terça-feira, 29 de janeiro de 2013

A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL

  Entre 1914 e 1918, milhões de europeus, asiáticos, africanos, americanos e australianos participaram de uma guerra de enormes proporções. Esse conflito foi chamado pelos estudiosos de Primeira Guerra Mundial. Pela primeira vez uma guerra generalizada envolvia as maiores potências de diversas regiões do planeta, embora o principal cenário de batalhas fosse o continente europeu.
  No Brasil, um dos maiores problemas causados pela guerra foi a dificuldade para importar produtos industrializados. Com as batalhas e os bloqueios navais, ficou muito difícil adquirir bens da Europa ou dos Estados Unidos. Assim, a alternativa foi substituir as importações, produzindo no Brasil o que antes era trazido do exterior. Por isso, um dos efeitos da Primeira Guerra Mundial em nosso país foi o estímulo à criação de indústrias.
SITUAÇÃO CONFLITUOSA: AS TENSÕES EUROPEIAS NO COMEÇO DO SÉCULO XX
  No início do século XX havia um certo clima de tensão e rivalidade entre os governos e os empresários das grandes potências europeias, como Alemanha, Inglaterra e França. Esse clima vinha das disputas territoriais por colônias - intensificadas no século XIX - e por mercados na Europa, África, Ásia e América Latina.
Mapa da partilha da África pelas potências europeias durante a Conferência de Berlim, realizada entre 1884 e 1885.
  Os empresários buscavam novos consumidores para seus produtos, num momento em que novas técnicas de produção permitiam às indústrias fabricar cada vez mais mercadorias em menos tempo. Isso levou o governo dos países industrializados a disputarem colônias na África e na Ásia, onde pretendiam impor aos povos conquistados o consumo de bens europeus industrializados.
  Ao mesmo tempo, governo e empresários de cada país industrializado procuravam dificultar a expansão econômica dos países rivais, fechando seu próprio mercado a produtos estrangeiros e tentando impedir a ampliação dos impérios coloniais dos concorrentes na África e na Ásia. Essa disputa econômica foi intensa, principalmente entre franceses, ingleses e alemães, na virada do século XIX para o XX.
Os domínios colonias no continente asiático
  Nessa época, a maioria dos exércitos nacionais se profissionalizou, ou seja, os soldados começaram a ser treinados para lutar, a conhecer melhor os armamentos, seguindo a carreira militar por muitos anos. Os generais passaram a exigir que os governos recrutassem  cada vez mais soldados, alegando a existência de muitos perigos e ameaças externas. Calcula-se que mais de 65 milhões de soldados tenham sido mobilizados  para lutar na Primeira Guerra.
DIVERGÊNCIAS E NACIONALISMOS
  Além da grande rivalidade por mercados, franceses e alemães estavam envolvidos em ressentimentos desde 1870, devido à derrota dos franceses na Guerra Franco-Prussiana. Era o chamado revanchismo francês, que pretendia recuperar os territórios da Alsácia-Lorena (ricos em minério de ferro e carvão), os quais haviam sido entregues aos alemães pelos acordos de paz de 1871.
Mapas da França e da Alemanha, com destaque para as regiões da Alsácia-Lorena
  Além das disputas por territórios e pelo domínio de mercados consumidores, havia também os movimentos nacionalistas. Os participantes desses movimentos pretendiam agrupar em um mesmo Estado povos de raízes culturais semelhantes, o que levou a um desejo de expansão territorial. Entre os movimentos nacionalistas que se desenvolveram na Europa no início do século XX, destacaram-se o pan-eslavismo e o pangermanismo. Apoiados pelos governos russo e sérvio, os pan-eslavistas queriam unir todos os povos eslavos da Europa Oriental. Já os pangermanistas pretendiam anexar à Alemanha os territórios da Europa Central onde viviam minorias germânicas.
Mapa da Europa antes da Primeira Guerra Mundial
  Uma das características dos movimentos nacionalistas desse período era o militarismo. O clima de rivalidade originou uma situação chamada de paz armada, em que, diante do risco de guerra, as potências estimularam a produção de armas e fortaleceram as suas forças armadas. Esse processo representou o início de uma corrida armamentista.
CONFRONTOS NOS BALCÃS
  Os governos dos impérios Russo e Austro-Húngaro enfrentaram situação semelhante no início do século XX. Ambos adotavam políticas de produção acelerada de armamentos para manter suas fronteiras e a condição de potências militares diante dos estrangeiros e também das minorias que habitavam seus territórios - como poloneses, tchecos, eslovacos, croatas e sérvios.

Mapa étnico do Império Austro-Húngaro
  Os russos preocupavam-se em manter uma saída para seus navios mercantes e de guerra pelo mar Negro. Devido as afinidades culturais - principalmente religiosas - julgavam-se protetores dos povos eslavos e cristãos ortodoxos da península Balcânica, muitos dos quais viviam sob o domínio dos católicos austro-húngaros ou dos muçulmanos turcos.
  Com o apoio dos russos, os sérvios pretendiam formar a Grande Sérvia, país que abrangeria, além desse povo, croatas, bósnios e os demais eslavos que viviam nos Balcãs. No entanto, era preciso enfrentar o poder dos austro-húngaros e dos turcos.
Mapa do Império Russo até 1914
  O Império Otomano, que fora uma grande potência até o século XIX, passava por um declínio acentuado no início do século XX. Derrotado pelos italianos, havia perdido territórios no norte da África (a atual Líbia transformada em colônia italiana em 1911). Diante da fraqueza das forças turcas, povos dos Balcãs uniram-se para expulsar os turcos dos territórios que ainda ocupavam na península. Com o apoio do governo russo, búlgaros, sérvios, gregos e montenegrinos formaram a Liga Balcânica e em 1912 entraram na guerra contra os turcos. Vencidos, estes mantiveram sob seu domínio na Europa, apenas alguns territórios em torno de Istambul.
