quinta-feira, 3 de maio de 2012

O TRATADO ANTÁRTICO

  Os onas, povo indígena que vivia no extremo sul da América do Sul e na Terra do Fogo, costumavam fazer incursões na Antátida [...]. Como eles viviam em uma área pertencente aos territórios do Chile e da Argentina, esses países reivindicaram o controle territorial da Antártida, utilizando como argumento o princípio da precedência de ocupação. Mas esse argumento, certamente o mais empregado nas disputas territoriais, de nada valeu para o Chile ou a Argentina, que aceitaram a pressão das forças hegemônicas na época da Guerra Fria.
  Em 1948, o Chile já cedia às pressões dos Estados Unidos e apresentava a Declaração de Escudero, na qual propunha uma pausa de cinco anos nas discursões acerca da soberania da Antártida. [...]
Ushuaia - cidade argentina localizada na Terra do Fogo, é a cidade mais austral do planeta
  Com base no Princípio da Proximidade Geográfica, reivindicavam soberania sobre a Antártida aqueles Estados-nações que se localizavam próximo ao continente antártico. Esse princípio excluía as duas superpotências emergentes do segundo pós-guerra de sua presença na Antártida, e não logrou êxito.
  O Princípio da Defrontação ou dos Setores Polares foi deixado de lado por interferência dos países do Hemisfério Norte. Ele definia a soberania a partir da projeção dos meridianos que tangenciassem os pontos extremos da costa de países que se encontram defronte a Antártida. A partir daí, se traçaria uma reta em direção ao centro do continente gelado, definindo a faixa territorial de domínio de um determinado país. A proximidade dos países do Hemisfério Sul dava a eles uma vantagem em relação aos países do Hemisfério Norte, levando à não aplicação deste princípio.
Mapa da Antártida
  [...] A primeira reunião internacional que teve como pauta a Antártida foi a Conferência de Paris, realizada em 1955. Naquela ocasião, África do Sul, Argentina, Austrália, Bélgica, Chile, Estados Unidos, França, Inglaterra, Japão, Noruega, Nova Zelândia e URSS reuniram-se para discutir a edificação de uma base científica na Antártida. [...]
  Como resultado da reunião de Paris, decidiu-se pela construção da base Amundsen-Scott pelos Estados Unidos. À outra potência da época, a URSS, coube a construção da base Vostok no Polo da Inacessibilidade. Assim, quase sem pedir licença, as superpotências instalaram-se no continente branco. A Guerra Fria chegava à Antártida.
Base russa Vostok
  Como ocorria em outras situações, a disputa entre os Estados Unidos e a URSS pela soberania [sobre a] Antártida foi dissimulada. Nesse caso, ela ganhou uma roupagem científica. Pouco tempo depois da reunião de Paris, o interesse por novas descobertas sobre a última região sem fonteiras da Terra foi utilizado como argumento para novos empreendimentos no continente.
  Com o objetivo de observar as explosões solares que ocorreram na segunda metade da década de 1950, os estudiosos do assunto optaram por instalar pontos de observação em alguns lugares da Terra, entre eles a Antártida, que foi apontada como o melhor local para observação do fenômeno. Para registrar seu intento, os cientistas nomearam os trabalhos como Ano Geofísico Internacional (AGI). [...]
Aurora austral sobre a estação Amundsen-Scott
  Por ocasião da AGI, o governo dos Estados Unidos propôs - em abril de 1958 - um tratado para regularizar as ações antrópicas no continente branco. Como justificativa, apresentou a necessidade de realizar mais pesquisas para entender melhor a dinâmica natural naquela porção do mundo.
  As negociações promovidas pelos Estados Unidos resultaram no Tratado Antártico, que foi firmado em 1º de dezembro de 1959. Após ser ratificado pela África do Sul, Argentina, Austrália, Bélgica, Chile, Estados Unidos, França, Inglaterra, Japão, Noruega, Nova Zelândia e URSS, denominados membros consultivos, passou a ser aplicado, em 23 de junho de 1961. [...]
  Com o Tratado Antártico, estabeleceu-se o intercâmbio científico entre as bases instaladas na Antártida. Deixada de lado a polêmica da definição de fronteiras nacionais no continente gelado, a ocupação foi direcionada para a produção de conhecimento, instalando-se a infraestrutura necessária para tal intento. A troca de informações científicas procurava garantir uma diplomacia "Antártica", ao mesmo tempo que não se discutiam questões de ordem territorial ou aproveitamento dos "recursos" a serem identificados e estudados cooperativamente.
  A Antártida representa um dos casos que justificam a discussão da questão da soberania envolvendo a temática ambiental durante a Guerra Fria. Ao abrir mão, mesmo que temporariamente, da reivindicação da soberania territorial sobre a Antártida, o Chile iniciava uma ação que agradava sobremaneira os Estados Unidos.
Base brasileira na Antártida Comandante Ferraz
  A Declaração de Escudero representou uma abertura para que se iniciassem conversações sobre a ocupação daquela parte do mundo por países que não tinham argumentos para reivindicar soberania territorial sobre qualquer porção daquele ambiente natural. A capacidade de produzir conhecimento a partir de bases científicas instaladas na Antártida passou a ser a medida para integrar-se aos países que tiveram o direito de ocupá-la. [...]
FONTE: RIBEIRO, Wagner Costa. A ordem ambiental internacional. 
São Paulo: Contexto, 2001. p. 55-57.

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