantindo ao trabalhador férias e descanso semanal remunerado, salário mínimo, regulamentação do trabalho feminino e infantil, indenização em caso de se despedir um funcionário sem justa causa, entre outros), a segurança nacional (tornando o cumprimento do serviço militar obrigatório), questões sociais em geral, como a da educação (decretou-se o ensino primário gratuito). Um outro lado relevante dessa Constituição foi a extensão do direito de voto às mulheres. Embora a nova Constituição determinasse eleições diretas, fixou-se em caráter excepcional eleição em julho de 1934 pelo voto indireto da própria Assembleia. Getúlio Vargas tornou-se então presidente constitucional, com um mandato até 1938. A Assembleia Constituinte transformou-se em Congresso Nacional.
  Nessa eleição em que Getúlio Vargas elegeu-se presidente constitucional, ele obteve 173 votos, contra 59 dados ao seu opositor, Borges de Medeiros, que recebeu os votos dos paulistas, contrariando a orientação do interventor federal Armando de Sales Oliveira.
A Constituição de 1934 trouxe vários benefícios para o trabalhador brasileiro
O GOVERNO CONSTITUCIONAL (1934-1937)
  A Revolução e as eleições presidenciais de 1930 e a Constituição de 1934 formavam um cenário em que o país parecia ter sido colocado na rota da democracia, que deveria então ser consolidada na nova etapa do governo de Getúlio Vargas. A essa altura, o tenentismo já estava desgastado com os confrontos políticos e não conseguia se organizar como partido justamente em um momento de discussão e definição ideológica. Como consequência, os tenentes perderam espaço no governo e no cenário de discussões políticas, sendo gradativamente afastados do Estado por Getúlio.
  Os debates políticos começaram a incluir novas questões, refletindo de certa forma a discussão e a divisão ideológica internacional do período, que opunha o nazifascismo e o comunismo. A estabilidade do governo getulista passou então a depender também do enfraquecimento e da derrota desses dois movimentos que polarizavam e radicalizavam o quadro político mundial.
Tropas gaúchas em frente ao Instituto Biológico, em São Paulo, durante a Revolução de 1932
  O novo mandato presidencial de Getúlio iniciou-se no dia 20 de julho de 1934, quando tomou posse no Congresso Nacional, jurando a nova Constituição. Getúlio deveria governar até 3 de maio de 1938. Não havia, na Constituição de 1934, a figura do vice-presidente. Os estados fizeram, depois, suas constituições, e muitos interventores se tornaram governadores, eleitos pelas assembleias legislativas, o que significou uma ampla vitória, nos estados, dos partidários de Getúlio.
  No dia 4 de abril de 1935, foi sancionada a Lei n° 38, que definia os crimes contra a ordem política e social, que possibilitou maior rigor no combate à subversão da ordem pública. Essa lei ficou conhecida como Lei de Segurança Nacional.
  Getúlio visitou a Argentina e o Uruguai entre maio e junho de 1935, tornando-se o segundo presidente a se ausentar do país durante o mandato (o primeiro foi Campos Sales). Na sua ausência, assumiu a presidência o presidente da Câmara dos Deputados, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada.
Getúlio recebendo no Palácio do Catete, o ministro fascista Ítalo Balbo, em janeiro de 1931
  Em 22 de julho de 1935 foi criado um programa oficial de rádio com notícias do governo: a "Hora do Brasil", depois denominada "Voz do Brasil".
  Em 1932 surgiu no Brasil um movimento de caráter fascista a partir da fundação da Ação Integralista Brasileira (AIB), que aglutinou milhares de simpatizantes desse ideal em todo o país (os camisas-verdes). Liderado por Plínio Salgado, o integralismo constituía um movimento/partido nacionalista que se posicionava contra o capitalismo, o liberalismo e o socialismo, defendendo um Estado centralizado e forte (o Estado integral).
Plínio Salgado (1895-1975) - um dos fundadores da AIB
  Apesar de o integralismo aproximar-se e apoiar o governo de Getúlio, ele nunca conseguiu espaço político efetivo. Prova disso é que, mesmo apoiando o golpe de 1937, esse partido foi dissolvido junto com os demais. Na realidade, Getúlio usou o movimento enquanto lhe convinha e depois o descartou. A comprovação dessa postura veio em 1938, quando os integralistas tentaram aplicar um golpe contra o governo federal no Rio de Janeiro, sem alcançar sucesso algum.
Cartaz dos integralistas
  No sentido ideológico oposto, os que eram contrários ao nazifascismo se aglutinaram em torno da Aliança Nacional Libertadora (ANL), liderada por Luís Carlos Prestes, que se convertera ao marxismo. Comandada pelo PCB, a aliança reuniu vários setores políticos (alguns tenentes, operários, intelectuais, membros da classe média, entre outros). Ao ganhar força em todo o país, o movimento começou a preocupar o governo federal, que acabou colocando a ANL na ilegalidade.
Luís Carlos Prestes (1898-1990) - principal líder da ANL
  O fechamento da ANL, através do decreto nº 229 de 11 de julho de 1935, determinado por Getúlio Vargas, bem como a prisão de alguns dos partidários, precipitaram as conspirações que levaram à Intentona Comunista em 24 de novembro de 1935 no Nordeste e em 27 de novembro desse mesmo ano no Rio de Janeiro.
  O movimento revolucionário ocorreu em várias cidades brasileiras. No Rio de Janeiro houve um levante militar no 3º Regimento de Infantaria, em que aconteceram várias mortes. Houve luta em Recife. Em Natal, os comunistas chegaram a tomar o poder, sendo depois derrotados por tropas de sertanejos vindos do interior do Rio Grande do Norte, liderados por Dinarte Mariz.
Quarta da Salgadeira (atualmente Casa do Estudante), antigo Quartel General da Polícia Militar do Rio Grande do Norte, após intenso combate à Intentona Comunista
  A partir da Intentona Comunista, foram decretados várias vezes o estado de sítio e o estado de guerra por Getúlio Vargas, assim como endurecidas as leis que visavam combater a subversão. A Lei de Segurança Nacional foi reforçada, em 14 de dezembro de 1935, pela lei nº 136, que definia novos crimes contra a ordem pública. Em 18 de dezembro de 1935, são promulgadas três emendas à Constituição de 1934, dando mais poderes ao Estado brasileiro no combate à subversão.