Mapa do Império Otomano na Europa
POLÍTICA DE ALIANÇAS
  Os governos das grandes potências fizeram alianças entre si com o objetivo de somar forças para enfrentar os rivais. Depois de muitas negociações, a partir de 1907 a Europa ficou dividida em dois grandes blocos. As forças da Alemanha, Áustria e Itália formaram a Tríplice Aliança ou aliança das potências centrais, apoiadas pelos turcos e búlgaros logo após o início das batalhas. Do outro lado, a Tríplice Entente era formada por França, Inglaterra e Rússia, engrossada por sérvios, belgas, gregos e romenos.
  Conforme os interesses, em certos momentos essas alianças sofreram alterações, pois algumas forças mudaram de lado. Exemplo disso foi o governo da Itália, que em 1915 (após o início da guerra) passou para o lado da Entente depois de receber promessas de compensações territoriais
Alianças durante a Primeira Guerra Mundial
  As tensões entre os dois blocos foram aumentando. Qualquer incidente detonaria uma guerra generalizada.
COMEÇAM OS CONFLITOS ARMADOS: AS NOVAS FORMAS DE DESTRUIÇÃO
  Fortalecido após a vitória contra os turcos, o governo da Sérvia procurava unificar os eslavos na península Balcânica, buscava uma saída para o mar e dificultava os planos austro-húngaros de expansão naquela região. Para isso, os sérvios contavam com um exército de cerca de 200 mil homens e o apoio russo. Diante dessa situação de confronto, uma guerra poderia estourar a qualquer momento.
  O estopim da Primeira Guerra Mundial, ocorreu em 28 de junho de 1914, quando o arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono austríaco, foi assassinado em Sarajevo.  Essa cidade era a capital da Bósnia e da Herzegovina, províncias que haviam sido anexadas ao Império Austro-Húngaro em 1878, contra as pretensões pan-eslavistas.
Francisco Ferdinando e sua esposa, a Condessa Sofia, em Sarajevo momentos antes de serem assassinados.
  O autor do crime foi o estudante Gravrilo Princip, membro da organização Unidade ou Morte, apoiada pelo governo sérvio e ligada ao governo russo. Com o assassinato, os austro-húngaros declararam guerra contra os sérvios. Devido à política de alianças, as forças militares de muitas outras nações também entraram no conflito, começando pelas da Alemanha e da Rússia. Entre julho e agosto de 1914, os governos que compunham a Tríplice Entente e a Tríplice Aliança declararam guerra uns aos outros.
Gravrilo Princip - assassino do arquiduque Francisco Ferdinando
O FASCÍNIO PELA GUERRA E OS NOVOS ARMAMENTOS
  No início dos conflitos, em agosto de 1914, parte da população europeia viveu uma espécie de fascínio, um clima de entusiasmo descrito em livros de ficção ou de memórias, filmes e fotografias. Em muitos lugares, multidões se reuniam nas praças e nas estações de trem onde os soldados embarcavam, para demonstrar seu apoio à guerra e às forças armadas de seus países. Em muitos lugares, quem se declarasse contra a guerra era apontado como traidor da pátria. Poucas pessoas pareciam ter consciência do poder de destruição dos novos armamentos e das dificuldades que uma guerra traria para a vida de todos.
  As novas armas usadas nos combates terrestres da Primeira Guerra Mundial, como metralhadoras, lança-chamas e projéteis explosivos, provocaram milhões de mortes. Além disso, pela primeira vez aeronaves (aviões e dirigíveis), tanques (veículos blindados fortemente armados) e submarinos foram usados como recursos militares, ampliando as possibilidades de ataque e o poder de destruição.
Exército britânico utilizando uma metralhadora Vickers
  Os alemães introduziram a novidade do gás venenoso. Mas o uso indiscriminado desse produto causou tanta indignação que um acordo chegou a ser assinado, anos depois do final da guerra, proibindo esse tipo de arma. Nem por isso a guerra química deixou de existir. Um exemplo disso foi a Guerra do Vietnã, quando soldados norte-americanos lançaram o napalm nas plantações vietnamitas.
PRINCIPAIS FASES DO CONFLITO
  A Primeira Guerra Mundial divide-se em três fases:
1. Primeira fase (1914-1915) - marcada pela grande movimentação das forças em confronto. Depois de uma rápida ofensiva dos alemães sobre o território da Bélgica e da França em setembro de 1914, os franceses organizaram uma contraofensiva barrando o avanço de seus inimigos sobre Paris, na Batalha de Marne. A partir daí, nenhum dos lados conseguiu vitórias importantes sobre o outro, mantendo-se um equilíbrio de forças na chamada Frente Ocidental (batalhas terrestres ocorridas na Alemanha, França e Bélgica, e navais, no Atlântico Norte, Canal da Mancha e mar do Norte).
  A primeira fase ficou conhecida como guerra de movimento. Nessa fase, a política de alianças já estava praticamente consolidada.
  Nessa fase, uma série de batalhas travadas ao longo da fronteira oriental da França e sul da Bélgica, recebeu o nome de Batalha das Fronteiras. A batalha representou a colisão entre as estratégias militares do Plano XVII francês com o Plano Schlieffen alemão. A batalha foi vencida pelos alemães que, atraindo o centro do exército francês pela Lorena e Alsácia, invadiram o norte da França através da Bélgica com a intensão de criar o que consideravam o novo Sedan, envolvendo o exército francês e vencendo de forma definitiva a guerra.
Cavalaria francesa desfila em Paris a caminho da Batalha das Fronteiras, em 1914,
2. Segunda fase (1915-1917) - também conhecida como guerra de posições, a movimentação de tropas na Frente Ocidental deu lugar a uma guerra de trincheiras. Essa fase começa com a saída da Itália da Tríplice Aliança para fazer parte da Tríplice Entente. Cada lado tentava manter suas posições e evitar que os inimigos avançassem. Nessa fase, apenas na Batalha de Verdun (em 1916) morreram um milhão de soldados, dos dois milhões de franceses e alemães que lutavam entre si. A movimentação continuou na Frente Oriental (região empreendida entre a Alemanha, a Áustria-Hungria e a Rússia, incluindo a península Balcânica), onde os alemães ocuparam a Polônia, forçando os exércitos russos a voltarem para seu território.
