sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

OS BOIAS-FRIAS E AS CONDIÇÕES DE TRABALHO NO CAMPO

  Boia-fria é o trabalhador agrícola que se desloca diariamente para a propriedade rural, geralmente para executar tarefas sob empreitada. O termo boia-fria surgiu do costume destes trabalhadores de levar uma marmita consigo logo cedo e, na hora do almoço, comê-la fria. O grande problema dos boias-frias é que suas condições de trabalho são as piores possíveis, estando muitas vezes aliadas às condições de escravidão e trabalho infantil.
  Apesar da denominação "boia-fria" a principal característica do trabalhador temporário não é tanto a forma como ele ingere sua refeição, mas sim, a forma da contratação. Está inteiramente ao desamparo da legislação trabalhista, pois é contratado por tarefa. Como trabalhador sazonal, pode ser empregado por dia, por semanas ou meses, geralmente não ultrapassando 4 a 6 meses.
  O contrato é verbal e feito pelo "gato", intermediário entre o proprietário rural e o trabalhador que se encarrega de fiscalização do trabalho e do pagamento.
Mulheres boias-frias
  Muitos dos boias-frias possuíam suas propriedades, mas, por causa das precárias condições em que viviam, venderam suas terras a baixo preço e saíram do campo para construir uma massa de trabalhadores temporários, residindo nas periferias urbanas, em casas pobres, casebres, favelas, cortiços, em vilas e povoados situados em áreas agrícolas ou à beira de estradas. Migram de uma região agrícola para outra, acompanhando o ciclo produtivo de diversas culturas. São agricultores em diversas lavouras mas não possuem suas próprias terras.
  Um drama à parte é o transporte dos volantes feito pelo "gato", na maioria das vezes, proprietário do caminhão. A falta de segurança, o excessivo número de trabalhadores transportados e a velocidade desenfreada têm feito vítimas fatais constantemente.
  Em Ribeirão Preto, em junho de 2007, foi feita uma denúncia da morte de quinze pessoas por causa de trabalho excessivo da colheita de cana-de-açúcar e pela falta de água potável, provocando acidente vascular cerebral e parada cardiovascular nesses trabalhadores.
A precariedade dos transportes é outro problema para os boias-frias
  Os assalariados temporários trabalham de 10 a 12 horas com o mínimo de tempo para almoço ou café. Somado ao tempo de viagem e de espera nos pontos de saída, eles ficam cerca de 18 horas fora de casa.
  Em anos recentes houve diversas denúncias e casos de boias-frias flagrados sob a exploração de trabalho escravo e semi-escravo, o que faz desta classe um tema constante na luta por direitos humanos.
  Em geral, recebem menos que o salário mínimo oficial fora do tempo de colheita, e um pouco mais no período de safra, porém, sem qualquer dos benefícios conquistados pelos trabalhadores permanentes, como férias, 13° salário, indenizações, descanso remunerado etc. No que diz respeito à assistência médica, ela é inexistente e se tornou reivindicação dos trabalhadores nos movimentos por eles realizados.   Para agravar o quadro, ainda existem regiões em que toda a família trabalha como boia-fria, inclusive as crianças, que deixam de ir à escola para ajudar a família.
É muito comum ocorrer o trabalho infantil no campo
   Os boias-frias surgiram principalmente pelo trabalho assalariado nas propriedades rurais. Em sua grande maioria eram assalariados que moravam nas fazendas, em colônias com dezenas de casas, recebiam salários, cultivavam pequenas lavouras, cuja colheita vendiam ao próprio fazendeiro ou nas cidades próximas. Outros eram pequenos proprietários, que ganhavam muito pouco com o que produziam e, quando os grandes proprietários de terras passaram a oferecer pagamento, e não parte da produção, esses pequenos proprietários venderam suas terras e foram trabalhar nas lavouras, principalmente no cultivo da cana-de-açúcar.
  Muitos dos boias-frias são analfabetos ou semianalfabetos, que se sujeitam ao trabalho no campo em diversas culturas, quase sempre em períodos de colheitas.
  Os boias-frias dirigem-se para o trabalho entre quatro e cinco horas da manhã, momento em que o caminhão (ou ônibus) passa para transportá-los até a plantação. Muitas vezes é o próprio motorista do transporte quem executa a negociação, e cada indivíduo ganha pelo que produz.
Caminhões transportando boias-frias
  Nas entressafras os trabalhadores ficam sem trabalho e buscam serviço em outras regiões. Assim, eles vivem migrando de uma região para outra. O fluxo desses trabalhadores fica entre os estados de São Paulo, Paraná, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, atuando especialmente na colheita de cana-de-açúcar, algodão, café e laranja.
  Esses trabalhadores passam por muitos problemas em face das condições desgastantes de trabalho. Para obter maiores ganhos, se sujeitam a um imenso esforço físico, muitos chegam a ter problemas de saúde ou mesmo a perderem suas vidas. Como quase todos trabalham sem carteira assinada, eles não recebem nenhuma assistência por parte dos empregadores ou dos órgãos governamentais.
  Nos últimos anos, verifica-se que é cada vez maior a mecanização do campo, piorando ainda mais a situação dos boias-frias. Em muitas cidades eles estão chegando bem antes do período em que terão trabalho, para assim garantir a chance de emprego temporário.
Com a mecanização, muitos dos boias-frias acabam ficando sem renda
FONTE: Giardino, Cláudio. Geografia nos dias de hoje, 7° ano / Cláudio Giardino, Ligia Ortega, Rosaly Braga Chianca. - 1. ed. - São Paulo: Leya, 2012. - (Coleção nos dias de hoje)

