quinta-feira, 14 de agosto de 2014

O MOVIMENTO SOCIALISTA E A DITADURA MILITAR NO CHILE

  Em 1970, Salvador Allende, da Unidade Popular (UP), composta por socialistas e comunistas, substituiu o governo de Eduardo Frei, do Partido Democrata Cristão, que se caracterizou por um reformismo limitado. Sua vitória foi o resultado de um longo período de lutas populares no Chile, de uma elaborada política do grupo conservador chileno em decorrência da fraqueza do governo de Frei.
  Allende obteve a vitória com 36,2% dos votos, contra 34,9% de Jorge Alessandri, o candidato da direita, e 27,8% do terceiro candidato, Radomiro Tomic, cuja plataforma era similar à de Allende, que propunha transformar o Chile em um regime socialista, mas pela chamada "via chilena ao socialismo", naquilo que foi qualificado de "empanadas e vinho tinto" - por meios pacíficos, democráticos, assegurada a liberdade de imprensa e respeitada a Constituição - foi oficialmente bem vista por parte dos aderentes da Democracia Cristã, que também se envolviam  em processos reformistas como a reforma agrária. O apoio inicial refletido em uma parcela de 49% dos votos na eleição municipal de 1971, se perdeu paulatinamente com a deterioração da situação econômica.
Salvador Allende (1908-1973) comemorando a vitória nas eleições de 1970
  Como a Constituição chilena previa a necessidade de "maioria dupla" (no voto popular e no Congresso), difíceis negociações foram feitas para a aprovação de Allende no Parlamento. Após o brutal assassinato do Comandante-em-Chefe das Forças Armadas chilenas, o general constitucionalista René Schneider, perpetrado por elementos ligados à Patria y Libertad, Allende teve seu nome confirmado pelo Congresso chileno.
  O Partido da Democracia Cristã do Chile era uma grande confederação interclassista, com sua base popular autêntica no proletariado da grande, pequena e média indústria moderna, na pequena e média propriedade rural e na burguesia da classe média urbana. A Unidade Popular representava o proletariado, formado pelos operários menos favorecidos, o proletariado agrícola, e a baixa classe média urbana. A Democracia Cristã, aliada a Unidade Popular controlava o Poder Executivo. A vitória socialista desencadeou uma mobilização social, com invasão de terras e ocupação de fábricas, pressionando o governo a avançar além de seus propósitos originais.
Trabalhadores chilenos apoiadores das propostas de Allende
  Em resposta, ocorreu a rearticulação das forças conservadoras, o que provocou sabotagens e instabilidade. A violência, provocada primeiramente por grupos extremistas de ambos os lados, como o MIR (Movimento de Esquerda Revolucionário) ou os seus opositores direitistas do grupo terrorista neofacista Patria y Libertad - apoiado pela CIA (Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos) e por elementos do exército e da marinha chilena - provocou um clima de confrontamento, que foi expandindo a todos os âmbitos da sociedade, chegando até as pessoas comuns. Dois grandes blocos se formaram: a Unidade Popular (UP) e a Confederación de la Democracia (CODE), que obtiveram, respectivamente, 43,3% e 55% dos votos na eleição para o Parlamento, deixando Allende sem maioria no Congresso.
  Ao mesmo tempo, os Estados Unidos, sob o governo de Richard Nixon, sentiram-se desafiados, uma vez que ocorreu a nacionalização de diversas empresas norte-americanas que atuavam no Chile, especialmente mineradoras. Os norte-americanos responderam custeando campanhas que desencadearam a desestabilização do governo de Allende, fortalecendo o desejo golpista da cúpula militar chilena.
Militantes do Patria y Libertad
  Os grupos de ultradireita, agrupados no Partido Nacional e nos movimentos Patria y Libertad e Poder Feminino, tentaram por todos os meios derrubar o governo, frequentemente com respaldo financeiro e material da CIA, que também conspirava para destituir o governo da UP - contrário aos interesses dos EUA - numa época em que o mundo vivia o período da Guerra Fria. Todas as tentativas democráticas para derrubar o governo Allende fracassaram, graças ao apoio que este recebia da população.
  No dia 2 de junho de 1973, o Congresso Nacional se recusou a autorizar o estado de sítio no país. A tentativa de decretar estado de sítio objetivava controlar o terrorismo de direita e de esquerda que assolava o país, além do aumento da violência e o temor de uma guerra civil.