Nas trincheiras, infantaria australiana se protege com máscaras de gás, em Ypres - Bélgica, em 1917.
3. Terceira Fase (1917-1918) - essa fase é marcada pela entrada definitiva dos Estados Unidos na guerra, além de tropas de  outros países, como canadenses, australianos, neozelandeses, japoneses, indianos, chineses e muitos soldados africanos que viviam sob o colonialismo ou outras formas de dominação europeia.
  Alegando que navios de países não envolvidos no confronto transportavam alimentos para os inimigos da Tríplice Aliança, a marinha alemã afundou várias embarcações com seus submarinos. Foram afundados, entre muitos outros, o Lusitânia e o Arábia, dos Estados Unidos, além do brasileiro Paraná. Assim, o governo brasileiro também entrou no conflito, declarando guerra ao governo da Alemanha. Em cooperação com os ingleses, os brasilheiros patrulharam o Atlântico Sul e enviaram médicos e aviadores à Europa. Nessa fase, além da entrada das forças estadunidenses no conflito (6 de abril de 1917), ocorreu também a saída dos exércitos russos (em 3 de março de 1918), que enfrentavam uma revolução no seu país, a Revolução Russa.
Presidente do Brasil, Venceslau Brás, declara guerra aos poderes centrais. Ao seu lado, o ministro interino das Relações Exteriores, Nilo Peçanha, e o presidente de Minas Gerais, Delfim Moreira (sentado).
MUDANÇAS PROVOCADAS PELA GUERRA
  A guerra provocou grandes transformações, principalmente na vida dos europeus. Além dos combatentes, as populações da cidade e do campo também sofreram as consequências dessa situação e, de alguma forma, quase todos foram envolvidos.
  A economia dos países em conflito foi direcionada para aumentar a fabricação de produtos necessários à guerra - armas, munições, veículos de transporte, entre outros. Como milhões de homens participavam dos combates, grande número de mulheres passou a trabalhar nas indústrias, especialmente na Inglaterra, França, Alemanha e Itália. Terminada a guerra, as mulheres não só mantiveram as posições conquistadas durante o conflito, como ampliaram a luta por seus direitos, inclusive o de votar.
  Muitas fábricas e plantações também foram destruídas, o que tornou os alimentos mais escassos e fez subir os preços dos gêneros de primeira necessidade, atingindo a população da Europa e de outros continentes. Com isso, os governos impuseram o racionamento de comida, e a fome espalhou-se entre as pessoas, afetando especialmente crianças e idosos pobres.
Cidade de Ieper, na Bélgica, completamente destruída em 1918, após a Primeira Guerra Mundial
O FIM DA GUERRA E OS EFEITOS DA DESTRUIÇÃO
  Ao entrar na guerra, o amplo apoio financeiro e material dado pelo governo dos Estados Unidos foi decisivo para a vitória a Entente e seus aliados. Os recursos econômicos da Entente pareciam ilimitados quando comparados aos da Tríplice Aliança.
  A partir de 1918, quando as outras forças da Tríplice Aliança já haviam se rendido, os alemães ficaram isolados em suas fronteiras, sem condições de sustentar os combates por mais tempo. Em 11 de novembro de 1918, o governo da Alemanha assinou um acordo de paz (Armistício de Compiègne) em situação bastante desvantajosa. Aceitava, por exemplo, devolver aos adversários materiais de guerra pesados e submarinos apreendidos.
Junto ao vagão, após a assinatura do armistício, o comandanta chefe da Tríplice Entente Marechal Ferdinand Foch, ladeado pelos almirantes britânicos Hope e Rosslyn Wemyss.
  Nos locais onde se travaram os combates, era comuns as cenas de destruição de fábricas e plantações, casas e edifícios, pontes e estradas. Uma grave crise econômica atingiu os países já abalados pelas perdas materiais e pelos gastos com a guerra.
  Além disso, as perdas humanas foram imensas. Alguns estudiosos calculam que a Primeira Guerra Mundial tenha deixado aproximadamente 9 milhões de pessoas mortas e cerca de 20 milhões de feridos. Devido ao avanço no setor de saúde das forças armadas, as epidemias não causaram tantas mortes entre os soldados, em comparação com as guerras do passado. A maioria das mortes foram causadas por ferimentos provocados pelas novas armas.
Tropas austríacas executam prisioneiros sérvios
  Além de mortos e mutilados, a guerra também forçou o deslocamento de milhões de pessoas. Muitas delas tiveram de fugir das áreas de conflitos ou então foram obrigadas a se deslocar quando foram redefinidas as novas fronteiras nacionais, abandonando as terras onde viviam há gerações.
  Uma euforia patriótica estimulada pela propaganda goernamental marcara o início da guerra em muitos países. Mas essa euforia transformou-se em desespero ao término do conflito, pois o mesmo progresso que permitiu avanços econômicos e criou tecnologia para construir armas poderosas também levou à perda de milhões de vidas.
FONTE: Cotrim, Gilberto. Saber e fazer história: história geral e do Brasil, 9° ano: mundo contemporâneo e Brasil República / Gilberto Cotrim, Jaime Rodrigues. 6. ed. - São Paulo: Saraiva, 2009.

sábado, 26 de janeiro de 2013

AS LUTAS OPERÁRIAS E OS SINDICATOS

A ORGANIZAÇÃO DA CLASSE OPERÁRIA
  No início do século XVIII, os tecelões ingleses organizaram as primeiras associações trabalhistas. Os antigos artesãos, convertidos em trabalhadores assalariados das manufaturas, fundaram pequenos clubes, com a inteção de obter aumentos de salário. No entanto, só com a grande indústria fabril surgiram associações fortes e organizadas, que passaram a representar uma ameaça aos capitalistas.
DESTRUINDO AS MÁQUINAS
  A vida dos operários nos primórdios da industrialização era extremamente dura. Eles trabalhavam de 14 a 16 horas por dia, em pé, parando apenas para um rápido almoço. Não havia férias, descanso semanal remunerado ou qualquer outro direito trabalhista.