  A ilegalidade da ANL foi decisivo para que as tendências mais radicais do PCB defendessem a tomada do poder por meio das armas. Em razão dessas ideias mais radicais, em 1935 foi colocado em prática um plano de levante armado, elaborado pelo PCB e com o apoio da União Soviética e da Intentona Comunista. A revolta ocorreu em novembro, restringiu-se a algumas unidades militares em Natal, Recife e no Rio de Janeiro. Derrotada com facilidade, a rebelião serviu de justificativa para a instauração do estado de sítio. A repressão desencadeada desestruturou a esquerda e preparou o golpe de 1937.
Monumento aos mortos da Batalha da Intentona Comunista, na Serra do doutor, Campo Redondo - RN
Em direção ao golpe
  Nesse clima de radicalização política, iniciou-se a campanha sucessória, que logo opôs dois candidatos de peso: Armando Sales de Oliveira, apoiado por São Paulo e pela oposição à Getúlio, e José Américo de Almeida, apoiado pelo governo federal; o integralista Plínio Salgado teve papel coadjuvante na disputa. Getúlio Vargas, que não desejava nenhum dos dois como candidato em 1938 e muito menos como seu sucessor, começou a articular junto a alguns militares e governadores um golpe recoberto por um discurso anticomunista.
  A fim de criar um fato político que justificasse o golpe, militares e integralistas, aproveitando o clima de confronto ideológico radicalizado após a Intentona de 1935, forjaram documentos que traçavam a organização de um suposto movimento comunista para tomar o poder - o Plano Cohen. Com o pretexto de impedir esse avanço comunista no país, Getúlio, apoiado pelos militares, deu o golpe em novembro de 1937 e instaurou o Estado Novo.
Plano Cohen - suposto plano comunista para tomar o poder no Brasil
O ESTADO NOVO (1937-1945)
  Fruto de um golpe político-militar, o Estado Novo estruturou-se como um governo autoritário, pois desde o início centralizou excessivamente o poder nas mãos do presidente e ganhou legalidade com a Constituição outorgada em 1937. Por meio dela, o Executivo tornou-se o poder hegemônico da nação., sobrepondo-se ao Legislativo e ao Judiciário. O chefe do Executivo passou a ter direito a assento no Legislativo, a ser chefe do Conselho de Economia, a nomear interventores em todos os Estados, e a Constituição deu-lhe condições de decretar estado de emergência, suspender os direitos civis, entre outros. Apesar de se autodenominar federativa, a Constituição tirou toda a autonomia dos Estados.
  Além das arbitrariedades consentidas pela Constituição, a prática política do governo foi muito dura e opressora. A face repressora do Estado Novo se revelava em diversos aspectos da vida nacional. Acabou com a oposição ao regime - perseguiu, prendeu, torturou e exilou os adversários e os movimentos de oposição. A partir de 1939, o governo procurou controlar os meios de comunicação através do Departamento de Imprensa e Propaganda. Além disso, a política sindical, que influenciava e dirigia o movimento operário por meio dos sindicatos e lideranças de confiança do governo (os pelegos), e a fiscalização do Ministério do Trabalho completavam os mecanismos de controle da sociedade brasileira.
Propaganda do Estado Novo, mostrando Getúlio ao lado das crianças, símbolos do futuro do Brasil
  Contudo, se na essência o Estado Novo foi sempre autoritário e centralizador, em muitos aspectos ele revelou-se um agente modernizador da vida pública ao introduzir novos métodos, leis e instituições na estrutura administrativa, na legislação social e na economia. A preocupação em estabelecer um Estado forte e intervencionista obrigou Getúlio a aparelhar melhor a estrutura administrativa, criando uma burocracia técnica e capacitada que substituísse a que funcionava desde o Império, baseada no apadrinhamento. Para isso instituiu em 1938 o Departamento Administrativo do Serviço Público (Dasp), e essa ação acabou beneficiando a classe média, que pôde concorrer aos empregos do serviço público.
Polícia Especial - criada no Estado Novo por meio do Departamento Administrativo do Serviço Público (Dasp)
  Outro aspecto marcante nessa direção modernizadora foi o desenvolvimento da política educacional, implementada principalmente por Gustavo Capanema, que permaneceu como ministro da Educação de 1934 a 1945. A expansão do sistema de ensino básico e secundário (hoje ensino fundamental e médio, respectivamente) e a criação das primeiras universidades no país (Universidade de São Paulo - USP - em 1934 e do Distrito Federal em 1935) revelavam esse interesse do Estado pelo desenvolvimento da formação educacional no país. 
  Seguindo nessa mesma lógica, ele pôs em prática uma política-social e de desenvolvimento industrial que colocou o país na direção de uma modernização conservadora.
Campus da Universidade de São Paulo (USP) - criado por Getúlio Vargas
Legislação trabalhista
  As preocupações política e social com uma legislação trabalhista surgiram efetivamente a partir da década de 1930, quando foi criado o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e estabelecidas certas leis para reger a organização sindical e outras para organizar o aspecto educacional e cultural da sociedade. Em 1932, outros passos nessa mesma direção foram dados com o estabelecimento da Justiça do Trabalho, no dia 1° de maio de 1939, por meio do decreto-lei n° 1.237, do salário mínimo, da jornada de oito horas, das férias remuneradas, do repouso semanal obrigatório, da legislação sobre acidentes de trabalho, além de conceder a estabilidade no emprego do trabalhador após dez anos no emprego. Essas conquistas foram confirmadas na Constituição de 1934.