  Este estado de confrontamento, incitado pela Patria y Libertad, cujo primeiro ato terrorista foi perpetrado em parceria com oficiais da marinha chilena e se chamou "La noche de las mangueras largas" (A noite das longas mangueiras) ocorreu no mesmo horário em que foi assassinado o ajudante de ordens de Allende, o Capitão-de-Mar-e-Guerra Arturo Araya. Essa operação consistia em cortar todas as mangueiras de abastecimento dos principais postos de gasolina de Santiago.
Trabalhadores protestam em uma fábrica chilena em junho de 1973
  Em 21 de agosto de 1973, o general legalista e constitucionalista Carlos Prats viu-se forçado a renunciar ao posto de Comandante em Chefe, pressionado por manifestações das esposas de generais. Em seu lugar assumiu Augusto Pinochet.
  No dia 22 de agosto, a câmara aprovava o "Acordo da Câmara de Deputados sobre o grave quebramento da ordem constitucional e legal da República", causada pela negativa do exército em promulgar integralmente a reforma constitucional das três áreas da economia, aprovada pelo Congresso.
  No dia 29, Prats teve que enfrentar um dos momentos mais tensos, quando o coronel Roberto Souper levanta o Regimento Blindado n° 2 e se dirige ao Palácio de La Moneda. Prats, dirigindo as guarnições de Santiago, consegue deter essa tentativa de golpe conhecida como Tanquezaço, enquanto os instigadores se refugiam e pedem asilo na embaixada do Equador, deixando um saldo de vinte mortos, principalmente civis.
General Carlos Prats (1915-1974)
  Allende reconhece a crise em seu governo e decide convocar um plebiscito para evitar um golpe de Estado. As facções mais radicais do governo da Unidade Popular repudiam a sua decisão. Allende conta com o apoio apenas do Movimento de Ação Popular Unitária, do Partido Radical e do Partido Comunista, que compartilham a "via pacífica". Diante dessa situação, Allende convocou seu ministro da Defesa, Orlando Letelier, para convencer o Partido Socialista a permanecer como seu aliado, fato este que conseguiu na noite de 10 de setembro de 1973.
  No dia 11 de setembro de 1973, as 7 horas da manhã forças armadas chilenas, sob o comando do general Augusto Pinochet, bombardearam a sede do governo, o palácio presidencial de La Moneda, em Santiago, numa ação que levou Allende a resistir até a morte.
Tropas do exército chileno bombardeando o palácio La Moneda, em 1973
  Após derrubar o governo democrático de Allende, os membros da Junta de Governo começaram um processo de estabelecimento de seu sistema de governo. De acordo com o Decreto Lei Nº 1, de 11 de setembro de 1973, Augusto Pinochet assumia a presidência da Junta de Governo, em sua qualidade de comandante em chefe do ramo mais antigo das Forças Armadas. Este cargo, que originalmente seria rotativo, finalmente se tornou permanente. Em 27 de junho de 1974, Pinochet assume como "Chefe Supremo da Nação", em virtude do Decreto Lei Nº 527, cargo que seria substituído pelo de Presidente da República, em 17 de dezembro de 1974, pelo Decreto Lei Nº 806.
  Ao assumir o governo, Pinochet estabeleceu uma das ditaduras mais violentas da América Latina: mais de 60 mil pessoas foram mortas ou desapareceram no Chile nos anos 1970, e 200 mil abandonaram o país por motivos políticos. Na década de 1980, as pressões populares e internacionais sobre a ditadura chilena avolumaram-se e, em 1987 e 1988, diante da distensão nas relações internacionais e do esgotamento político interno, as pressões pela redemocratização tornaram-se irrefreáveis.
Augusto Pinochet (1915-2006)
  Diante de tal situação, milhares de pessoas começaram a sofrer a repressão exercida pelo novo governo. A maioria dos líderes do governo da Unidade Popular e outros líderes da esquerda foram presos e transferidos a centros de reclusão. Cuatro Álamos, Villa Grimaldi, o Estádio Chile e o Estádio Nacional de Santiago foram utilizados como campos de detenção e tortura, assim como a Oficina Salitrera Chacabuco, a Ilha Dawson na Patagônia, o porto de Pisagua, o Buque Esmeralda e outros locais ao longo do país.
  No começo de 1974 foi criada oficialmente a DINA (Direção de Inteligência Nacional) pelo decreto lei Nº 521. Esta direção ficou a cargo do tenente coronel de engenheiros Manuel Contreras. A DINA tinha faculdades para deter e confinar pessoas em seus centros operativos durante os estados de exceção. Como estes estados duraram quase toda a ditadura, a DINA teve estas faculdades durante toda a sua existência.
  Esta organização teve a tarefa de enfrentar os inimigos do regime. Treinados na Escuela de las Américas, os agentes da DINA iniciaram uma campanha de repressão, focalizado principalmente nos integrantes do GAP (Grupo de Amigos Pessoais de Allende, sua guarda pessoal), do MIR (Movimento de Esquerda Revolucionário), do Partido Socialista do Chile e do Partido Comunista do Chile.