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

A CRISE ECONÔMICA E FINANCEIRA DE 2008

  No início do segundo semestre de 2008, o mundo capitalista conheceu uma séria crise financeira e econômica, iniciada nos Estados Unidos, em 2007. Os analistas econômicos, tanto do setor privado como de governos de países e organismos internacionais, classificavam a crise como de maior gravidade desde a intensificação do processo de globalização, a partir dos anos 1970.
  As causas da crise estão relacionadas à expressiva expansão dos financiamentos para compra de imóveis nos Estados Unidos, em razão dos juros baixos, que o governo norte-americano vinha mantendo desde o início do século. Isso gerou uma forte valorização no preço dos imóveis que inclusive estimulava as pessoas que haviam contraído financiamentos (mutuários) a refinanciar suas dívidas. Nesse refinanciamento, os mutuários recebiam uma diferença em dinheiro, em geral utilizada para consumo. Diversos bancos criaram títulos que tinham como garantia os financiamentos para compra de imóveis (títulos garantidos com hipotecas). Investidores que adquiriram esses títulos emitiram, por sua vez, outros títulos que tinham como garantia os títulos anteriores. Isso se espalhou por todo o sistema financeiro.
  No entanto, com o consumo em alta, a inflação aumentou. Para frear esse aumento, o governo dos Estados Unidos elevou os juros, o que afetou também as mensalidades dos financiamentos dos imóveis, que ficaram mais caros. Como consequência, centenas de milhares de proprietários deixaram de pagar os financiamentos, os preços dos imóveis despencaram e os títulos se desvalorizaram acentuadamente.
Mapa mostrando as taxas de crescimento real do PIB para 2008
  Em decorrência, houve quebra de bancos, de empresas e cortes de empregos. Os bancos reduziram a oferta de crédito e muitos consumidores ficaram sem recursos para comprar mercadorias. As demissões reduziram o mercado de consumo, e os que não perderam o emprego preferiram poupar. Com isso, a crise se intensificou.
  A crise financeira de 2008 foi a maior da história do capitalismo desde a grande depressão de 1929. O evento detonador da crise foi a falência do banco de investimentos Lehman Brothers no dia 15 de setembro de 2008, após a recusa do Federal Reserve (Fed, banco central americano) em socorrer a instituição. Essa atitude repercutiu negativamente nos mercados financeiros, rompendo a convenção dominante de que a unidade monetária norte-americana iria socorrer todas as instituições financeiras afetadas pelo estouro da bolha especulativa no mercado imobiliário.
Resultado da crise econômica de 2008
  O rompimento dessa convenção produziu pânico entre as instituições financeiras, o que resultou num aumento significativo da sua preferência pela liquidez, principalmente no caso dos bancos comerciais. O aumento da procura pela liquidez detonou um processo de venda de ativos financeiros em larga escala, levando a um processo de deflação, com quebra súbita e violenta dos preços dos ativos financeiros e a contração do crédito bancário para transações comerciais e industriais.
  Os governos dos países desenvolvidos responderam a essa crise por meio do uso de políticas fiscal e monetária expansionistas. O Fed reduziu a taxa de juros de curto prazo para 0% e aumentou o seu balanço em cerca de 300% para proporcionar liquidez para os mercados financeiros nos Estados Unidos. Políticas similares foram adotadas pelo Banco Central Europeu (BCE) e pelo Banco do Japão. Na zona do Euro, os governos foram liberados dos acordos fiscais que tinham sido estabelecidos pelo Tratado de Maastrich, sendo autorizados a aumentar os déficits fiscais além dos limites impostos por esse tratado.
  Na China, o governo aumentou o investimento público - fundamentalmente em infraestrutura - em mais de US$ 500 bilhões com o intuito de manter uma elevada taxa de crescimento econômico.
Protesto contra a crise financeira de 2008-2009
  No Brasil, a expansão fiscal começou antes da expansão monetária devido ao comprometimento do Banco Central brasileiro com um regime de metas de inflação bastante rígido. Nesse contexto, o então presidente Luís Inácio Lula da Silva aprovou um pacote de estímulo fiscal no fim de 2008, constituído do aumento do investimento público, redução de impostos e aumento do salário mínimo e do seguro desemprego. A redução da taxa de juros começou apenas em janeiro de 2009, após o colapso da produção industrial e da disseminação de rumores quanto a possível demissão do presidente do Banco Central.
  Em razão da forte integração entre as economias nacionais no contexto da globalização, e pelo fato de a crise ter surgido nos Estados Unidos e ter afetado sua economia - país que gera 1/5 do PIB mundial -, seus efeitos rapidamente foram sentidos em todo o mundo, em maior ou menor grau.
  Os desdobramentos para a crise iniciada no segundo semestre de 2008 eram incertos e dependiam também da eficácia da intervenção dos governos dos países, particularmente dos desenvolvidos. Esses elaboraram diversas estratégias de socorro a bancos e outras empresas. O governo norte-americano, inicialmente, já havia disponibilizado cerca de 700 bilhões de dólares para suas medidas. Governos de diversos países, inclusive os subdesenvolvidos, também criaram estratégias para minimizar os efeitos da crise financeira e econômica.
Protestos em Nova York por causa da crise de 2008
  Com a crise, a desregulamentação do sistema financeiro internacional, um dos pilares do neoliberalismo, passou a ser fortemente questionada. A necessidade de fiscalização, de controle mais rigoroso da economia por parte do Estado e de investimentos públicos em saúde, educação, infraestrutura e saneamento básico, entre outros setores, passaram a ser novamente discutidos, com o objetivo de discutir quais as melhores políticas econômicas a serem  adotadas dentro do sistema capitalista.   Com efeito, é cada vez maior o volume de dinheiro aplicado nos bancos e nas bolsas de valores, sendo que boa parte dele circula em busca de melhores ganhos e lucros. Se em 1980, o PIB mundial era de US$ 10 trilhões, o volume aplicado no mercado financeiro e de ações era de US$ 12 trilhões. Já em 2007, enquanto o PIB era de US$ 48 trilhões, os investimentos em títulos e ações atingiam US$ 167 trilhões. Com isso, as possibilidades de intensa especulação, de riscos e de crises são maiores.
Em Birmingham (Inglaterra), clientes do Banco Northern Rock fazem fila para sacar dinheiro, após o banco sofrer intervenção do governo do Reino Unido, o primeiro desde 1860
  Os países em desenvolvimento tiveram um desempenho econômico muito superior ao dos países desenvolvidos durante a crise. O crescimento econômico da China foi de 8,5% em 2009, reduzindo em apenas 0,5% em relação a 2008. A Índia teve um crescimento no PIB de 5,4% em 2009, frente a 7,3% de 2008. Em 2008, o Brasil tinha apresentado um crescimento econômico de 5,1%, e com a crise, em 2009, o país recuou 0,7%, fechando em 4,4%.
  Os Estados Unidos, com a crise, cresceu apenas 1,6% em 2008, e em 2009 o país teve um crescimento negativo de 3,1%. A Rússia, após crescer 5,6% em 2008, teve uma queda de 7,5% na sua economia em 2009.
Resultado do crescimento econômico de alguns países com a crise de 2008
FONTE: Lucci, Elian Alabi. Geografia: homem & espaço, 8° ano / Elian Alabi Lucci, Anselmo Lázaro Branco. - 23. ed. - São Paulo: Saraiva, 2010.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