Carteira de Trabalho - obrigatória desde 1934
  Em 1937, já sob o Estado Novo, foram criadas outras leis sociais e trabalhistas, bem como órgãos de nítido caráter corporativo. No dia 1° de maio de 1943, foi finalmente estabelecida a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que procurou abranger todo esse edifício legal corporativo, sendo inspirada, por sua vez, na Carta del Lavoro, documento similar italiano. Dividiu-se a CLT em três partes fundamentais: leis e dispositivos referentes à proteção, deveres e obrigações de empregados e empregadores; organização sindical; organização da Justiça do Trabalho.
  Toda essa ação voltada para o mundo do trabalho acabou desenvolvendo uma peculiar ideologia trabalhista, sustentada na ideia da conciliação entre as classes, na compreensão do papel do Estado como interlocutor e mediador dessa relação e na valorização do trabalho como fator de construção de uma grande nação, reforçando-se, assim, o nacionalismo. Nesse contexto, o movimento sindical teve oportunidade de se desenvolver e se organizar, mas sempre tutelado pela legislação, pelo Ministério do Trabalho e pelo trabalhismo, fato que marcaria profundamente a trajetória do movimento no país.
Vargas desfilando em carro aberto em 1° de maio de 1944, no Estádio do Pacaembu, em São Paulo
Industrialização
  Foi também durante o Estado Novo que o governo federal passou a ser um agente econômico de destaque, tornando-se proprietário de diversas indústrias, dando origem às empresas estatais. O governo investiu no desenvolvimento da indústria de base para garantir a estrutura de que o capitalismo necessitava para expandir-se. Com essa atitude, o governo conseguia ao mesmo tempo modernizar a economia nacional e aproximar-se da elite industrial, além de reforçar sua postura nacionalista. As obras que melhor representam a magnitude dessa política industrial estatizante são a Companhia Siderúrgica Nacional de Volta Redonda, construída na década de 1940 com capital estatal norte-americano (pelo decreto-lei n° 93.211 de 3 de setembro de 1941), e a Companhia Vale do Rio Doce ( pelo decreto-lei n° 4.352, de 1° de junho de 1942). Gradativamente, a política industrial ganhou dimensão mais ampla, pois se percebeu que as diretrizes industriais refletiam diretamente em diversos outros interesses de grupos sociais. Getúlio também criou a Companhia Nacional de Álcalis (pelo decreto-lei n° 5.684, de 20 de julho de 1943), a Fábrica Nacional de Motores (FNM), entre outras indústrias.
Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) em Volta Redonda - RJ
  Com isso, os princípios liberais, presentes desde a proclamação da República no discurso da elite nacional, foram sendo substituído pela ação forte e intervencionista do Estado. De fato, a política industrial deu resultado, pois a produção cresceu a partir de 1938, tornando-se superior à produção agrícola, desenvolvendo-se qualitativamente e quantitativamente.
  Porém, se o governo investia na indústria, a política getulista também procurava alinhar-se com as oligarquias agrárias, sobretudo a cafeeira, implantando uma política agrícola. A produção agrária de modo geral sofreu um surto de crescimento e diversificação, mas foi a política de proteção do café, típica da Primeira República, que recebeu atenção especial, pois o produto continuava sendo nossa principal fonte de receita. Desde 1933, com a criação do Departamento Nacional do Café (DNC), a política cafeeira havia passado às mãos do governo federal, saindo do âmbito regional. A ação mais ousada do governo para manter o preço do café foi determinar a queima de mais de 80 milhões de sacas desde essa data até 1944. Por fim, com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, nossa economia viu-se obrigada a mais uma vez realizar uma política de substituição de importações de produtos originários dos países em guerra, aquecendo de maneira geral nossa economia e o mercado interno.
Para manter o preço elevado, o governo brasileiro queimou milhões de sacas de café
Os meios de comunicação a serviço do Estado
  Durante o governo Vargas, o controle da opinião pública e a propaganda passaram a ser um dos aspectos determinantes de legitimação do Estado e da figura de Vargas. Tendo consciência dessa força, o governo criou o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) em 1939 para exercer a dupla função de controlar e censurar as artes e os meios de comunicação, o qual acabou funcionando como um autêntico Ministério da Propaganda.
  O rádio, por ser o mais popular veículo de comunicação da época, foi diretamente atingido pela ação do DIP, que, por meio dele, procurou impor a política estadonovista. O programa de rádio Hora do Brasil (criado em 1935 e tornado compulsório em 1937), teve esse objetivo de propagandear as realizações do governo e exaltar a figura de Getúlio Vargas. Por meio desse departamento de Estado, que promovia perseguições e aplicava censura aos diversos órgãos de comunicação, impuseram-se certas temáticas e uma estética que marcaria profundamente a vida social e cultural desse período.
Getúlio utilizando o rádio para promover o seu governo, em 1937
  O Estado Novo nunca impediu, porém, a transmissão de programas populares, como, por exemplo, os vinculados diretamente à música popular. Ao contrário, o Estado procurou se identificar com essas manifestações (não só com a música em geral, mas com o carnaval, o futebol) com o objetivo de se aproximar da população. Procurou também promover grandiosas manifestações cívicas, compostas de desfiles e comícios, que excitavam as massas populares.
  Agindo desse modo, o líder político seguia um caminho que dispensava, de certa forma, instituições e práticas de intermediação e representação da sociedade (como o Legislativo, as eleições, a imprensa, etc.), pois estabelecia um contato direto com ela. Convocada por meio de comunicação e manifestações de massa, a sociedade participava compulsoriamente da encenação política, legitimando o governo e seu chefe populista.
Getúlio Vargas em visita à Porto Velho
O populismo getulista
  A instabilidade política dos primeiros anos do período getulista foi fruto da inexistência de uma poderosa força política hegemônica capaz de ser a sustentação do Estado. Desse modo, o aparecimento de uma liderança com capacidade de articulação era fundamental. É nesse contexto que emerge a personalidade política e a capacidade de articulação de Getúlio Vargas. Ele se manteve legitimamente no poder durante o governo provisório pós-revolucionário, foi eleito (indiretamente) em 1934, deu o golpe em 1937 e permaneceu no poder até 1945.