  A mecanização do trabalho causava a dispensa de muitos trabalhadores. Os operários reagiram destruindo as máquinas, vistas como responsáveis pelo desemprego e pela miséria. O principal movimento de quebra-máquinas ficou conhecido como ludismo (movimento que ia contra a mecanização do trabalho proporcionado pela Revolução Industrial e seu nome deriva de Ned Ludd, personagem criada a fim de disseminar o ideal do movimento operário entre os trabalhadores) e atingiu várias regiões da Inglaterra, inclusive o campo, onde a mecanização também havia chegado.
Desenho de dois ludistas destruindo uma máquina de tear em 1912.
  O movimento foi violentamente reprimido pelas autoridades, que chegaram a aplicar a pena de morte aos envolvidos.
A FORMAÇÃO DOS SINDICATOS INGLESES
  A associação de trabalhadores remonta às corporações de ofício da Idade Média, quando mestres de uma mesma atividade profissional se reuniam para proteger a profissão da concorrência de outras cidades. Com as transformações produzidas pela Revolução Industrial, os operários também passaram a se reunir em associações, chamadas trade unions, ou sindicatos, como passaram a ser conhecidas.

  Com o advento da Revolução Industrial, os mestres artesãos e os profissionais das antigas oficinas foram incorporados ao trabalho nas indústrias. Como em geral a oferta de trabalhadores era maior que as vagas oferecidas nas fábricas, os proprietários podiam controlar livremente os salários dos operários. Diante dessa realidade criada pela indústria, o objetivo central da trade union era organizar as lutas dos operários por melhores condições de trabalho e maiores salários.
A DIFÍCIL LUTA PELA LIBERDADE SINDICAL
  As associações trabalhistas na Inglaterra foram proibidas nos anos 1799 e 1800. Os sindicatos tornaram-se ilegais, e seu funcionamento foi considerado crime. Muitos continuaram existindo clandestinamente ou com outros nomes, como o de associação mútua. Diversos operários foram presos.
  Apenas em 1824, o funcionamento dos sindicatos deixou de ser ilegal e, em 1871, essas associações foram efetivamente legalizadas. Esse processo fortaleceu o movimento operário inglês e abriu brachas para a conquista de novos direitos sociais. A luta dos operários ingleses inspiraria mais tarde o movimento operário de outros países.
O MOVIMENTO CARTISTA
  O cartismo foi o primeiro movimento da classe operária inglesa a reivindicar direitos políticos e a adquirir um caráter nacional. O nome deriva da carta escrita pelos radicais William Lovet e Feargus O'Connor. O movimento nasceu em Londres, em 1837, quando uma associação de trabalhadores enviou ao Parlamento a Carta do Povo, um documento em que requeriam, entre outras coisas, voto secreto, sufrágio universal masculino e parlamentos renovados anualmente.
Motim cartista em Londres no século XIX
  A petição foi levada para assembleias de trabalhadores em todo o país e recebeu mais de um milhão de assinaturas. A recusa do Parlamento em aprovar a carta desencadeou uma onda de greves, manifestações e prisões. O mais grave incidente ocorreu quando uma coluna de mineiros entrou em confronto com soldados, resultando em 10 mortos e dezenas de feridos.
  Por volta de 1840, o movimento cartista apresentou uma segunda petição, bem mais radical que a primeira. Além das reivindicações iniciais, o documento exigia aumento de salário para os operários e a redução da jornada de trabalho. A nova petição recebeu cerca de 3,3 milhões de assinaturas, mais da metade da população masculina inglesa da época.
Representantes do movimento cartista apresentando a Carta do Povo aos ingleses.
  Aos poucos, as lutas operárias surtiram efeito. As leis trabalhistas do século XIX e início do século XX melhoraram as condições de trabalho nas fábricas e minas inglesas, além de fortalecer as lutas dos trabalhadores de outros países.
  A tabela abaixo apresenta as principais mudanças na legislação trabalhista inglesa entre o século XIX e início do século XX.
LEGISLAÇÃO TRABALHISTA BRITÂNICA
1802
Limitou a jornada de trabalho das crianças a 12 horas diárias.
1819
Proibiu o trabalho das crianças menores de 9 anos nas fábricas de algodão.
1824
A associação de trabalhadores deixou de ser ilegal.
1833
Limitou o trabalho das crianças entre 10 e 13 anos a 48 horas semanais; entre 13 e 18 anos, a 69 horas semanais.
Estabeleceu que as crianças deveriam usar 2 horas do seu tempo de trabalho para ir à escola.
1842
Proibiu os trabalhos infantil e feminino nas minas.
1871
O direito de formar sindicatos foi legalizado.
1878
Limitou o trabalho das mulheres a 56 horas e meia nas fábricas de algodão e 60 nas outras fábricas.
1908
Instituiu os primeiros sistemas de seguro social.
1919
Estabeleceu a jornada de 8 horas diárias.
FONTE: Projeto Araribá: história / organizadora Editora Moderna: obra coletiva concebida, desenvolvida e produzida pela Editora Moderna: editora responsável: Maria Raquel Apolinário. - 2. ed. - São Paulo: Moderna, 2007.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

A GEOPOLÍTICA NO PÓS-GUERRA

A GUERRA FRIA
  "Guerra improvável, paz impossível." Assim o intelectual francês Raymond Aron (1905-1983) definiu a Guerra Fria. Dada a capacidade bélica dos dois países - Estados Unidos (EUA) e União Soviética (URSS) -, uma guerra efetiva nunca aconteceria, mas o clima de tensão permanente, típico dos conflitos armados, continuaria enquanto as posições políticas não fossem alteradas. Foi o que ocorreu com a URSS nos anos 1980.
Mapa da antiga União Soviética
  O período da Guerra Fria é compreendido entre os anos de 1945 e 1991. Seus marcos são o término da Segunda Guerra Mundial e a dissolução da URSS. Com o término da Guerra Fria, estabeleceu-se a ideia de uma nova ordem mundial. A vigência da Guerra Fria seria, portanto, a velha ordem mundial.