A AMPLIAÇÃO DOS PROBLEMAS SOCIOECONÔMICOS NAS GRANDES CIDADES DOS ESTADOS UNIDOS

  Embora sejam totalmente ricos e desenvolvidos, os Estados Unidos não estão isentos de problemas: o preconceito racial, a xenofobia, a falta de matérias-primas e a manutenção de sua balança comercial estão entre os de maior controvérsia social, política e econômica do país.
  Mesmo os programas de revitalização urbana, as grandes cidades estadunidenses têm apresentado problemas cada vez mais graves, relacionados, sobretudo, à condição socioeconômica da população.
  Algumas medidas tomadas pelo governo, como a excessiva elevação de impostos e o corte de verbas destinadas à realização de obras sociais (habitação, saúde e educação), causaram o empobrecimento de alguns segmentos da população do país nas últimas décadas. Essas medidas contribuíram para o aumento da concentração de renda e, como consequência, também do número de pobres, que hoje correspondem a mais de 15% do total da população (cerca de 47 milhões de habitantes). É justamente essa parcela da população que sofre com a falta de moradia e acaba residindo nas áreas mais deterioradas das cidades, bairros onde proliferam a violência, a criminalidade e o tráfico de drogas.
Bairro periférico de Nova York - EUA
  Esses problemas atingem principalmente a população afrodescendente e imigrante, bastante discriminada na sociedade estadunidense. Atualmente, a discriminação racial é proibida por lei em todo o país, mas nem por isso vem sendo possível eliminá-la. Os afrodescendentes, por exemplo, são marginalizados, e muitos dos crimes cometidos no país estão relacionados à prática do racismo.
  Até os anos 1970, a questão étnica era restrita, na prática, à população negra, habitante dos estados do sul, nos quais os negros e demais minorias étnicas tiveram seus direitos socialmente restritos. Esse problema foi se agravando cada vez mais devido ao crescente fluxo de estrangeiros que imigraram da América Latina e da Ásia nas últimas décadas. Geralmente, as taxas de natalidade dessas minorias são mais elevadas do que a do resto da população, favorecendo a pressão demográfica e os problemas urbanos nas grandes cidades norte-americanas.
Estimativa da população étnica dos EUA em 2020
  Apesar de serem iguais perante a lei, a população de origem africana é colocada em atraso social e economicamente em relação à população branca. Os afro-americanos são a maior minoria racial e o terceiro maior grupo racial dos Estados Unidos, perdendo apenas para os brancos e os hispânicos.
  Nova York, como todas as grande metrópoles mundiais, enfrenta enormes problemas de cunho socioeconômico. Cerca de um milhão de habitantes recebem algum tipo de ajuda social, e dezenas de milhares de famílias vivem em guetos espalhados pela cidade. Muitas pessoas sem teto são obrigadas a viver na rua, além de conviverem com a poluição, a desigualdade socioeconômica e o alto custo de vida. As altas taxas de criminalidade e os conflitos raciais são também problemas que a cidade enfrenta.
  A partir de 2013, o número de pessoas desabrigadas, que iam dormir em abrigos de Nova York era de 60 mil, dos quais, 22 mil eram crianças. O motivo da crise em Nova York (no quesito moradores de rua) era a falta de assistência de habitação local para indivíduos e famílias que não tem moradia. Apesar de todos esses problemas, Nova York, desde 2005, apresenta a menor taxa de criminalidade entre as 25 maiores cidades dos Estados Unidos.
Ruas de Bronx, em Nova York - EUA

  Cerca de 2,6 milhões de pessoas nos Estados Unidos passaram da classe média para abaixo da linha de pobreza. Cerca de 15,4 milhões de pessoas vivem em extrema pobreza no país. Tudo isso é resultado da recessão que atingiu o país em 2008, e que vem se arrastando até os dias atuais, levando desemprego e empobrecimento da população.
  Muitas cidades norte-americanas têm escolhido punir criminalmente as pessoas que moram nas ruas por estarem fazendo o que qualquer ser humano faria para sobreviver, inclusive criando leis que penalizam as pessoas que realizam o simples ato de sentarem ou deitarem em lugares como parques e praias. A cidade de Los Angeles tem uma das maiores concentrações de pessoas sem-teto dos Estados Unidos, com mais de 60 mil pessoas desabrigadas, perdendo apenas para Nova York.
  O governo dos Estados Unidos reconhece quatro categorias de pessoas que se qualificam como legalmente desabrigados:
  • aqueles que estão atualmente sem abrigo;
  • aqueles que se tornaram sem-teto no futuro iminente;
  • certos jovens e famílias com crianças que sofrem de instabilidade causada por uma dificuldade;
  • aqueles que sofrem de instabilidade causado por violência doméstica.
Morador de rua de Los Angeles - EUA
  Por causa de sua condição econômica, os Estados Unidos são o país do mundo que mais recebe imigrantes, a maioria proveniente da América Latina e da Ásia. Atraídos pela possibilidade de melhores condições de vida, proporcionadas por maiores remunerações, muitos imigrantes entram ilegalmente nos Estados Unidos. Nessa condição, a maioria ingressa nas atividades informais e de baixa qualificação, cujos salários geralmente são menores (como as atividades desempenhadas por faxineiros, garçons, lavadores de carros, empregados domésticos, etc.).   Os imigrantes engrossam a parcela da população mais pobre, o que leva o governo estadunidense a adotar medidas que restringem a imigração, como o maior rigor na emissão de vistos de entrada no país e uma intensa fiscalização nas áreas de fronteira.
Contraste socioeconômico entre Tijuana, no México (direita) e San Diego, EUA (esquerda)
FONTE: Geografia espaço e vivência: a dinâmica dos espaços da globalização, 9° ano / Levon Boligian ... [et al.]. -- 4. ed. -- São Paulo: Saraiva, 2012.