  Na realidade, estava em gestação um processo histórico que ultrapassaria o fenômeno getulista e marcaria o futuro político do país até 1964. A presença de um Estado forte e gerador da estabilidade política e a personalização do poder do Estado em uma figura mítica que resolveria o problema de todos (o "pai dos pobres") constituíam elementos básicos dessa nova realidade política marcada pelo populismo. Além disso, esse líder deveria estar acima das correntes e dos partidos, sem comprometer-se diretamente com eles ou com suas bandeiras. Em um momento em que os meios de comunicação de massa começavam a desenvolver-se, o líder populista podia falar diretamente às massas urbanas, principalmente por meio do rádio, sem intermediários políticos e institucionais.
O populismo foi a marca do governo de Getúlio Vargas
  Outro fator determinante para o desenvolvimento do fenômeno do populismo foi a integração das massas populares urbanas ao processo político. A consolidação da estrutura urbano-industrial - em boa parte da América Latina - favoreceu o surgimento de novos segmentos sociais, principalmente o de uma incrível massa urbana sem condições mínimas de vida, vulnerável aos discursos demagógicos e populistas. Desse modo, os movimentos e líderes populistas nasceram e se desenvolveram, sobretudo nas cidades, por meio de um discurso destinado à grande massa urbana, especialmente ao operariado. O exagerado nacionalismo, a ideia de desenvolvimento industrial e a luta por leis sociais de defesa dos mais pobres e humildes tornaram-se partes fundamentais do dicurso populista. O carisma pessoal e a demagogia fácil também constituíram características dos líderes populistas.
Getúlio na inauguração da Avenida do Contorno, em Belo Horizonte, tendo o governador mineiro Benedito Valadares (ao centro) e o prefeito Juscelino kubitschek, em 12 de maio de 1940
Política externa de Getúlio Vargas (1930-1940)
  O governo Getúlio mediou o restabelecimento de relações diplomáticas entre o Peru e o Uruguai; recebeu, em 1931, a visita de aviadores italianos e dos príncipes britânicos; assinou, em 1934, o Protocolo de Amizade entre Peru e Colômbia, pondo fim à Questão de Letícia; fez a demarcação de 4.535 quilômetros de fronteiras entre 1930 e 1940; promoveu a conciliação entre Bolívia e Paraguai, pondo fim à Guerra do Chaco; conseguiu, por intermédio do presidente norte-americano Franklin Delano Roosevelt, um empréstimo do Export and Import Bank, utilizado em obras públicas e compras para o Lloyd Brasileiro e a Estrada de Ferro Central do Brasil; instalou, em 1940, no Rio de Janeiro, a Comissão Interamericana de Neutralidade; firmou 86 atos internacionais e 122 acordos bilaterais; criou, em 1934, o Conselho Federal do Comércio Exterior; criou, em 1938, o Conselho de Imigração e Colonização, e, em 1939, o Conselho de Defesa da Economia Nacional.
Getúlio Vargas e o presidente norte-americano Franklin D. Roosevelt
A crise do Estado Novo
  Os sinais de esgotamento do Estado novo e, consequentemente da figura de Getúlio Vargas começaram a surgir entre 1942 e 1943, em razão de uma convergência de fatores internos e externos. Em 1942, a política externa brasileira finalmente aderiu às forças aliadas, depois de muitas oscilações e relativa simpatia em favor do Eixo. Essa decisão implicou o envio de tropas da Força Expedicionária Brasileira (FEB) à Itália para lutar contra o nazifascismo.
  Getúlio Vargas empregou políticas ambíguas para as órbitas do Eixo (aliança militar entre Alemanha, Itália e Japão) e dos Aliados (aliança militar envolvendo Estados Unidos, União Soviética e Reino Unido). Em primeiro lugar, o Brasil parecia estar entrando na órbita do Eixo - mesmo antes da declaração do Estado Novo de 1937. Entre 1933 e 1938, a Alemanha se tornou o principal mercado para o algodão, e seu segundo maior importador de café e cacau brasileiro. O Banco Alemão para a América do Sul havia estabelecido 300 filiais no Brasil.
  O rápido aumento do comércio civil e militar entre o Brasil e a Alemanha nazista deu, aos funcionários dos Estados Unidos, a razão para começar perguntando sobre o alinhamento internacional de Getúlio Vargas.
  Após a repressão que se seguiram com a tentativa do golpe de estado comunista no Brasil em 27 de novembro de 1935, e o aumento da cooperação entre Brasil e Alemanha, e o governo brasileiro ter deportado para a Alemanha a esposa de Luís Carlos Prestes, a revolucionária judia alemã Olga Benário Prestes, em 1936, o Brasil foi convidado a fazer parte das Potências do Eixo ao lado do Império do Japão e do Reino da Itália. No entanto, quando o Brasil recusou este convite, coincidindo com o advento do "Estado Novo" no final do mesmo ano, as relações entre o Brasil e os países do Eixo começaram a relaxar. Esse distanciamento também ocorreu, em parte, devido aos poderes germano-italiano tornarem frustrados em relação ao que eles acreditavam que o Estado Novo poderia representar.
Olga Benário Prestes (1908-1942) no momento da sua prisão, em 1936
  A política de assimilação forçada e nacionalização imposta por Vargas e os militares sobre todas as comunidades de imigrantes, incluindo os alemães, italianos e japoneses, assim como a proibição de quaisquer atividades políticas que não foram diretamente subscritas pelo poder central no Rio de Janeiro (então capital do Brasil), que incluiu o partido nazista e seus aliados, os integralistas brasileiros motivados com o apoio ítalo-alemão da tentativa do golpe de estado integralista em maio de 1938 e o fracasso dessa ação, além do bloqueio naval britânico imposto pela Alemanha e Itália no comércio do Oceano Atlântico, especialmente a partir de 1940, levaram a uma forte deterioração das relações entre o Brasil e as potências do Eixo.