A FORMAÇÃO DA BIPOLARIDADE
  As raízes do processo que culminou com a Guerra Fria são anteriores ao desfecho da Segunda Guerra Mundial. Com o vácuo de poder deixado por França e Inglaterra, fortemente afetadas pelo conflito mundial, consolidou-se a posição dos EUA e da URSS, as duas potências vencedoras da Segunda Guerra.
  Nas conferências de Yalta e Postdam, ao final da guerra, os limites da bipolarização (divisão do mundo em dois blocos antagônicos, o socialista e o capitalista) foram esboçados, pois ali já se cogitava a questão da divisão da Europa em áreas de influência soviética e estadunidense. Apontava-se uma situação de conflito nos campos ideológico, econômico e político, assim como nas dimensões militar e estratégica.
Winston Churchill (Grã-Bretanha), Harry S. Truman (EUA) e Josef Stalin (URSS) durante a Conferência de Postdam
  Após os julgamentos de Nuremberg (entre 1945 e 1946), em que a culpa pelos conflitos da Segunda Guerra Mundial foi atribuída aos alemães, o mundo assistia à formação de dois blocos de países com sistemas políticos e econômicos diferentes, que disputariam a supremacia em nível global.
  De um lado estavam os EUA, cujo território saíra praticamente ileso da Segunda Guerra Mundial, com uma economia em franca produção - graças ao esforço de guerra e à força política de quem entrou no conflito para apoiar os Aliados (franceses, ingleses e soviéticos). Do outro a URSS, também vencedora, mas com um saldo muito amargo. Os soviéticos enfrentaram e derrotaram o exército alemão em seu território, fazendo-o recuar às fronteiras germânicas. O preço da vitória militar  foi um rastro de destruição nas cidades e nas indústrias soviéticas. Os campos foram bombardeados, o que levou à queda das safras. As perdas humanas foram imensas: estima-se que mais de 20 milhões de soviéticos perderam a vida (a maioria civis), enquanto outros milhares ficaram feridos.
Tanques de guerra alemães passam por aldeia soviética em chamas, incendiada pelo povo antes da evacuação, durante a Segunda Guerra Mundial, em julho de 1941.
  Com esse histórico, EUA e URSS iniciaram um processo de consolidação e difusão dos seus regimes e ideologias para outras partes do globo. O restante dos países do mundo, sob influência de cada um deles, se alinharia em dois blocos.
A CORTINA DE FERRO
  Após a Segunda Guerra Mundial, o governo dos EUA criou o Plano Marshall, conjunto de medidas de ajuda econômica para que os países europeus pudessem reconstruir seus territórios. No âmbito político-militar, sob a liderança dos EUA, foi fundada, em 1949, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), cujo objetivo era proteger os países aliados capitalistas.
  A resposta soviética foi a constituição de organizações semelhantes, como o Conselho para Assistência Econômica Mútua (Comecom) e o Pacto de Varsóvia (1955), uma aliança militar de defesa e ajuda mútua em caso de ataque estadunidense a um dos países do bloco socialista.
Países membros da Otan (amarelo) e do Pacto de Varsóvia (laranja).
  A fronteira entre os países socialistas e capitalistas, tão bem definida pelas alianças militares, constituía o que veio a ser chamado de Cortina de Ferro: os países do Leste Europeu localizados na interface das áreas de influência de cada bloco.
Em vermelho a chamada "cortina de ferro" - linha que separava os países socialistas dos capitalistas na Europa.
OS CONFLITOS DA GUERRA FRIA
  Suponha-se inicialmente que, dadas as perdas soviéticas na guerra, a URSS não conseguiria enfrentar os EUA e suas bombas atômicas, como as lançadas sobre o território japonês (Hiroshima e Nagasaki, em 1945). Mas, ainda na década de 1950, os soviéticos já tinham toda a tecnologia e o know-how da bomba atômica e apresentaram seus artefatos nucleares. Depois, o primeiro satélite; o primeiro ser vivo mandado para o espaço (a cadelinha Laika); e o primeiro cosmonauta, Yuri Gagarin.
Yuri Gagarin - primeiro ser humano a sobrevoar o espaço terrestre
  Posteriormente, ocorreram as missões espaciais estadunidenses - a Apollo 8 sobrevoou o entorno da Lua e a Apollo 11 pousou em solo lunar. Os Estados Unidos ganhavam a dianteira na corrida espacial. Paralelamente aos avanços aeroespaciais, veio o crescimento dos arsenais militares, criando o chamado equilíbrio do terror: as duas potências poderiam destruir uma à outra e ao mundo.
Neil Armstrong - pisando e fincando a bandeira dos Estados Unidos no solo lunar, em 20 de julho de 1969.
  Ainda que não tenha havido guerras entre elas, houve momentos de grande tensão, como a crise dos mísseis, em 1962; mísseis nucleares soviéticos foram instalados em Cuba, sob o pretexto de auxiliar a ilha a defender seu território, que sofrera uma tentativa de invasão com apoio do governo estadunidense.
Mísseis soviéticos instalados em Cuba
  Houve também guerras, ainda que não nos territórios dos EUA e da URSS: da Coreia (1950-1953), do Vietnã (1962-1975) e do Afeganistão (1979-1989). Outros países se envolveram nas tensões da Guerra Fria, como Israel, apoiado pelos Estados Unidos. Todos esses conflitos tiveram participação direta ou indireta dos EUA e da URSS, que buscavam manter sua influência sobre o maior número possível de países.
Crianças fogem desesperadas após a explosão de uma bomba de napalm, em 1972, durante a Guerra do Vietnã.
A DESCOLONIZAÇÃO
  Na Segunda Guerra, os governos dos países colonizados pelas potências europeias perceberam que seus dominadores não tinham mais a força de outrora e não poderiam despender energia para confrontá-los. Isso fortaleceu os movimentos internos de libertação das colônias na África e no Sudeste Asiático.