domingo, 15 de fevereiro de 2015

A FLEXIBILIDADE GEOGRÁFICA DAS EMPRESAS

  Desde o final do século XIX, formaram-se as grandes empresas a partir dos trustes e oligopólios com sede nas metrópoles e filiais em diversos países, chamadas de multinacionais. Esse modelo, em geral, reproduzia tecnologias oriundas da sede, garantia a localização próxima às fontes de obtenção de matérias-primas e assegurava a venda de produtos industrializados. Mais recentemente, essas empresas ficaram conhecidas como transnacionais, termo mais apropriado, pois adotaram novos procedimentos, como a especialização das filiais em fases específicas do processo de produção, mudança da sede ou divisão dela por diversos países, deslocamento de unidades produtivas em busca de rentabilidade e a criação de centros de pesquisas e desenvolvimento de tecnologias inovadoras nas filiais.
Processo de produção numa fábrica
  As empresas transnacionais são corporações industriais, comerciais e de prestação de serviços que possuem matriz em um determinado país e atua em diversos territórios distintos dispersos pelo mundo, ultrapassando os limites territoriais dos países de origem das empresas com a instalação de filiais em outros países em busca de mercado consumidor, energia, matéria-prima e mão de obra baratas.
  As primeiras empresas transnacionais surgiram no final do século XIX, atingindo o seu auge no pós Segunda Guerra Mundial. No Brasil, essas empresas começaram a ganhar importância no governo de Juscelino Kubitschek, quando o país procurou atrair montadoras estrangeiras de veículos, como a Toyota, Volkswagen, Willys (montadora norte-americana que produzia o popular Jeep), entre outras. As montadoras norte-americanas Ford e GM já possuíam linhas de montagem de veículos no Brasil desde 1919 e 1925, respectivamente.
Juscelino Kubitschek, durante a inauguração da fábrica da Volkswagen, em 1959
  Muitas das transnacionais realizam o processo de truste. Truste é a fusão de várias empresas de modo a formar um monopólio com o intuito de dominar determinada oferta de produtos e/ou serviços. É a expressão utilizada para designar as empresas ou grupos que, sob uma mesma orientação, mas sem perder a autonomia, se reúnem com o objetivo de dominar o mercado e suprimir a livre concorrência. Essas empresas quando se unem, controlam todas as etapas da produção, desde a retirada de matéria-prima da natureza até a distribuição das mercadorias. Os trustes podem ser horizontais ou verticais.
  Nos trustes horizontais as empresas fabricam o mesmo produto e correspondem a uma estrutura de mercado de concorrência imperfeita, no qual o mercado é controlado por um número reduzido de empresas, de tal forma que cada uma tem que considerar os comportamentos e as reações das outras empresas quando tomam decisões de mercado.
  Os trustes verticais ocorre quando as empresas visam controlar, de forma sequencial, a produção de determinado gênero industrial, desde a matéria-prima até o produto acabado, sendo que as empresas podem ser de diversos ramos.
Exemplo de empresas que praticaram o truste
  O monopólio ocorre quando uma única empresa detém o mercado de um determinado produto ou serviço, conseguindo influenciar o preço do bem que comercializa. Os monopólios podem surgir devido a características particulares do mercado ou devido a regulamentação governamental (monopólio coercivo). Um exemplo prático de monopólio existente no Brasil refere-se à exploração petrolífera, onde a Petrobras é a única responsável pela exploração do petróleo no país. Isso reflete diretamente nos preços dos combustíveis, fazendo com que o Brasil tenha um dos combustíveis mais caros do mundo.
A Petrobras é o maior exemplo de monopólio existente no Brasil
  O oligopólio ocorre quando poucas empresas dominam um determinado setor da economia. Em um oligopólio, as alterações nas condições de atuação de uma empresa vai influenciar o desempenho de outras empresas no mercado. Isto provoca reações que são mais relevantes quando o número de empresas do oligopólio é reduzido. Um oligopólio é caracterizado por:
  • um estado de hegemonia, em que existe luta para alcançar a supremacia total;
  • inflexibilidade dos preços, sendo que todos os vendedores aceitam os preços estabelecidos;
  • ocorrência de ações em conjunto, frequentemente dando origem aos trustes.
  São exemplos de oligopólios no Brasil as emissoras de TVs, as operadoras de telefonia, as distribuidoras de combustíveis, entre outras.
Exemplos de oligopólios no Brasil
  As atividades produtivas, mercantis e administrativas das transnacionais ultrapassam fronteiras, estendendo-se a diversos países. Os vínculos especiais com o país de origem diminuem na proporção em que aumenta seu poder independente em um mercado globalizado e sem fronteiras. Essas corporações se espalharam pelo mundo e assumiram a hegemonia na economia mundial. O processo que permitiu essa expansão, foi o da extrema competição por meio de inovações em seus produtos e da eliminação dos concorrentes, realizando a prática de dumping.
  Dumping é uma prática comercial que consiste em uma ou mais empresas de um país a venderem seus produtos, mercadorias ou serviços por preços extraordinariamente abaixo do seu valor de mercado por um determinado tempo, com o objetivo de eliminar os seus concorrentes. É muito utilizado principalmente entre países que exportam um determinado produto, sendo uma forma de ganhar quotas de mercado. Quando uma empresa pratica o dumping e provoca a eliminação de seus concorrentes, essa empresa coloca os preços dos seus produtos acima do valor de mercado, prejudicando os consumidores.
Em 2011, o governo chinês acusou o Brasil de praticar dumping no setor de celulose
  Com enorme faturamento das transnacionais, acelerado a partir da década de 1990, essas megaempresas controlam todos os setores da economia: agricultura, indústria, comércio e serviços. Muitas delas se transformam em holding e conglomerados.
  Um holding, sociedade holding ou sociedade gestora de participações sociais é uma forma de sociedade criada com o objetivo de administrar um grupo de empresas. A holding administra e possui a maioria das ações ou cotas das empresas componentes de um determinado grupo. Essa forma de sociedade é muito utilizada por médias e grandes empresas e, normalmente, visa a melhorar a estrutura de capital, ou é usada como parte de uma parceria com outras empresas ou mercado de trabalho. Existem duas modalidades de holding:
  • a pura, quando, do seu objetivo social, consta somente a participação no capital de outras sociedades;