  Com o início da Segunda Guerra Mundial, em 1° de setembro de 1939, Getúlio Vargas manteve um posicionamento neutro até 1941. No início de 1942, durante a conferência dos países sul-americanos no Rio de Janeiro, os países participantes, a contragosto de Getúlio que temia represália dos alemães, decidiram condenar os ataques japoneses aos Estados Unidos, em 7 de dezembro de 1941, rompendo relações diplomáticas com os países do Eixo.
Vargas com o presidente argentino Agustín Pedro Justo
  Os Estados Unidos estavam preparados para invadir o Nordeste, caso Vargas insistisse em manter a neutralidade do Brasil. Logo após o rompimento das relações diplomáticas do Brasil com o Eixo, começaram os ataques e afundamentos de vários navios brasileiros de por submarinos alemães, causando centenas de vítimas civis brasileira.
  Em 31 de agosto de 1942, Getúlio declarou estado de guerra. Em janeiro de 1943, Vargas se encontra com o presidente norte-americano em Natal, no Rio Grande do Norte, no qual Franklin Delano Roosevelt voltava da conferência de Casablanca, decidindo-se construir bases aéreas no Nordeste.
  O envio de tropas da FEB para a Itália criou uma grave contradição interna, que a oposição soube explorar muito bem: como o país podia lutar no plano internacional em favor da liberdade e da democracia e no contexto interno manter a ditadura? Na realidade, após treze anos de poder, internamente o getulismo e o Estado Novo tinham chegado ao limite.
O encontro de Getúlio Vargas e com o presidente norte-americano, Franklin D. Roosevelt, em Natal, m 1943, mudou os rumos da Segunda Guerra Mundial
  Em 1943, diversas figuras públicas organizaram o Manifesto dos Mineiros, que entre outras coisas pedia o retorno da normalidade democrática. Justificando a manutenção da ditadura em decorrência da guerra e prometendo redemocratizar o país, Getúlio Vargas fixou um prazo para as eleições, que iriam acontecer no dia 28 de maio de 1945. Os organizadores do manifesto fundaram então a União Democrática Nacional (UDN), um partido de oposição, e lançaram como bandeira política a candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes.
Brigadeiro Eduardo Gomes (1896-1981)
  Vargas declarou que não era candidato e começou a articular a candidatura do seu ministro da Guerra, Eurico Gaspar Dutra. No cenário partidário, para enfrentar a oposição da UDN, Getúlio se serviu da dúbia tradição do getulismo e fundou dois partidos: o Partido Social Democrático (PSD), composto por membros das tradicionais oligarquias regionais e da burocracia do Estado; e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), para recuperar a tradição do trabalhismo e das conquistas de sua política trabalhista. No entanto, parcelas da oposição não queriam que a transição democrática fosse comandada por Vargas, que começava a buscar apoio nas massas populares. Como resposta às pressões políticas, ele concedeu anistia aos presos políticos.
Eurico Gaspar Dutra (1883-1974)
  Ao sair da prisão, o líder comunista Luís Carlos Prestes expressou apoio à Getúlio e sua liderança no processo de transição, dando origem à campanha do queremismo - movimento liderado pelo empresário Hugo Borghi, que usava os slogans "Queremos Getúlio" e "Constituinte com Getúlio". Para a oposição, tal fato representava a possibilidade de ele dar um novo golpe, agora apoiado pelas massas populares. Um comício gigante marcado para o início de outubro parecia evidenciar esses desejos de Getúlio. Dispostos a evitar qualquer surpresa, um grupo de militares, apoiados por políticos civis, derrubou Getúlio em 29 de outubro de 1945, tendo à frente alguns ex-tenentes da Revolução de 1930, como Góis Monteiro, Cordeiro de Farias, Newton de Andrade Cavalcanti e Ernesto Geisel. Esse episódio encerrou o ciclo de 15 anos de Getúlio no poder.
Góis Monteiro (1889-1956)
O INTERVALO (1945-1950)
  Getúlio foi afastado do poder sem sofrer nenhuma punição, nem mesmo o exílio, como o que ele próprio impusera ao presidente Washington Luís ao depô-lo. Vargas não teve os seus direitos políticos cassados e não respondeu a qualquer processo judicial. Após o mandato presidencial, retirou-se para sua estância em São Borja, a Estância Santos Reis, no Rio Grande do Sul. O apoio à candidatura do General Dutra era uma das condições para que Getúlio não fosse exilado. Dutra venceu a eleição, derrotando Eduardo Gomes.
  Na formação da Assembleia Nacional Constituinte de 1946, Getúlio Vargas foi eleito senador por dois estados: Rio Grande do Sul e São Paulo, pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), legenda que ajudara a criar, e pela qual foi também eleito representante à Câmara dos Deputados por seis estados e pelo Distrito Federal.
  Assumiu o cargo no Senado como representante gaúcho, e exerceu o mandato de senador durante o período 1946-1947, quando proferiu cinco discursos relatando as realizações do Estado Novo e da Revolução de 1930 e criticando o governo Dutra. O último discurso no Senado Federal foi no dia 3 de julho de 1947. Além dos discursos no Senado Federal, antes de se recolher a São Borja em 1947, Getúlio participou de comícios em dez capitais brasileiras defendendo os ideais e os programas do PTB, além de pedir votos para candidatos apoiados pelo partido nas eleições de 1947.
  Deixando o Senado Federal, onde recebia muitas críticas, foi morar nas suas estâncias Itu e Santos Reis (na qual passara a infância), em São Borja, onde foi muito assediado por partidários para retornar à vida pública.
Estância Itu, em São Borja - RS. Pertenceu à Getúlio Vargas
A campanha presidencial de 1950
  Getúlio acabou aceitando voltar à política, resumindo assim sua campanha eleitoral, em Parnaíba, no Piauí, durante um comício: "Recebi de vós, como de tantos outros pontos distantes do país, apelos para lançar-me nesta campanha que mobiliza o povo brasileiro na defesa dos direitos à liberdade e a vida". O slogan do PTB, que antecedeu à campanha foi: "Ele voltará".
  A candidatura de Getúlio foi lançada no dia 19 de abril, dia do seu aniversário, depois do lançamento da candidatura do seu adversário, Eduardo Gomes, da UDN.