  Esses movimentos assumiram características distintas, dependendo dos ideais que os norteavam e da reação das potências. O jogo político gerou em algumas colônias um processo gradual e pacífico às quais as potências concederam a independência. Em outras, o processo de descolonização deu-se por meio de sangrentas guerras.
Domínios coloniais na África, Ásia e Oceania
  A Inglaterra adotou uma postura mais pacifista, enquanto a França e a Holanda tiveram posturas mais duras, tentando conter as "insubordinações". Ambas, entretanto, acabaram cedendo à pressão dos movimentos populares de resistência e libertação.
A DESCOLONIZAÇÂO NA ÁSIA
  As Filipinas tornaram-se independentes em 1946. Antiga colônia estadunidense, o arquipélago foi o pioneiro no processo de independência. Em 1949, foi a vez da Indonésia. Apesar de perder uma guerra travada com os holandeses, as forças nacionalistas conseguiram formar um governo reconhecido pela antiga metrópole.
Domínios estrangeiros na Ásia e Oceania
  Denominada Indostão, a região que hoje abrange os territórios da Índia, de Bangladesh e do Paquistão tornou-se independente no fim dos anos 1940. Em 1942, no auge do conflito mundial, acentuou-se a luta dos indianos pela independência, sob a lideranaça de Mahatma Gandhi - que pregava a resistência pacífica contra o domínio inglês - e Jawaharlal Nehru, entre outros. Esses líderes haviam estudado em universidades britânicas e voltado ao seu país para fortalecer o movimento de libertação.
Indostão
  No final da Segunda Guerra Mundial, graves distúrbios sociais abalaram a Índia e, em 1947, a diplomacia britânica concedeu a liberdade ao país.  Nehru tornou-se o primeiro chefe de Estado indiano. Mas o governo sofreu forte oposição da Liga Muçulmana, que defendia a existência de um Estado muçulmano independente. No mesmo ano, o território foi dividido em dois Estados soberanos: a Índia (de população hindu) e o Paquistão (de população muçulmana). Em 1948, Gandhi foi assassinado por um radical hindu revoltado pela atitude de conciliação do líder para com os muçulmanos. Bangladesh só viria a se tornar independente em 1971, após conflito armado com o Paquistão.
Mahatma Gandhi - a "Grande Alma"
  Ainda hoje são percebidas marcas da colonização britânica, como o idioma inglês, falado por grande parte da população indiana, e o gosto pelo críquete, tradicional esporte britânico.
  Na Indochina, entre 1946 e 1954, a França entrou em violento conflito, que deixou como saldo a fragorosa derrota do exército francês. O resultado disso foi a independência da região que se dividiu em três países: Laos, Camboja e Vietnã. Este último dividiu-se em Vietnã do Norte e Vietnã do Sul, cada qual sob a influência de uma das potências da Guerra Fria, tornando-se mais tarde palco de uma violenta guerra de mais de uma década (1962-1975), que impôs aos EUA uma grande derrota.
Península da Indochina
A DESCOLONIZAÇÃO DA ÁFRICA
  O processo de descolonização da África iniciou-se nos anos 1950. Nesse continente, a questão da independência tem características específicas, pois os países estão presos às fronteiras projetadas pelos cartógrafos europeus que realizaram a divisão africana na Conferência de Berlim. São Estados forjados no processo de divisão colonial, cujos territórios abrigam grupos étnicos historicamente rivais, que passaram a disputar oficialmente o poder.
  Manter os traçados dos colonizadores é um paradoxo: ao mesmo tempo que isso desrespeita a história, é o caminho mais viável para a consolidação de um processo de paz no continente. Desfazer as fronteiras é muito mais difícil do que estabelecê-las.
Divisão da África de acordo com a Conferência de Berlim
Processos violentos e pacíficos
  Uma das principais marcas do processo de colonização africana foi o racismo dos colonizadores, expressado com mais clareza no apartheid, implantado na África do Sul.
  Houve movimentos de libertação na África, principalmente nas antigas colônias inglesas, como Gana e Nigéria, que mesmo sendo países pluriétnicos conquistaram a independência de modo rápido e relativamente pacífico. Também na Líbia o processo foi relativamente fácil, dada a inexpressiva resistência da Itália, em 1951.
Mapa da independência dos países da África
  Após nove anos de guerra, a França foi obrigada a reconhecer a independência da Indochina, derrota que estimulou a manutenção de uma postura firme na África. Assim, a região do Magreb, no norte da África, sofreu por anos com um dramático conflito. Durante quase uma década, até o armistício de 1962, o exército francês guerreou na Argélia. Aproveitando que o conflito acontecia com maior intensidade no país vizinho, Marrocos e Tunísia declararam-se independentes em 1956, sendo reconhecidos pelo governo da França.
Em destaque a região do Magreb
  Com a chegada de Charles de Gaulle ao poder na França, em 1958, o processo de descolonização foi facilitado. De Gaulle buscava restabelecer a imagem da França no continente europeu e recuperar o prestígio do país, que ficou muito abalado após as duas grandes guerras e o desgaste com as guerras coloniais. Todas as ex-colônias francesas foram libertadas.
Charles de Gaulle
  As colônias portuguesas (Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe) foram as que mais demoraram a se libertar. Até 1974, Portugal manteve com mão de ferro seus domínios na África. Portugal nunca fora uma potência industrial e mantinha um vínculo com as colônias ao estilo antigo, como no tempo das Grandes Navegações (séculos XV e XVI). Apenas com a Revolução dos Cravos, em 1974, as colônias portuguesas alcançaram a independência.
Colônias portuguesas na África: 1 - Guiné-Bissau; 2 - Moçambique; 3 - São Tomé e Príncipe; 4 - Cabo Verde; 5 - Angola.
  A independência do Congo Belga (atual República Democrática do Congo - RDC) também foi sangrenta. Fruto de uma aquisição pessoal do rei Leopoldo II, da Bélgica, esse território ficou de herança para o país após a morte do soberano. Nos anos 1950, explodiram os movimentos de libertação nacional, e em 1960 a independência foi reconhecida. Os anos seguintes foram marcados por guerras e massacres levados a cabo por Mobutu Sese Seko, que tomou o poder, mudou o nome do país para Zaire e governou até sua ditadura ser derrubada, em 1997.