  • a mista, quando, além da participação, ela serve também à exploração de alguma atividade empresarial.
A Unilever é um exemplo de holding
  Um conglomerado é a combinação de duas ou mais corporações com atividades em diferentes tipos de negócio, mas que estão sob uma mesma estrutura corporativa (ou grupo empresarial), geralmente uma holding e várias subsidiárias.
  Os conglomerados são considerados uma forma de oligopólio e ficaram populares na década de 1960 nos Estados Unidos, devido a uma combinação de baixa taxa de juros e uma forte tendência do mercado na época. Os maiores conglomerados são norte-americanos e japoneses.
  São exemplos de conglomerados: Mitsubishi, Ambev, Coca-Cola, Fiat, Siemens, GE, Nestlé, Toshiba, Pepsico, Itaú, Grupo Guararapes, LG, Samsung, Toyota, Grupo JBS, entre outras.
Grupo JBS - exemplo de conglomerado
  Com as novas facilidades de comunicações e de transporte, as transnacionais puderam flexibilizar sua localização, instalando unidades produtoras em países onde os custos são mais baixos. Isso aumentou a integração de muitos países à economia mundial, como os chamados Tigres Asiáticos e, posteriormente, a China e o Vietnã.
  As partes de um mesmo produto pode ser fabricadas em diferentes países e montadas em outro. Muitas transnacionais nem sequer fabricam seus produtos: cuidam de projetos e da manutenção da marca. O processo de produção de componentes é realizado por indústrias localizadas em países em que existem condições atraentes (como mão de obra barata). A montagem final do produto segue o mesmo padrão em todas as partes do mundo. Com essa descentralização da produção, os produtos não possuem mais origem definida, o chamado made in. Muitas dessas empresas realizam o sistema just in time.
A grande maioria dos produtos consumidos no mundo possuem a logomarca made in
  Just in time é um sistema de administração da produção que determina que nada deve ser produzido, transportado ou comprado antes da hora exata. Pode ser aplicado em qualquer organização, para reduzir os estoques e os custos decorrentes. O just in time é o principal pilar do Sistema Toyota de Produção ou produção enxuta.
  Com esse sistema, o produto ou matéria-prima chega ao local de utilização somente no momento exato em que for necessário. Os produtos somente são fabricados ou entregues a tempo de serem vendidos ou montados.
  O conceito desse sistema está relacionado ao de produção por demanda, onde primeiramente vende-se o produto para depois comprar a matéria-prima e posteriormente fabricá-lo ou montá-lo. Nas fábricas onde esse sistema é implantado, o estoque de matéria-prima é mínimo e suficiente para poucas horas de produção. Para que isto seja possível, os fornecedores devem ser treinados, capacitados e conectados para que possam fazer entregas de pequenos lotes na frequência desejada.
  A redução do número de fornecedores para o mínimo possível é um dos fatores que mais contribui para alcançar os potenciais benefícios da política just in time. Essa redução gera vulnerabilidade em eventuais problemas de fornecimento, já que fornecedores alternativos foram excluídos e, por isso, há uma seleção cuidadosa dos fornecedores.
  As modernas fábricas de automóveis são construídas em condomínios industriais, onde os fornecedores just in time estão a poucos metros e fazem entregas de pequenos lotes na mesma frequência da produção montadora, criando um fluxo contínuo. O sistema de produção adapta-se mais facilmente às montadoras de produtos onde a demanda de peças é relativamente previsível e constante, sem grandes oscilações.
Esquema do sistema just in time
  Uma das ferramentas que contribui para um melhor funcionamento do sistema just in time é o kanban. Kanban é uma palavra de origem japonesa que significa literalmente registro ou placa visível. É um cartão de sinalização que controla os fluxos de produção ou transportes em uma indústria. O cartão pode ser substituído por outro sistema de sinalização, como luzes, caixas vazias e até locais vazios demarcados.
  Coloca-se um kanban em peças ou partes específicas de uma linha de produção, para indicar a entrega de uma determinada quantidade. Quando se esgotarem todas as peças, o mesmo aviso é levado ao seu ponto de partida, onde se converte num novo pedido para mais peças. Quando for recebido o cartão ou quando não há nenhuma peça na caixa ou local definido, então deve-se movimentar, produzir ou solicitar a produção da peça.
  O kanban permite agilizar a entrega e a produção de peças. Pode ser empregado em indústrias montadoras, desde que o nível de produção não oscile em demasia.
Esquema do kanban
  A soma de bens e serviços finais produzidos em um lugar durante determinado tempo é expressa pelo Produto Interno Bruto (PIB). No entanto, o volume de vendas de muitas transnacionais ultrapassam o PIB de muitos países, e grande parte do lucro dessas empresas é remetida aos seus países de origem.
  Por essa razão, as transnacionais contam com os governos dos países-sede (potências como os Estados Unidos, França, Alemanha, Reino Unido e Japão) para apoiá-las e defender seus interesses. E, dessa forma, acabam exercendo também enorme poder sobre a economia e as decisões políticas dos países que a acolhem.
As maiores transnacionais do mundo
  Muitas vezes, as transnacionais realizam o cartel. Cartel é um acordo explícito ou implícito entre concorrentes para, principalmente, fixação de preços ou cotas de produção, divisão de clientes e de mercados de atuação ou, por meio da ação coordenada entre os participantes, eliminar a concorrência e aumentar os preços dos produtos, obtendo maiores lucros em prejuízo do bem-estar do consumidor.
  Os cartéis são considerados a mais grave lesão à concorrência e prejudicam consumidores ao aumentar preços e restringir a oferta, tornando os bens e serviços mais caros ou indisponíveis.
  Um dos exemplos mais claros de cartelização refere-se ao preço do petróleo no mercado mundial, cuja produção e distribuição do produto depende, em grande parte, da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo). No Brasil, essa prática é bastante comum principalmente nos postos de combustíveis, que acrescentam os décimos de centavos com o objetivo de enganar os consumidores.
O postos de combustível é um dos exemplos mais comum de cartel no Brasil
FONTE: Terra, Lygia. Conexões: estudos de geografia geral e do Brasil / Lygia Terra, Regina Araújo, Raul Borges Guimarães. - 2. ed. - São Paulo: Moderna, 2013.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

A "ERA MAUÁ"