Manuel Contreras - ex-dirigente da DINA
  A Dina empregou o sequestro, a tortura e o assassinato. Tinha também agentes internacionais, sendo o mais destacado o norte-americano Michael Townley, que foi acusado de assassinar Carlos Prats em Buenos Aires, e Orlando Letelier. Seu outro dispositivo internacional era a Operação Condor, de cooperação entre os diversos organismos de contra - insurgência das ditaduras latino-americanas, com o objetivo de conter qualquer elemento de esquerda política.
  Em 1980, Augusto Pinochet promulgou uma Constituição que legalizava o seu governo ditatorial. Mas em consequência disso as pressões feitas por grupos organizados contra o governo aumentaram significativamente. A movimentação popular conquistou a realização de um plebiscito popular em 1987, que resultou na proibição  da permanência de Pinochet no governo do país.
Militares torturando os opositores do regime militar no Chile
  A partir dos anos 1990, buscou-se no Chile uma transição pacífica para a democracia por meio de eleições presidenciais. O vitorioso foi Patrício Aylwin Azocar, candidato pela frente oposicionista Acordo pela Democracia, denominada Concertación. Seu sucessor foi Eduardo Frei (1994), seguido, em 2000, pelo também governista Ricardo Lagos.
  Desde 1993, processado pela justiça após o fim da ditadura militar, com condenações anteriores que chegaram a sete anos de prisão domiciliar, Manuel Contreras, o temido chefe da DINA, foi condenado à prisão perpétua em junho de 2008, como mandante do assassinato do general Prats e sua esposa em Buenos Aires, em 1974. Pinochet, contudo, continuou na chefia do exército, deixando o cargo somente em 1998, quando assumiu uma cadeira de senador vitalício no Parlamento chileno. Segundo a Constituição em vigor, elaborada durante o seu governo, todo presidente chileno que ficasse no poder por mais de seis anos teria o direito a uma vaga no Senado até o fim da vida, sem necessidade de disputar eleições.
Chilenos apoiadores de Salvador Allende em 1971
  Em 1 de setembro de 2009, a justiça chilena expediu ordem de prisão a 120 militares e ex-agentes do serviço secreto chileno, por atentados contra os direitos humanos acontecidos no governo Pinochet, entre eles, Contreras, que já estava preso, referente a casos de assassinatos e desaparecimentos de cidadãos chilenos e estrangeiros durante a Operação Condor.
  Na economia, o país assumiu as receitas neoliberais desde a época da ditadura de Pinochet, crescendo num ritmo bastante rápido, e continuou na mesma situação com os governos que o sucederam. Os avanços econômicos e a estabilidade financeira fizeram do Chile um dos países considerados bem-sucedidos no processo de economia capitalista globalizada, típica dos anos 1990 em diante.
  Paralelamente a esse sucesso, continuavam pendente a responsabilização criminal pelas mortes, torturas e atos de repressão da época da ditadura militar, exigida por vários setores nacionais e organismos internacionais de direitos humanos. Em 1998, em visita à Inglaterra para tratamento médico, Pinochet foi preso em resposta à Justiça espanhola, que o julgava por torturas causadas a cidadãos espanhóis.
Pinochet desfilando em carro aberto em 11 de setembro de 1982
  O caso arrastou-se durante 15 meses e somente no início de 2000 Pinochet retornou a seu país, sob forte ameaça de julgamento pelos crimes cometidos durante o seu governo. Em julho de 2002, a Suprema Corte de Justiça chilena decidiu encerrar definitivamente o processo contra Augusto Pinochet (que estava com 86 anos), considerando-o em estado de "demência". Dias depois, ele renunciou ao cargo de senador vitalício, abandonando a vida política. Em 2004 vieram a público as contas multimilionárias que o ex-ditador possuía em bancos estrangeiros, criadas com recursos obtidos de governos aliados a sua ditadura, como o norte-americano, e de outras transações financeiras ilegais. Pinochet morreu em 2006, no mesmo ano em que a Concertación elegeu o quarto presidente chileno, a socialista Michelle Bachelet. Em 2010, a Concertación não conseguiu vencer as eleições presidenciais, sucedendo Bachelet o opositor Sebastián Piñera.
Funeral de Augusto Pinochet em dezembro de 2006
FONTE: Vicentino, Cláudio. História geral e do Brasil / Cláudio Vicentino, Giapaolo Dorigo - 2. ed. - São Paulo: Scipione, 2013.

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