República Democrática do Congo
O MOVIMENTO DOS NÃO ALINHADOS
AS ORIGENS
  O movimento dos países africanos e asiáticos não alinhados teve suas origens na Conferência de Bandung, em 1955. Nela, os representantes desses países se posicionaram contra um alinhamento aos blocos capitaneados pelas grandes potências, EUA e URSS. Todavia, participaram desse evento países como a Turquia, o Paquistão, o Iraque, a China e o Vietnã do Norte, que mantinham relações políticas e laços muito estreitos com os blocos que compunham o sistema bipolar.
  Inicialmente, compunham o movimento alguns países que haviam acabado de ser libertados da dominação dos impérios coloniais, como a Índia, a Indonésia e o Egito.
  Depois da conferência, começou um movimento de rejeição à política dos dois blocos hegemônicos da Guerra Fria. As discussões avançaram com a realização da Convenção dos Países Não Alinhados, na cidade do Cairo, e da Cúpula dos Países Não Alinhados, em Belgrado, na então Iugoslávia, ambas em 1961.
Países que participaram do Movimento dos Países Não Alinhados.
A POSIÇÃO POLÍTICA
  Ser um país não alinhado tinha, inicialmente, muitos significados, uma vez que eles eram desmerecidos pelas duas potências. Os EUA os consideravam traidores da democracia e os soviéticos contrapunham-se a qualquer país que não pertencesse ao bloco socialista.
  Alguns desses significados eram extremamente importantes, como a manutenção de uma posição anti-imperialista. Outro ponto relevante era abster-se de configurar nas opções políticas e estratégicas dos países de ambos os blocos, ainda que suas fronteiras fossem próximas. Um terceiro ponto de relevância era a postura de não assumir posições militares de apoio. Ou seja, esses países não adeririam a nenhum tratado militar que fosse proposto, tampouco cederiam suas bases territoriais para quaisquer tipos de atividade ou ação militar de países pertencentes a um dos blocos.
A DESCOLONIZAÇÃO E O TERCEIRO MUNDO
  Com as guerras de independência e o constante movimento de descolonização e dissolução dos impérios coloniais, principalmente na Ásia e na África, uma série de novos países foi surgindo no globo. Por conta de suas economias destruídas pelas guerras e/ou pelos longos períodos de dominação colonial, eles foram engrossando as fileiras do movimento dos não alinhados. Dos 29 países que se encontraram em Bandung, em 1955, o grupo hoje conta com mais de cem países.
Movimento dos Países Não Alinhados em 2005: países membros (azul escuro) e observadores (azul claro)
O TERCEIRO MUNDO E O NÃO ALINHAMENTO
  Durante a Guerra Fria, era comum dividir o mundo em três blocos: Primeiro Mundo (países capitalistas desenvolvidos), Segundo Mundo (países socialistas) e Terceiro Mundo (países capitalistas não desenvolvidos). Foram fundamentalmente os países pertencentes a este último grupo que formaram o bloco dos não alinhados.
  É importante notar que esse é um bloco heterogêneo, que abriga desde países como Cuba (socialista) até países como a Índia e o Egito, que sempre se declararam capitalistas.
Divisão dos países durante a Guerra Fria em: Primeiro Mundo (azul), Segundo Mundo (vermelho) e Terceiro Mundo (verde).
A DINÂMICA INTERNA
  As bases do movimento, discutidas em três conferências - Bandung (1955), Cairo (1961) e Belgrado (1961) - foram levadas à Organização das Nações Unidas (ONU), de modo que dessem maior publicidade  a sua posição de neutralidade política. Esse foi um gesto eminentemente político, pois sendo os países membros das Nações Unidas, a neutralidade clássica foi quase impossível, devido a estrutura da própria organização, que mantém um Conselho de Segurança e possui algumas prerrogativas para formar forças de paz e de intervenção em conflitos armados em diferentes territórios.
  Também houve mudanças na atuação e na linha política do bloco. O ímpeto inicial anti-imperialista e anti-Guerra Fria foi se alterando com as mudanças ocorridas nas relações entre EUA e URSS ao longo do tempo. Ainda hoje o movimento existe formalmente, e sua última conferência foi realizada em Havana, capital de Cuba, em 2006. Mas no mundo atual é difícil verificar a posição de não alinhamento, dados o fim da Guerra Fria e o esgarçamento das bandeiras iniciais do movimento.
Representantes de vários países durante a XVI Cúpula do Movimento dos Países Não Alinhados, em Havana, Cuba, em setembro de 2006.
O FIM DA UNIÃO SOVIÉTICA E A NOVA ORDEM MUNDIAL
  A União Soviética constituiu, por mais de cinquenta anos, um sistema antagônico ao capitalismo; firmou-se como uma grande potência militar após vencer os alemães, fez frente aos Estados Unidos, da ideologia política aos processos industriais, desenvolvendo poderio atômico e forte  indústria aeroespacial.
  Durante as décadas de 1970 e 1980, o planejamento estatal dava sinais de fadiga. A excessiva burocracia político-administrativa soviética gerava corrupção, pouca motivação e acomodação. Os excessos burocráticos também causavam desperdícios de matéria-prima, levando a diminuição da produtividade e à falta de produtos.
Kremlin - era a sede oficial do Soviete Supremo da União Soviética
  Envolvido em conflitos externos, como a guerra com o Afeganistão, e em disputas políticas internas, o país assistiu ao fracasso de seus planos de melhoria em setores como habitação e transporte. Os recursos destinados a esses setores eram alocados em outros, especialmente no militar. Além disso, a população estava insatisfeita com a falta de liberdade e de participação política no país, que era subordinada ao partido único, o Partido Comunista.
  Esse conjunto de fatores contribuiu para a dissolução da União Soviética.
  Diante desses desafios, Mikhail Gorbachev assumiu a liderança do país, em 1985.