  A Era Mauá é determinada pelas ações do Barão de Mauá, político e industrial brasileiro, no intuito de acelerar o cenário industrial do Brasil. No começo do século XIX, o panorama socioeconômico nacional apresentava-se da seguinte forma: concentração de interesses no campo, trabalho escravo e uma aristocracia que investia somente em terras e na própria segurança. Todos esses fatores impediam o crescimento do Brasil no que se refere à industrialização e ao capitalismo. A preocupação com o comércio e com a indústria era mínima, assim como a continuidade do escravismo, que dificultava o desenvolvimento da economia.
  As dificuldades impostas ao desenvolvimento manufatureiro no Brasil, com a baixa taxa alfandegária (15%) sobre os importados britânicos (o Tratado de Comércio e Navegação feito entre o governo brasileiro - D. João VI - e o governo inglês, foi o mais importante desses tratados), diminuíram no Segundo Reinado: em 1842, o governo não renovou o tratado de comércio com a Inglaterra e decretou, em 1844, a Tarifa Alves Branco, que elevava o tributo sobre os produtos importados.
Até a primeira metade do século XIX, o comércio de escravos era a segunda maior fonte de renda do Brasil, depois do comércio do café
  A Tarifa Alves Branco recebeu o nome de seu criador e foi implementada no dia 12 de agosto de 1844, aumentando em 30% as taxas dos produtos importados no Brasil. As novas determinações causaram impacto sobre cerca de três mil produtos e despertaram a insatisfação dos ingleses, acostumados com os privilégios na comercialização de seus produtos.
  Embora não tivesse sido essa intenção (pretendia-se na verdade aumentar a arrecadação de impostos), a decisão acabou por favorecer um surto de desenvolvimento manufatureiro interno. Já no ano seguinte à implantação das novas taxas de importação, somou-se ao aumento da arrecadação alfandegária a elevação do preço dos gêneros importados, o que estimulou a implantação de indústrias, sobretudo no ramo têxtil, para abastecer o mercado interno. Mesmo assim, as exigências do fisco acabaram rebaixando em 30% a taxação sobre os tecidos de algodão importado, quando se pleiteava cerca do dobro disso, limitando empreendimentos. Pressões dos "agraristas", que viam as tarifas protecionistas como um risco de medidas similares sobre os produtos agrários nacionais que eram exportados, acabaram se sobrepondo às intenções "industrialistas" assentadas em medidas alfandegárias de proteção.
Manuel Alves Branco (1797-1855) - criador da Tarifa Alves Branco
  É na vigência da Tarifa Alves Branco que se cria a estrutura necessária para os investimentos do conhecido Barão de Mauá, o qual investiu em diversas inovações tecnológicas e comerciais para o Brasil.
  Irineu Evangelista de Sousa, barão e visconde de Mauá, foi comerciante, armador, industrial e banqueiro. Nascido em uma família de proprietários de pequena estância de criação de gado em Arroio Grande, no Rio Grande do Sul, na fronteira com o Uruguai, Irineu ascendeu socialmente pelos seus próprios méritos, estudos e iniciativa, sendo considerado um dos empreendedores mais importantes do Brasil no século XIX, estando à frente de grandes iniciativas e obras estruturadoras relacionadas ao progresso econômico do Segundo Reinado.
  No auge de sua carreira (1860), controlava dezessete empresas localizadas em seis países (Brasil, Uruguai, Argentina, Inglaterra, França e Estados Unidos). Foi pioneiro em várias áreas da economia do Brasil. Dentre as suas maiores realizações encontra-se a implantação da primeira fundição de ferro e estaleiro no país, a construção da primeira ferrovia brasileira, o início da exploração do rio Amazonas e afluentes, bem como o Guaíba e seus afluentes, no Rio Grande do Sul, com barcos a vapor, a instalação da iluminação pública a gás na cidade do Rio de Janeiro, a criação do primeiro Banco do Brasil, e a instalação do cabo submarino telegráfico entre a América do Sul e a Europa.
Irineu Evangelista de Sousa - o Barão de Mauá (1813-1889)
  Aos cinco anos de idade, em 1818, Irineu ficou órfão de pai, assassinado por ladrões de gado. Em 1821, sua mãe, Mariana de Jesus Batista de Carvalho, casou-se com João Jesus e, como seu novo esposo não desejava viver com os filhos do primeiro casamento da viúva, Irineu foi entregue para a guarda de um tio, Manuel José de Carvalho, que morava no interior de São Paulo, o qual proporcionou a sua alfabetização.
  Aos nove anos de idade, Irineu seguiu com outro tio, José Batista de Carvalho, comandante de embarcação da Marinha Mercante, que transportava em seu navio couros e charque do porto do Rio Grande para o Rio de Janeiro.
  No Rio de Janeiro, Irineu foi empregado em um estabelecimento comercial por indicação do seu tio, e ali se ocupou como caixeiro do armazém, a troco de moradia e comida. Aos onze anos foi trabalhar no comércio do português Antônio Pereira de Almeida, onde se vendiam desde produtos agrícolas até escravos - essa última a maior fonte de renda do comerciante -, de quem se tornou empregado de confiança, vindo a ser promovido, em 1828, a guarda-livros.
Cidade do Rio de Janeiro, no final do século XIX
  Diante da falência do comerciante, na crise do Primeiro Reinado, Irineu liquidou as dívidas do patrão. Por recomendação do antigo empregador, foi admitido na empresa de importação do escocês Richard Carruthers em 1830, onde aprendeu inglês, contabilidade e aperfeiçoou a arte da comercialização. Aos 23 anos tornou-se gerente e logo depois sócio da empresa. Quando Carruthers retornou para o Reino Unido, em 1839, Irineu assumiu os negócios da empresa.
  Uma viagem de negócios que fez à Inglaterra, em 1840, permitiu a Irineu conhecer fábricas, fundições de ferro e o mundo dos empreendimentos capitalistas, convencendo-o de que o Brasil deveria trilhar o caminho da industrialização.
