terça-feira, 1 de maio de 2012

ÁFRICA: NOVOS CONFLITOS, NOVOS PERSONAGENS

  O conflitos existentes no continente africano, classificados genericamente de étnicos e que eclodem periodicamente em países da África Subsaariana, têm como tônica o envolvimento de povos vizinhos, cujas características são mais ou menos diferentes. Alguns desses conflitos são esporádicos e duram alguns dias ou semanas, como tem acontecido na Nigéria. Outros, como na região da África Oriental (planalto dos Grandes Lagos), no Sudão, na Somália, no Congo, mas também na África Ocidental (Libéria, Serra Leoa, Costa do Marfim), são bem mais graves e persistentes podendo durar vários anos e têm sido responsáveis por milhões de vítimas.
  Na maior parte dos casos, os conflitos são internos, entre populações mais ou menos próximas, muitas vezes misturadas, como é o caso de tutsis e hutus em Ruanda e em Burundi. Todavia, tem sido cada vez mais comum que esses conflitos acabem envolvendo países vizinhos, como o que ocorreu recentemente na República Democrática do Congo (ex-Zaire), onde forças armadas de Ruanda, Uganda, Zimbábue e Angola não só tomaram partido das facções congolesas em luta, como acabaram se enfrentando em pleno território congolês.
Mapa da República Democrática do Congo
  A novidade dos conflitos recentes é que eles não são mais explicados apenas por razões geopolíticas de grande envergadura (tipo capitalismo x socialismo), como acontecia no tempo da Guerra Fria. Por outro lado, a ação de grupos fundamentalistas islâmicos, fenômeno que pode ser considerado de grande envergadura no início do século XXI, tem importância pequena ou quase nula no contexto geopolítico do centro-sul do continente. Vale ressaltar que, na bacia do rio Congo e do planalto dos Grandes Lagos, o número de muçulmanos é pouco expressivo e é justamente nessas regiões que os conflitos têm sido mais mortíferos e duradouros.
  Não se pode também entender os conflitos da África Subsaariana sem levar em conta a extrema diversidade étnica e linguística da região e, sobretudo, não se deve esquecer que nessa parte do mundo o tráfico negreiro durou cerca de três séculos. Esse evento histórico deixou marcas profundas no relacionamento entre grupos "capturados" e "captores" que o tempo não tem conseguido apagar.
Mapa do tráfico negreiro
  A multiplicação dos conflitos pode ser explicada também pelo crescimento demográfico dos diferentes grupos étnicos e pela necessidade de cada um deles em estender suas terras cultivadas para compensar os efeitos da degradação dos solos. A exacerbação dos conflitos entre hutus e tutsis em Ruanda resultou, parcialmente, da luta por terras férteis num pequeno país cuja densidade demográfica é de aproximadamente 300 habitantes por km².
Conflito entre tutsis e hutus em Ruanda - um dos maiores conflitos étnicos da África ocorrido nas últimas décadas
  Ademais, a África Subsaariana tem sofrido, mais do que em outras partes, dos problemas ambientais inerentes ao mundo tropical, sobretudo porque as produções agrícolas se fazem  principalmente sobre solos lateríticos pobres e frágeis. Na África, fora dos vales, os diferentes grupos étnicos que praticam a agricultura, cujos rendimentos declinam sistematicamente, se esforçam em estender seu território em detrimento dos grupos vizinhos.
  Os recentes conflitos africanos ensejaram o surgimento ou realçaram a ação de novos e antigos personagens. Se durante a Guerra Fria as figuras mais importantes dos conflitos eram militares ou homens públicos, hoje seus papéis são, de maneira geral, secundários. Três personagens emblemáticos nos conflitos atuais nos merecem destaque: o senhor da guerra, a criança-soldado e o refugiado.
Crianças-soldados
  O senhor da guerra normalmente não pertence ao grupo que está no poder, mas é muito poderoso. Ele é ao mesmo tempo um combatente, um aproveitador sem escrúpulos e um traficante. Combatente, pois é líder de grupos armados. Suas vitórias lhe dão prestígio e seu interesse é prolongar o conflito pelo maior tempo possível.
  Ele é também inescrupuloso porque se vale compulsoriamente dos recursos da população civil e, eventualmente, interfere ou impede a ação de organismos internacionais de ajuda humanitária. Como traficante, o senhor da guerra participa dos circuitos ilegais de comércio, facilitando o tráfico de drogas, armas e outros produtos como pedras preciosas. Para esse personagem as atividades militares e criminais estão intimamente ligadas. Um dos mais importantes senhores da guerra na África foi o líder da Unita, Jonas Savimbi, que durante quase três décadas dominou amplas áreas de Angola, até ser morto em combate em 2002.
Jonas Savimbi - líder da Unita (União Nacional para a  Independência Total de Angola) - foi um dos principais senhores da guerra na África
  Outro personagem dos conflitos atuais é a criança-soldado. Muitas vezes ela tem menos de dez anos e, embora não existam dados confiáveis a respeito, acredita-se que na África existiam pelo menos 200 mil delas. Seu "alistamento" quase sempre acontece de forma brutal. Após ter sido testemunha de atrocidades cometidas contra seus parentes, ela acaba sendo levada, "criada" e treinada pelos algozes de sua família. O desenvolvimento de armas cada vez mais leves pela indústria bélica tem facilitado a ação dessas crianças que, com certa frequência, encaram os combates como se estivessem participando de uma "brincadeira de guerra".
  Já o refugiado não tem sexo ou idade; pode ser um homem, uma mulher, uma criança ou um idoso que foram obrigados a deixar o local onde viviam para escapar da guerra e de seu cortejo de horrores. Seu número aumentou consideravelmente nas últimas duas décadas. Uma parcela significativa deles é composta por refugiados internos, isto é, pessoas que saíram ou foram expulsas de seu local de origem, mas não atravessaram fronteiras internacionais.
Campo de refugiados de Darfur no Chade - um dos maiores campos de refugiados do mundo
  Cerca de 30% dos refugiados do mundo atual encontram-se em solo africano, principalmente em duas áreas. Na África Ocidental, por conta dos conflitos em Serra Leoa, Libéria e Costa do Marfim e na porção centro-oriental do continente, num amplo arco norte-sul que se estende do Sudão, passa pela região do "chifre" africano e envolve a região dos Grandes Lagos.
FONTE: Nelson Bacic Olic, "África: novos conflitos, novos personagens",, In Revista Pangea Mundo, publicada em 22/03/2004. Disponível em http://www.clubedomundo.com.br/revistapangea/, acesso em 01/04/2012.

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