  Ele conhecia as agruras do sistema, pois fizera carreira política no Comitê Central do Partido Comunista. Seu programa de mudanças acabou levando o regime comunista à dissolução.
  Em 1986, a URSS revogou, de maneira unilateral, os testes nucleares subterrâneos. No dia seguinte, assinou um tratado de eliminação de mísseis de médio alcance e logo depois retirou as tropas do Afeganistão (invadido em 1979). Seu plano era fortalecer a economia, diminuindo o peso dos gastos militares.
Retirada das tropas soviéticas do Afeganistão em 1988
  Paralelamente, Gorbachev colocou em prática uma reforma interna pautada na perestroika (reestruturação econômica) e na glasnost (abertura política). Reduziu ainda a estrutura estatal repressiva e as atribuições da KGB (a polícia secreta da URSS), liberou a formação de novos partidos políticos e arrefeceu o controle exercido sobre os países-satélites europeus.
Mikhail Gorbachev
  Prontamente houve reações. Os conservadores eram contra as mudanças; outros setores queriam que se estabelecesse o capitalismo. Quando as repúblicas bálticas (Estônia, Letônia e Lituânia) defenderam sua autonomia, a pressão interna aumentou. Em agosto de 1991, Gorbachev sofreu um golpe de Estado e foi restituído do poder; mas, enfraquecido, passou o cargo a Boris Yeltsin, presidente da Rússia, em dezembro. Era o fim da URSS, que se fragmentou em 15 Estados nacionais.
  Nascia assim a Comunidade dos Estados Independentes (CEI), cuja república principal é a Federação Russa (Rússia). A máquina militar, debilitada abriu espaço também para o processo  de desmontagem da Cortina de Ferro: os antigos países sob a influência da URSS desvincularam-se dela e mudaram de lado. Redesenhou-se o mapa da Europa e da Ásia.
Países que faziam parte da antiga União Soviética: 1 - Armênia; 2 - Azerbaijão; 3 - Bielorrúsia (Belarus); 4 - Estônia; 5 - Geórgia; 6 - Cazaquistão; 7 - Quirguistão; 8 - Letônia; 9 - Lituânia; 10 - Moldávia; 11 - Federação Russa (Rússia); 12 - Tadjiquistão; 13 - Turcomenistão; 14 - Ucrânia; 15 - Uzbequistão.
UM NOVO MAPA PARA A EUROPA
  A derrocada da URSS formalizou o fim da Guerra Fria, mas os sinais de deterioração já eram claros. Em novembro de 1989, a queda do Muro de Berlim - que dividia Berlim Oriental (comunista) de Berlim Ocidental (capitalista) - foi o mais evidente símbolo do fim da hegemonia da União Soviética e anunciou a dissolução do bloco socialista.
  Outros países passaram por processos de desmonte das estruturas comunistas e adaptação ao capitalismo. Houve uma redefinição das fronteiras nacionais da Europa e a busca de um rearranjo étnico nos países.
Mapa da Europa durante a Guerra Fria
  Na Tchecoslováquia, a Revolução de Veludo (1989) derrubou o comunismo. Alguns anos depois, por uma série de razões de ordem econômica, cultural e social, o país foi dividido em dois: República Tcheca e Eslováquia. A Polônia, também em 1989, proclamou a chamada Terceira República e, em 1990, instituiu um programa de reformas internas para se adequar às estruturas capitalistas.
República Tcheca (azul) e Eslováquia (verde)
  Na Romênia, a derrubada do regime comunista ocorreu de maneira sangrenta. Nicolae Ceausescu, líder do país por mais de duas décadas, foi fuzilado pelo Exército romeno após ser acusado de genocídio e outros crimes e julgado culpado.
  A situação mais dramática aconteceu na Iugoslávia. Norman Stone escrevia, em 1992, no jornal inglês Sunday Times: "Na Iugoslávia havia seis repúblicas (Eslovênia, Croácia, Bósnia, Sérvia, Montenegro e Macedônia), cinco povos (eslovenos, croatas, sérvios, albaneses e montenegrinos), cinco idiomas (sérvio, macedônio, bósnio, croata e eslovênio) , três religiões (católica, muçulmana e ortodoxa), dois alfabetos (cirílico e latino) e um partido - o comunista". A frase sintetiza o caldeirão étnico-cultural que compunha o país. De 1945 a 1980, a Iugoslávia foi governada por Josip Broz Tito, que conseguiu manter a unidade do país. Com sua morte, porém, surgiram os primeiros problemas relacionados à xenofobia interna, embora o comunismo ainda fosse o sustentáculo do Estado.
Mapa da étnico-religioso da ex-Iugoslávia
  Com a queda do regime comunista, as repúblicas da Croácia e da Eslovênia declararam independência. O governo respondeu com violentos ataques do exército, mas os países foram reconhecidos internacionalmente.
  Em 1992 iniciou-se um violento conflito na Bósnia-Herzegóvina. A guerra, que durou até 1995, envolveu sérvios, croatas e muçulmanos. As forças de Paz da ONU intervieram, bem como a Otan, o que pôs fim ao conflito e confirmou a independência da Bósnia-Herzegóvina.
  Ainda em 1992, a Macedônia conseguiu autonomia por acordo político. Em 1999, a província de Kosovo declarou-se independente e teve seu território invadido pelas tropas sérvias. Os albaneses, maioria da população de Kosovo, acusou o presidente iugoslavo, Slobodan Milosevic, de praticar uma carnificina na província. A Iugoslávia foi invadida por tropas da Otan, pondo fim ao conflito. Em 2003, o território remanescente da Iugoslávia passou a chamar-se Sérvia e Montenegro. Depois de um plebiscito, Montenegro separou-se da Sérvia em 2006.
Atual divisão da ex-Iugoslávia
FONTE: Geografia, 3° ano: ensino médio / organizadores Fernando dos Santos Sampaio, Ivone Silveira Sucena. 1. ed. - São Paulo: Edições SM, 2010. (Coleção ser protagonista).