  Ao retornar ao Brasil, diante da decretação da Tarifa Alves Branco e da alta dos preços do café no mercado internacional, Irineu decidiu tornar-se um industrial.
Foram as fábricas inglesas que inspiraram o Barão de Mauá a investir na industrialização do Brasil
  Tendo obtido junto ao governo imperial brasileiro a concessão do fornecimento de tubos de ferro para a canalização do rio Maracanã, na cidade do Rio de Janeiro (1845), liquidou os interesses da Casa Carruthers e, no ano seguinte, adquiriu uma pequena fundição situada na Ponta da Areia, em Niterói, na então Província do Rio de Janeiro, que depois transformou-a em um estaleiro de construções navais, dando início à indústria naval brasileira. O Estabelecimento de Fundição e Companhia Estaleiro da Ponta de Areia tornou-se o maior empreendimento industrial do Brasil na época, onde empregava mais de mil funcionários e produzia navios, caldeiras para máquinas a vapor, engenhos de açúcar, guindastes, prensas, artilharias, postes de iluminação e canos de ferro para água e gás. O estaleiro foi destruído por um incêndio em 1857 e reconstruído três anos mais tarde.
  Mauá foi muito conhecido também por suas ideias contrárias à escravidão, o que o distanciava das elites políticas do Império.
Estabelecimento de Fundição e Companhia Estaleiro da Ponta de Areia, em 1846
  Com a extinção do tráfico negreiro a partir da Lei Eusébio de Queirós (1850), os capitais até então empregados no comércio de escravos passaram a ser investidos na industrialização. Aproveitando essa oportunidade, Mauá passou a se dividir entre as atividades de industrial e banqueiro.
  Em meados do século XIX, possuía inúmeros empreendimentos industriais particulares. Mauá também se associou ao governo na construção de ferrovias e rodovias e, em 1874, fez instalar o cabo submarino para comunicação telegráfica entre o Brasil e a Europa. Mesmo assim, seu sucesso relativo foi muito mais decorrente de suas relações pessoais do que de uma política governamental de incentivos. Em 1860, por pressão dos cafeicultores ("agraristas"), foi reduzida a taxa para os importados, o que desestimulou investimentos em produção nacional.
  A sobrevivência de algumas fábricas nos anos 1860-1870 deveu-se também a uma conjuntura favorável: a Guerra de Secessão nos Estados Unidos (1861-1865), que quebrou sua produção de algodão, estimulando a produção têxtil no Brasil, e a Guerra do Paraguai (1866-1870), cujas despesas obrigaram o governo a buscar maior arrecadação, elevando as tarifas alfandegárias de importação. Mauá perdeu seus empreendimentos para os ingleses e acabou falindo em 1878.
Inauguração da Estrada de Ferro Dom Pedro II, em 1858 - uma das obras do Barão de Mauá
  A atuação de Mauá e de outros empreendedores mostrou a potencialidade da economia brasileira, que podia integrar-se à modernidade capitalista e desenvolver-se de maneira autônoma, embora ainda fosse inibidas pelas permanências em sua estrutura escravocrata e provinciana.
  A instalação de empreendimentos industriais no Brasil do Segundo Reinado, significou uma mudança nas relações entre o país e as potências capitalistas da época (Inglaterra e Estados Unidos, principalmente), sem, entretanto, romper a dependência. Apesar de certa modernização tecnológica, que permitiu rearranjos econômicos à medida que se desenvolviam as forças produtivas globais do capitalismo, o surgimento de novas e várias indústrias no Brasil nada mais foi que um "surto", e não um verdadeiro processo de industrialização.
Cédula impressa pelo Banco Mauá
  Outro aspecto do processo de modernização da economia brasileira foi a instalação de estradas de ferro com o objetivo de melhorar o sistema de comunicações e transportes e, assim, facilitar o escoamento da produção agrícola. Em 1854, foi inaugurada a primeira estrada de ferro do Brasil, a Rio-Petrópolis, obra de Mauá, ligando a Baía da Guanabara ao sopé da serra, com 14 km de extensão. No ano seguinte, com o patrocínio de empresas inglesas, teve início a construção da Ferrovia Recife-São Francisco e da Ferrovia Dom Pedro II, mais tarde chamada de Central do Brasil, que recebeu também recursos do governo e de diversos empresários brasileiros, devendo interligar o Rio de Janeiro e São Paulo.
  A modernização dos transportes esteve intimamente relacionada ao desenvolvimento econômico do Império, unindo os centros produtores aos portos pelos quais a produção escoava, com destaque para o açúcar no Nordeste e, especialmente, o café no Centro-Sul. Após a implantação da Estrada de Ferro Santos-Jundiaí, as ferrovias foram avançando até a Zona da Mata, em Minas Gerais, e pelo interior paulista.
Estrada de Ferro Santos-Jundiaí, em 1870
  A combinação das suas ideias, juntamente com o agravamento da instabilidade política da região platina, tornou o Barão de Mauá alvo das intrigas dos conservadores. As suas instalações passaram a ser alvo de sabotagens criminosas e os seus negócios foram abalados pela legislação que reduziu a taxa de importação sobre as importações de máquinas, ferramentas e ferragens. Com a falência do Banco Mauá, em 1875, pediu moratória por três anos, sendo obrigado a vender a maioria de suas empresas a capitalistas estrangeiros e os seus bens pessoais para liquidar as dívidas.
  Doente, minado pelo diabetes, após liquidar as suas dívidas, encerrou um capítulo de sua vida empresarial. Com o pouco que lhe restou e o auxílio de familiares, dedicou-se à corretagem de café até falecer, aos 76 anos de idade, em sua residência, na cidade de Petrópolis poucas semanas antes da queda do Império.
Gravura de Mauá, em 1884
FONTE: Vicentino, Cláudio. História geral e do Brasil / Cláudio Vicentino, Gianpaolo Dorigo. - 2. ed. - São Paulo: Scipione, 2013.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