  Na época, com 68 anos de idade, Getúlio percorreu todas as regiões do Brasil em campanha eleitoral, pronunciando, de 9 de agosto a 30 setembro de, em 77 cidades percorridas, discursos nos quais lembrava suas obras nas regiões em que discursava.
Getúlio Vargas em campanha em Manaus - AM, em 25 de outubro de 1950
  Getúlio foi eleito presidente da república como candidato do PTB em 3 de outubro de 1950, derrotando o candidato da UDN, Eduardo Gomes, e o Partido Social Democrático (PSD), que tinha como candidato, o mineiro Cristiano Machado. Nessa eleição concorreu também pelo PSB, o baiano João Mangabeira. Muitos membros do PSD abandonaram o candidato Cristiano Machado e apoiaram Getúlio. A data das eleições, 3 de outubro, era uma homenagem à data do início da Revolução de 1930.
Eleição para presidente do Brasil em 1950
Candidato
Votos
Porcentagem
Getúlio Vargas (PTB/PSP)
3.849.040
48,73%
Eduardo Gomes (UDN/PRP/PDC/PL)
2.342.384
29,66%
Cristiano Machado (PSD/PR/POT/PST)
1.697.173
21,49%
João Mangabeira (PSB)
9.466
0,12%
Votos Nominais
7.898.083
Votos Brancos
211.433
Votos Nulos
145.473
Votos Apurados
8.254.989

  Foi fundamental para a vitória de Getúlio o apoio recebido pelo governador de São Paulo, Ademar Pereira de Barros, que tinha sido nomeado por Vargas, durante o Estado Novo, em 1938, interventor federal em São Paulo, sendo exonerado em 1941 do cargo de interventor. Assim, a aliança com Ademar foi mais um ato de reconciliação praticado por Getúlio.
  Ademar transferiu a Getúlio um milhão de votos paulistas, mais de 25% da votação total de Getúlio. Ademar esperava que, em troca desse apoio Getúlio o apoiasse nas eleições de 1955 para a presidência da república.
Mapa da votação nas eleições presidenciais de 1950 por estado
  Nessa eleição o cargo de vice-presidente concorria separado com o do presidente. Pela coligação de Getúlio Vargas, o candidato a vice-presidente foi o potiguar Café Filho, do Partido Social Progressista, que saiu vitorioso.
  Pela coligação de Eduardo Gomes, o candidato a vice-presidente foi Odilon Braga da UDN. Participaram ainda dessa coligação o Partido da Representação Popular (PRP), o Partido Democrata Cristão (PDC) e o Partido Libertador (PL).
  Pela coligação de Cristiano Machado o candidato a vice-presidente foi o ex-presidente do Estado de São Paulo Altino Arantes do PSD. Nessa aliança participaram ainda o Partido Republicano (PR), e o Partido Orientador Trabalhista (POT).
  O Partido Social Trabalhista (PST), que não tinha lançado candidato à presidente, aliou-se ao Partido Trabalhista Nacional (PTN) e lançou o senador pernambucano Vitorino Freire.
  O Partido Socialista Brasileiro (PSB), não fez coligação com outro partido, lançou Alípio C. Neto como candidato a vice-presidente.
Eleição para vice-presidente do Brasil em 1950
Candidato
Votos
Porcentagem
Café Filho (PTB/PSP)
2.520.790
35,76%
Odilon Braga (UDN/PRP/PDC/PL)
2.344.841
33,26%
Altino Arantes (PSD/PR/POT/PST)
1.649.309
23,40%
Vitorino Freire (PST/PTN)
524.079
7,43%
Alípio C. Neto (PSB)
10.800
0,15%
Votos Nominais
7.049.719
Votos Brancos
1.048.778
Votos Nulos
156.392
Votos Apurados
8.254.989
  Apurada a votação, Café Filho venceu em oito estados mais o Distrito Federal, Odilon Braga venceu em onze estados e Altino Arantes venceu em quatro estados.
Mapa da votação para vice-presidente em 1950
O GOVERNO ELEITO (1951-1954)
  Getúlio tomou posse na presidência em 31 de janeiro de 1951, no Palácio do Catete, sucedendo Eurico Gaspar Dutra. O seu mandato presidencial deveria estender-se até 31 de janeiro de 1956. O ministério foi modificado duas vezes, trazendo para compor o quadro de ministros antigos aliados do tempo da Revolução de 1930, com os quais se reconciliou: Góis Monteiro (Estado Maior das Forças Armadas), Osvaldo Aranha (Fazenda), João Neves da Fontoura e Vicente Rao (ambos nas Relações Exteriores) e, ainda, Juracy Magalhães como primeiro presidente da Petrobras e Batista Luzardo como embaixador na Argentina, entre outros.
Momento em que Getúlio chega ao Palácio do Catete para sua posse, em 1951
  Getúlio teve um governo tumultuado devido a medidas administrativas que tomou, além de acusações de corrupção que atingiram seu governo. Um polêmico reajuste do salário mínimo, em 100%, ocasionando, em fevereiro de 1954, um protesto público, em forma de manifesto à nação, dos militares (um dos quais foi Golbery do Couto e Silva) contra o governo, seguido da demissão do ministro do Trabalho João Goulart. Este Manifesto dos Coronéis, também chamado de Memorial dos Coronéis, foi assinado por 79 militares que, na sua grande maioria, eram ex-tenentes de 1930. Este manifesto significou uma redução do apoio ao governo Getúlio na área militar e também na área trabalhista por conta da demissão de João Goulart.
João Goulart (1918-1976)
  Outros atos polêmicos do governo de Getúlio, foram:
  • A lei n° 1.521, de 26 de dezembro de 1951, sobre crimes contra a economia popular, ainda em vigor.
  • A lei n° 1.522, de 26 de dezembro de 1951, que autoriza o governo federal a intervir no domínio econômico para assegurar a livre distribuição de produtos necessários ao consumo do povo. Esta lei foi substituída pela lei delegada n° 4, em 26 de setembro de 1962.