MUDANÇAS NA CORRENTE DO GOLFO

  A corrente do Golfo ou Gulf Stream, em inglês, é um corrente marítima quente do oceano Atlântico que tem sua origem no Golfo do México, nas Antilhas, passa pelo estreito da Flórida e segue pela costa leste dos Estados Unidos, até atingir a Europa, aumentando a temperatura nos países do oeste deste continente (pois se não fosse essa corrente, os países costeiros da Europa teriam temperaturas baixíssimas).
  Na sua origem, a corrente do Golfo surge a partir da força dos ventos que sopram no golfo do México, mas no Atlântico Norte essa corrente é mantida graças a circulação termoalina (circulação oceânica global movida pelas diferenças de densidade das águas dos oceanos devido a variações de temperatura ou salinidade em alguma região oceânica superficial). Essa circulação oceânica não sofre influência direta da atmosfera devido a sua profundidade.
Circulação termoalina
  No Atlântico Norte, a corrente do Golfo, que vai do Equador em direção ao Polo Norte, transporta o calor da zona equatorial para toda a Europa Ocidental. Ao chegar ao Mar da Noruega, a água da corrente do Golfo, mais quente e mais salgada, encontra as águas frias e menos salgadas vindas do polo; sendo mais densa devido à sua maior salinidade, ela desce em direção às profundezas do oceano.
  A corrente do Golfo é uma das mais fortes correntes marinhas conhecidas. Movimenta-se com fluxo de 30 milhões de metros cúbicos por segundo. Após passar pelo Cabo Hatteras (na costa da Carolina do Norte - EUA), esse fluxo aumenta para 80 milhões m³/s, ultrapassando facilmente o volume de todos os rios que desaguam no Atlântico.
  O efeito da corrente do Golfo é suficiente para fazer com que certas regiões do oeste da Grã-Bretanha, do sudoeste da Noruega e de toda a Irlanda tenham uma temperatura média de vários graus Celsius mais elevada do que outras regiões desses países, fazendo com que plantas de clima tropical consigam sobreviver aos invernos rigorosos dessa parte da Europa.
Em amarelo e laranja está a corrente do Golfo
  Em 2005, depois de 50 anos de observação, pesquisadores do Centro Nacional de Oceanografia da Grã-Bretanha concluíram que as correntes derivadas da corrente do Golfo estão enfraquecendo.
  Quando se origina no Mar das Antilhas e, ao se dirigir para latitudes mais altas, a corrente do Golfo se divide. Um ramo chega ao nordeste da Europa, aquecendo a atmosfera e o continente. A outra parte da corrente retorna para o Atlântico.
  Quando alcança a Islândia e a Groenlândia, a água já esfriou, tornando-se mais densa e indo para regiões mais profundas do oceano. Em profundidade, a água fria forma a corrente de retorno, que se dirige para o sul. A partir daí o ciclo se repete.
  Os cientistas constataram mudanças na corrente nos últimos 50 anos. A corrente fria de profundidade está perdendo intensidade. Esse fenômeno pode estar ocorrendo em função de variações naturais ou por causas antropogênicas, ou seja, provocadas pelo homem. O fato é que isto causará mudanças na costa oeste da Europa nas próximas décadas.
Movimentos das correntes marinhas
  O motor que impele a corrente do Golfo está enfraquecendo e desacelerando o movimento circular das águas. Esse fluxo é mantido e impulsionado por um redemoinho que se forma pela mistura de água gelada, proveniente do Ártico, com água quente trazida de áreas tropicais.
  O aquecimento global está fazendo com que as geleiras do Ártico derretam, mas também faz aumentar a pluviometria do Atlântico Norte. Esses dois fenômenos reunidos constituem um fator no aumento da água doce nessa região. Se esse fenômeno for muito grande, a corrente do Golfo poderia parar, e uma grande quantidade de água doce aumentaria a diferença de salinidade da água entre o Equador e o Mar da Noruega. O local de mergulho das águas quentes e salgadas iria localizar-se sobre a região dos Açores, e a corrente do Golfo iria contrair-se sobre si mesma, não passando além dessa região.
  Essa mudança seria bastante rápida, em menos de dez anos, e a temperatura de toda a Europa Ocidental (de Portugal à Finlândia) baixaria em torno de 5°C, fazendo com que os países que possuem o clima mediterrâneo (como é o caso da Espanha e de Portugal, cujos invernos não possuem temperaturas muito baixas e os verões são bastante quentes), poderiam ter temperaturas iguais as de Oslo, capital da Noruega, onde as temperaturas são baixíssimas durante o inverno e não muito elevadas no verão, modificando todo o ciclo natural da região.
Oslo, Noruega, durante o inverno
  Essas mudanças poderiam trazer consequências também para o Brasil, principalmente para a região Nordeste, onde o ciclo de chuvas do sertão depende de vários fatores, principalmente da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT).
  A ZCIT atua na área que circunda a Terra próxima ao Equador, onde os ventos originários dos hemisférios norte e sul se encontram, entre as latitudes 10° N e 5°S. Ela se apresenta como uma faixa de nuvens com grande desenvolvimento vertical (cumulonimbus), de 3 a 5 graus de largura, frequentemente de tempestades.
  As nuvens da chuva da zona de convergência intertropical são alimentadas em boa parte pelo sistema de baixa pressão atmosférica da região da Terra Nova, no Canadá, próximo ao Círculo Polar Ártico. Quando a baixa pressão é mais forte na Terra Nova, o ar úmido engrossa a ZCIT que se desloca em direção as águas mais quentes próximas ao Equador, acompanhando com um pequeno atraso o movimento do sol. Assim, quando o sol atravessa a linha do Equador no equinócio de outono do hemisfério sul (que ocorre entre os dias 20 e 21 de março), a ZCIT atinge sua posição mais ao sul, com o seu centro sobre o sertão nordestino, provocando chuvas.
Área de atuação da ZCIT


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  Às vezes, porém, a chuva não chega, porque o movimento da ZCIT depende da temperatura das águas do oceano, que na região equatorial varia entre 26° e 29°C. Com as águas do Atlântico Norte mais frias, a ZCIT desloca-se para o sul, trazendo suas nuvens carregadas. Se as águas do Atlântico Sul estiverem mais frias, as nuvens carregadas vão em direção à Amazônia e à Ilha do Marajó, provocando seca no sertão nordestino. A mudança na corrente do Golfo pode quebrar o ciclo da ZCIT e, consequentemente, provocar mudanças no regime de chuvas do sertão do Nordeste. Até agora não se sabe se essa mudança trará mais chuvas ou mais secas para o Nordeste.
A mudança na corrente do Golfo pode afetar também o regime de chuvas no Brasil
FONTE: Terra, Lygia. Conexões: estudos de geografia geral e do Brasil / Lygia Terra, Regina Araújo, Raul Borges Guimarães. - 2. ed. - São Paulo: Moderna, 2013.

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