  • O decreto n° 30.363, de 3 de janeiro de 1952, que dispôs sobre o retorno de capital estrangeiro, limitando-o a 8% do total dos lucros de empresas estrangeiras para o país de origem, revogado em 1991.
  • O decreto 31.546, de 6 de outubro de 1952, regulamentou o trabalho do menor aprendiz, vigorando até 2005.
  • A lei n° 1.802, de 5 de janeiro de 1953, que definia os crimes contra o Estado e a Ordem Política e Social, e que revogava a Lei de Segurança Nacional de 1935. Essa lei vigorou até 1967 quando foi substituída por outra Lei de Segurança Nacional.
  • A lei n° 2.004, de 3 de outubro de 1953, sobre o monopólio estatal da exploração e produção de petróleo, revogada em 1997.
  • A lei n° 2.083, de 12 de novembro de 1953, sobre a liberdade de imprensa, que vigorou até 1967.
  • A Instrução Sumoc (Superintendência da Moeda e do Crédito) n° 70, de 1953, que criou o câmbio múltiplo e os leilões cambiais.
Monumento dedicado à Getúlio Vargas, em São Borja - RS
  Neste período foram criados:
  • Em 20 de junho de 1952, pela lei n° 1.628, o BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico), atual BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
  • Em 19 de julho de 1952, pela lei n° 1.649, o Banco do Nordeste.
  • Pela lei n° 1.779, de 22 de dezembro de 1952, o IBC (Instituto Brasileiro do Café), o qual foi extinto em 1990.
  • Em 1953, a Petrobras, no aniversário da Revolução de 1930, 3 de outubro, pela lei n° 2.004.
  • Em 29 de dezembro de 1953, a lei n° 2.145, criou a CACEX, Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil.
  • Em 11 de janeiro de 1954, foi criado o segura agrário, pela lei n° 2.168, não revogada até os dias atuais.
Petrobras - empresa criada por Getúlio Vargas
  Getúlio sancionou a lei n° 2.252, de 1° de julho de 1954, que dispunha sobre a corrupção de menores. Esta lei vigorou até 2009, quando foi revogada pela lei n° 12.015.
  Houve uma grande mobilização nacional conhecida como a campanha "O petróleo é nosso" em torno da criação da Petrobras. Getúlio tentou, mas não conseguiu criar a Eletrobras, que só seria criada em 1961. Em 1954, entrou em operação a Usina Hidrelétrica de Paulo Afonso I. Foi iniciada a construção da Rodovia Fernão Dias ligando São Paulo a Belo Horizonte, tendo sido construída no governo de Juscelino Kubitschek.
Usina Hidrelétrica de Paulo Afonso - uma das obras construídas por Getúlio Vargas
  Em março de 1952, foi assinado um acordo de cooperação e ajuda militar entre o Brasil e os Estados Unidos. Este acordo vigorou de 1953 até 1977, quando o então presidente Ernesto Geisel denunciou o mesmo.
  Houve uma série de acusações de corrupção a membros do governo e pessoas próximas à Getúlio, levando-o a dizer que estava sentado em um "mar de lama". O caso mais grave de corrupção, que jogou grande parte da opinião pública contra Getúlio, foi a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do jornal Última Hora, de propriedade de Samuel Wainer, que foi acusado por Carlos Lacerda e outros parlamentares, de receber dinheiro do Banco do Brasil para apoiar Getúlio. Esse jornal era praticamente o único órgão de imprensa a apoiar Getúlio.
Samuel Wainer (1910-1980) - acusado de receber dinheiro do Banco do Brasil, provocou um mal-estar no governo de Getúlio Vargas
O Atentado da Rua Tonelero
  Na madrugada de 5 da agosto de 1954, um atentado a tiros de revólver, em frente ao edifício onde residia Carlos Lacerda, no Rio de Janeiro, matou o major Rubens Florentino Vaz, da Força Aérea Brasileira (FAB), e feriu, no pé, Carlos Lacerda, jornalista e ex-deputado federal pela UDN, e um dos maiores opositores do governo de Getúlio. O atentado foi atribuído a Alcino João do Nascimento e o auxiliar Climério Euribes de Almeida, membros da guarda pessoal de Getúlio, chamado pelo povo de "Guarda Negra". Esta guarda fora criada para a segurança de Getúlio, em maio de 1938, logo após um ataque de partidários do integralismo ao Palácio do Catete. Ao tomar conhecimento do atentado contra Carlos Lacerda na rua Tonelero, Getúlio disse: "Carlos Lacerda levou um tiro no pé. Eu levei dois tiros nas costas".
Carlos Lacerda sendo carregado por policiais após sofrer um tiro no pé durante o Atentado da Rua Tonelero
  A crise política que se instalou foi muito grave porque, além da importância de Carlos Lacerda, a FAB, à qual o major Vaz pertencia, tinha como grande herói o brigadeiro Eduardo Gomes, da UDN, que Getúlio derrotara nas eleições de 1950. A FAB criou uma investigação paralela do crime, que recebeu o apelido de "República do Galeão". No dia 8 de agosto foi extinta a "Guarda Negra".
  Os jornais e as rádios davam manchetes, todos os dias, a perseguição aos suspeitos. Alcino foi capturado no dia 13 de agosto. Climério no dia 17 de agosto pelo coronel da Aeronáutica Délio Jardim de Matos que, posteriormente, chegaria a ser ministro da Aeronáutica.
Manifestação de militares contra o atentado da rua Tonelero
A última reunião ministerial, o suicídio e a carta-testamento
  Por causa do crime da rua Tonelero, Getúlio foi pressionado, pela imprensa e por militares, a renunciar ou, ao menos, licenciar-se da presidência. O Manifesto dos Generais, de 22 de agosto de 1954, pediu a renúncia de Getúlio. Esse manifesto foi assinado por 19 generais do Exército, entre eles Humberto de Alencar Castelo Branco, Juarez Távora e Henrique Lott.
General Henrique Teixeira Lott (1894-1984)
  Esta crise levou Getúlio Vargas ao suicídio na madrugada de 23 para 24 de agosto de 1954, logo após sua última reunião ministerial, na qual fora aconselhado por ministros, a se licenciar da presidência.
  Getúlio concordou em se licenciar sob condições, que constavam da nota oficial da presidência da república divulgada na madrugada: "Deliberou o Presidente Getúlio Vargas ... entrar em licença, desde que seja mantida a ordem e os poderes constituídos ..., em caso contrário, persistirá inabalável no propósito de defender suas prerrogativas constitucionais, com sacrifício, se necessário, de sua própria vida".
  Getúlio, no final da reunião ministerial, assina um papel, que os ministros não sabiam o que era, nem ousaram perguntar. Encerrada a reunião ministerial, sobe as escadas para ir ao seu apartamento. Vira-se e despede-se do ministro da Justiça Tancredo Neves, dando a ele uma caneta Parker 21 de ouro e diz: "Para o amigo certo das horas incertas".
Pijama e revólver usado por Getúlio na noite do seu suicídio e que estão expostos no Museu da República
  A data do suicídio não poderia ser mais emblemática: Getúlio, que se sentia massacrado pela oposição, pela República do Galeão e pela imprensa, e escolheu a noite de São Bartolomeu (que foi um episódio sangrento na repressão aos protestantes na França pelos reis franceses, que eram católicos) para sua morte.
  Getúlio Vargas cometeu suicídio com um tiro no coração em seus aposentos no Palácio do Catete, na madrugada de 24 de agosto de 1954.
Getúlio Vargas logo após cometer o suicídio
  Após a sua morte, assumiu a presidência o vice-presidente Café Filho, que na época tinha passado para a oposição à Getúlio. Café Filho nomeou uma nova equipe de ministros e deu uma nova orientação ao governo.
  Com grande comoção popular nas ruas, seu corpo foi levado para ser enterrado na sua terra natal. A família de Getúlio recusou-se a aceitar que um avião da FAB transportasse o corpo de Getúlio até o Rio Grande do Sul. Recusou também as homenagens oficiais que o novo governo de Café Filho queria prestar ao ex-presidente falecido.
Velório de Getúlio Vargas
  Getúlio deixou duas notas de suicídio, uma manuscrita e outra datilografada, aos quais receberam o nome de carta-testamento. Uma versão manuscrita da carta-testamento, assinada no final da última reunião ministerial, somente foi divulgada ao público em 1967, por sua viúva, Alzira Vargas, pela Revista O Cruzeiro, por insistência de Carlos Lacerda, que não acreditava que a tal carta manuscrita existisse. Nesta carta manuscrita, Getúlio explica seu gesto:
  "Deixo à sanha de meus inimigos, o legado de minha morte. Levo o pesar de não ter podido fazer, por este bom e generoso povo brasileiro, e principalmente pelos mais necessitados, todo o bem que pretendia.
  A mentira, a calúnia, as mais torpes invencionices foram geradas e pela marginalidade de rancorosos e gratuitos inimigos, numa publicidade dirigida, sistemática e escandalosa.
  Acrescente-se na fraqueza dos amigos que não defenderam, nas posições que ocupavam, à felonia de hipócritas e traidores a quem beneficiei com honras e mercês, à insensibilidade moral de sicários que entreguei à Justiça, contribuindo todos para criar um falso ambiente na opinião pública do país contra a minha pessoa.
  Se a simples renúncia ao posto a que fui levado pelo sufrágio do povo me permitisse viver esquecido e tranquilo no chão da pátria, de bom grado renunciaria. Mas tal renúncia daria apenas ensejo para, com mais fúria, perseguirem-me e humilharem-me. Querem destruir-me a qualquer preço. Tornei-me perigoso aos poderosos do dia e às castas privilegiadas.
  Velho e cansado, preferi ir prestar contas ao Senhor, não dos crimes que não cometi, mas de poderosos interesses nacionais, ora porque exploravam, impiedosamente, aos pobres e aos humildes. Só Deus sabe das minhas amarguras e sofrimentos. Que o sangue dum inocente sirva para aplacar a ira dos fariseus.
  Agradeço aos que de perto ou de longe me trouxeram o conforto de sua amizade. A resposta do povo virá mais tarde...". Getúlio Vargas.
Réplica da carta-testamento mais extensa deixada por Getúlio Vargas antes de cometer o assassinato
Consequências imediatas do suicídio
  Para muitos historiadores o suicídio de Getúlio Vargas adiou um golpe militar que pretendia depô-lo. O pretendido Golpe de Estado tornou-se, então, desnecessário, pois assumira o poder um político conservador, Café Filho. O golpe militar viria em 1964, feito, essencialmente, no lado militar, por ex-tenentes de 1930.
  Para outros, o suicídio de Getúlio fez com que passasse da condição de acusado à condição de vítima. Isto teria preservado a popularidade do trabalhismo e do PTB e impedido Café Filho, sucessor de Getúlio, por falta de clima político, de fazer uma investigação profunda sobre as possíveis irregularidades do último governo de Getúlio.
  Por fim, o clima de comoção popular devido à morte de Getúlio, teria facilitado a eleição de Juscelino Kubitschek à presidência da república e de João Goulart (o Jango) à vice-presidência.
Café Filho (1899-1970) - assumiu a presidência com a morte de Getúlio
Impacto popular
  No dia seguinte ao suicídio, milhares de pessoas saíram às ruas para prestar o "último adeus" ao "pai dos pobres", chocadas com o que ouviram no noticiário radiofônico mais popular da época, o Repórter Esso. Enquanto isso, retratos de Getúlio eram distribuídos para o povo durante o dia. Carlos Lacerda teve que fugir do país, com medo de uma perseguição popular.
Jornal Última Hora, noticiando a morte de Getúlio Vargas
FONTE: Moraes, José Geraldo Vinci de, 1960 - História: geral e Brasil: volume único / José Geraldo Vinci de Moraes. - 2. ed. - São Paulo: Atual, 2005. - (Coleção Ensino Médio Atual)

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